/ Cristianismo: Perguntas e respostas: CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA - Segunda parte

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sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA - Segunda parte

SEGUNDA PARTE - A CELEBRAÇÃO DO MISTÉRIO CRISTÃO
INTRODUÇÃO
POR QUE A LITURGIA?
1066 No Símbolo da Fé, a Igreja confessa o mistério da Santíssima Trindade e seu “desígnio
benevolente” (Ef 1,9) sobre toda a criação: o Pai realiza o “mistério de sua vontade” entregando
seu Filho bem-amado e seu Espírito para a salvação do mundo e para a glória de seu nome. Este
é o mistério de Cristo, revelado e realizado na história segundo um plano, uma “disposição”
sabiamente ordenada que São Paulo denomina “a realização do mistério” (Ef 3,9) e que a
tradição patrística chamará de “Economia do Verbo Encarnado” ou “a Economia da Salvação”.
1067 “Esta obra da redenção humana e da perfeita glorificação de Deus, da qual foram
prelúdio as maravilhas divinas operadas no povo do Antigo Testamento, completou-a Cristo
Senhor, principalmente pelo mistério pascal de sua bem-aventurada paixão, ressurreição dos
mortos e gloriosa ascensão. Por este mistério, Cristo, 'morrendo, destruiu nossa morte, e
ressuscitando, recuperou nossa vida'. Pois do lado de Cristo adormecido na cruz nasceu o
admirável sacramento de toda a Igreja[ag4] .” Esta é a razão pela qual, na liturgia, a Igreja
celebra principalmente o mistério pascal pelo qual Cristo realizou a obra da nossa salvação.
1068 E este mistério de Cristo que a Igreja anuncia e celebra em sua liturgia, a fim de
que os fiéis vivam e dêem testemunho dele no mundo:
Com efeito, a liturgia, pela qual, principalmente no divino sacrifício da Eucaristia, “se
exerce a obra de nossa redenção”, contribui do modo mais excelente para que os fiéis, em sua
vida, exprimam e manifestem aos outros o mistério de Cristo e a genuína natureza da verdadeira
Igreja.
QUE SIGNIFICA A PALAVRA LITURGIA?
1069 A palavra “liturgia” significa originalmente “obra pública”, “serviço da parte do povo
e em favor do povo”. Na tradição cristã. ela quer significar que O povo de Deus toma parte na
“obra de Deus”. Pela liturgia, Cristo, nosso redentor e sumo sacerdote, continua em sua Igreja,
com ela e por ela, a obra de nossa redenção.
1070 A palavra “liturgia” no Novo Testamento é empregada para designar não somente a
celebração do culto divino, mas também o anúncio do Evangelho e a caridade em ato. Em
todas essas situações, trata-se do serviço de Deus e dos homens. Na celebração litúrgica, a
Igreja é serva à imagem do seu Senhor, o único “liturgo”, participando de seu sacerdócio (culto)
profético (anúncio) e régio (serviço de caridade):
Com razão, portanto, a liturgia é tida como o exercício do múnus sacerdotal de Jesus
Cristo, no qual, mediante sinais sensíveis, é significada e, de modo peculiar a cada sinal,
realizada a santificação do homem, e é exercido o culto público integral pelo Corpo Místico de
Cristo, cabeça e membros. Disto se segue que toda a celebração litúrgica, como obra de Cristo
sacerdote e de seu corpo que é a Igreja, é ação sagrada por excelência, cuja eficácia, no
mesmo titulo e grau, não é igualada por nenhuma outra ação da Igreja.
A LITURGIA COMO FONTE DE VIDA
1071 Além de ser obra de Cristo, a liturgia é também uma ação de sua Igreja. Ela realiza e
manifesta a Igreja corno sinal visível da comunhão entre Deus e os homens por meio de Cristo.
Empenha os fiéis na vida nova da comunidade. Implica uma participação “consciente, ativa e
frutuosa” de todos.
1072 “A liturgia não esgota toda a ação da Igreja”: ela tem de ser precedida pela
evangelização, pela fé e pela conversão; pode então produzir seus frutos na vida dos fiéis: a vida
nova segundo o Espírito, o compromisso com a missão da Igreja e o serviço de sua unidade.
ORAÇÃO E LITURGIA
1073 A liturgia é também participação da oração de Cristo, dirigida ao Pai no Espírito
Santo Nela, toda oração cristã encontra sua fonte e seu termo. Pela liturgia, o homem interior é
enraizado e fundado [ag17] no “grande amor com, o qual o Pai nos amou” (Ef 2,4) em seu Filho
bem-amado. E a mesma “maravilha de Deus” que é vivida e interiorizada por toda oração, “em
todo tempo, no Espírito” (Ef 6,18).
CATEQUESE E LITURGIA
1074 “A liturgia é o ápice para o qual tende a ação da Igreja, e ao mesmo tempo é a
fonte donde emana toda a sua força.” Ela é, portanto, o lugar privilegiado da catequese do
povo de Deus. “A catequese está intrinsecamente ligada a toda ação litúrgica e sacramental,
pois é nos sacramentos, e sobretudo na Eucaristia, que Cristo Jesus age em plenitude para a
transformação dos homens.”
1075 A catequese litúrgica tem em vista introduzir no mistério de Cristo (ela é
“mistagogia”), procedendo do visível para o invisível, do significaste para o significado, dos
“sacramentos” para os “mistérios”. Tal catequese é da competência dos catecismos locais e
regionais. O presente Catecismo, que pretende servir para a Igreja inteira, na diversidade de seus
ritos e de suas culturas, apresentará o que é fundamental e comum a toda a Igreja no tocante à
liturgia como mistério e como celebração (Seção I), e em seguida os sete sacramentos e os
sacramentais (Seção II.).
PRIMEIRA SEÇÃO
A ECONOMIA SACRAMENTAL
1076 No dia de Pentecostes, pela efusão do Espírito Santo, a Igreja é manifestada ao
mundo. O dom do Espírito inaugura um tempo novo na “dispensação do mistério”: o tempo da
Igreja, durante o qual Cristo manifesta, toma presente e comunica sua obra de salvação pela
liturgia de sua Igreja, “até que ele venha” (1 Cor 11,26). Durante este tempo da Igreja, Cristo vive
e age em sua Igreja e com ela de forma nova, própria deste tempo novo. Age pelos
sacramentos; é isto que a Tradição comum do Oriente e do Ocidente chama de “economia
sacramental”; esta consiste na comunicação (ou “dispensação”) dos frutos do Mistério Pascal de
Cristo na celebração da liturgia “sacramental” da Igreja. Por isso, importa ilustrar primeiro esta
“dispensação sacramental” (Capítulo I). Assim aparecerão com mais clareza a natureza e os
aspectos essenciais da celebração litúrgica (Capítulo II.).
CAPÍTULO I
O MISTÉRIO PASCAL NO TEMPO DA IGREJA
ARTIGO I
A LITURGIA.
OBRA DA SANTÍSSIMA TRINDADE
I. O PAI, FONTE E FIM DA LITURGIA
1077 “Bendito seja o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com
toda sorte de bênçãos espirituais, nos céus, em Cristo. Nele escolheu-nos antes da fundação do
mundo para sermos santos e irrepreensíveis diante dele no amor. Ele nos predestinou para sermos
seus filhos adotivos por Jesus Cristo, conforme o beneplácito de sua vontade, para louvor e glória
de sua graça, com a qual ele nos agraciou no Bem-amado” (Ef 1,3-6).
1078 Abençoar é uma ação divina que dá a vida e da qual o Pai é a fonte. Sua bênção
é ao mesmo tempo palavra e dom (benedictio, eulogia, pronuncie “euloguia”). Aplicado ao
homem, esse termo significar a adoração e a entrega a seu criador, na ação de graças.
1079 Desde o início até a consumação dos tempos, toda a obra de Deus é bênção.
Desde o poema litúrgico da primeira criação até os cânticos da Jerusalém celeste os autores
inspirados anunciam o projeto de salvação como uma imensa bênção divina.
1080 Desde o começo, Deus abençoa os seres vivos, especialmente o homem e a mulher.
A aliança com Noé e com todos os seres animados renova esta bênção de fecundidade, apesar
do pecado do homem, por causa do qual a terra é “amaldiçoada”. Mas é a partir de Abra o
que a bênção divina penetra a história dos homens, que caminhava para a morte, para fazê-la
retomar à vida, à sua fonte: pela fé do “pai dos crentes” que acolhe a bênção, inaugura-se a
história da salvação.
1081 As bênçãos divinas manifestam-se em eventos impressionantes e salvadores: o
nascimento de Isaac, a saída do Egito (Páscoa e Êxodo), o dom da Terra Prometida, a eleição
de Davi, a presença de Deus no templo, o exílio purificador e o retomo de um “pequeno resto”.
A lei, os profetas e os salmos, que tecem a liturgia do povo eleito, lembram essas bênçãos divinas
e ao mesmo tempo lhes respondem mediante as bênçãos de louvor e de ação de graças.
1082 Na liturgia da Igreja, a bênção divina é plenamente revelada e comunicada: o Pai é
reconhecido e adorado como a fonte e o fim de todas as bênçãos da criação e da salvação;
em seu Verbo, encarnado, morto e ressuscitado por nós, ele nos cumula com suas bênçãos, e
por meio dele derrama em nossos corações o dom que contém todos os dons: o Espírito Santo
1083 Compreende-se então a dupla dimensão da liturgia cristã como resposta de fé e de
amor às “bênçãos espirituais” com as quais o Pai nos presenteia. Por um lado, a Igreja, unida a
seu Senhor e “sob a ação do Espírito Santo”, bendiz o Pai “por seu dom inefável” (2Cor 9,15)
mediante a adoração, o louvor e a ação de graças. Por outro lado, e até a consumação do
projeto de Deus, a Igreja não cessa de oferecer ao Pai “a oferenda de seus próprios dons” e de
implorar que Ele envie o Espírito Santo sobre a oferta, sobre si mesma, sobre os fiéis e sobre o
mundo inteiro, a fim de que pela comunhão com a morte e a ressurreição de Cristo Sacerdote e
pelo poder do Espírito estas bênçãos divinas produzam frutos de vida “para louvor e glória de sua
graça” (Ef 1,6).
II. A OBRA DE CRISTO NA LITURGIA
CRISTO GLORIFICADO...
1084 “Sentado à direita do Pai” e derramando o Espírito Santo em seu Corpo que é a
Igreja, Cristo age agora pelos sacramentos, instituídos por Ele para comunicar sua graça. Os
sacramentos são sinais sensíveis (palavras e ações), acessíveis à nossa humanidade atual.
Realizam eficazmente a graça que significam em virtude da ação de Cristo e pelo poder do
Espírito Santo
1085 Na liturgia da Igreja, Cristo significa e realiza principalmente seu mistério pascal.
Durante sua vida terrestre, Jesus anunciava seu Mistério pascal por seu ensinamento e o
antecipava por seus atos. Quando chegou sua hora[ag30] , viveu o único evento da história que
não passa: Jesus morre, é sepultado, ressuscita dentre os mortos e está sentado à direita do Pai
“uma vez por todas” (Rm 6,10; Hb 7,27; 9,12). É um evento real, acontecido em nossa história, mas
é único: todos os outros eventos da história acontecem uma vez e depois passam, engolidos pelo
passado. O Mistério pascal de Cristo, ao contrário, não pode ficar somente no passado, já que
por sua morte destruiu a morte, e tudo o que Cristo é, fez e sofreu por todos os homens participa
da eternidade divina, e por isso abraça todos os tempos e nele se mantém presente. O evento
da cruz e da ressurreição permanece e atrai tudo para a vida.
... A PARTIR DA IGREJA DOS APÓSTOLOS...
1086 “Assim como Cristo foi enviado pelo Pai, da mesma forma Ele mesmo enviou os
apóstolos, cheios do Espírito Santo, não só para pregarem o Evangelho a toda criatura,
anunciarem que o Filho de Deus, por sua Morte e Ressurreição, nos libertou do poder de Satanás
e da morte e nos transferiu para o reino do Pai, mas ainda para levarem a efeito o que
anunciavam: a obra da salvação por meio do sacrifício e dos sacramentos, em tomo dos quais
gravita toda a vida litúrgica.”
1087 Dessa forma, Cristo ressuscitado, ao dar o Espírito Santo aos Apóstolos, confia-lhes seu
poder de santificação: eles tomam-se assim sinais sacramentais de Cristo. Pelo poder do mesmo
Espírito Santo, os Apóstolos confiam este poder a seus sucessores. Esta “sucessão apostólica”
estrutura toda a vida litúrgica da Igreja; ela mesma é sacramental, transmitida pelo sacramento
da ordem.
... ESTA PRESENTE NA LITURGIA TERRESTRE...
1088 “Para levar a efeito tão grande obra” a saber, a dispensação ou comunicação de
sua obra de salvação” Cristo está sempre presente em sua Igreja, sobretudo nas ações litúrgicas.
Presente está no sacrifício da missa, tanto na pessoa do ministro, pois 'aquele que agora oferece
pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que outrora se ofereceu na cruz', quanto sobretudo
sob as espécies eucarísticas. Presente está por sua força nos sacramentos, a tal ponto que,
quando alguém batiza, é Cristo mesmo que batiza. Presente está por sua palavra, pois é ele
mesmo quem fala quando se lêem as Sagradas Escrituras na Igreja. Presente está, finalmente,
quando a Igreja reza o salmo do dia, ele que prometeu: 'Onde dois ou três estiverem reunidos em
meu nome, aí estarei no meio deles' (Mt 18,2).”
1089 “Na realização de tão grande obra, por meio da qual Deus é perfeitamente
glorificado e os homens são santificados, Cristo sempre associa a si a Igreja, sua esposa
direitíssima, que o invoca como seu Senhor e por ele presta culto ao eterno Pai.
... QUE PARTICIPA DA LITURGIA CELESTE...
1090 “Na liturgia terrestre, antegozando participamos (já) da liturgia celeste, que se
celebra na cidade santa de Jerusalém, para a qual, na qualidade de peregrinos, caminhamos.
Lá, Cristo está sentado à direita de Deus, ministro do santuário e do tabernáculo verdadeiro; com
toda a milícia do exército celestial cantamos um hino de glória ao Senhor e, venerando a
memória dos santos, esperamos fazer parte da sociedade deles; suspiramos pelo Salvador, Nosso
Senhor Jesus Cristo, até que ele, nossa vida, se manifeste e nós apareçamos com ele na glória.”
III. O ESPÍRITO SANTO E A IGREJA NA LITURGIA
1091 Na liturgia, o Espírito Santo é o pedagogo da fé do povo de Deus, o artífice das
“obras-primas de Deus”, que são os sacramentos da nova aliança. O desejo e a obra do Espírito
no coração da Igreja é que vivamos da vida de Cristo ressuscitado. Quando encontra em nós a
resposta de fé que ele mesmo suscitou, realiza-se uma verdadeira cooperação. Por meio dela a
liturgia se toma a obra comum do Espírito Santo e da Igreja.
1092 Nesta comunicação sacramental do mistério de Cristo, o Espírito age da mesma
forma que nos outros tempos da economia da salvação: prepara a Igreja para encontrar seu
Senhor, recorda e manifesta Cristo à fé da assembléia, torna presente e atualiza o mistério de
Cristo por seu poder transformador e, finalmente, como Espírito de comunhão, une a Igreja à vida
e à missão de Cristo.
O ESPÍRITO SANTO PREPARA PARA ACOLHER A CRISTO
1093 Na economia sacramental o Espírito Santo leva à realização as figuras da antiga
aliança. Visto que a Igreja de Cristo estava “admiravelmente preparada na história do Povo de
Israel e na Antiga Aliança”, a liturgia da Igreja conserva como parte integrante e insubstituível -
tomando-os seus – alguns elementos do culto da Antiga Aliança:
ü principalmente a leitura do Antigo Testamento;
ü a oração dos Salmos;
ü e sobretudo a memória dos eventos salvadores e das realidades significativas que
encontraram sua realização no Mistério de Cristo (a Promessa e a Aliança, o Êxodo e a Páscoa, o
Reino e o Templo, o exílio e a volta).
1094 É em tomo desta harmonia dos dois Testamentos que se articula a catequese pascal
do Senhor, e posteriormente a dos Apóstolos e dos Padres da Igreja. Esta catequese desvenda O
que permanecia escondido sob a letra do Antigo Testamento: o mistério de Cristo. Ela é
denominada “tipológica” porque revela a novidade de Cristo a partir das “figuras” (tipos) que a
anunciavam nos fatos, nas palavras e nos símbolos da primeira aliança. Por esta releitura no
Espírito de verdade a partir de Cristo, as figuras são desveladas. Assim, o dilúvio e a arca de Noé
prefiguravam a salvação pelo Batismo[ag49] , o mesmo acontecendo com a nuvem e a
travessia do Mar Vermelho, e a água do rochedo era a figura dos dons espirituais de Cristo; o
maná do deserto prefigurava a Eucaristia, “o verdadeiro Pão do Céu” (Jo 6,32).
1095 É por isso que a Igreja, particularmente no advento, na quaresma e sobretudo na
noite de Páscoa, relê e revive todos esses grandes acontecimentos da história da salvação no
“hoje” de sua liturgia. Mas isso exige também que a catequese ajude os fiéis a se abrirem a esta
compreensão “espiritual” da economia da salvação, tal como a liturgia da Igreja a manifesta e
no-la faz viver.
1096 Liturgia judaica e liturgia cristã. Um conhecimento mais aprimorado da fé e da vida
religiosa do povo judaico, tais como são professadas e vividas ainda hoje, pode ajudar a
compreender melhor certos aspectos da liturgia cristã. Para os judeus e para os cristãos, a
Sagrada Escritura é uma parte essencial de suas liturgias: para a proclamação da Palavra de
Deus, a resposta a esta palavra, a oração de louvor e de intercessão pelos vivos e pelos mortos,
o recurso à misericórdia divina. A Liturgia da palavra, em sua estrutura própria, tem sua origem na
oração judaica. A Oração das horas, bem como outros textos e formulários litúrgicos, tem seus
paralelos na oração judaica, o mesmo acontecendo com as próprias fórmulas de nossas
orações mais veneráveis, entre elas o Pai-Nosso. Também as orações eucarísticas inspiram-se em
modelos da tradição judaica. As relações entre liturgia judaica e liturgia cristã mas também a
diferença de seus conteúdos são particularmente visíveis nas grandes festas do ano litúrgico,
como a Páscoa. Cristãos e judeus celebram a Páscoa; Páscoa da história, orientada para o
futuro, entre os judeus; Páscoa realizada na morte e na Ressurreição de Cristo, entre os cristãos,
ainda que sempre à espera da consumação definitiva.
1097 Na liturgia da nova aliança, toda ação litúrgica, especialmente a celebração da
Eucaristia e dos sacramentos, é um encontro entre Cristo e a Igreja. A assembléia litúrgica tira sua
unidade da “comunhão do Espírito Santo”, que congrega os filhos de Deus no único corpo de
Cristo. Ela ultrapassa as afinidades humanas, raciais, culturais e sociais.
1098 A assembléia deve se preparar para se encontrar com seu Senhor, deve ser “um
povo bem-disposto”. Essa preparação dos corações é obra comum do Espírito Santo e da
assembléia, em particular de seus ministros. A graça do Espírito Santo procura despertar a fé, a
conversão do coração e a adesão à vontade do Pai. Essas disposições constituem pressupostos
para receber as outras graças oferecidas na própria celebração e para os frutos de vida nova
que ela está destinada a produzir posteriormente.
O ESPÍRITO SANTO RECORDA O MISTÉRIO DE CRISTO
1099 O Espírito e a Igreja cooperam para manifestar o Cristo e sua obra de salvação na
liturgia. Principalmente na Eucaristia, e analogicamente nos demais sacramentos, a liturgia é
memorial do Mistério da Salvação. O Espírito Santo é a memória viva da Igreja.
1100 A Palavra de Deus. O Espírito Santo recorda primeiro à assembléia litúrgica o sentido
do evento da salvação, dando vida à Palavra de Deus, que é anunciada para ser recebida e
vivida:
Na celebração da liturgia é máxima a importância da Sagrada Escritura, pois dela são
tirados os textos que se lêem e que são explicados na homilia e os salmos cantados. E de sua
inspiração e bafejo que surgiram as preces, as orações e os hinos litúrgicos. E é dela também que
as ações e os símbolos tiram sua significação.
1101 É o Espírito Santo que dá aos leitores e aos ouvintes, segundo as disposições de seus
corações, a compreensão espiritual da Palavra de Deus. Por meio das palavras, das ações e dos
símbolos que formam a trama de uma celebração, o Espírito põe os fiéis e os ministros em
relação viva com Cristo, palavra e imagem do Pai, a fim de que possam fazer passar à sua vida o
sentido daquilo que ouvem, contemplam e fazem na celebração.
1102 “E a palavra da salvação que alimenta a fé no coração dos cristãos: é ela que faz
nascer e dá crescimento à comunhão dos cristãos.” O anúncio da Palavra de Deus não se limita
a um ensinamento: quer suscitar a resposta da fé, como consentimento e compromisso, em vista
da aliança entre Deus e seu povo. E ainda o Espírito Santo que dá a graça da fé, que a fortifica e
a faz crescer na comunidade. A assembléia litúrgica é primeiramente comunhão na fé.
1103 A anamnese. A celebração litúrgica refere-se sempre às intervenções salvíficas de
Deus na história. “A economia da revelação concretiza-se por meio das ações e das palavras
intimamente interligadas.(...) As palavras proclamam as obras e elucidam o mistério nelas
contido.” Na liturgia da palavra, o Espírito Santo “recorda” à assembléia tudo o que Cristo fez por
nós. Segundo a natureza das ações litúrgicas e as tradições rituais das Igrejas, uma celebração
“faz memória” das maravilhas de Deus em uma anamnese mais ou menos desenvolvida. O
Espírito Santo, que desperta assim a memória da Igreja, suscita então a ação de graças e o
louvor (doxologia).
O ESPÍRITO SANTO ATUALIZA O MISTÉRIO DE CRISTO
1104 A liturgia cristã não somente recorda os acontecimentos que nos salvaram, como
também os atualiza, toma-os presentes. O mistério pascal de Cristo é celebrado, não é repetido;
o que se repete são as celebrações; em cada uma delas sobrevêm a efusão do Espírito Santo
que atualiza o único mistério.
1105 A epiclese (“invocação sobre”) é a intercessão na qual o sacerdote suplica ao Pai
que envie o Espírito Santificador para que as oferendas se tornem o Corpo e o Sangue de Cristo,
e para que ao recebê-los os fiéis se tomem eles mesmos uma oferenda viva a Deus.
1106 Juntamente com a anamnese, a epiclese está no cerne de cada celebração
sacramental, mais especialmente da Eucaristia:
Perguntas como o pão se converte no Corpo de Cristo e o vinho em Sangue de Cristo.
Respondo-te: o Espírito Santo irrompe e realiza aquilo que ultrapassa toda palavra e todo
pensamento... Basta-te saber que isso acontece por obra do Espírito Santo, do mesmo modo
que, da Santíssima Virgem e pelo mesmo Espírito Santo, o Senhor por si mesmo e em si mesmo
assumiu a carne.
1107 O poder transformador do Espírito Santo na liturgia apressa a vinda do Reino e a
consumação do mistério da salvação. Na expectativa e na esperança ele nos faz realmente
antecipar a comunhão plena da Santíssima Trindade. Enviado pelo Pai que ouve a epiclese da
Igreja, o Espírito dá a vida aos que o acolhem e constitui para eles, desde já, “o penhor” de sua
herança.
A COMUNHÃO DO ESPÍRITO SANTO
1108 O fim da missão do Espírito Santo em toda a ação litúrgica é colocar-se em
comunhão com Cristo para formar seu corpo. O Espírito Santo é como que a seiva da videira do
Pai que produz seus frutos nos ramos. Na liturgia realiza-se a cooperação mais íntima entre o
Espírito Santo e a Igreja. Ele, o Espírito de comunhão, permanece indefectivelmente na Igreja, e é
por isso que a Igreja é o grande sacramento da Comunhão divina que congrega os filhos de
Deus dispersos. O fruto do Espírito na liturgia é inseparavelmente comunhão com a Santíssima
Trindade e comunhão fraterna entre os irmãos.
1109 A epiclese é também a oração para o efeito pleno da comunhão da assembléia
com o mistério de Cristo. “A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus Pai e a
comunhão do Espírito Santo” (2Cor 13,13) devem permanecer sempre conosco e produzir frutos
para além da celebração eucarística. A Igreja pede, pois, ao Pai que envie o Espírito Santo para
que faça da vida dos fiéis uma oferenda viva a Deus por meio da transformação espiritual à
imagem de Cristo, (por meio) da preocupação pela unidade da Igreja e da participação da sua
missão pelo testemunho e pelo serviço da caridade.
RESUMINDO
1110 Na liturgia da Igreja, Deus Pai é bendito e adorado como a fonte de todas as
bênçãos da criação e da salvação, com as quais nos abençoou em seu Filho, para dar-nos o
Espírito da adoção filial.
1111 A obra de Cristo na liturgia é sacramental porque seu mistério de salvação se torna
presente nela mediante o poder de seu Espírito Santo; porque seu corpo, que é a Igreja, é como
que o sacramento (sinal e instrumento) no qual o Espírito Santo dispensa o mistério da salvação;
porque por meio de suas ações litúrgicas a Igreja peregrina já participa, por antecipação, da
liturgia celeste.
1112 A missão do Espírito Santo na liturgia da Igreja é preparar a assembléia para
encontrar-se com Cristo; recordar e manifestar Cristo à fé da assembléia; tornar presente e
atualizar a obra salvífica de Cristo por seu poder transformador e fazer frutificar o dom da
comunhão na Igreja.
ARTIGO 2
O MISTÉRIO PASCAL NOS SACRAMENTOS DA IGREJA
1113 Toda a vida litúrgica da Igreja gravita em tomo do sacrifício eucarístico e dos
sacramentos. Há na Igreja sete sacramentos: o Batismo, a Confirmação ou Crisma, a Eucaristia, a
Penitência, a Unção dos Enfermos, a Ordem, o Matrimônio. No presente artigo trataremos
daquilo que é comum, do ponto de vista doutrinal, aos sete sacramentos da Igreja. O que lhes é
comum sob o aspecto da celebração será exposto no Capítulo II, e o que é próprio de cada um
deles será objeto da Seção II.
I. OS SACRAMENTOS DE CRISTO
1114 “Fiéis à doutrina das Sagradas Escrituras, às tradições apostólicas (...) e ao sentimento
unânime dos Padres “, professamos que “os sacramentos da nova lei foram todos instituídos por
Nosso Senhor Jesus Cristo”.
1115 As palavras e as ações de Jesus durante sua vida oculta e durante seu ministério
público já eram salvíficas. Antecipavam o poder de seu mistério pascal. Anunciavam e
preparavam O que iria dar à Igreja quando tudo fosse realizado. Os mistérios da vida de Cristo
são os fundamentos daquilo que agora, por meio dos ministros de sua Igreja, Cristo dispensa nos
sacramentos, pois “aquilo que era visível em nosso Salvador passou para seus mistérios”.
1116 Os sacramentos são “forças que saem” do corpo de Cristo, sempre vivo e vivificante;
são ações do Espírito Santo Operante no corpo de Cristo, que é a Igreja; são “as obras-primas de
Deus” na Nova e Eterna Aliança.
II. OS SACRAMENTOS DA IGREJA
1117 Graças ao Espírito Santo que a conduz à “verdade plena” (Jo 16,13), a Igreja
reconheceu pouco a pouco este tesouro recebido de Jesus e precisou sua “dispensação”, tal
como o fez com o cânon das Sagradas Escrituras e com a doutrina da fé, qual fiel dispensadora
dos mistérios de Deus. Assim, ao longo dos séculos, a Igreja foi discernindo que entre suas
celebrações litúrgicas existem sete que são, no sentido próprio da palavra, sacramentos
instituídos pelo Senhor.
1118 Os sacramentos são “da Igreja” no duplo sentido de que existem “por meio dela” e
“para ela”. São “por meio da Igreja”, pois esta é o sacramento da ação de Cristo operando em
seu seio graças à missão do Espírito Santo E são “para a Igreja”, pois são esses “sacramentos que
fazem a Igreja”; com efeito, manifestam e comunicam aos homens, sobretudo na Eucaristia, o
mistério da comunhão do Deus amor, uno em três pessoas.
1119 Formando com Cristo-Cabeça “como que uma única pessoa mística”, a Igreja age
nos sacramentos como “comunidade sacerdotal”, “organicamente estruturada”. Pelo Batismo e
pela Confirmação, o povo sacerdotal é capacitado a celebrar a liturgia; por outro lado, certos
fiéis, “revestidos de uma ordem sagrada, são instituídos em nome de Cristo para apascentar a
Igreja por meio da palavra e da graça de Deus”.
1120 O ministério ordenado ou sacerdócio ministerial está a serviço do sacerdócio
batismal. Garante que, nos sacramentos, é Cristo que age pelo Espírito Santo para a Igreja. A
missão de salvação confiada pelo Pai a seu Filho encarnado é confiada aos apóstolos e, por
meio deles, a seus sucessores: recebem o Espírito de Jesus para agir em seu nome e em sua
pessoa. Assim, o ministro ordenado é o elo sacramental que liga a ação litúrgica àquilo que
disseram e fizeram os apóstolos, e, por meio destes, ao que disse e fez Cristo, fonte e fundamento
dos sacramentos.
1121 Os sacramentos do Batismo, da Confirmação e da Ordem conferem, além da
graça, um caráter sacramental ou “selo” pelo qual o cristão participa do sacerdócio de Cristo e
faz parte da Igreja segundo estados e funções diversas. Esta configuração com Cristo e com a
Igreja, realizada pelo Espírito, é indelével, permanece para sempre no cristão como disposição
positiva para a graça, como promessa e garantia da proteção divina e como vocação ao culto
divino e ao serviço da Igreja. Por isso estes sacramentos nunca podem ser reiterados.
III. OS SACRAMENTOS DA FÉ
1122 Cristo enviou seus apóstolos para que “em seu Nome fosse proclamado a todas as
nações. O arrependimento para a remissão dos pecados” (Lc 24,47). “Fazei que todos os povos
se tornem discípulos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19). A
missão de batizar, portanto a missão sacramental, está implícita na missão de evangelizar, pois o
sacramento é preparado pela Palavra de Deus e pela fé, que é assentimento a esta Palavra:
O povo de Deus congrega-se antes de mais nada pela Palavra do Deus vivo. (...) A
proclamação da Palavra é indispensável ao ministério sacramental, pois se trata dos
sacramentos da fé, e esta nasce e se alimenta da Palavra.
1123 “Os sacramentos destinam-se à santificação dos homens, à edificação do Corpo de
Cristo e ainda ao culto a ser prestado a Deus. Sendo sinais, destinam-se também à instrução. Não
só supõem a fé, mas por palavras e coisas também a alimentam, a fortalecem e a exprimem. Por
esta razão são chamados sacramentos da fé.”
1124 A fé da Igreja é anterior à fé do fiel, que é convidado a aderir a ela. Quando a
Igreja celebra os sacramentos, confessa a fé recebida dos apóstolos. Daí o adágio antigo: lex
orandi, lex credendi (“a lei da oração é a lei da fé”) (ou então: legem credendi, lex statuat
supplicandia lei do que suplica estabeleça a lei do que crê, segundo Próspero de Aquitânia
[século V]). A lei da oração é a lei da fé, ou seja: a Igreja traduz em sua profissão de fé aquilo
que expressa em sua oração. A liturgia é um elemento constitutivo da santa e viva Tradição.
1125 E por isso que nenhum rito sacramental pode ser modificado ou manipulado ao
arbítrio do ministro ou da comunidade. Nem mesmo a suprema autoridade da Igreja pode
alterar a Liturgia ao seu arbítrio, mas somente na obediência da fé e no religioso respeito do
Mistério da Liturgia.
1126 De resto, visto que os sacramentos exprimem e desenvolvem a comunhão de fé na
Igreja, a lex orandi é um dos critérios essenciais do diálogo que busca restaurar a unidade dos
cristãos.
IV. SACRAMENTOS DA SALVAÇÃO
1127 Celebrados dignamente na fé, os sacramentos conferem a graça que significam.
São eficazes porque neles age o próprio Cristo; é ele quem batiza, é ele quem atua em seus
sacramentos, a fim de comunicar a graça significada pelo sacramento. O Pai sempre atende à
oração da Igreja de seu Filho, a qual, na epiclese de cada sacramento, exprime sua fé no poder
do Espírito. Assim como o fogo transforma nele mesmo tudo o que toca, o Espírito Santo
transforma em vida divina o que é submetido ao seu poder.
1128 Este é o sentido da afirmação da Igreja: os sacramentos atuam ex opere operato
(literalmente: “pelo próprio fato de a ação ser realizada”), isto é, em virtude da obra salvífica de
Cristo, realizada uma vez por todas. Daí segue-se que “o sacramento não é realizado pela justiça
do homem que o confere ou o recebe, mas pelo poder de Deus”. A partir de momento em que
um sacramento é celebrado em conformidade com a intenção da Igreja, o poder de Cristo e de
seu Espírito agem nele e por ele, independentemente da santidade pessoal do ministro.
Contudo, os frutos dos sacramentos dependem também das disposições de quem os recebe.
1129 A Igreja afirma que para os crentes os sacramentos da nova aliança são necessários
à salvação. A “graça sacramental” é a graça do Espírito Santo dada por Cristo e peculiar a
cada sacramento. O Espírito cura e transforma os que o recebem, conformando-os com o Filho
de Deus. O fruto da vida sacramental é que o Espírito de adoção deifica os fiéis unindo-os
vitalmente ao Filho único, o Salvador.
V. OS SACRAMENTOS DA VIDA ETERNA
1130 A Igreja celebra o mistério de seu Senhor “até que Ele venha” e até que “Deus seja
tudo em todos” (1 Cor 11,26; 15,28). Desde a era apostólica a liturgia é atraída para seu termo
(meta final) pelo gemido do Espírito na Igreja: “Maran athá!” (Palavras aramaicas que significam:
“O Senhor vem”) (1 Cor 16,22). A liturgia participa assim do desejo de Jesus: “Desejei
ardentemente comer esta páscoa convosco (...) até que ela se cumpra no Reino de Deus” (Lc
22,15-16). Nos sacramentos de Cristo, a Igreja já recebe o penhor da herança dele, já participa
da Vida Eterna, embora ainda “aguarde a bendita esperança, a manifestação da glória de
nosso grande Deus e Salvador, Cristo Jesus” (Tt 2,13). “O Espírito e a esposa dizem: Vem! (...) Vem,
Senhor Jesus!” (Ap 22,17.20).
Santo Tomás resume assim as diversas dimensões do sinal sacramental: “Daí que o
sacramento é um sinal rememorativo daquilo que antecedeu, isto é, a Paixão de Cristo; e
demonstrativo daquilo que em nós é realizado pela Paixão de Cristo, a saber, a graça; e
prenunciador, isto é, que prenuncia a glória futura”.
RESUMINDO
1131 Os sacramentos são sinais eficazes da graça, instituídos por Cristo e confiados à
Igreja, por meio dos quais nos é dispensada a vida divina. Os ritos visíveis sob os quais os
sacramentos são celebrados significam e realizam as graças próprias de cada sacramento.
Produzem fruto naqueles que os recebem com as disposições exigidas.
1132 A Igreja celebra os sacramentos como comunidade sacerdotal estruturada pelo
sacerdócio batismal e pelo dos ministros ordenados.
1133 O Espírito Santo prepara para a recepção dos sacramentos por meio da Palavra de
Deus e da fé que acolhe a Palavra nos corações bem dispostos. Então, os sacramentos
fortalecem e exprimem a fé.
1134 O fruto da vida sacramental é ao mesmo tempo pessoal e eclesial. Por um lado,
este fruto é para cada fiel uma vida para Deus em Cristo Jesus; por outro, é para a Igreja
crescimento na caridade e em sua missão de testemunho.
SEGUNDA PARTE
A CELEBRAÇÃO DO MISTÉRIO CRISTÃO
CAPÍTULO II.
A CELEBRAÇÃO SACRAMENTAL DO MIST ÉRIO PASCAL
1135 A catequese da liturgia implica primeiramente a compreensão da economia
sacramental (Capítulo 1). À sua luz revela-se a novidade de sua celebração. No presente
capítulo, portanto, tratar-se-á da celebração dos sacramentos da Igreja. Considerar-se-á - aquilo
que, pela diversidade das tradições litúrgicas, é comum à celebração dos sete sacramentos; o
que é próprio de cada um deles ser apresentado mais adiante. Esta catequese fundamental das
celebrações sacramentais responder às questões primordiais que os fiéis levantam a este
respeito:
ü Quem celebra?
ü Como celebrar?
ü Quando celebrar?
ü Onde celebrar?
ARTIGO 1
CELEBRAR A L ITURGIA D A I GREJA
I. QUEM CELEBRA?
1136 A liturgia é “ação” do “Cristo todo” (“Christus totus”). Os que desde agora a
celebram, para além dos sinais, já estão na liturgia celeste, em que a celebração é toda festa e
comunhão.
OS CELEBRANTES DA LITURGIA CELESTE
1137 O Apocalipse de São João, lido na liturgia da Igreja, revela-nos primeiramente “um
trono no céu e, no trono, alguém sentado”: “o Senhor Deus” (Is 6,1). Em seguida, o Cordeiro,
“imolado e de pé” (Ap 5,6): Cristo crucificado e ressuscitado, o único sumo sacerdote do
verdadeiro santuário, o mesmo “que oferece e é oferecido, que dá e que é dado”. Finalmente,
“o rio de água da vida (...) que saía do trono de Deus e do Cordeiro” (Ap 22,1), um dos mais
belos símbolos do Espírito Santo.
1138 “Recapitulados” em Cristo, participam do serviço do louvor a Deus e da realização
de seu desígnio: as potências celestes, a criação inteira (os quatro viventes), os servidores da
antiga e da nova aliança (os vinte e quatro anciãos), o novo povo de Deus (os cento e quarenta
e quatro mil), em especial os mártires “imolados por causa da Palavra de Deus” (Ap 6,9) e a
Santa Mãe de Deus (a mulher; a Esposa do Cordeiro), e finalmente “uma multidão imensa,
impossível de se enumerar, de toda nação, raça, povo e língua” (Ap 7,9).
1139 É dessa liturgia eterna que O Espírito e a Igreja nos fazem participar quando
celebramos o mistério da salvação nos sacramentos.
OS CELEBRANTES DA LITURGIA SACRAMENTAL
1140 É toda a comunidade, o corpo de Cristo unido à sua Cabeça, que celebra. “As
ações litúrgicas não são ações privadas, mas celebrações da Igreja, que é o 'sacramento da
unidade', isto é, o povo santo, unido e ordenado sob a direção dos Bispos. Por isso, estas
celebrações pertencem a todo o corpo da Igreja, influem sobre ele e o manifestam; mas
atingem a cada um de seus membros de modo diferente, conforme a diversidade de ordens,
ofícios e da participação atual efetiva.” É por isso que “todas as vezes que os ritos, de acordo
com sua própria natureza, admitem uma celebração comunitária, com assistência e
participação ativa dos fiéis, seja inculcado que na medida do possível, ela deve ser preferida à
celebração individual ou quase privada”.
1141 A assembléia que celebra é a comunidade dos batizados, os quais, “pela
regeneração e unção do Espírito Santo, são consagrados para serem casa espiritual e
sacerdócio santo e para poderem oferecer um sacrifício espiritual toda atividade humana do
cristão”. Este “sacerdócio comum” é o de Cristo, único sacerdote, participado por todos os seus
membros: A mãe Igreja deseja ardentemente que todos os fiéis sejam levados àquela plena,
consciente e ativa participação nas celebrações litúrgicas que a própria natureza da liturgia
exige e à qual, por força do batismo, o povo cristão, “geração escolhida, sacerdócio régio,
gente santa, povo de conquista” (1 Pd 2,9), tem direito e obrigação.
1142 Mas “os membros não têm todos a mesma função” (Rm 12,4). Certos membros são
chamados por Deus, na e pela Igreja, a um serviço especial da comunidade. Tais servidores são
escolhidos e consagrados pelo sacramento da ordem, por meio do qual o Espírito Santo os torna
aptos a agir na pessoa de Cristo-Cabeça para o serviço de todos os membros da Igreja. O
ministro ordenado é como o ícone de Cristo Sacerdote. Já que o sacramento da Igreja se
manifesta plenamente na Eucaristia, é na presidência da Eucaristia que o ministério do Bispo
aparece primeiro, e, em comunhão com ele, o dos presbíteros e dos diáconos.
1143 No intuito de servir às funções do sacerdócio comum dos fiéis, existem também outros
ministérios particulares, não consagrados pelo sacramento da ordem, e cuja função é
determinada pelos bispos de acordo com as tradições litúrgicas e as necessidades pastorais.
“Também os ajudantes, os leitores, os comentaristas e os membros do coral desempenham um
verdadeiro ministério litúrgico.”
1144 Assim, na celebração dos sacramentos, a assembléia inteira é o “liturgo”, cada um
segundo sua função, mas na “unidade do Espírito”, que age em todos. “Nas celebrações
litúrgicas, cada qual, ministro ou fiel, ao desempenhar sua função, faça tudo e só aquilo que
pela natureza da coisa ou pelas normas litúrgicas lhe compete.”
II. COMO CELEBRAR?
SINAIS E SÍMBOLOS
1145 Uma celebração sacramental é tecida de sinais e de símbolos. Segundo a
pedagogia divina da salvação, o significado dos sinais e símbolos deita raízes na obra da criação
e na cultura humana, adquire precisão nos eventos da antiga aliança e se revela plenamente
na pessoa e na obra de Cristo.
1146 Sinais do mundo dos homens. Na vida humana, sinais e símbolos ocupam um lugar
importante. Sendo o homem um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual, exprime e percebe as
realidades espirituais por meio de sinais e de símbolos materiais. Como ser social, o homem
precisa de sinais e de símbolos para comunicar-se com os outros, pela linguagem, por gestos, por
ações. Vale o mesmo para sua relação com Deus.
1147 Deus fala ao homem por intermédio da criação visível. O cosmos material apresentase
à inteligência do homem para que este leia nele os vestígios de seu criador. A luz e a noite, o
vento e o fogo, a água e a terra, a árvore e os frutos falam de Deus, simbolizam ao mesmo
tempo a grandeza e a proximidade dele.
1148 Enquanto criaturas, essas realidades sensíveis podem tornar-se o lugar de expressão
da ação de Deus que santifica os homens, e da ação dos homens que prestam seu culto a Deus.
Acontece o mesmo com os sinais e os símbolos da vida social dos homens: lavar e ungir, partir o
pão e partilhar o cálice podem exprimir a presença santificante de Deus e a gratidão do homem
diante de seu criador.
1149 As grandes religiões da humanidade atestam, muitas vezes de maneira
impressionante, este sentido cósmico e simbólico dos ritos religiosos. A liturgia da Igreja pressupõe,
integra e santifica elementos da criação e da cultura humana conferindo-lhes a dignidade de
sinais da graça, da nova criação em Jesus Cristo.
1150 Sinais da aliança. O povo eleito recebe de Deus sinais e símbolos distintivos que
marcam sua vida litúrgica: estes não mais são apenas celebrações de ciclos cósmicos e gestos
sociais, mas sinais da aliança, símbolos das grandes obras realizadas por Deus em favor de seu
povo. Entre tais sinais litúrgicos da antiga aliança podemos mencionar a circuncisão, a unção e a
consagração dos reis e dos sacerdotes, a imposição das mãos, os sacrifícios, e sobretudo a
Páscoa. A Igreja vê nesses sinais uma prefiguração dos sacramentos da Nova Aliança.
1151 Sinais assumidos por Cristo. Em sua pregação, o Senhor Jesus serve-se muitas vezes
dos sinais da criação para dar a conhecer os mistérios do Reino de Deus. Realiza suas curas ou
sublinha sua pregação com sinais materiais ou gestos simbólicos. Dá um sentido novo aos fatos e
aos sinais da Antiga Aliança, particularmente ao Êxodo e à Páscoa, por ser ele mesmo o sentido
de todos esses sinais.
1152 Sinais sacramentais. Desde Pentecostes, é por meio dos sinais sacramentais de sua
Igreja que o Espírito Santo realiza a santificação. Os sacramentos da Igreja não abolem, antes
purificam e integram toda a riqueza dos sinais e dos símbolos do cosmos e da vida social. Além
disso, realizam os tipos e as figuras da antiga aliança, significam e realizam a salvação operada
por Cristo, e prefiguram e antecipam a glória do céu.
PALAVRAS E AÇÕES
1153 Uma celebração sacramental é um encontro dos filhos de Deus com seu Pai, em
Cristo e no Espírito Santo, e este encontro se exprime como um diálogo, mediante ações e
palavras. Sem dúvida, as ações simbólicas já são em si mesmas uma linguagem, mas é preciso
que a Palavra de Deus e a resposta de fé acompanhem e vivifiquem estas ações para que a
semente do Reino produza seu fruto na terra fértil. As ações litúrgicas significam o que a Palavra
de Deus exprime: a iniciativa gratuita de Deus e ao mesmo tempo a resposta de fé de seu povo.
1154 A liturgia da palavra é parte integrante das celebrações sacramentais. Para
alimentar a fé dos fiéis, os sinais da Palavra de Deus precisam ser valorizados: o livro da palavra
(lecionário ou evangeliário), sua veneração (procissão, incenso, luz), o lugar de onde é
anunciado (ambão), sua leitura audível e inteligível, a homilia do ministro que prolonga sua
proclamação, as respostas da assembléia (aclamações, salmos de meditação, ladainhas,
profissão de fé...).
1155 Inseparáveis enquanto sinais e ensinamento, a palavra e a ação litúrgicas são
indissociáveis também enquanto realizam o que significam. O Espírito Santo não somente dá a
compreensão da Palavra de Deus suscitando a fé; pelos sacramentos ele realiza também as
“maravilhas” de Deus anunciadas pela palavra: torna presente e comunica a obra do Pai
realizada pelo Filho bem-amado.
CANTO E MÚSICA
1156 “A tradição musical da Igreja universal constitui um tesouro de valor inestimável que
se destaca entre as demais expressões de arte, principalmente porque o canto sacro, ligado às
palavras, é parte necessária ou integrante da liturgia solene.” A composição e o canto dos
salmos inspirados, com freqüência acompanhados por instrumentos musicais, já aparecem
intimamente ligados às celebrações litúrgicas da antiga aliança. A Igreja continua e desenvolve
esta tradição: Recital “uns com os outros salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e
louvando ao Senhor em vosso coração” (Ef. 5,19) . “Quem canta reza duas vezes.”
1157 O canto e a música desempenham sua função de sinais de maneira tanto mais
significativa por “estarem intimamente ligados à ação litúrgica”, segundo três critérios principais:
a beleza expressiva da oração, a participação unânime da assembléia nos momentos previstos e
o caráter solene da celebração. Participam assim da finalidade das palavras e das ações
litúrgicas: a glória de Deus e a santificação dos fiéis: Quanto chorei ouvindo vossos hinos, vossos
cânticos, os acentos suaves que ecoavam em vossa Igreja! Que emoção me causavam! Fluíam
em meu ouvido, destilando a verdade em meu coração. Um grande elã de piedade me
elevava, e as lágrimas corriam-me pela face, mas me faziam bem.
1158 A harmonia dos sinais (canto, música, palavras e ações) é aqui mais expressiva e
fecunda por exprimir-se na riqueza cultural própria do povo de Deus que celebra? Por isso, o
“canto religioso popular ser inteligentemente incentivado a fim de que as vozes dos fiéis possam
ressoar nos pios e sagrados exercícios e nas próprias ações litúrgicas, de acordo com as normas e
prescrições das rubricas. Todavia, “os textos destinados ao canto sacro hão de ser conformes à
doutrina católica, sendo até tirados de preferência das Sagradas Escrituras e das fontes litúrgicas.
AS SANTAS IMAGENS
1159 A imagem sacra, o ícone litúrgico, representa principalmente Cristo. Ela não pode
representar o Deus invisível e incompreensível; é a encarnação do Filho de Deus que inaugurou
uma nova “economia” das imagens: Antigamente Deus, que não tem nem corpo nem
aparência, não podia em absoluto ser representado por uma imagem. Mas agora que se
mostrou na carne e viveu com os homens posso fazer uma imagem daquilo que vi de Deus. (...)
Com o rosto descoberto, contemplamos a glória do Senhor.
1160 A iconografia cristã transcreve pela imagem a mensagem evangélica que a
Sagrada Escritura transmite pela palavra. Imagem e palavra iluminam-se mutuamente: Para
proferir sucintamente nossa profissão de fé, conservamos todas as tradições da Igreja, escritas ou
não-escritas, que nos têm sido transmitidas sem alteração. Uma delas é a representação
pictórica das imagens, que concorda com a pregação da história evangélica, crendo que, de
verdade e não na aparência, o Verbo de Deus se fez homem, o que é também útil e proveitoso,
pois as coisas que se iluminam mutuamente têm sem dúvida um significado recíproco.
1161 Todos os sinais da celebração litúrgica são relativos a Cristo: são-no também as
imagens sacras da santa mãe de Deus e dos santos. Significam o Cristo que é glorificado neles.
Manifestam “a nuvem de testemunhas” (Hb 12,1) que continuam a participar da salvação do
mundo e às quais estamos unidos, sobretudo na celebração sacramental. Por meio de seus
ícones, revela-se à nossa fé o homem criado “à imagem de Deus” e transfigurado “à sua
semelhança”, assim como os anjos, também recapitulados em Cristo: Na trilha da doutrina
divinamente inspirada de nossos santos Padres e da tradição da Igreja católica, que sabemos ser
a tradição do Espírito Santo que habita nela, definimos com toda certeza e acerto que as
veneráveis e santas imagens, bem como as representações da cruz preciosa e vivificante, sejam
elas pintadas, de mosaico ou de qualquer outra matéria apropriada, devem ser colocadas nas
santas igrejas de Deus, sobre os utensílios e as vestes sacras, sobre paredes e em quadros, nas
casas e nos caminhos, tanto a imagem de Nosso Senhor, Deus e Salvador, Jesus Cristo, como a
de Nossa Senhora, a puríssima e santíssima mãe de Deus, dos santos anjos, de todos os santos e
dos justos.
1162 “A beleza e a cor das imagens estimulam minha oração. É uma festa para os meus
olhos, tanto quanto o espetáculo do campo estimula meu coração a dar glória a Deus.” A
contemplação dos ícones santos, associada à meditação da Palavra de Deus e ao canto dos
hinos litúrgicos, entra na harmonia dos sinais da celebração para que o mistério celebrado se
grave na memória do coração e se exprima em seguida na vida nova dos fiéis.
III. QUANDO CELEBRAR?
O TEMPO LITÚRGICO
1163 “A santa mãe Igreja julga seu dever celebrar com piedosa recordação, em certos
dias fixos no decurso do ano, a obra salvífica de seu divino esposo. Em cada semana, no dia que
ela passou a chamar 'dia do Senhor', recorda a ressurreição do Senhor, celebrando-a uma vez
por ano, juntamente com sua sagrada paixão, na solenidade máxima da Páscoa. E desdobra
todo o mistério de Cristo durante o ciclo do ano (...) Recordando assim os mistérios da Redenção,
franqueia aos fiéis as riquezas das virtudes e dos méritos de seu Senhor, de maneira a torná-los
como que presentes o tempo todo, para que os fiéis entrem em contato com eles e sejam
repletos da graça da salvação.”
1164 O povo de Deus, desde a lei mosaica, conheceu festas fixas a partir da páscoa para
comemorar as ações admiráveis do Deus salvador, dar-lhe graças por elas, perpetuar-lhes a
lembrança e ensinar às novas gerações a conformar sua conduta com elas. Na era da Igreja,
situada entre a páscoa de Cristo, já realizada uma vez por todas, e a consumação dela no Reino
de Deus, a liturgia celebrada em dias fixos está toda impregnada da novidade do mistério de
Cristo.
1165 Quando celebra o mistério de Cristo, há uma palavra que marca a oração da Igreja:
hoje!, fazendo eco à oração que seu Senhor lhe ensinou e o apelo do Espírito Santo'. Este “hoje”
do Deus vivo em que O homem é chamado a entrar é “a hora”; da Páscoa de Jesus que
atravessa e leva toda a história: A vida estendeu-se sobre todos os seres, e todos ficam repletos
de uma generosa luz; o Oriente dos orientes invadiu o universo, e aquele que era “antes da
estrela da manhã” e antes dos astros, imortal e imenso, o grande Cristo brilha sobre todos os seres
mais que o sol! É por isso que, para nós que cremos nele, se instaura um dia de luz, longo, eterno,
que não se apaga: a páscoa mística'.
O DIA DO SENHOR
1166 “Devido à tradição apostólica que tem origem no próprio dia da ressurreição de
Cristo, a Igreja celebra o mistério pascal a cada oitavo dia, no dia chamado com razão o dia do
Senhor ou domingo. “ O dia da ressurreição de Cristo é ao mesmo tempo “o primeiro dia da
semana”, memorial do primeiro dia da criação, e o “oitavo dia”, em que Cristo, depois de seu
“repouso” do grande sábado, inaugura o dia “que O Senhor fez”, o “dia que não conhece
ocaso”. A “Ceia do Senhor” é seu centro, pois é aqui que toda a comunidade dos fiéis se
encontra com o Senhor ressuscitado, que Os convida a seu banquete: O dia do Senhor, o dia da
ressurreição, o dia dos cristãos, é o nosso dia. E por isso que ele se chama dia do Senhor: pois foi
nesse dia que o Senhor subiu vitorioso para junto do Pai. Se os pagãos o denominam dia do sol,
também nós o confessamos de bom grado: pois hoje levantou-se a luz do mundo, hoje apareceu
o sol de justiça cujos raios trazem a salvação.
1167 O domingo é o dia por excelência da assembléia litúrgica, em que os fiéis se reúnem
“para, ouvindo a Palavra de Deus e participando da Eucaristia, lembrarem-se da paixão,
ressurreição e glória do Senhor Jesus, e darem graças a Deus que os 'regenerou para a viva
esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo de entre os mortos”
Quando meditamos, ó Cristo, as maravilhas que foram operadas neste dia de domingo de
vossa santa ressurreição, dizemos: Bendito é o dia do domingo, pois foi nele que se deu o
começo da criação (...) a salvação do mundo (...) a renovação do gênero humano.(...) E nele
que o céu e a terra rejubilaram e que o universo inteiro foi repleto de luz. Bendito é o dia do
domingo, pois nele foram abertas as portas do paraíso para que Adão e todos os banidos
entrem nele sem medo.
O ANO LITÚRGICO
1168 Partindo do tríduo pascal, como de sua fonte de luz, o tempo novo da Ressurreição
enche todo o ano litúrgico com sua claridade. Aproximando-se progressivamente de ambas as
vertentes desta fonte, o ano é transfigurado pela liturgia. É realmente “ano de graça do Senhor”.
A economia da salvação está em ação moldura do tempo, mas desde a sua realização na
Páscoa de Jesus e a efusão do Espírito Santo o fim da história é antecipado, “em antegozo”, e o
Reino de Deus penetra nosso tempo.
1169 Por isso, a páscoa não é simplesmente uma festa entre outras: é a “festa das festas”,
“solenidade das solenidades”, como a Eucaristia é o sacramento dos sacramentos (o grande
sacramento). Santo Atanásio a denomina “o grande domingo como a semana santa é
chamada no Oriente “a grande semana”. O mistério da ressurreição, no qual Cristo esmagou a
morte, penetra nosso velho tempo com sua poderosa energia até que tudo lhe seja submetido.
1170 No Concílio de Nicéia (em 325), todas as Igrejas chegaram a um acordo acerca de
que a páscoa cristã fosse celebrada no domingo que segue a lua cheia (14 Nisan) depois do
equinócio de primavera. Por causa dos diversos métodos utilizados para calcular o dia 14 de mês
de Nisan, o dia da Páscoa nem sempre ocorre simultaneamente nas Igrejas ocidentais e orientais.
Por isso busca-se um acordo, a fim de se chegar novamente a celebrar em uma data comum o
dia da Ressurreição do Senhor.
1171 O ano litúrgico é o desdobramento dos diversos aspectos do único mistério pascal.
Isto vale muito particularmente para o ciclo das festas em tomo do mistério da encarnação
(Anunciação, Natal, Epifania) que comemoram o começo de nossa salvação e nos comunicam
as primícias do Mistério da Páscoa.
O SANTORAL NO ANO LITÚRGICO
1172 “Ao celebrar o ciclo anual dos mistérios de Cristo, a santa Igreja venera com
particular amor a bem-aventurada mãe de Deus, Maria, que por um vínculo indissolúvel está
unida à obra salvífica de seu Filho; em Maria a Igreja admira e exalta o mais excelente fruto da
redenção e a contempla com alegria como puríssima imagem do que ela própria anseia e
espera ser em sua totalidade.”
1173 Quando, no ciclo anual, a Igreja faz memória dos mártires e dos outros santos,
“proclama o mistério pascal” naqueles e naquelas “que sofreram com Cristo e estão glorificados
com ele, e propõe seu exemplo aos fiéis para que atraia todos ao Pai por Cristo e, por seus
méritos, impetra os benefícios de Deus”
A LITURGIA DAS HORAS
1174 O Mistério de Cristo, sua Encarnação e sua Páscoa, que celebramos na Eucaristia,
especialmente na assembléia dominical, penetra e transfigura o tempo de cada dia pela
celebração da Liturgia das Horas, “o Ofício Divino” Esta celebração, em fidelidade às
recomendações apostólicas de “orar sem cessar”, “está constituída de tal modo que todo o
curso do dia e da noite seja consagrado pelo louvor de Deus” Ela constitui “a oração pública da
Igreja”, na qual os fiéis (clérigos, religiosos e leigos) exercem o sacerdócio régio dos batizados.
Celebrada “segundo a forma aprovada” pela Igreja, a Liturgia das Horas “é verdadeiramente a
voz da própria esposa que fala com o esposo, e é até a oração de Cristo, com seu corpo, ao
Pai”.
1175 A Liturgia das Horas é destinada a tornar-se a oração de todo o povo de Deus. Nela,
o próprio Cristo “continua a exercer sua função sacerdotal por meio de sua Igreja”; cada um
participa dela segundo seu lugar próprio na Igreja e segundo as circunstâncias de sua vida: os
presbíteros, enquanto dedicados ao ministério da palavra; os religiosos e as religiosas, pelo
carisma de sua vida consagrada; todos os fiéis, segundo suas possibilidades: “Os pastores de
almas cuidarão que as horas principais, especialmente as vésperas, nos domingos e dias festivos
mais solenes, sejam celebradas comunitariamente na Igreja. Recomenda-se que os próprios
leigos recitem o Ofício divino, ou juntamente com os presbíteros, ou reunidos entre si, e até cada
um individualmente”.
1176 Celebrar a Liturgia das Horas exige não somente que se harmonize a voz com o
coração que reza, mas também “que se adquira um conhecimento litúrgico e bíblico mais rico,
principalmente dos Salmos”.
1177 Os hinos e as ladainhas da Oração das Horas inserem a oração dos salmos no tempo
da Igreja, exprimindo o simbolismo do momento do dia, do tempo litúrgico ou da festa
celebrada. Além disso, a leitura da Palavra de Deus a cada hora (com os responsos ou os
tropários que vêm depois dela) e, em certas horas, as leituras dos Padres da Igreja e dos mestres
espirituais revelam mais profundamente o sentido do mistério celebrado, ajudam na
compreensão dos salmos e preparam para a oração silenciosa. A lectio divina, em que a Palavra
de Deus é lida e meditada para tornar-se oração, está assim enraizada na celebração litúrgica.
1178 A Liturgia das Horas, que é como que um prolongamento da celebração eucarística,
não exclui, mas requer de maneira complementar as diversas devoções do Povo de Deus,
particularmente a adoração e o culto do Santíssimo Sacramento.
IV. ONDE CELEBRAR?
1179 Oculto “em espírito e em verdade” (Jo 4,24) da nova aliança não está ligado a um
lugar exclusivo. A terra inteira é santa e foi entregue aos filhos dos homens. O que ocupa lugar
primordial quando os fiéis se congregam em um mesmo lugar são as “pedras vivas” reunidas
para “a construção de um edifício espiritual” (1 Pd 2,5). O Corpo de Cristo ressuscitado é o
templo espiritual do qual jorra a fonte de água viva. Incorporados a Cristo pelo Espírito Santo,
“nós é que somos o templo do Deus vivo” (2Cor 6,16).
1180 Quando o exercício da liberdade religiosa não sofre entraves, os cristãos constroem
edifícios destinados ao culto divino. Essas igrejas visíveis não são simples lugares de reunião, mas
significam e manifestam a Igreja viva neste lugar, morada de Deus com os homens reconciliados
e unidos em Cristo.
1181 “A casa de oração onde a Eucaristia é celebrada e conservada, onde os fiéis se
reúnem, onde a presença do Filho de Deus (Jesus, Nosso Salvador, o qual se ofereceu por nós no
altar do sacrifício) é honrada para auxílio e consolação dos cristãos deve ser bela e adequada
para a oração e as celebrações religiosas.” Nesta “casa de Deus”, a verdade e a harmonia dos
sinais que a constituem devem manifestar o Cristo que está presente e age neste 1ugar:
1182 O altar da nova aliança é a cruz do Senhor, da qual brotam os sacramentos do
mistério pascal. Sobre o altar, que é o centro da igreja, se faz presente o Sacrifício da Cruz sob os
sinais sacramentais. Ele é também a mesa do Senhor, para a qual o povo de Deus é convidado.
Em certas liturgias orientais, o altar é também o símbolo do sepulcro (Cristo morreu de verdade e
ressuscitou de verdade).
1183 O tabernáculo (ou sacrário) deve estar localizado “nas igrejas em um dos lugares
mais dignos, com o máximo decoro”. A nobreza, a disposição e a segurança do tabernáculo
eucarístico [ag108] devem favorecer a adoração do Senhor realmente presente no Santíssimo
Sacramento do altar.
O Santo Crisma (Mýron = perfume líquido) que, usado na unção, é sinal sacramental do
selo do dom do Espírito Santo, é tradicionalmente conservado e venerado em um lugar seguro
da igreja. Perto dele pode-se colocar o óleo dos catecúmenos e o dos enfermos.
1184 A cadeira (cátedra) do Bispo ou do presbítero “deve exprimir a função daquele que
preside a assembléia e dirige a oração”. O ambão. “A dignidade da Palavra de Deus exige que
exista na igreja um lugar que favoreça o anúncio desta Palavra e para o qual, durante a liturgia
da Palavra, se volta espontaneamente a atenção dos fiéis.”
1185 O congraçamento do povo de Deus começa pelo Batismo; por isso, a igreja deve ter
um lugar para a celebração do Batismo (batistério) e fazer com que o povo lembre as promessas
feitas na celebração do Batismo. (O persignar-se com água benta faz lembrar o Batismo). A
renovação da vida batismal exige a penitência. Por isso, a Igreja deve prestar-se à expressão do
arrependimento e ao recebimento do perdão, o que exige um lugar apropriado para acolher os
penitentes. A igreja deve também ser um espaço que convide ao recolhimento e à oração
silenciosa, que prolongue e interiorize a grande oração da Eucaristia.
1186 Finalmente, a igreja tem um significado escatológico. Para entrar na casa de Deus, é
preciso atravessar um limiar, símbolo da passagem do mundo ferido pelo pecado para o mundo
da vida nova ao qual todos os homens são chamados. A igreja visível simboliza a casa paterna
para a qual o povo de Deus está a caminho e na qual o Pai “enxugará toda lágrima de seus
olhos” (Ap 21,4). Por isso, a igreja também é a casa de todos os filhos de Deus, amplamente
aberta e acolhedora.
RESUMINDO
1187 A liturgia é a obra do Cristo inteiro, cabeça e corpo. Nosso Sumo Sacerdote a
celebra sem cessar na liturgia celeste, com a santa mãe de Deus, os apóstolos, todos os santos e
a multidão dos que já entraram no Reino.
1188 Em sua celebração litúrgica, a assembléia inteira desempenha o papel de “liturgo”,
cada um segundo sua junção. O sacerdócio batismal é o de todo o corpo de Cristo. Mas certos
fiéis são ordenados pelo sacramento da Ordem para representar Cristo como cabeça do corpo.
1189 A celebração litúrgica comporta sinais e símbolos que se referem à criação (luz,
água, fogo), à vida humana (lavar, ungir, partir o pão) e à história da salvação (os ritos da
Páscoa). Inseridos no mundo da fé e assumidos pela força do Espírito Santo, esses elementos
cósmicos, esses ritos humanos, esses gestos memoriais de Deus se tornam portadores da ação
salvadora e santificadora de Cristo.
1190 A Liturgia da Palavra é uma parte integrante da celebração. O sentido da
celebração é expresso pela Palavra de Deus que e anunciada e pelo compromisso da fé que
ela exige como resposta.
1191 O canto e a música guardam uma conexão íntima com a ação litúrgica. Critérios de
seu bom uso: a beleza expressiva da oração, a participação unânime da assembléia e o caráter
sagrado da celebração.
1192 As santas imagens, presentes em nossas igrejas e em nossas casas, destinam-se a
despertar e a alimentar nossa fé no mistério de Cristo. Por meio do ícone de Cristo e de suas
obras salvíficas, é a ele que adoramos. Mediante as santas imagens da santa mãe de Deus, dos
anjos e dos santos, veneramos as pessoas nelas representadas.
1193 O domingo, “dia do Senhor”, é o dia principal da celebração da Eucaristia por ser o
dia da ressurreição. É o dia da assembléia litúrgica por excelência, o dia da família cristã, o dia
da alegria e do descanso do trabalho. O domingo é “o fundamento e o núcleo do ano litúrgico”.
1194 A Igreja “apresenta todo o mistério de Cristo durante o ciclo do ano, desde a
Encarnação e o Natal até a Ascensão, até o dia de Pentecostes e até a expectativa da feliz
esperança e do retorno do Senhor”.
1195 Celebrando a memória dos santos, primeiramente da Santa Mãe de Deus, em
seguida dos apóstolos, dos mártires e dos outros santos, em dias fixos do ano litúrgico, a Igreja
manifesta que está unida à Liturgia Celeste; glorifica a Cristo por ter realizado sua salvação em
seus membros glorificados. O exemplo delas e deles a estimula em seu caminho para o Pai.
1196 Os fiéis que celebram a Liturgia das Horas unem-se a Cristo, nosso Sumo Sacerdote,
por meio da oração dos salmos, da meditação da Palavra de Deus, de cânticos e bênçãos, a
fim de serem associados à oração incessante e universal dele, que dá glória ao Pai e implora o
dom do Espírito Santo sobre o mundo inteiro.
1197 Cristo é o verdadeiro templo de Deus, “o lugar em que reside a sua glória”; pela
graça de Deus, também os cristãos se tornam templos do Espírito Santo, pedras vivas com as
quais é construída a Igreja.
1198 Em sua condição terrestre, a Igreja precisa de lugares onde a comunidade possa
reunir-se: esses lugares são as nossas igrejas visíveis, lugares santos, imagens da Cidade Santa, a
Jerusalém Celeste para a qual caminhamos como peregrinos.
1199 E nessas igrejas que a Igreja celebra o culto público para a glória da Santíssima
Trindade; é nelas que ouve a Palavra de Deus e canta seus louvores, que eleva sua oração e
que oferece o sacrifício de Cristo, sacramentalmente presente no meio da assembléia. Essas
igrejas são também locais de recolhimento e de oração pessoal.
ARTIGO 2
DIVERSIDADE LITÚRGICA E UNIDADE DO MISTÉRIO
TRADIÇÕES LITÚRGICAS E CATOLICIDADE DA IGREJA
1200 Desde a primeira comunidade de Jerusalém até a parusia, o mesmo mistério pascal
é celebrado, em todo lugar, pelas Igrejas de Deus fiéis à fé apostólica. O mistério celebrado na
liturgia é um só, mas as formas de sua celebração são diversas.
1201 A riqueza insondável do mistério de Cristo é tal que nenhuma liturgia é capaz de
esgotar sua expressão. A história do surgimento e do desenvolvimento desses ritos atesta uma
complementaridade surpreendente. Quando as Igrejas viveram essas tradições litúrgicas em
comunhão na fé e nos sacramentos da fé, enriqueceram-se mutuamente e cresceram na
fidelidade à tradição e à missão comum à Igreja toda.
1202 As diversas tradições litúrgicas surgiram justamente em razão da missão da Igreja. As
Igrejas de uma mesma área geográfica e cultural acabaram celebrando o mistério de Cristo
com expressões particulares tipificadas culturalmente: na tradição do “depósito da fé”, no
simbolismo litúrgico, na organização da comunhão fraterna, na compreensão teológica dos
mistérios e nos tipos de santidade. Assim, Cristo, luz e salvação de todos os povos, é manifestado
pela vida litúrgica de uma Igreja ao povo e à cultura aos quais ela é enviada e nos quais está
enraizada. A Igreja é católica: pode integrar em sua unidade, purificando-as, todas as
verdadeiras riquezas das culturas.
1203 As tradições litúrgicas ou ritos atualmente em uso na Igreja são o rito latino
(principalmente o rito romano, mas também os ritos de certas Igrejas locais como o rito
ambrosiano, ou de certas ordens religiosas) e os ritos bizantinos, alexandrino ou copta, siríaco,
armênio, maronita e caldeu. “Obedecendo fielmente à tradição, o sacrossanto Concílio declara
que a santa mãe Igreja considera como iguais em direito e em dignidade todos os ritos
legitimamente reconhecidos, e que no futuro quer conservá-los e favorecê-los de todas as
formas.”
LITURGIA E CULTURAS
1204 Por isso a celebração da liturgia deve corresponder ao gênio e à cultura dos
diferentes povos. Para que o mistério de Cristo seja “dado a conhecer a todos os gentios, para
levá-los à obediência da fé” (Rm 16,26), deve ser anunciado, celebrado e vivido em todas as
culturas, de sorte que estas não sejam abolidas, mas resgatadas e realizadas por ele”. E
mediante sua cultura humana própria, assumida e transfigurada por Cristo, que a multidão dos
filhos de Deus tem acesso ao Pai, para glorificá-lo, em um só Espírito.
1205 “Na liturgia, sobretudo na liturgia dos sacramentos, existe uma parte imutável - por
ser de instituição divina -, da qual a Igreja é guardiã, e há partes suscetíveis de mudança, que
ela tem o poder e, algumas vezes, até o dever de adaptar às culturas dos povos recentemente
evangelizados.
1206 A diversidade litúrgica pode ser fonte de enriquecimento, mas pode também
provocar tensões, incompreensões recíprocas e até mesmo cismas. Neste campo, é claro que a
diversidade não deve prejudicar a unidade. Esta unidade não pode exprimir-se senão na
fidelidade à fé comum, aos sinais sacramentais que a Igreja recebeu de Cristo, e à comunhão
hierárquica. A adaptação às culturas requer uma conversão do coração e, se necessário, a
ruptura com hábitos ancestrais incompatíveis com a fé católica.”
RESUMINDO
1207 Convém que a celebração da liturgia tenda a exprimir-se na cultura do povo em
que a Igreja se encontra, sem submeter-se a ela. Por outro lado, a liturgia mesma é geradora e
formadora de culturas.
1208 As diversas tradições litúrgicas (ou ritos), legitimamente reconhecidas por
significarem e comunicarem o mesmo mistério de Cristo, manifestam a catolicidade da Igreja.
1209 O critério que garante a unidade na pluralidade das tradições litúrgicas é a
fidelidade à Tradição apostólica, isto é, a comunhão na fé e nos sacramentos recebidos dos
apóstolos, comunhão significada e assegurada pela sucessão apostólica.
SEGUNDA PARTE - A CELEBRAÇÃO DO MISTÉRIO CRISTÃO
SEGUNDA SEÇÃO - OS SETE SACRAMENTOS DA IGREJA
1210 Os sacramentos da nova lei foram instituídos por Cristo e são sete, a saber: o Batismo,
a Confirmação, a Eucaristia, a Penitência, a Unção dos Enfermos, a Ordem e o Matrimônio. Os
sete sacramentos atingem todas as etapas e todos os momentos importantes da vida do cristão:
dão à vida de fé do cristão origem e crescimento, cura e missão. Nisto existe certa semelhança
entre as etapas da vida natural e as da vida espiritual.
1211 Seguindo esta analogia, exporemos primeiramente os três sacramentos da
iniciação cristã (Capítulo 1), em seguida os sacramentos de cura (Capítulo II.) e, finalmente os
sacramentos que estão a serviço da comunhão e da missão dos fiéis (Capítulo III.). Sem dúvida,
esta disposição não é a única possível, mas permite ver que os sacramentos formam um
organismo no qual cada um especificamente tem seu lugar vital. Neste organismo, a eucaristia
ocupa um lugar único por ser “sacramento dos sacramentos”: “todos os demais sacramentos
estão ordenados a este como a seu fim”'.
CAPÍTULO I
OS SACRAMENTOS DA INICIAÇÃO CRISTÃ
1212 Pelos sacramentos da iniciação cristã; Batismo, Confirmação e Eucaristia são
lançados os fundamentos de toda vida cristã. “A participação na natureza divina, que os
homens recebem como dom mediante a graça de Cristo, apresenta certa analogia com a
origem, o desenvolvimento e a sustentação da vida natural. Os fiéis, de fato, renascidos no
Batismo, são fortalecidos pelo sacramento da Confirmação e, depois, nutridos com o alimento
da vida eterna na Eucaristia. Assim, por efeito destes sacramentos da iniciação cristã, estão em
condições de saborear cada vez mais os tesouros da vida divina e de progredir até alcançar a
perfeição da caridade.”
ARTIGO 1
O SACRAMENTO DO BATISMO
1213 O santo Batismo é o fundamento de toda a vida cristã, a porta da vida no Espírito
(“vitae spiritualis janua”) e a porta que abre o acesso aos demais sacramentos. Pelo Batismo
somos libertados do pecado e regenerados como filhos de Deus, tornamo-os membros de Cristo,
somos incorporados à Igreja e feitos participantes de sua missão: “Baptismus está sacramentum
regenerationis per aquam in verbo O Batismo é o sacramento da regeneração pela água na
Palavra”
I. COMO É CHAMADO ESTE SACRAMENTO?
1214 Ele é denominado Batismo com base no rito central pelo qual é realizado: batizar
(“baptizem”, em grego) significa “mergulhar”, “imergir”; o “mergulho” na água simboliza o
sepultamento do catecúmeno na morte de Cristo, da qual com Ele ressuscita como “nova
criatura” (2Cor 5,17; Gl 6,15).
1215 Este sacramento é também chamado “o banho da regeneração e da renovação
no Espírito Santo” (Tt 3,5), pois ele significa e realiza este nascimento a partir da água e do Espírito,
sem o qual “ninguém pode entrar no Reino de Deus” (Jo 3,5).
1216 “Este banho é chamado iluminação, porque aqueles que recebem este
ensinamento [catequético] têm o espírito iluminado...” Depois de receber no Batismo o Verbo, “a
luz verdadeira que ilumina todo homem” (Jo 1,9), o batizado, “após ter sido iluminado”, se
converte em “filho da luz” e em “luz” ele mesmo (Ef 5,8):
O Batismo é o mais belo e o mais magnífico dom de Deus. (...) chamamo-lo de dom,
graça, unção, iluminação, veste de incorruptibilidade, banho de regeneração, selo, e tudo o
que existe de mais precioso. Dom, porque é conferido àqueles que nada trazem; graça, porque
é dado até a culpados; Batismo, porque o pecado é sepultado na água; unção, porque é
sagrado e régio (tais são os que são ungidos); iluminação, porque é luz resplandecente; veste,
porque cobre nossa vergonha; banho, porque lava; selo, porque nos guarda e é o sinal do
senhorio de Deus.
II. O BATISMO NA ECONOMIA DA SALVAÇÃO
AS PREFIGURAÇÕES DO BATISMO NA ANTIGA ALIANÇA
1217 Na liturgia da noite pascal, quando da bênção da água batismal, a Igreja faz
solenemente memória dos grandes acontecimentos da história da salvação que já prefiguravam
o mistério do Batismo: Ó Deus, pelos sinais visíveis dos sacramentos realizais maravilhas invisíveis.
Ao longo da história da salvação, vós vos servistes da água para fazer-nos conhecer a graça do
Batismo.
1218 Desde a origem do mundo, a água, esta criatura humilde e admirável, é a fonte da
vida e da fecundidade. A Sagrada Escritura a vê como “incubada” pelo Espírito de Deus: Já na
origem do mundo, vosso Espírito pairava sobre as águas para que elas recebessem a força de
santificar.
1219 A Igreja viu na arca de Noé uma prefiguração da salvação pelo Batismo. Por ela,
com efeito, “poucas pessoas, isto é, oito foram salvas da água” (1Pd 3,20): Nas próprias águas do
dilúvio prefigurastes o nascimento da nova humanidade de modo que a mesma água sepultasse
os vícios e fizesse nascer a santidade.
1220 Se a água de fonte simboliza a vida, a água do mar é um símbolo da morte, razão
pela qual o mar podia prefigurar o mistério da cruz. Por este simbolismo, o Batismo significa a
comunhão com a morte de Cristo.
1221 É sobretudo a travessia do Mar Vermelho, verdadeira libertação de Israel da
escravidão do Egito, que anuncia a libertação operada pelo Batismo: Concedestes aos filhos de
Abraão atravessar o Mar Vermelho a pé enxuto, para que, livres da escravidão, prefigurassem o
povo nascido na água do Batismo.
1222 Finalmente, o Batismo é prefigurado na travessia do Jordão, pela qual o povo de
Deus recebe o dom da terra prometida à descendência de Abraão, imagem da vida eterna. A
promessa desta herança bem-aventurada realiza-se na nova aliança.
O BATISMO DE CRISTO
1223 Todas as prefigurações da antiga aliança encontram sua realização em Cristo
Jesus. Ele começa sua vida pública depois de ter-se feito batizar por São João Batista no Jordão,
e após sua ressurreição confere esta missão aos apóstolos: “Ide, pois, fazei que todos os povos se
tornem meus discípulos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinandoas
a observar tudo quanto vos ordenei” (Mt 28,19-20).
1224 Nosso Senhor submeteu-se voluntariamente ao Batismo de São João, destinado aos
pecadores, para “cumprir toda a justiça (Cf Mt 3,15)”. Este gesto de Jesus é uma manifestação
de seu “aniquilamento”. O Espírito que pairava sobre as águas da primeira criação desce então
sobre Cristo, preludiando a nova criação, e o Pai manifesta Jesus como seu “filho amado”.
1225 Foi em sua Páscoa que Cristo abriu a todos os homens as fontes do Batismo. Com
efeito, já tinha falado da paixão que iria sofrer em Jerusalém como de um “batismo” com o qual
devia ser batizado. O sangue e a água que escorreram do lado traspassado de Jesus
crucificado são tipos do Batismo e da Eucaristia, sacramentos da vida nova: desde então é
possível “nascer da água e do Espírito” para entrar no Reino de Deus (Jo 3,5).
Vê, quando és batizado, donde vem o Batismo, se não da cruz de Cristo, da morte de
Cristo. Lá está todo o mistério: ele sofreu por ti. E nele que és redimido, é nele que és salvo e, por
tua vez, te tornas salvador.
O BATISMO NA IGREJA
1226 A partir do dia de Pentecostes, a Igreja celebrou e administrou o santo Batismo. Com
efeito, São Pedro declara à multidão impressionada com sua pregação: “Arrependei-vos, e
cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para a remissão de vossos pecados.
Então recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2,38). Os Apóstolos e seus colaboradores oferecem
o Batismo a todo aquele que crer em Jesus: judeus, tementes a Deus, pagãos. O Batismo
aparece sempre ligado à fé: “Crê no Senhor e serás salvo, tu e a tua casa”, declara São Paulo a
seu carcereiro de Filipos. O relato prossegue: “E imediatamente [o carcereiro recebeu o Batismo,
ele e todos os seus” (At 16,31-33).
1227 Segundo o apóstolo São Paulo, pelo Batismo o crente comunga na morte de Cristo; é
sepultado e ressuscita com ele: Batizados em Cristo Jesus, em sua morte é que fomos batizados.
Portanto, pelo Batismo fomos sepultados com ele na morte para que, como Cristo foi
ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também nós vivamos vida nova (Rm 6,3-4).
Os batizados “vestiram-se de Cristo”. Pelo Espírito Santo, o Batismo é um banho que purifica,
santifica e justifica.
1228 O Batismo é, pois, um banho de água no qual “a semente incorruptível” da Palavra
de Deus produz seu efeito vivificante. Santo Agostinho dirá do Batismo: “Accedit verbum ad
elementum, et fit Sacramentum - Une-se a palavra ao elemento, e acontece o sacramento”.
III. COMO É CELEBRADO O SACRAMENTO DO BATISMO?
A INICIAÇÃO CRISTÃ
1229 Tornar-se cristão, eis algo que se realiza desde os tempos dos apóstolos por um
itinerário e uma iniciação que passa por várias etapas. Este itinerário pode ser percorrido com
rapidez ou lentamente. Dever sempre comportar alguns elementos essenciais: o anúncio da
Palavra, o acolhimento do Evangelho acarretando uma conversão, a profissão de fé, o Batismo,
a efusão do Espírito Santo, o acesso à Comunhão Eucarística.
1230 Esta iniciação tem variado muito ao longo dos séculos e de acordo com as
circunstâncias. Nos primeiros séculos da Igreja a iniciação cristã conheceu um grande
desenvolvimento com um longo período de catecumenato e uma seqüência de ritos
preparatórios que balizavam liturgicamente a caminhada da preparação catecumenal e que
desembocavam na celebração dos sacramentos da iniciação cristã.
1231 Quando o Batismo das crianças se tornou amplamente a forma habitual da
celebração deste sacramento, esta passou a ser um único ato que integra de maneira muito
resumida as etapas prévias à iniciação cristã. Por sua própria natureza, o Batismo das crianças
exige um catecumenato pós-batismal. Não se trata somente da necessidade de uma instrução
posterior ao Batismo, mas do desabrochar necessário da graça batismal no crescimento da
pessoa. E o lugar próprio do catecismo.
1232 O Concílio Vaticano II restaurou, para a Igreja latina, “o catecumenato dos adultos,
distribuído em várias etapas”. Encontram-se tais ritos no Ordo initiationis christianae adultorum
(Ritual da iniciação cristã dos adultos). O Concílio por sua vez permitiu que, “além dos elementos
de iniciação fornecidos pela tradição cristã”, fossem admitidos “em terras de missão estes outros
elementos de iniciação cristã, cuja prática constatamos em cada povo, na medida em que
possam ser adaptados ao rito cristão”.
1233 Hoje em dia, portanto, em todos os ritos latinos e orientais, a iniciação cristã dos
adultos começa desde a entrada deles no catecumenato, para atingir seu ponto culminante em
uma única celebração dos três sacramentos: Batismo, Confirmação e Eucaristia. Nos ritos
orientais a iniciação cristã das crianças começa no Batismo, seguido imediatamente pela
Confirmação e pela Eucaristia, ao passo que no rito romano ela prossegue durante os anos de
catequese, para terminar mais tarde com a Confirmação e a Eucaristia, ápice de sua iniciação
cristã.
A MISTAGOGIA DA CELEBRAÇÃO
1234 O significado e a graça do sacramento do Batismo aparecem com clareza nos
ritos de sua celebração. É acompanhando, com uma participação atenta, os gestos e as
palavras desta celebração que os fiéis são iniciados nas riquezas que este sacramento significa e
realiza em cada novo batizado.
1235 O sinal-da-cruz no limiar da celebração, assinala a marca de Cristo naquele que vai
pertencer-lhe e significa a graça da redenção que Cristo nos proporcionou por sua cruz.
1236 O anúncio da Palavra de Deus ilumina com a verdade revelada os candidatos e a
assembléia, e suscita a resposta da fé, inseparável do Batismo. Com efeito, o Batismo é de
maneira especial “o sacramento da fé”, uma vez que é a entrada sacramental na vida de fé.
1237 Visto que o Batismo significa a libertação do pecado e de seu instigador, o Diabo,
pronuncia-se um (ou vários) exorcismo(s) sobre o candidato. Este é ungido com o óleo dos
catecúmenos ou então o celebrante impõe-lhe a mão, e o candidato renuncia explicitamente a
satanás. Assim preparado, ele pode confessar a fé da Igreja, à qual será “confiado” pelo
Batismo.
1238 A água batismal é então consagrada por uma oração de epiclese (seja no próprio
momento, seja na noite pascal). A Igreja pede a Deus que, por seu Filho, o poder do Espírito
Santo desça sobre esta água, para que os que forem batizados nela “nasçam da água e do
Espírito” (Jo 3,5).
1239 Segue então o rito essencial do sacramento: o Batismo propriamente dito, que
significa e realiza a morte ao pecado e a entrada na vida da Santíssima Trindade por meio da
configuração ao mistério pascal de Cristo. O Batismo é realizado da maneira mais significativa
pela tríplice imersão na água batismal. Mas desde a Antigüidade ele pode também ser
conferido derramando-se, por três vezes, a água sobre a cabeça do candidato.
1240 Na Igreja latina, esta tríplice infusão é acompanhada das palavras do ministro:
“N..., eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Nas liturgias orientais, estando o
catecúmeno voltado para o nascente, o ministro diz: “O servo de Deus, N..., é batizado em nome
do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. E à invocação de cada pessoa da Santíssima Trindade o
ministro mergulha o candidato na água e o retira dela.
1241 A unção com o santo crisma, óleo perfumado consagrado pelo Bispo, significa o
dom do Espírito Santo ao novo batizado. Este tornou-se um cristão, isto é, “ungido” do Espírito
Santo, incorporado a Cristo, que é ungido sacerdote, profeta e rei.
1242 Na liturgia das Igrejas do Oriente, a unção pós-batismal é o sacramento da Crisma
(Confirmação). Na liturgia romana, porém, esta primeira unção anuncia outra, a do santo
Crisma, que será feita pelo Bispo: o sacramento da Confirmação, que, por assim dizer, “confirma”
e encerra a unção batismal.
1243 A veste branca simboliza que o batizado “vestiu-se de Cristo”: ressuscitou com
Cristo[ag61] . A vela, acesa no círio pascal, significa que Cristo iluminou o neófito. Em Cristo, os
batizados são “a luz do mundo” (Mt 5,14). O novo batizado é agora filho de Deus no Filho único.
Pode rezar a oração dos filhos de Deus: o Pai-Nosso.
1244 A primeira comunhão eucarística. Uma vez feito filho de Deus, revestido da veste
nupcial, o neófito é admitido “ao festim das bodas do Cordeiro” e recebe o alimento da vida
nova, o Corpo e o Sangue de Cristo. As Igrejas orientais mantêm uma consciência viva da
unidade da iniciação cristã dando a Santa comunhão a todos os novos batizados e
confirmados, mesmo às crianças, lembrando-se da palavra do Senhor: “Deixai vir a mim as
crianças, não as impeçais” (Mc 10,14). A Igreja latina, que reserva a Santa comunhão aos que
atingiram a idade da razão, exprime a abertura do Batismo para a Eucaristia aproximando do
altar a criança recém-batizada para a oração do Pai-Nosso.
1245 A bênção solene conclui a celebração do Batismo. Por ocasião do batismo de
recém-nascidos, a bênção da mãe ocupa um lugar especial.
IV. QUEM PODE RECEBER O BATISMO?
1246 “É capaz de receber o Batismo toda pessoa ainda não batizada, e somente ela.”
O BATISMO DOS ADULTOS
1247 Desde as origens da Igreja, o Batismo dos adultos é a situação mais normal nas terras
onde o anúncio do Evangelho é ainda recente. O catecumenato (preparação para o Batismo)
ocupa então um lugar importante. Sendo iniciação à fé e à vida cristã, deve dispor para o
acolhimento do dom de Deus no Batismo, na Confirmação e na Eucaristia.
1248 O catecumenato, ou formação dos catecúmenos, tem por finalidade permitir a
estes últimos, em resposta à iniciativa divina e em união com uma comunidade eclesial, que
levem a conversão e a fé à maturidade. Trata-se de uma “formação à vida crista integral (...)
pela qual os discípulos são unidos a Cristo, seu mestre. Por isso, os catecúmenos devem ser
iniciados (...) nos mistérios da salvação e na prática de uma vida evangélica, e introduzidos,
mediante ritos sagrados celebrados em épocas sucessivas, na vida da fé, da liturgia e da
caridade do povo de Deus”.
1249 Os catecúmenos “já estão unidos à Igreja, já pertencem à casa de Cristo, não sendo
raro levarem uma vida de fé, esperança e caridade”. “A mãe Igreja já os envolve como seus em
seu amor, cercando-os de cuidados.”
O BATISMO DAS CRIANÇAS
1250 Por nascerem com uma natureza humana decaída e manchada pelo pecado
original, também as crianças precisam do novo nascimento no Batismo, a fim de serem
libertadas do poder das trevas e serem transferidas para o domínio da liberdade dos filhos de
Deus, para a qual todos os homens são chamados. A gratuidade pura da graça da salvação é
particularmente manifesta no Batismo das crianças. A Igreja e os pais privariam então a criança
da graça inestimável de tomar-se filho de Deus se não lhe conferissem o Batismo pouco depois
do nascimento.
1251 Os pais cristãos hão de reconhecer que esta prática corresponde também à sua
função de alimentar a vida que Deus confiou a eles.
1252 A prática de batizar as crianças é uma tradição imemorial da Igreja. É atestada
explicitamente desde o século II. Mas é bem possível que desde o início da pregação apostólica,
quando “casas” inteiras receberam o Batismo[, também se tenha batizado as crianças.
FÉ E BATISMO
1253 O batismo é o sacramento da fé. Mas a fé tem necessidade da comunidade dos
crentes. Cada um dos fiéis só pode crer dentro da fé da Igreja. A fé que se requer para o Batismo
não é uma fé perfeita e madura, mas um começo, que deve desenvolver-se. Ao catecúmeno
ou a seu padrinho é feita a pergunta: “Que pedis à Igreja de Deus?”. E ele responde: “A fé!”.
1254 Em todos os batizados, crianças ou adultos, a fé deve crescer após o Batismo. E por
isso que a Igreja celebra cada ano, na noite pascal, a renovação das promessas batismais. A
preparação para o Batismo leva apenas ao limiar da vida nova. O Batismo é a fonte da vida
nova em Cristo, fonte esta da qual brota toda a vida cristã.
1255 Para que a graça batismal possa desenvolver-se, é importante a ajuda dos pais. Este
é também o papel do padrinho ou da madrinha, que devem ser cristãos firmes, capazes e
prontos a ajudar o novo batizado, criança ou adulto, em sua caminhada na vida cristã. A tarefa
deles é uma verdadeira função eclesial (“officium”). A comunidade eclesial inteira tem uma
parcela de responsabilidade no desenvolvimento e na conservação da graça recebida no
Batismo.
V. QUEM PODE BATIZAR?
1256 São ministros ordinários do Batismo o Bispo e o presbítero e, na Igreja latina, também o
diácono. Em caso de necessidade, qualquer pessoa, mesmo não batizada, que tenha a
intenção exigida, pode batizar, utilizando a fórmula batismal trinitária. A intenção requerida é
querer fazer o que a Igreja faz quando batiza. A Igreja vê a razão desta possibilidade na vontade
salvífica universal de Deus e na necessidade do Batismo para a salvação.
VI. A NECESSIDADE DO BATISMO
1257 O Senhor mesmo afirma que o Batismo é necessário para a salvação. Também
ordenou a seus discípulos que anunciassem o Evangelho e batizassem todas a nações. O Batismo
é necessário, para a salvação, para aqueles aos quais o Evangelho foi anunciado e que tiveram
a possibilidade de pedir este sacramento. A Igreja não conhece outro meio senão o Batismo
para garantir a entrada na bem-aventurança eterna; é por isso que cuida de não negligenciar a
missão que recebeu do Senhor, de fazer “renascer da água e do Espírito” todos aqueles que
podeis ser batizados. Deus vinculou a salvação ao sacramento do Batismo, mas ele mesmo não
está vinculado a seus sacramentos.
1258 Desde sempre, a Igreja mantém a firme convicção de que as pessoas que morrem
em razão da fé, sem terem recebido o Batismo, são batizadas por sua morte por e com Cristo.
Este Batismo de sangue, como o desejo do Batismo, acarreta os frutos do Batismo, sem ser
sacramento.
1259 Para os catecúmenos que morrem antes de seu Batismo, seu desejo explícito de
recebê-lo, juntamente com o arrependimento de seus pecados e a caridade, garante-lhes a
salvação que não puderam receber pelo sacramento.
1260 “Sendo que Cristo morreu por todos e que a vocação última do homem é realmente
uma só, a saber, divina, devemos sustentar que o Espírito Santo oferece a todos, sob forma que
só Deus conhece, a possibilidade de se associarem ao Mistério Pascal.” Todo homem que,
desconhecendo o Evangelho de Cristo e sua Igreja, procura a verdade e pratica a vontade de
Deus segundo seu conhecimento dela pode ser salvo. Pode-se supor que tais pessoas teriam
desejado explicitamente o Batismo se tivessem tido conhecimento da necessidade dele.
1261 Quanto às crianças mortas sem Batismo, a Igreja só pode confiá-las à misericórdia de
Deus, como o faz no rito das exéquias por elas. Com efeito, a grande misericórdia de Deus, “que
quer que todos os homens se salvem” (1Tm 2,4), e a ternura de Jesus para com as crianças, que o
levou a dizer: “Deixai as crianças virem a mim, não as impeçais” (Mc 10,14), nos permitem esperar
que haja um caminho de salvação para as crianças mortas sem Batismo. Eis por que é tão
premente o apelo da Igreja de não impedir as crianças de virem a Cristo pelo dom do santo
Batismo.
VII. A GRAÇA DO BATISMO
1262 Os diferentes efeitos do Batismo são significados pelos elementos sensíveis do rito
sacramental. O mergulho na água faz apelo ao simbolismo da morte e da purificação, mas
também da regeneração e da renovação. Os dois efeitos principais são, pois, a purificação dos
pecados e o novo nascimento no Espírito Santo.
PARA A REMISSÃO DOS PECADOS...
1263 Pelo Batismo, todos os pecados são perdoados: o pecado original e todos os
pecados pessoais, bem como todas as penas do pecado. Com efeito, naqueles que foram
regenerados não resta nada que os impeça de entrar no Reino de Deus: nem o pecado de
Adão, nem o pecado pessoal, nem as seqüelas do pecado, das quais a mais grave é a
separação de Deus.
1264 No batizado, porém, certas conseqüências temporais do pecado permanecem, tais
como os sofrimentos, a doença, a morte ou as fragilidades inerentes à vida, como as fraquezas
de caráter etc., assim como a propensão ao pecado, que a Tradição chama de
concupiscência ou, metaforicamente, o “incentivo do pecado” (fomes peccati”): “Deixada
para os nossos combates, a concupiscência não é capaz de prejudicar aqueles que, não
consentindo nela, resistem com coragem pela graça de Cristo. Mais ainda: 'um atleta não
recebe a coroa se não lutou segundo as regras' (2Tm 2,5).
UMA CRIATURA NOVA
1265 O Batismo não somente purifica de todos os pecados, mas também faz do neófito
“uma criatura nova”, um filho adotivo de Deus que se tornou “participante da natureza divina”,
membro de Cristo e co-herdeiro com ele, templo do Espírito Santo.
1266 A Santíssima Trindade dá ao batizado a graça santificante, a graça da justificação, a
qual
ü torna-o capaz de crer em Deus, de esperar nele e de amá-lo por meio das virtudes
teologais;
ü concede-lhe o poder de viver e agir sob a moção do Espírito Santo por seus dons;
ü permite-lhe crescer no bem pelas virtudes morais.
Assim, todo o organismo da vida sobrenatural do cristão tem sua raiz no santo Batismo.
INCORPORADOS À IGREJA, CORPO DE CRISTO
1267 O Batismo faz-nos membros do Corpo de Cristo. “Somos membros uns dos outros” (Ef
4,25). O Batismo incorpora à Igreja. Das fontes batismais nasce o único povo de Deus da nova
aliança, que supera todos os limites naturais ou humanos das nações, das culturas, das raças e
dos sexos: “Fomos todos batizados num só Espírito para sermos um só corpo” (1Cor 12,13).
1268 Os batizados tornaram-se “pedras vivas” para a “construção de um edifício
espiritual, para um sacerdócio santo” (1 Pd 2,5). Pelo Batismo, participam do sacerdócio de
Cristo, de sua missão profética e régia; “sois a raça eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o
povo de sua particular propriedade, a fim de que proclameis as excelências daquele que vos
chamou das trevas para sua luz maravilhosa” (1Pd 2,9). O Batismo faz participar do sacerdócio
comum dos fiéis.
1269 Feito membro da Igreja, o batizado não pertence mais a si mesmo, mas àquele que
morreu e ressuscitou por nós. Logo, é chamado a submeter-se aos outros, a servi-los na
comunhão da Igreja, a ser “obediente e dócil” aos chefes da Igreja e a considerá-los com
respeito e afeição. Assim como o Batismo é a fonte de responsabilidades e de deveres, o
batizado também goza de direitos dentro da Igreja: de receber os sacramentos, de ser
alimentado com a Palavra de Deus e de ser sustentado pelos outros auxílios espirituais da Igreja.
1270 “Tornados filhos de Deus pela regeneração (batismal], (os batizados) são obrigados
a professar diante dos homens a fé que pela Igreja receberam de Deus” e a participar da
atividade apostólica e missionária do povo de Deus.
O VÍNCULO SACRAMENTAL DA UNIDADE DOS CRISTÃOS
1271 O Batismo constitui o fundamento da comunhão entre todos os cristãos, também
com os que ainda não estão em comunhão plena com a Igreja católica: “Com efeito, aqueles
que crêem em Cristo e foram validamente batizados acham-se em certa comunhão, embora
não perfeita, com a Igreja católica. (...) Justificados pela fé no Batismo, são incorporados a Cristo
e, por isso, com razão, são honrados com o nome de cristãos e merecidamente reconhecidos
pelos filhos da Igreja católica como irmãos no Senhor”. “O Batismo, pois, constitui o vínculo
sacramental da unidade que liga todos os que foram regenerados por ele.”
UM SINAL ESPIRITUAL INDELÉVEL...
1272 Incorporado em Cristo pelo Batismo, o batizado é configurado a Cristo. O Batismo
sela o cristão com um sinal espiritual indelével (“character”) de sua pertença a Cristo. Pecado
algum apaga esta marca, se bem que possa impedir o Batismo de produzir frutos de salvação.
Dado uma vez por todas, o Batismo não pode ser reiterado.
1273 Incorporados à Igreja pelo Batismo, os fiéis receberam o caráter sacramental que os
consagra para o culto religioso cristão. O selo batismal capacita e compromete os cristãos a
servirem a Deus em uma participação viva na sagrada liturgia da Igreja e a exercerem seu
sacerdócio batismal pelo testemunho de uma vida santa e de uma caridade eficaz.
1274 O “selo do Senhor” (“Dominicus character”) é o selo com o qual o Espírito Santo nos
marcou “para o dia da redenção” (Ef 4,30). “O Batismo, com efeito, é o selo da vida eterna.” O
fiel que tiver “guardado o selo” até o fim, isto é, que tiver permanecido fiel às exigências de seu
Batismo, poderá caminhar “marcado pelo sinal da fé”, com a fé de seu Batismo, à espera da
visão feliz de Deus - consumação da fé - e na esperança da ressurreição.
RESUMINDO
1275 A iniciação cristã realiza-se pelo conjunto de três sacramentos: o Batismo, que é o
início da vida nova; a Confirmação, que é sua consolidação e a Eucaristia, que alimenta o
discípulo com o Corpo e o Sangue de Cristo em vista de sua transformação nele.
1276 “Ide, portanto, e fazei que todos os povos se tornem meus discípulos, batizando-os
em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo quanto vos
ordenei” (Mt 28,19-20).
1277 O Batismo constitui o nascimento para a vida nova em Cristo. Segundo a vontade
do Senhor, ele é necessário para a salvação, como a própria Igreja, na qual o Batismo introduz.
1278 O rito essencial do Batismo consiste em mergulhar na água o candidato ou em
derramar água sobre sua cabeça, pronunciando a invocação da Santíssima Trindade, isto é, do
Pai, do Filho e do Espírito Santo
1279 O fruto do Batismo ou graça batismal é uma realidade rica que comporta: a
remissão do pecado original e de todos os pecados pessoais; o nascimento para a vida nova,
pelo qual o homem se torna filho adotivo do Pai, membro de Cristo, templo do Espírito Santo
Com isto mesmo, o batizado é incorporado à Igreja, corpo de Cristo, e se torna participante do
sacerdócio de Cristo.
1280 O Batismo imprime na alma um sinal espiritual indelével, o caráter, que consagra o
batizado ao culto da religião cristã. Em razão do caráter, o Batismo não pode ser reiterado.
1281 Os que morrem por causa da fé, os catecúmenos e todos os homens que, sob o
impulso da graça, sem conhecerem a Igreja, procuram com sinceridade a Deus e se esforçam
por cumprir a vontade dele podem ser salvos, mesmo que não tenham recebido o Batismo.
1282 Desde os tempos mais antigos, o Batismo é administrado às crianças, pois é uma
graça e um dom de Deus que não supõe méritos humanos; as crianças são batizadas na fé da
Igreja. A entrada na vida cristã dá acesso à verdadeira liberdade.
1283 Quanto às crianças mortas sem Batismo, a liturgia da Igreja convida-nos a ter
confiança na misericórdia divina e a orar pela salvação delas.
1284 Em caso de necessidade, qualquer pessoa pode batizar, desde que tenha a
intenção de fazer o que faz a Igreja, e que derrame água sobre a cabeça do candidato
dizendo: “Eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”.
A CELEBRAÇÃO DO MISTÉRIO CRISTÃO
ARTIGO 2
O SACRAMENTO DA CONFIRMAÇÃO
1285 Juntamente com o Batismo e a Eucaristia, o sacramento da Confirmação constitui o
conjunto dos “sacramentos da iniciação crista cuja unidade deve ser salvaguardada. Por isso, é
preciso explicar aos fiéis que a recepção deste sacramento é necessária à consumação da
graça batismal. Com efeito, “pelo sacramento da Confirmação [os fiéis] são vinculados mais
perfeitamente à Igreja, enriquecidos de força especial do Espírito Santo, e assim mais
estritamente obrigados à fé que, como verdadeiras testemunhas de Cristo, devem difundir e
defender tanto por palavras como por obras”.
I. A CONFIRMAÇÃO NA ECONOMIA DA SALVAÇÃO
1286 No Antigo Testamento os profetas anunciaram que o Espírito do Senhor repousaria
sobre o Messias esperado em vista de sua missão salvífica. A descida do Espírito Santo sobre Jesus
por ocasião de seu Batismo por João Batista foi o sinal de que era Ele quem devia vir, que Ele era
o Messias; o Filho de Deus. Concebido do Espírito Santo, toda a sua vida e toda a sua missão se
realizam em uma comunhão total com o mesmo Espírito, que o Pai lhe dá “sem medida” (Jo
3,34).
1287 Ora, esta plenitude do Espírito não devia ser apenas a do Messias; devia ser
comunicada a todo o povo messiânico. Por várias vezes Cristo prometeu esta efusão do Espírito,
promessa que realizou primeiramente no dia da Páscoa. e em seguida, de maneira mais
marcante, no dia de Pentecostes. Repletos do Espírito Santo, os Apóstolos começam a proclamar
“as maravilhas de Deus” (At 2,11), e Pedro começa a declarar que esta efusão do Espírito é o
sinal dos tempos messiânicos. Os que então creram na pregação apostólica e que se fizeram
batizar também receberam o dom do Espírito Santo.
1288 “Desde então, os apóstolos, para cumprir a vontade de Cristo, comunicaram aos
neófitos, pela imposição das mãos, o dom do Espírito que leva a graça do Batismo à sua
consumação. E por isso que na Epístola aos Hebreus ocupa um lugar, entre os elementos da
primeira instrução cristã, a doutrina sobre os batismos e também sobre a imposição das mãos. A
imposição das mãos é com razão reconhecida pela tradição católica como a origem do
sacramento da Confirmação que perpétua, de certo modo, na Igreja, a graça de Pentecostes.”
1289 Bem cedo, para melhor significar o dom do Espírito Santo, acrescentou-se à
imposição das mãos uma unção com óleo perfumado (crisma). Esta unção ilustra o nome de
“cristão”, que significa “ungido” e que deriva a sua origem do próprio nome de Cristo, ele que
“Deus ungiu com o Espírito Santo” (At 10,38). E este rito de unção existe até os nossos dias, tanto
no Oriente como no Ocidente. Por isso, no Oriente, este sacramento é chamado Crismação,
unção com crisma, ou mýron, que significa “crisma”. No Ocidente, o termo Confirmação sugere
que este sacramento, ao mesmo tempo, confirma o Batismo e consolida a graça batismal.
DUAS TRADIÇÕES: O ORIENTE E O OCIDENTE
1290 Nos primeiros séculos, a Confirmação constitui em geral uma só celebração com o
Batismo, formando com este, segundo a expressão de São Cipriano, um “sacramento duplo”.
Entre outros motivos, a multiplicação dos batizados de crianças e isto ao longo do ano todo e a
multiplicação das paróquias (rurais), (multiplicação) que amplia as dioceses, não permitem mais
a presença do Bispo em todas as celebrações batismais. No Ocidente, visto que se deseja
reservar ao Bispo a complementação do Batismo, se instaura a separação dos dois sacramentos
em dois momentos distintos. O Oriente manteve juntos os dois sacramentos, tanto que a
Confirmação é ministrada pelo presbítero que batiza. Todavia, este não o pode fazer senão com
o “mýron” consagrado por um Bispo.
1291 Um costume da Igreja de Roma facilitou o desenvolvimento da prática ocidental
graças a uma dupla unção com o santo crisma depois do Batismo: realizada já pelo presbítero
sobre o neófito, ao sair este do banho batismal, ela é terminada por uma segunda unção, feita
pelo Bispo na fronte de cada um dos novos batizados. A primeira unção com o santo crisma, a
que é dada pelo presbítero, permaneceu ligada ao rito batismal; ela significa a participação do
batizado nas funções profética, sacerdotal e régia de Cristo. Se o Batismo é conferido a um
adulto, há uma só unção pós-batismal, a da Confirmação.
1292 A prática da Igreja do Oriente sublinha mais a unidade da iniciação cristã. A da
Igreja latina exprime mais nitidamente a comunhão do novo cristão com seu Bispo, garante e
servo da unidade de sua Igreja, de sua catolicidade e de sua apostolicidade, e, com isto, o
vínculo com as origens apostólicas da Igreja de Cristo.
II. OS SINAIS E O RITO DA CONFIRMAÇÃO
1293 No rito deste sacramento convém considerar o sinal da unção e aquilo que a unção
designa e imprime: o selo espiritual. A unção, no simbolismo bíblico e antigo, é rica de
significados: o óleo é sinal de abundância e de alegria, ele purifica (unção antes e depois do
banho) e torna ágil (unção dos atletas e dos lutadores), é sinal de cura, pois ameniza as
contusões e as feridas, e faz irradiar beleza, saúde e força.
1294 Todos esses significados da unção com óleo voltam a encontrar-se na vida
sacramental. A unção, antes do Batismo, com o óleo dos catecúmenos significa purificação e
fortalecimento; a unção dos enfermos exprime a cura e o reconforto. A unção com o santo
crisma depois do Batismo, na Confirmação e na Ordenação, é o sinal de uma consagração.
Pela Confirmação, os cristãos, isto é, os que são ungidos, participam mais intensamente da
missão de Jesus e da plenitude do Espírito Santo, de que Jesus é cumulado, a fim de que toda a
vida deles exale “o bom odor de Cristo”
1295 Por esta unção, o confirmando recebe “a marca”, o seio do Espírito Santo O selo é o
símbolo da pessoa, sinal de sua autoridade, de sua propriedade sobre um objeto - assim, os
soldados eram marcados com o selo de seu chefe, e os escravos, com o de seu proprietário; o
selo autentica um ato jurídico ou um documento e o torna eventualmente secreto.
1296 Cristo mesmo se declara marcado com o selo de seu Pai. Também o cristão está
marcado por um selo: “Aquele que nos fortalece convosco em Cristo e nos dá a unção é Deus, o
qual nos marcou com um selo e colocou em nossos corações o penhor do Espírito” (2Cor 1,21-22;
Cf Ef 1,13; 4,30). Este selo do Espírito Santo marca a pertença total a Cristo, o colocar-se a seu
serviço, para sempre, mas também a promessa da proteção divina na grande provação
escatológica.
A CELEBRAÇÃO DA CONFIRMAÇÃO
1297 Um momento importante que antecede a celebração da Confirmação, mas que,
de certo modo, faz parte dela, é a consagração do santo crisma. É o Bispo que, na Quinta-feira
Santa, durante a missa do crisma, consagra o santo crisma para toda a sua diocese. Nas Igrejas
do Oriente, esta consagração é até reservada ao patriarca:
A liturgia de Antioquia exprime assim a epiclese da consagração do santo crisma (mýron):
[Pai... enviai o vosso Espírito Santo] sobre nós e sobre este óleo que está diante de nós e
consagrai-o, a fim de que seja para todos os que forem ungidos e marcados por ele: mýron
santo, mýron sacerdotal, mýron régio, unção de alegria, a veste da luz, o manto da salvação, o
dom espiritual, a santificação das almas e dos corpos, a felicidade imperecível, o selo indelével,
o escudo da fé e o capacete terrível contra todas as obras do adversário
1298 Quando a Confirmação é celebrada em separado do Batismo, como ocorre no
rito romano, a liturgia do sacramento começa com a renovação das promessas do Batismo e
com a profissão de fé dos confirmandos. Assim aparece com clareza que a Confirmação se situa
na seqüência do Batismo. Quando um adulto é batizado, recebe imediatamente a Confirmação
e participa da Eucaristia [Cf CIC cânone 866].
1299 No rito romano, o Bispo estende as mãos sobre o conjunto dos confirmandos, gesto
que, desde o tempo dos Apóstolos, é o sinal do dom do Espírito. Cabe ao Bispo invocar a efusão
do Espírito: Deus Todo-Poderoso, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que pela água e pelo Espírito
Santo fizestes renascer estes vossos servos, libertando-os do pecado, enviai-lhes o Espírito Santo
Paráclito; dai-lhes, Senhor, o espírito de sabedoria e inteligência, o espírito de conselho e
fortaleza, o espírito da ciência e piedade - e enchei-os do espírito de vosso temor. Por Cristo
Nosso Senhor.
1300 Segue-se o rito essencial do sacramento. No rito latino, “o sacramento da
Confirmação é conferido pela unção do santo crisma na fronte, feita com a imposição da mão,
e por estas palavras: 'Accipe signaculun doni Spitus Sancti, 'N, recebe, por este sinal, o selo do
Espírito Santo, o dom de Deus. Nas Igrejas orientais de rito bizantino, a unção do μύρσν faz-se
depois de uma oração de epiclese sobre as partes mais significativas do corpo: a fronte, os olhos,
o nariz, os ouvidos, os lábios, o peito, as costas, as mãos e os pés, sendo cada unção
acompanhada da fórmula: “Σφραγίς δωρεάς Пνεύματσς `Αγίου”, “Selo do dom do Espírito
Santo”.
1301 O ósculo da paz, que encerra o rito do sacramento, significa e manifesta a
comunhão eclesial com o Bispo e com todos os fiéis.
III. OS EFEITOS DA CONFIRMAÇÃO
1302 Da celebração ressalta que o efeito do sacramento da Confirmação é a efusão
especial do Espírito Santo, como foi outorgado outrora aos apóstolos no dia de Pentecostes.
1303 Por isso, a confirmação produz crescimento e aprofundamento da graça batismal:
ü enraíza-nos mais profundamente na filiação divina, que nos faz dizer “Abbá, Pai” (Rm
8,15),
ü une-nos mais solidamente a Cristo;
ü aumenta em nós os dons do Espírito Santo;
ü torna mais perfeita nossa vinculação com a Igreja;
ü dá-nos uma força especial do Espírito Santo para difundir e defender a fé pela
palavra e pela ação, como verdadeiras testemunhas de Cristo, para confessar com valentia o
nome de Cristo e para nunca sentir vergonha em relação à cruz:
Lembra-te, portanto, de que recebeste o sinal espiritual, o Espírito de sabedoria e de
inteligência, o Espírito de conselho e força, o Espírito de conhecimento e de piedade, o Espírito
do santo temor, e conserva o que recebeste. Deus Pai te marcou com seu sinal, Cristo Senhor te
confirmou e colocou em teu coração o penhor do Espírito.
1304 Como o Batismo, do qual é consumação, a Confirmação é dada uma só vez, pois
imprime na alma uma marca espiritual indelével, o “caráter”, que é o sinal de que Jesus Cristo
assinalou um cristão com o selo de seu Espírito, revestindo-o da força do alto para ser sua
testemunha.
1305 O “caráter” aperfeiçoa o sacerdócio comum dos fiéis, recebido no Batismo, e “o
confirmado recebe o poder de confessar a fé de Cristo publicamente, e como que em virtude
de um ofício (quasi ex ofício)”.
IV. QUEM PODE RECEBER ESTE SACRAMENTO?
1306 Todo batizado ainda não confirmado pode e deve receber o sacramento da
Confirmação. Pelo fato de o Batismo, a Confirmação e a Eucaristia formarem uma unidade,
segue-se que “os fiéis têm a obrigação de receber tempestivamente esse sacramento”, pois sem
a Confirmação e a Eucaristia, o sacramento do Batismo é sem dúvida válido e eficaz, mas a
iniciação cristã permanece inacabada.
1307 O costume latino há séculos indica “a idade da razão” como ponto de referência
para receber a Confirmação. Todavia, em perigo de morte deve-se confirmar as crianças,
mesmo que ainda não tenham atingido o uso da razão.
1308 Se às vezes se fala da Confirmação como o “sacramento da maturidade cristã”,
nem por isso se deve confundir a idade adulta da fé com a idade adulta do crescimento natural,
nem esquecer que a graça batismal é uma graça de eleição gratuita e imerecida que não
precisa de uma “ratificação” para tornar-se efetiva. Santo Tomás recorda isto: A idade do corpo
não constitui um prejuízo para a alma. Assim, mesmo na infância, o homem pode receber a
perfeição da idade espiritual da qual fala o livro da Sabedoria (4,8): “Velhice venerável não é
longevidade, nem é medida pelo número de anos”. Assim é que muitas crianças, graças à força
do Espírito Santo que haviam recebido, lutaram corajosamente e até o sangue por Cristo.
1309 A preparação para a Confirmação deve visar conduzir o cristão a uma união mais
íntima com Cristo, a uma familiaridade mais intensa com o Espírito Santo, sua ação, seus dons e
seus chamados, a fim de poder assumir melhor as responsabilidades apostólicas da vida cristã.
Por isso, a catequese da Confirmação se empenhará em despertar o senso da pertença à Igreja
de Jesus Cristo, tanto à Igreja universal como à comunidade paroquial. Esta última tem uma
responsabilidade peculiar na preparação dos confirmandos.
1310 Para receber a Confirmação é preciso estar em estado de graça. Convém recorrer
ao sacramento da Penitência para ser o purificado em vista do dom do Espírito Santo Uma
oração mais intensa deve preparar para receber com docilidade e disponibilidade a força e as
graças do Espírito Santo.
1311 Para a Confirmação, como para o Batismo, convém que os candidatos procurem a
ajuda espiritual de um padrinho ou de uma madrinha. Convém que seja o mesmo do Batismo, a
fim de marcar bem a unidade dos dois sacramentos.
V. O MINISTRO DA CONFIRMAÇÃO
1312 O ministro originário da Confirmação é ó Bispo. No Oriente, é normalmente o
presbítero batizante que também ministra imediatamente a Confirmação em uma única e
mesma celebração. Mas o faz com o santo crisma consagrado pelo patriarca ou pelo Bispo, o
que exprime a unidade apostólica da Igreja, cujos vínculos são reforçados pelo sacramento da
Confirmação. Na Igreja latina aplica-se a mesma disciplina nos batizados de adultos, ou quando
se admite à comunhão plena com a Igreja um batizado de outra comunidade cristã que não
recebeu validamente o sacramento da Confirmação
1313 No rito latino, o ministro ordinário da confirmação é o Bispo. Embora o Bispo possa,
quando houver necessidade, conceder aos presbíteros a faculdade de administrar a
Confirmação, é conveniente que ele mesmo o confira, não esquecendo que é por este motivo
que a celebração da Confirmação foi separada temporalmente do Batismo. Os Bispos são os
sucessores dos Apóstolos, receberam a plenitude do sacramento da Ordem. A administração
deste sacramento pelos Bispos marca bem que ele tem como efeito unir aqueles que o
receberam mais intimamente à Igreja, às suas origens apostólicas e à sua missão de dar
testemunho de Cristo.
1314 Se um cristão estiver em perigo de morte, todo presbítero pode dar-lhe a
Confirmação. Com efeito, a Igreja não quer que nenhum de seus filhos, mesmo se de tenra
idade, deixe este mundo sem ter-se tornado perfeito pelo Espírito Santo com o dom da plenitude
de Cristo.
RESUMINDO
1315 “Tendo ouvido que a Samaria acolhera a palavra de Deus, os Apóstolos, que
estavam em Jerusalém, enviaram-lhes Pedro e João. Estes, descendo até lá, oraram por eles, a
fim de que recebessem o Espírito Santo Pois ele ainda não descera sobre nenhum deles, mas
somente haviam sido batizados em nome do Senhor Jesus. Então começaram a impor-lhes as
mãos, e eles recebiam o Espírito Santo” (At 8,14-17).
1316 A Confirmação aperfeiçoa a graça batismal; é o sacramento que dá o Espírito Santo
para enraizar-nos mais profundamente na filiação divina, incorporar-nos mais firmemente a
Cristo, tornar mais sólida a nossa vinculação com a Igreja, associar-nos mais à sua missão e
ajudar-nos a dar testemunho da fé cristã pela palavra, acompanhada das obras.
1317 A Confirmação, como o Batismo, imprime na alma do cristão um sinal espiritual ou
caráter indelével; razão pela qual só se pode receber este sacramento uma vez na vida.
1318 No Oriente, este sacramento é administrado imediatamente depois do Batismo; é
seguido da participação na Eucaristia, tradição que põe em destaque a unidade dos três
sacramentos da iniciação cristã. Na Igreja latina administra-se este sacramento quando se atinge
a idade da razão, e normalmente se reserva sua celebração ao Bispo, significando assim que
este sacramento corrobora o vínculo eclesial
1319 Um candidato à Confirmação que tiver atingido a idade da razão deve professar a
fé, estar em estado de graça, ter a intenção de receber o sacramento e estar preparado para
assumir sua função de discípulo e de testemunha de Cristo, na comunidade eclesial e nas
ocupações temporais.
1320 O rito essencial da Confirmação é a unção com o santo crisma na fronte do batizado
(no Oriente, também sobre outros órgãos dos sentidos), com a imposição da mão do ministro e
as palavras: “Accipe signaculum doni Spiritus Sancti”, “Recebe, por este sinal, o Dom do Espírito
Santo”, no rito romano, e “Signaculum doni Spiritus Sancti”, “Selo do dom do Espírito Santo”, no
rito bizantino.
1321 Quando a Confirmação é celebrada em separado do Batismo, sua vinculação com
este e expressa, entre outras coisas, pela renovação dos compromissos batismais. A celebração
da confirmação no decurso da Eucaristia contribui para sublinhar a unidade dos sacramentos da
iniciação cristã.
A CELEBRAÇÃO DO MISTÉRIO CRISTÃO
ARTIGO 3
O SACRAMENTO DA EUCARISTIA
1322 A santa Eucaristia conclui a iniciação cristã. Os que foram elevados à dignidade do
sacerdócio régio pelo Batismo e configurados mais profundamente a Cristo pela Confirmação,
estes, por meio da Eucaristia, participam com toda a comunidade do próprio sacrifício do
Senhor.
1323 “Na última ceia, na noite em que foi entregue, nosso Salvador instituiu o Sacrifício
Eucarístico de seu Corpo e Sangue. Por ele, perpetua pelos séculos, até que volte, o sacrifício da
cruz, confiando destarte à Igreja, sua dileta esposa, o memorial de sua morte e ressurreição:
sacramento da piedade, sinal da unidade, vínculo da caridade, banquete pascal em que Cristo
é recebido como alimento, o espírito é cumulado de graça e nos é dado o penhor da glória
futura.”
I. A EUCARISTIA - FONTE E ÁPICE DA VIDA ECLESIAL
1324 A Eucaristia é “fonte e ápice de toda a vida cristã”. “Os demais sacramentos, assim
como todos os ministérios eclesiásticos e tarefas apostólicas, se ligam à sagrada Eucaristia e a ela
se ordenam. Pois a santíssima Eucaristia contém todo o bem espiritual da Igreja, a saber, o
próprio Cristo, nossa Páscoa.”
1325 “A comunhão de vida com Deus e a unidade do povo de Deus, pelas quais a Igreja
é ela mesma, a Eucaristia as significa e as realiza. Nela está o clímax tanto da ação pela qual,
em Cristo, Deus santifica o mundo, como do culto que no Espírito Santo os homens prestam a
Cristo e, por ele, ao Pai.”
1326 Finalmente, pela Celebração Eucarística ]a nos unimos a liturgia do céu e
antecipamos a vida eterna, quando Deus ser tudo em todos (1Cor 15,28).
1327 Em sua palavra, a Eucaristia é o resumo e a suma de nossa fé: “Nossa maneira de
pensar concorda com a Eucaristia, e a Eucaristia, por sua vez, confirma nossa maneira de
pensar”.
II. COMO SE CHAMA ESTE SACRAMENTO?
1328 A riqueza inesgotável deste sacramento exprime-se nos diversos nomes que lhe são
dados. Cada uma destas designações evoca alguns de seus aspectos. Ele é chamado:
Eucaristia, porque é ação de graças a Deus. As palavras “eucharistein” (Lc 22,19; 1 Cor 11,24) e
“eulogein” (Mt 26,26; Mc 14,22) lembram as bênçãos judaicas que proclamam sobretudo
durante a refeição as obras de Deus: a criação, a redenção e a santificação.
1329 Ceia do Senhor, pois se trata da ceia que o Senhor fez com seus discípulos na
véspera de sua paixão, e da antecipação da ceia das bodas do Cordeiro na Jerusalém celeste.
Fração do Pão, porque este rito, próprio da refeição judaica, foi utilizado por Jesus quando
abençoava e distribuía o pão como presidente da mesa, sobretudo por da ocasião. Ultima Ceia.
É por este gesto que os discípulos o reconhecerão após a ressurreição, e é com esta expressão
que os primeiros cristãos designarão suas assembléias eucarísticas.
Com isso querem dizer que todos os que comem do único pão partido, Cristo, entram em
comunhão com ele e já não formam senão um só corpo nele.
Assembléia eucarística (synaxxis, pronuncie “sináxis”), porque a Eucaristia é celebrada na
assembléia dos fiéis, expressão visível da Igreja.
1330 Memorial da Paixão e da Ressurreição do Senhor. Santo Sacrifício, porque atualiza o
único sacrifício de Cristo Salvador e inclui a oferenda da Igreja; ou também santo sacrifício da
Missa, “sacrifício de louvor” (Hb 13,15), sacrifício espiritual, sacrifício puro e santo, pois realiza e
supera todos os sacrifícios da Antiga Aliança.
Santa e divina Liturgia, porque toda a liturgia da Igreja encontra seu centro e sua
expressão mais densa na celebração deste sacramento; é no mesmo sentido que se chama
também celebração dos Santos Mistérios. Fala-se também do Santíssimo Sacramento, porque é o
sacramento dos sacramentos. Com esta denominação designam-se as espécies eucarísticas
guardadas no tabernáculo.
1331 Comunhão, porque é por este sacramento que nos unimos a Cristo, que nos toma
participantes de seu Corpo e de seu Sangue para formarmos um só corpo; denomina-se ainda as
“coisas santas: ta hagia (pronuncia-se “ta háguia” e significa “coisas santas”); sancta (coisas
santas” este é o sentido primeiro da “comunhão dos santos” de que fala o Símbolo dos Apóstolos
pão dos anjos, pão do céu, remédio de imortalidade[ag29] , viático...
1332 Santa [§30] Missa, porque a liturgia na qual se realizou o mistério da salvação termina
com o envio dos fiéis (“missio”: missão, envio) para que cumpram a vontade de Deus em sua
vida cotidiana.
III. A EUCARISTIA NA ECONOMIA DA SALVAÇÃO
OS SINAIS DO PÃO E DO VINHO
1333 Encontram-se no cerne da celebração da Eucaristia o pão e o vinho, os quais,
pelas palavras de Cristo e pela invocação do Espírito Santo, se tornam o Corpo e o Sangue de
Cristo. Fiel à ordem do Senhor, a Igreja continua fazendo, em sua memória, até a sua volta
gloriosa, o que ele fez na véspera de sua paixão: “Tomou o pão...” “Tomou o cálice cheio de
vinho...” Ao se tomarem misteriosamente o Corpo e o Sangue de Cristo, os sinais do pão e do
vinho continuam a significar também a bondade da criação. Assim, no ofertório damos graças
ao Criador pelo pão e pelo vinho, fruto “do trabalho do homem”, mas antes “fruto da terra” e
“da videira”, dons do Criador. A Igreja vê neste gesto de Melquisedec, rei e sacerdote, que
“trouxe pão e vinho” (Gn 14,18), uma prefiguração de sua própria oferta.
1334 Na antiga aliança, o pão e o vinho são oferecidos em sacrifício entre as primícias
da terra, em sinal de reconhecimento ao Criador. Mas eles recebem também um novo
significado no contexto do êxodo: os pães ázimos que Israel come cada ano na Páscoa
comemoram a pressa da partida libertadora do Egito; a recordação do maná do deserto há de
lembrar sempre a Israel que ele vive do pão da Palavra de Deus. Finalmente, o pão de todos os
dias é o fruto da Terra Prometida, penhor da fidelidade de Deus às suas promessas. O “cálice de
bênção” (1Cor 10,16), no fim da refeição pascal dos judeus, acrescenta à alegria festiva do
vinho uma dimensão escatológica: da espera messiânica do restabelecimento de Jerusalém.
Jesus instituiu sua Eucaristia dando um sentido novo e definitivo à bênção do Pão e do Cálice.
1335 O milagre da multiplicação dos pães, quando o Senhor proferiu a bênção, partiu e
distribuiu os pães a seus discípulos para alimentar a multidão, prefigura a superabundância deste
único pão de sua Eucaristia. O sinal da água transformada em vinho em Caná já anuncia a hora
da glorificação de Jesus. Manifesta a realização da ceia das bodas no Reino do Pai, onde os fiéis
beberão o vinho novo, transformado no Sangue de Cristo.
1336 O primeiro anúncio da Eucaristia dividiu os discípulos, assim como o anúncio da
paixão os escandalizou: “Essa palavra é dura! Quem pode escutá-la?” (Jo 6,60). A Eucaristia e a
cruz são pedras de tropeço. É o mesmo mistério, e ele não cessa de ser ocasião de divisão. “Vós
também quereis ir embora?” (Jo 6,67). Esta pergunta do Senhor ressoa através dos séculos como
convite de seu amor a descobrir que só Ele tem “as palavras da vida eterna” (Jo 6,68) e que
acolher na fé o dom de sua Eucaristia é acolher a Ele mesmo.
A INSTITUIÇÃO DA EUCARISTIA
1337 Tendo amado os seus, o Senhor amou-os até o fim. Sabendo que chegara a hora
de partir deste mundo para voltar a seu Pai, no decurso de uma refeição lavou-lhes os pés e deulhes
o mandamento do amor. Para deixar-lhes uma garantia deste amor, para nunca afastar-se
dos seus e para fazê-los participantes de sua Páscoa, instituiu a Eucaristia como memória de sua
morte e de sua ressurreição, e ordenou a seus apóstolos que a celebrassem até a sua volta,
“constituindo-os então sacerdotes do Novo Testamento”.
1338 Os três Evangelhos sinópticos e São Paulo nos transmitiram o relato da instituição da
Eucaristia; por sua vez, São João nos relata as palavras de Jesus na sinagoga de Cafarnaum,
palavras que preparam a instituição da Eucaristia: Cristo designa-se como o pão da vida,
descido do Céu.
1339 Jesus escolheu o tempo da Páscoa para realizar o que tinha anunciado em
Cafarnaum: dar a seus discípulos seu Corpo e seu Sangue: Veio o dia dos ázimos, quando devia
ser imolada a páscoa. Jesus enviou então Pedro e João, dizendo: “Ide preparar-nos a Páscoa
para comermos” ... Eles foram (...) e prepararam a Páscoa. Quando chegou a hora, ele se pôs à
mesa com seus apóstolos e disse-lhes: “Desejei ardentemente comer esta páscoa convosco
antes de sofrer; pois eu vos digo que já não a comerei até que ela se cumpra no Reino de
Deus”... E tomou um pão, deu graças, partiu-o e distribuiu-o a eles dizendo: “Isto é o meu corpo
que é dado por vós. Fazei isto em minha memória”. E, depois de comer, fez o mesmo com o
cálice dizendo: “Este cálice é a nova aliança em meu sangue, que é derramado em favor de
vós” (Lc 22,7-20).
1340 Ao celebrar a última Ceia com seus apóstolos durante a refeição pascal, Jesus deu
seu sentido definitivo à páscoa judaica. Com efeito, a passagem de Jesus a seu Pai por sua
Morte e sua Ressurreição, a Páscoa nova, é antecipada na ceia e celebrada na Eucaristia que
realiza a Páscoa judaica e antecipa a Páscoa final da Igreja na glória do Reino.
“FAZEI ISTO EM MEMÓRIA DE MIM”
1341 O mandamento de Jesus de repetir seus gestos e suas palavras “até que ele volte”
não pede somente que se recorde de Jesus e do que ele fez. Visa á celebração litúrgica, pelos
apóstolos e seus sucessores, do memorial de Cristo, de sua vida, de sua Morte, de sua
Ressurreição e de sua intercessão junto ao Pai.
1342 Desde o início, a Igreja foi fiel ao mandato do Senhor. Da Igreja de Jerusalém se diz:
Eles eram perseverantes ao ensinamento dos Apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e
às orações. (...) Dia após dia, unânimes, mostravam-se assíduos no templo e partiam o pão pelas
casas, tomando o alimento com alegria e simplicidade de coração (At 2,42.46).
1343 Era sobretudo “no primeiro dia da semana”, isto é, no domingo, o dia da
Ressurreição de Jesus, que os cristãos se reuniam “para partir o pão” (At 20,7). Desde aqueles
tempos até os nossos dias, a celebração da Eucaristia perpetuou-se, de sorte que hoje a
encontramos em toda parte na Igreja, com a mesma estrutura fundamental. Ela continua sendo
o centro da vida da Igreja.
1344 Assim, de celebração em celebração, anunciando o Mistério Pascal de Jesus “até
que ele venha” (1 Cor 11,26), o povo de Deus em peregrinação “avança pela porta estreita da
cruz[ag52] ” em direção ao banquete celeste, quando todos os eleitos se sentarão à mesa do
Reino.
IV. A CELEBRAÇÃO LITÚRGICA DA EUCARISTIA
A MISSA DE TODOS OS SÉCULOS
1345 Desde o século II temos o testemunho de S. Justiço Mártir sobre as grandes linhas do
desenrolar da Celebração Eucarística, que permaneceram as mesmas até os nossos dias para
todas as grandes famílias litúrgicas. Assim escreve, pelo ano de 155, para explicar ao imperador
pagão Antonino Pio (138-161) o que os cristãos fazem:
“No dia 'do Sol', como é chamado, reúnem-se num mesmo lugar os habitantes, quer das
cidades, quer dos campos. Lêem-se, na medida em que o tempo o permite, ora os comentários
dos Apóstolos, ora os escritos dos Profetas. Depois, quando o leitor terminou, o que preside toma
a palavra para aconselhar e exortar à imitação de tão sublimes ensinamentos. A seguir, pomonos
todos de pé e elevamos nossas preces por nós mesmos (...) e por todos os outros, onde quer
que estejam, a fim de sermos de fato justos por nossa vida e por nossas ações, e fiéis aos
mandamentos, para assim obtermos a salvação eterna.
Quando as orações terminaram, saudamo-nos uns aos outros com um ósculo. Em seguida,
leva-se àquele que preside aos irmãos pão e um cálice de água e de vinho misturados.
Ele os toma e faz subir louvor e glória ao Pai do universo, no nome do Filho e do Espírito
Santo e rende graças (em grego: eucharístia, que significa 'ação de graças' longamente pelo
fato de termos sido julgados dignos destes dons.
Terminadas as orações e as ações de graças, todo o povo presente prorrompe numa
aclamação dizendo: Amém.
Depois de o presidente ter feito a ação de graças e o povo ter respondido, os que entre
nós se chamam diáconos distribuem a todos os que estão presentes pão, vinho e água
'eucaristizados' e levam (também) aos ausentes“.
1346 A liturgia da Eucaristia desenrola-se segundo uma estrutura fundamental que se
conservou ao longo dos séculos até nossos dias. Desdobra-se em dois grandes momentos que
formam uma unidade básica:
ü a convocação, a Liturgia da Palavra, com as leituras,
ü a homilia e a oração universal;
ü a Liturgia Eucarística, com a apresentação do pão e do vinho, a ação de graças
consecratória e a comunhão.
Liturgia da Palavra e Liturgia Eucarística constituem juntas “um só e mesmo ato do culto”;
com efeito, a mesa preparada para nós na Eucaristia é ao mesmo tempo a da Palavra de Deus
e a do Corpo do Senhor.
1347 Por acaso não é exatamente esta a seqüência da Ceia Pascal de Jesus
ressuscitado com seus discípulos? Estando a caminho, explicou-lhes as Escrituras, e em seguida,
colocando-se à mesa com eles, “tomou o pão, abençoou-o, depois partiu-o e distribuiu-o a
eles”.
A SEQÜÊNCIA DA CELEBRAÇÃO
1348 Todos se reúnem. Os cristãos acorrem a um mesmo lugar para a Assembléia
Eucarística, encabeçados pelo próprio Cristo, que é o ator principal da Eucaristia. Ele é o sumo
sacerdote da Nova Aliança. É ele mesmo quem preside invisivelmente toda Celebração
Eucarística. É representando-o que o Bispo ou o presbítero (agindo “em representação de Cristo-
Cabeça”) preside a assembléia, toma a palavra depois das leituras, recebe as oferendas e
profere a oração eucarística. Todos têm sua parte ativa na celebração, cada um a seu modo: os
leitores, os que trazem as oferendas, os que dão a comunhão e todo o povo, cujo Amém
manifesta a participação.
1349 A Liturgia da Palavra comporta “os escritos dos profetas”, isto é, o Antigo
Testamento, e “as memórias dos Apóstolos”, isto é, as epístolas e os Evangelhos; depois da
homilia, que exorta a acolher esta palavra como ela verdadeiramente é, isto é, como Palavra de
Deus, e a pô-la em prática, vêm as intercessões por todos os homens, de acordo com a palavra
do Apóstolo: “Eu recomendo, pois, antes de tudo, que se façam pedidos, orações, súplicas e
ações de graças por todos os homens, pelos reis e todos os que detêm a autoridade” (1Tm 2,1-2).
1350 A apresentação das oferendas (o ofertório): trazem-se então ao altar, por vezes em
procissão, o pão e o vinho que serão oferecidos pelo sacerdote em nome de Cristo no Sacrifício
Eucarístico e ali se tornarão o Corpo e o Sangue de Cristo. Este é o próprio gesto de Cristo na
última ceia, “tomando pão e um cálice”. “Esta oblação, só a Igreja a oferece, pura, ao Criador,
oferecendo-lhe com ação de graças o que provém de sua criação. A apresentação das
oferendas ao altar assume o gesto de Melquisedec e entrega os dons do Criador nas mãos de
Cristo. E ele que, em seu sacrifício, leva à perfeição todos os intentos humanos de oferecer
sacrifícios.
1351 Desde os inícios, os cristãos levam, com o pão e o vinho para a Eucaristia, seus dons
para repartir com os que estão em necessidade. Este costume da coleta, sempre atual, inspira-se
no exemplo de Cristo que se fez pobre para nos enriquecer: Os que possuem bens em
abundância e o desejam, dão livremente o que lhes parece bem, e o que se recolhe é entregue
àquele que preside. Este socorre os órfãos e viúvas e os que, por motivo de doença ou qualquer
outra razão, se encontram em necessidade, assim como os encarcerados e os imigrantes; numa
palavra, ele socorre todos os necessitados.
1352 A anáfora. Com a Oração Eucarística, oração de ação de graças e de
consagração, chegamos ao coração e ao ápice da celebração. No prefácio, a Igreja rende
graças ao Pai, por Cristo, no Espírito Santo, por todas as suas obras, pela criação, a redenção, a
santificação. Toda a comunidade junta-se então a este louvor incessante que a Igreja celeste, os
anjos e todos os santos cantam ao Deus três vezes santo.
1353 Na epiclese ela pede ao Pai que envie seu Espírito Santo (ou o poder de sua
bênção sobre o pão e o vinho, para que se tornem, por seu poder, o Corpo e o Sangue de Jesus
Cristo, e para que aqueles que tomam parte na Eucaristia sejam um só corpo e um só espírito
(certas tradições litúrgicas colocam a epiclese depois da anamnese). No relato da instituição, a
força das palavras e da ação de Cristo e o poder do Espírito Santo tornam sacramentalmente
presentes, sob as espécies do pão e do vinho, o Corpo e o Sangue de Cristo, seu sacrifício
oferecido na cruz uma vez por todas.
1354 Na anamnese que segue, a Igreja faz memória da Paixão, da Ressurreição e da
volta gloriosa de Cristo Jesus; ela apresenta ao Pai a oferenda de seu Filho que nos reconcilia
com ele.
Nas intercessões, a Igreja exprime que a Eucaristia é celebrada em comunhão com toda
a Igreja do céu e da terra, dos vivos e dos falecidos, e na comunhão com os pastores da Igreja,
o Papa, o Bispo da diocese, seu presbitério e seus diáconos, e todos os Bispos do mundo inteiro
com suas igrejas.
1355 Na comunhão, precedida pela oração do Senhor e pela fração do pão, os fiéis
recebem “o pão do céu” e “o cálice da salvação”, o Corpo e o Sangue de Cristo, que se
entregou “para a vida do mundo” (Jo 6,51): Porque este pão e este vinho foram, segundo a
antiga expressão, “eucaristizados”, “chamamos este alimento de Eucaristia, e a ninguém é
permitido participar na Eucaristia senão àquele que admitindo como verdadeiros os nossos
ensinamentos e tendo sido purificado pelo Batismo para a remissão dos pecados e para o novo
nascimento, levar uma vida como Cristo ensinou”.
V. O SACRIFÍCIO SACRAMENTAL: AÇÃO DE GRAÇAS, MEMORIAL, PRESENÇA
1356 Se os cristãos celebram a Eucaristia desde as origens, e sob uma forma que, em sua
substância, não sofreu alteração através da grande diversidade dos tempos e das liturgias, é
porque temos consciência de estarmos ligados ao mandato do Senhor, dado na véspera de sua
paixão: “Fazei isto em memória de mim” (1 Cor 11 ,24-25).
1357 Cumprimos esta ordem do Senhor celebrando o memorial de seu sacrifício. Ao
fazermos isto, oferecemos ao Pai o que ele mesmo nos deu: os dons de sua criação, o pão e o
vinho, que pelo poder do Espírito Santo e pelas palavras de Cristo se tornaram o Corpo e o
Sangue de Cristo, o qual, assim, se torna real e misteriosamente presente.
1358 Por isso, temos de considerar a Eucaristia:
ü como ação de graças e louvor ao Pai;
ü como memorial sacrifical de Cristo e de seu corpo;
ü corno presença de Cristo pelo poder de sua palavra e de seu Espírito.
A AÇÃO DE GRAÇAS E O LOUVOR AO PAI
1359 A Eucaristia, sacramento de nossa salvação realizada por Cristo na cruz, é também
um sacrifício de louvor em ação de graças pela obra da criação. No sacrifício eucarístico, toda
a criação amada por Deus é apresentada ao Pai por meio da Morte e da Ressurreição de Cristo.
Por Cristo, a Igreja pode oferecer o sacrifício de louvor em ação de graças por tudo o que Deus
fez de bom, de belo e de justo na criação e na humanidade.
1360 A Eucaristia é um sacrifício de ação de graças ao Pai, unia bênção pela qual a
Igreja exprime seu reconhecimento a Deus por todos os seus benefícios, por tudo o que ele
realizou por meio da criação, da redenção e da santificação. Eucaristia significa, primeiramente,
“ação de graças”.
1361 A Eucaristia é também o sacrifício de louvor por meio do qual a Igreja canta a glória
de Deus em toda a criação. Este sacrifício de louvor só é possível através de Cristo: Ele une os fiéis
à sua pessoa, ao seu louvor e à sua intercessão, de sorte que o sacrifício de louvor ao Pai é
oferecido por Cristo e com ele para ser aceito nele.
O MEMORIAL SACRIFICAL DE CRISTO E DE SEU CORPO, A IGREJA
1362 A Eucaristia é o memorial da Páscoa de Cristo, a atualização e a oferta
sacramental de seu único sacrifício na liturgia da Igreja, que é o corpo dele. Em todas as orações
eucarísticas encontramos, depois das palavras da instituição, uma oração chamada anamnese
ou memorial.
1363 No sentido da Sagrada Escritura, o memorial não é somente a lembrança dos
acontecimentos dos acontecimento do passado, mas a proclamação das maravilhas que Deus
realizou por todos os homens[ag80] . A celebração litúrgica desses acontecimentos toma-os de
certo modo presentes e atuais. É desta maneira que Israel entende sua libertação do Egito: toda
vez que é celebrada a Páscoa, os acontecimentos do êxodo tomam-se presentes à memória
dos crentes, para que estes conformem sua vida a eles.
1364 O memorial recebe um sentido novo no Novo Testamento. Quando a Igreja celebra
a Eucaristia, rememora a páscoa de Cristo, e esta se toma presente: o sacrifício que Cristo
ofereceu uma vez por todas na cruz torna-se sempre atual: “Todas as vezes que se celebra no
altar o sacrifício da cruz, pelo qual Cristo nessa páscoa foi imolado, efetua-se a obra de nossa
redenção.”
1365 Por ser memorial da páscoa de Cristo, a Eucaristia é também um sacrifício. O
caráter sacrifical da Eucaristia é manifestado nas próprias palavras da instituição: “Isto é o meu
Corpo que será entregue por vós”, e “Este cálice é a nova aliança em meu Sangue, que vai ser
derramado por vós” (Lc 22,19-20). Na Eucaristia, Cristo dá este mesmo corpo que, entregou por
nós na cruz, o próprio sangue que “derramou por muitos para remissão dos pecados” (Mt 26,28).
1366 A Eucaristia é, portanto, um sacrifício porque representa (toma presente) o Sacrifício
da Cruz, porque dele é memorial e porque aplica seus frutos: [Cristo] nosso Deus e Senhor
ofereceu-se a si mesmo a Deus Pai uma única vez, morrendo como intercessor sobre o altar da
cruz, a fim de realizar por eles (os homens) uma redenção eterna. Todavia, como sua morte não
devia pôr fim ao seu sacerdócio (Hb 7,24.27), na última ceia, “na noite em que foi entregue (1
Cor 11,13), quis deixar à Igreja, sua esposa muito amada, um sacrifício visível (como o reclama a
natureza humana) em que seria representado (feito presente) o sacrifício cruento que ia realizarse
uma vez por todas uma única vez na cruz, sacrifício este cuja memória haveria de perpetuarse
até o fim dos séculos (l Cor 11,23) e cuja virtude salutar haveria de aplicar-se à remissão dos
pecados que cometemos cada dia.
1367 O sacrifício de Cristo e o sacrifício da Eucaristia são um único sacrifício: “É uma só e
mesma vítima, é o mesmo que oferece agora pelo ministério dos sacerdotes, que se ofereceu a si
mesmo então na cruz. Apenas a maneira de oferecer difere”. “E porque neste divino sacrifício
que se realiza na missa, este mesmo Cristo, que se ofereceu a si mesmo uma vez de maneira
cruenta no altar da cruz, está contido e é imolado de maneira incruenta, este sacrifício é
verdadeiramente propiciatório”.
1368 A Eucaristia é também o sacrifício da Igreja. A Igreja, que é o corpo de Cristo,
participa da oferta de sua Cabeça. Com Cristo, ela mesma é oferecida inteira. Ela se une à sua
intercessão junto ao Pai por todos os homens. Na Eucaristia, o sacrifício de Cristo se torna
também o sacrifício dos membros de seu Corpo. A vida dos fiéis, seu louvor, seu sofrimento, sua
oração, seu trabalho são unidos aos de Cristo e à sua oferenda total, e adquirem assim um valor
novo. O sacrifício de Cristo, presente sobre o altar, dá a todas as gerações de cristãos a
possibilidade de estarem unidos à sua oferta. Nas catacumbas, a Igreja é muitas vezes
representada como uma mulher em oração, com os braços largamente abertos em atitude de
orante. Como Cristo que estendeu os braços na cruz, ela se oferece e intercede por todos os
homens, por meio dele, com ele e nele.
1369 A Igreja inteira está unida à oferta e à intercessão de Cristo. Encarregado do
ministério de Pedro na Igreja, o Papa está associado a cada celebração da Eucaristia em que
ele é mencionado como sinal e servidor da unidade da Igreja universal. O Bispo do lugar é
sempre responsável pela Eucaristia, mesmo quando é presidida por um presbítero; seu nome é
nela pronunciado para significar que é ele quem preside a Igreja particular, em meio ao
presbitério e com a assistência dos diáconos. A comunidade intercede assim por todos os
ministros que, por ela e com ela, oferecem o Sacrifício Eucarístico: Que se considere legítima só
esta Eucaristia que se faz sob a presidência do Bispo ou daquele a quem este encarregou. É pelo
ministério dos presbíteros que se consuma o sacrifício espiritual dos fiéis, em união com o sacrifício
de Cristo, único mediador, oferecido em nome de toda a Igreja na Eucaristia pelas mãos dos
presbíteros, de forma incruenta e sacramenta até que o próprio Senhor venha.
1370 À oferenda de Cristo unem-se não somente os membros que estão ainda na terra,
mas também os que já estão na glória do céu: é em comunhão com a santíssima Virgem Maria e
fazendo memória dela, assim como de todos os santos e santas, que a Igreja oferece o Sacrifício
Eucarístico. Na Eucaristia, a Igreja, com Maria, está como que ao pé da cruz, unida à oferta e à
intercessão de Cristo.
1371 O Sacrifício Eucarístico é também oferecido pelos fiéis defuntos “que morreram em
Cristo e não estão ainda plenamente purificados”, para que possam entrar na luz e na paz de
Cristo:
Enterrai este corpo onde quer que seja! Não tenhais nenhuma preocupação por ele! Tudo
o que vos peço é que vos lembreis de mim no altar do Senhor onde quer que estejais.
Em seguida, oramos [na anáfora] pelos santos padres e Bispos que faleceram, e em geral
por todos os que adormeceram antes de nós acreditando que haverá muito grande benefício
para as almas, em favor das quais a súplica é oferecida, enquanto se encontra presente a santa
e tão temível vítima. (...) Ao apresentarmos a Deus nossas súplicas pelos que adormeceram,
ainda que fossem pecadores, nós (...) apresentamos o Cristo imolado por nossos pecados,
tomando propício, para eles e para nós, o Deus amigo dos homens.
1372 Santo Agostinho resumiu admiravelmente esta doutrina que nos incita a uma
participação cada vez mais completa no sacrifício de nosso redentor, que celebramos na
Eucaristia:
Esta cidade remida toda inteira, isto é, a assembléia e a sociedade dos santos, é
oferecida a Deus como um sacrifício universal pelo Sumo Sacerdote que, sob a forma de
escravo, chegou a ponto de oferecer-se por nós em sua paixão, para fazer de nós o corpo de
uma Cabeça tão grande. (...) Este é o sacrifício dos cristãos: “Em muitos, ser um só corpo em
Cristo” (Rm 12,5). E este sacrifício, a Igreja não cessa de reproduzi-lo no sacramento do altar bem
conhecido pelos fiéis, onde se vê que naquilo que oferece, se oferece a si mesma.
A PRESENÇA DE CRISTO PELO PODER DE SUA PALAVRA E DO ESPÍRITO SANTO
1373 “Cristo Jesus, aquele que morreu, ou melhor, que ressuscitou, aquele que está à
direita de Deus e que intercede por nós” (Rm 8,34), está presente de múltiplas maneiras em sua
Igreja): em sua Palavra, na oração de sua Igreja, “lá onde dois ou três estão reunidos em meu
nome” (Mt 18,20), nos pobres, nos doentes, nos presos, em seus sacramentos, dos quais ele é o
autor, no sacrifício da missa e na pessoa do ministro. Mas “sobretudo (está presente) sob as
espécies eucarísticas”.
1374 O modo de presença de Cristo sob as espécies eucarísticas é único. Ele eleva a
Eucaristia acima de todos os sacramentos e faz com que da seja “como que o coroamento da
vida espiritual e o fim ao qual tendem todos os sacramentos”. No santíssimo sacramento da
Eucaristia estão “contidos verdadeiramente, realmente e substancialmente o Corpo e o Sangue
juntamente com a alma e a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo e, por conseguinte, o Cristo
todo” . “Esta presença chama-se 'real' não por exclusão, como se as outras não fossem 'reais',
mas por antonomásia, porque é substancial e porque por ela Cristo, Deus e homem, se toma
presente completo.”
1375 É pela conversão do pão e do vinho no Corpo e no Sangue de Cristo que este se
torna presente em tal sacramento. Os Padres da Igreja afirmaram com firmeza a fé da Igreja na
eficácia da Palavra de Cristo e da ação do Espírito Santo para operar esta conversão. Assim, São
João Crisóstomo declara: Não é o homem que faz com que as coisas oferecidas se tomem
Corpo e Sangue de Cristo, mas o próprio Cristo, que foi crucificado por nós. O sacerdote, figura
de Cristo, pronuncia essas palavras, mas sua eficácia e a graça são de Deus. Isto é o meu Corpo,
diz ele. Estas palavras transformam as coisas oferecidas.
E Santo Ambrósio afirma acerca desta conversão:
Estejamos bem persuadidos de que isto não é o que a natureza formou, mas o que a
bênção consagrou, e que a força da bênção supera a da natureza, pois pela bênção a própria
natureza mudada. Por acaso a palavra de Cristo, que conseguiu fazer do nada o que não
existia, não poderia mudar as coisas existentes naquilo que ainda não eram? Pois não é menos
dar às coisas a sua natureza primeira do que mudar a natureza delas.
1376 O Concílio de Trento resume a fé católica ao declarar “Por ter Cristo, nosso Redentor,
dito que aquilo que oferecia sob a espécie do pão era verdadeiramente seu Corpo, sempre se
teve na Igreja esta convicção, que O santo Concílio declara novamente: pela consagração do
pão e do vinho opera-se a mudança de toda a substância do pão na substância do Corpo de
Cristo Nosso Senhor e de toda a substância do vinho na substância do seu Sangue; esta
mudança, a Igreja católica denominou-a com acerto e exatidão transubstanciação”.
1377 A presença eucarística de Cristo começa no momento da consagração e dura
também enquanto subsistirem as espécies eucarísticas. Cristo está presente inteiro em cada uma
das espécies e inteiro em cada uma das partes delas, de maneira que a fração do pão não
divide o Cristo.
1378 O culto da Eucaristia. Na liturgia da missa, exprimimos nossa fé na presença real de
Cristo sob as espécies do pão e do vinho, entre outras coisas, dobrando os joelhos, ou inclinandonos
profundamente em sinal de adoração do Senhor. “A Igreja católica professou e professa este
culto de adoração que é devido ao sacramento da Eucaristia não somente durante a Missa,
mas também fora da celebração dela, conservando com o máximo cuidarem com solenidade,
levando-as em procissão.
1379 A santa reserva (tabernáculo) era primeiro destinada a guardar dignamente a
Eucaristia para que pudesse ser levada, fora da missa, aos doentes e aos ausentes. Pelo
aprofundamento da fé na presença real de Cristo em sua Eucaristia, a Igreja tomou consciência
do sentido da, adoração silenciosa do Senhor presente sob as espécies eucarísticas. É por isso
que o tabernáculo deve ser colocado em um local particularmente digno da igreja; deve ser
construído de tal forma que sublinhe e manifeste a verdade da presença real de Cristo no santo
sacramento.
1380 É altamente conveniente que Cristo tenha querido ficar presente à sua Igreja
desta maneira singular. Visto que estava para deixar os seus em sua forma visível, Cristo quis darnos
sua presença sacramental; já que ia oferecer-se na cruz para nos salvar, queria que
tivéssemos o memorial do amor com o qual nos amou “até o fim” (Jo 13,1), até o dom de sua
vida. Com efeito, em sua presença eucarística Ele permanece misteriosamente no meio de nós
como aquele que nos amou e que se entregou por nós[ag119] , e o faz sob os sinais que
exprimem e comunicam este amor: A Igreja e o mundo precisam muito do culto eucarístico.
Jesus nos espera neste sacramento do amor. Não regateemos o tempo para ir encontrá-lo na
adoração, na contemplação cheia de fé e aberta a reparar as faltas graves e os delitos do
mundo. Que a nossa adoração nunca cesse!
1381 “A presença do verdadeiro Corpo de Cristo e do verdadeiro Sangue de Cristo
neste sacramento 'não se pode descobrir pelos sentidos, diz Santo Tomás, mas só com fé,
baseada na autoridade de Deus'. Por isso, comentando o texto de São Lucas 22,19 (“Isto é o meu
Corpo que será entregue por vós”), São Cirilo declara: 'Não perguntes se é ou não verdade;
aceita com fé as palavras do Senhor, porque ele, que é a verdade, não mente”:
Com devoção te adoro,
Latente divindade.
Que, sob essas figuras,
Te escondes na verdade;
Meu Coração de pleno
Sujeito a ti, obedece,
Pois que, em te contemplando,
Todo ele desfalece.
A vista, o tato, o gosto,
Certo, jamais te alcança;
Pela audição somente
Te crêem com segurança;
Creio em tudo o que disse
De Deus Filho o Cordeiro.
Nada é mais da verdade
Que tal voz, verdadeiro.
VI. O BANQUETE PASCAL
1382 A missa é ao mesmo tempo e inseparavelmente o memorial sacrifical no qual se
perpetua o sacrifício da cruz, e o banquete sagrado da comunhão no Corpo e no Sangue do
Senhor. Mas a celebração do Sacrifício Eucarístico está toda orientada para a união íntima dos
fiéis com Cristo pela comunhão. Comungar é receber o próprio Cristo que se ofereceu por nós.
1383 O altar, em tomo do qual a Igreja está reunida na celebração da Eucaristia,
representa os dois aspectos de um mesmo mistério: o altar do sacrifício e a mesa do Senhor, e isto
tanto mais porque o altar cristão é o símbolo do próprio Cristo, presente no meio da assembléia
de seus fiéis, ao mesmo tempo como vítima oferecida por nossa reconciliação e como alimento
celeste que se dá a nós. “Com efeito, que é o altar de Cristo senão a imagem do Corpo de
Cristo?” - diz Santo Ambrósio; e alhures: “O altar representa o Corpo [de Cristo], e o Corpo de
Cristo está sobre o altar”. A liturgia exprime esta unidade do sacrifício e da comunhão em muitas
orações. Assim, a Igreja de Roma ora em sua anáfora: Nós vos suplicamos que ela seja levada à
vossa presença, para que, ao participarmos deste altar, recebendo o Corpo e o Sangue de
vosso Filho, sejamos repletos de todas as graças e bênçãos do céu.
“TOMAI E COMEI DELE TODOS VÓS”: A COMUNHÃO
1384 O Senhor nos convida insistentemente a recebê-lo no sacramento da Eucaristia: “Em
verdade, em verdade, vos digo: se não comerdes a Carne do Filho do homem e não beberdes o
seu Sangue, não tereis a vida em vós” (Jo 6,53).
1385 Para responder a este convite, devemos preparar-nos para este momento tão
grande e tão santo. São Paulo exorta a um exame de consciência: “Todo aquele que comer do
pão ou beber do cálice do Senhor indignadamente será réu do Corpo e do Sangue do Senhor.
Por conseguinte que cada um examine a si mesmo antes de comer desse pão e beber desse
cálice, pois aquele que come e bebe sem discernir o Corpo, come e bebe a própria
condenação” (1 Cor 11,27-29). Quem está consciente de um pecado grave deve receber o
sacramento da reconciliação antes de receber a comunhão.
1386 Diante da grandeza deste sacramento, o fiel só pode repetir humildemente e com
fé ardente a palavra do Centurião: “Domine, non sum dignus ut mires sub tectum meum sed
tantum dic verbo et sanabitur anima mea - Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha
morada, mas dizei uma palavra e serei salvo”. E na divina liturgia de São João Crisóstomo os fiéis
oram no mesmo espírito:
Da vossa ceia mística fazei-me participar hoje, ó Filho de Deus. Pois não revelarei o Mistério
aos vossos inimigos, nem vos darei o beijo de Judas. Mas, como o ladrão, clamo a vós: Lembraivos
de mim, Senhor, no vosso reino.
1387 A fim de se prepararem convenientemente para receber este sacramento, os fiéis
observarão o jejum prescrito em sua Igreja (Cf CIC cânone 919). A atitude corporal (gestos,
roupa) há de traduzir o respeito, a solenidade, a alegria deste momento em que Cristo se torna
nosso hóspede.
1388 É consentâneo com o próprio sentido da Eucaristia que os fiéis, se tiverem as
disposições requeridas, comunguem quando participarem da missa: “Recomenda-se muito
aquela participação mais perfeita à missa, pela qual os fiéis, depois da comunhão do sacerdote,
comungam o Corpo do Senhor do mesmo sacrifício”.
1389 A Igreja obriga os fiéis “a participar da divina liturgia aos domingos e nos dias
festivos” e a receber a Eucaristia pelo menos uma vez ao ano, se possível no tempo pascal,
preparados pelo sacramento da reconciliação. Mas recomenda vivamente aos fiéis que
recebam a santa Eucaristia nos domingos e dias festivos, ou ainda com maior freqüência, e até
todos os dias.
1390 Graças à presença sacramental de Cristo sob cada uma das espécies, a
comunhão somente sob a espécie do pão permite receber todo o fruto de graça da Eucaristia.
Por motivos pastorais, esta maneira de comungar estabeleceu-se legitimamente como a mais
habitual no rito latino. “A santa comunhão realiza-se mais plenamente sob sua forma de sinal
quando se faz sob as duas espécies. Pois sob esta forma o sinal do banquete eucarístico é mais
plenamente realçado.” Nos ritos orientais, esta é a forma habitual de comungar.
OS FRUTOS DA COMUNHÃO
1391 A comunhão aumenta a nossa união com Cristo. Receber a Eucaristia na comunhão
traz como fruto principal a união intima o com Cristo Jesus. Pois o Senhor diz: “Quem come a
minha Carne e bebe o meu Sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6,56). A vida em Cristo
tem seu fundamento no banquete eucarístico: “Assim como o Pai, que vive, me enviou e eu vivo
pelo Pai, também aquele que de mim se alimenta viverá por mim” (Jo 6,57):
Quando nas festas do Senhor os fiéis recebem o Corpo do Filho, proclamam uns aos outros
a Boa Nova de que é dado o penhor da vida, como quando o anjo disse a Maria de Mágdala:
“Cristo ressuscitou!”. Eis que agora também a vida e a ressurreição são conferidas àquele que
recebe o Cristo[ag144] .
1392 O que o alimento material produz em nossa vida corporal, a comunhão o realiza
de maneira admirável em nossa vida espiritual. A comunhão da Carne de Cristo ressuscitado,
“vivificado pelo Espírito Santo e vivificante”, conserva, aumenta e renova a vida da graça
recebida no Batismo. Este crescimento da vida cristã precisa ser alimentado pela Comunhão
Eucarística, pão da nossa peregrinação, até o momento da morte, quando nos ser dado como
viático.
1393 A comunhão separa-nos do pecado. O Corpo de Cristo que recebemos na
comunhão é “entregue por nós”, e o Sangue que bebemos é “derramado por muitos para
remissão dos pecados”. Por isso a Eucaristia não pode unir-nos a Cristo sem purificar-nos ao
mesmo tempo dos pecados cometidos e sem preservar-nos dos pecados futuros:
“Toda vez que o recebermos, anunciamos a morte do Senhor”. Se anunciamos a morte do
Senhor, anunciamos a remissão dos pecados. Se, toda vez que o seu Sangue é derramado, o é
para a remissão dos pecados, devo recebê-lo sempre, para que perdoe sempre os meus
pecados. Eu que sempre peco, devo ter sempre um remédio.
1394 Como o alimento corporal serve para restaurar a perda das forças, a Eucaristia
fortalece a caridade que, na vida diária, tende a arrefecer; e esta caridade vivificada apaga os
pecados veniais. Ao dar-se a nós, Cristo reaviva nosso amor e nos torna capazes de romper as
amarras desordenadas com as criaturas e de enraizar-nos nele:
Visto que Cristo morreu por nós por amor, quando fazemos memória de sua morte no
momento do sacrifício pedimos que o amor nós seja concedido pela vinda do Espírito Santo;
pedimos humildemente que em virtude deste amor, pelo qual Cristo quis morrer por nós, nós
também, recebendo a graça do Espírito Santo, possamos considerar o mundo como crucificado
para nós, e sejamos nós mesmos crucificados para o mundo. (...)Tendo recebido o dom de amor
morramos para o pecado e vivamos para Deus.
1395 Pela mesma caridade que acende em nós, a Eucaristia nos preserva dos pecados
mortais futuros. Quanto mais participarmos da vida de Cristo e quanto mais progredirmos em sua
amizade, tanto mais difícil de ele separar-nos pelo pecado mortal. A Eucaristia não é destinada a
perdoar pecados mortais. Isso é próprio do sacramento da reconciliação. É próprio da Eucaristia
ser o sacramento daqueles que estão na comunhão plena da Igreja.
1396 A unidade do corpo místico: a Eucaristia faz a Igreja. Os que recebem a Eucaristia
estão unidos mais intimamente a Cristo. Por isso mesmo, Cristo os une a todos os fiéis em um só
corpo, a Igreja. A comunhão renova, fortalece, aprofunda esta incorporação à Igreja, realizada
já pelo Batismo. No Batismo fomos chamados a constituir um só corpo. A Eucaristia realiza este
apelo: “O cálice de bênção que abençoamos não é comunhão com o Sangue de Cristo? O
pão que partimos não é comunhão com o Corpo de Cristo? Já que há um único pão, nós,
embora muitos, somos um só corpo, visto que todos participamos desse único pão” (1Cor 10,16-
17).
Se sois o corpo e os membros de Cristo, é o vosso sacramento que é colocado sobre a
mesa do Senhor, recebeis o vosso sacramento. Respondeis “Amém” (“sim, é verdade!”) àquilo
que recebeis, e subscreveis ao responder. Ouvis esta palavra: “o Corpo de Cristo”, e respondeis:
“Amém”. Sede, pois, um membro de Cristo, para que o vosso Amém seja verdadeiro.
1397 A Eucaristia compromete com os pobres. Para receber na verdade o Corpo e o
Sangue de Cristo entregues por nós, devemos reconhecer o Cristo nos mais pobres, seus irmãos:
Degustaste o Sangue do Senhor e não reconheces sequer o teu irmão. Desonras esta
própria mesa, não julgando digno de compartilhar do teu alimento aquele que foi julgado digno
de participar desta mesa. Deus te libertou de todos os teus pecados e te convidou para esta
mesa. E tu, nem mesmo assim, te tornaste mais misericordioso.
1398 A Eucaristia e a unidade dos cristãos. Diante da grandeza deste mistério, Santo
Agostinho exclama: “Ó sacramento da piedade! Ó sacramento da unidade! Ó vínculo da
caridade!”. Quanto mais dolorosas se fazem sentir as divisões da Igreja que rompem a
participação comum à mesa do Senhor, tanto mais prementes são as orações ao Senhor para
que voltem os dias da unidade completa de todos os que nele crêem.
1399 As Igrejas orientais que não estão em comunhão plena com a Igreja católica
celebram a Eucaristia com um grande amor. “Essas Igrejas, embora separadas, têm verdadeiros
sacramentos - principalmente, em virtude da sucessão apostólica, o sacerdócio e a Eucaristia -,
que as unem intimamente a nós.” Por isso certa comunhão in sacris na Eucaristia é “não somente
possível, mas até aconselhável, em circunstâncias favoráveis e com a aprovação da autoridade
eclesiástica”.
1400 As comunidades eclesiais oriundas da Reforma, separadas da Igreja católica, “em
razão sobretudo da ausência do sacramento da ordem, não conservaram a substância própria e
integral do mistério eucarístico”. Por este motivo a intercomunhão eucarística com essas
comunidades não é possível para a Igreja católica. Todavia, essas comunidades eclesiais,
“quando fazem memória, na Santa ceia, da morte e da ressurreição do Senhor, professam que a
vida consiste na comunhão com Cristo e esperam sua volta gloriosa”.
1401 Quando urge uma necessidade grave, a critério do ordinário, os ministros católicos
podem dar os sacramentos Eucaristia, Penitência, Unção dos Enfermos) aos outros cristãos que
não estão em plena comunhão com a Igreja católica, mas que os pedem espontaneamente: é
preciso então que manifestem a fé católica no tocante a esses sacramentos e que apresentem
as disposições exigidas.
VII. A Eucaristia - “penhor da glória futura”
1402 Em uma oração, a Igreja aclama o mistério da Eucaristia: “O sacrum convivium in
quo Christus sumitur. Recolitur memoria passionis eius; mens impletur gratia etffiturae gloriae nobis
pignus datur - O sagrado banquete, em que de Cristo nos alimentamos. Celebra-se a memória
de sua Paixão, o espírito é repleto de graças e se nos dão penhor da glória”. Se a Eucaristia é o
memorial da Páscoa do Senhor, se por nossa comunhão ao altar somos repletos “de todas as
graças e bênçãos do céu”, a Eucaristia também a antecipação da glória celeste.
1403 Quando da última Ceia, o Senhor mesmo dirigia o olhar de seus discípulos para a
realização da Páscoa no Reino de Deus: “Desde agora não beberei deste fruto da videira até
aquele dia em que convosco beberei o vinho novo no Reino de meu Pai” (Mt 26,29). Toda vez
que a Igreja celebra a Eucaristia lembra-se desta promessa, e seu olhar se volta para “aquele
que vem” (Ap 1,4). Em sua oração, suspira por sua vinda: “Maran athá” (1 Cor 16,22), “Vem,
Senhor Jesus” (Ap 22,20), “Venha vossa graça e passe este mundo!”
1404 A Igreja sabe que, desde agora, o Senhor vem em sua Eucaristia, e que ali Ele está,
no meio de nós. Contudo, esta presença é velada. Por isso, celebramos a Eucaristia
“expectantes beatam spem et adventum Salvatoris nostri Jesu Christi - aguardando a bemaventurada
esperança e a vinda de nosso Salvador Jesus Cristo”, pedindo “saciar-nos
eternamente da vossa glória, quando enxugardes toda lágrima dos nossos olhos. Então,
contemplando-vos como sois, seremos para sempre semelhantes a vós e cantaremos sem cessar
os vossos louvores, por Cristo, Senhor nosso”.
1405 Desta grande esperança, a dos céus novos e da terra nova nos quais habitará a
justiça, não temos penhor mais seguro, sinal mais manifesto do que a Eucaristia. Com efeito, toda
vez que é celebrado este mistério, “opera-se a obra da nossa redenção” e nós “partimos um
mesmo pão, que é remédio de imortalidade, antídoto não para a morte, mas para a vida eterna
em Jesus Cristo”.
RESUMINDO
1406 Jesus disse: “Eu sou o pão vivo, descido do céu. Quem comer deste pão viverá
eternamente...... Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue tem vida eterna. (...)
permanece em mim e eu nele” (Jo 6,51.54.56).
1407 A Eucaristia é o coração e o ápice da vida da Igreja, pois nela Cristo associa sua
Igreja e todos os seus membros a seu sacrifício de louvor e de ação de graças oferecido uma vez
por todas na cruz a seu Pai; por seu sacrifício ele derrama as graças da salvação sobre o seu
corpo, que é a Igreja.
1408 A Celebração Eucarística comporta sempre: a proclamação da Palavra de Deus,
a ação de graças a Deus Pai por todos os seus benefícios, sobretudo pelo dom de seu Filho, a
consagração do pão e do vinho e a participação no banquete litúrgico pela recepção do
Corpo e do Sangue do Senhor. Estes elementos constituem um só e mesmo ato de culto.
1409 A Eucaristia é o memorial da páscoa de Cristo: isto é, da obra da salvação
realizada pela Vida, Morte e Ressurreição de Cristo, obra esta tornada presente pela ação
litúrgica.
1410 É Cristo mesmo, sumo sacerdote eterno da nova aliança, que, agindo pelo
ministério dos sacerdotes, oferece o sacrifício eucarístico. E é também o mesmo Cristo, realmente
presente sob as espécies do pão e do vinho, que é a oferenda do Sacrifício Eucarístico.
1411 Só os sacerdotes validamente ordenados podem presidir a Eucaristia e consagrar o
pão e o vinho para que se tornem a Corpo e o Sangue do Senhor.
1412 Os sinais essenciais do Sacramento Eucarístico são o pão de trigo e o vinho de uva,
sobre os quais é invocada a bênção da Espírito Santo, e o sacerdote pronuncia as palavras da
consagração ditas por Jesus durante a ultima ceia: “Isto é o meu Corpo entregue por vós. (...)
Este é o cálice do meu Sangue (...)”
1413 Por meio da consagração opera-se a transubstanciação do pão e do vinho no
Corpo e no Sangue de Cristo. Sob as espécies consagradas do pão e do vinho, Cristo mesmo,
vivo e glorioso está presente de maneira verdadeira, real e substancial, seu Corpo e seu Sangue,
com sua alma e sua divindade.
1414 Enquanto sacrifício, a Eucaristia é também oferecida em reparação dos pecados
dos vivos e dos defuntos, e para obter de Deus benefícios espirituais ou temporais.
1415 Quem quer receber a Cristo na comunhão eucarística deve estar em estado de
graça. Se alguém tem consciência de ter pecado mortalmente, não deve comungar a
Eucaristia sem ter recebido previamente a absolvição no sacramento da penitência.
1416 A santa comunhão do Corpo e do Sangue de Cristo aumenta a união do
comungante com o Senhor, perdoa-lhe os pecados veniais e o preserva dos pecados graves. Por
serem reforçados os laços de caridade entre o comungante e Cristo, a recepção deste
sacramento reforça a unidade da Igreja, corpo místico de Cristo.
1417 A Igreja recomenda vivamente aos fiéis que recebam a Santa Comunhão quando
participam da celebração da Eucaristia; impõe-lhes a obrigação de comungar pelo menos uma
vez por ano.
1418 Visto que Cristo mesmo está presente no Sacramento do altar, é preciso honrá-lo
com um culto de adoração. “A visita ao Santíssimo Sacramento é uma prova de gratidão, um
sinal de amor e um dever de adoração para com Cristo, nosso Senhor.”
1419 Tendo Cristo passado deste mundo ao Pai, dá-nos na Eucaristia o penhor da glória
junto dele: a participação no Santo Sacrifício nos identifica com o seu coração, sustenta as nossa
forças ao longo da peregrinação desta vida, faz-nos desejar a vida eterna e nos une já à Igreja
do céu, à santa Virgem Maria e a todos os santos.
OS SACRAMENTOS DE CURA
1420 Pelos sacramentos da iniciação cristã, o homem recebe a vida nova de Cristo.
Ora, esta vida nós a trazemos “em vasos de argila” (2Cor 4,7). Agora, ela ainda se encontra
“escondida com Cristo em Deus” (Cl 3,3). Estamos ainda em “nossa morada terrestre”, sujeitos ao
sofrimento, à doença e à morte. Esta nova vida de filhos de Deus pode se tornar debilitada e até
perdida pelo pecado.
1421 O Senhor Jesus Cristo, médico de nossas almas e de nossos corpos, que remiu os
pecados do paralítico e restituiu-lhe a saúde do corpo, quis que sua Igreja continuasse, na força
do Espírito Santo, sua obra de cura e de salvação, também junto de seus próprios membros. É
esta a finalidade dos dois sacramentos de cura: o sacramento da Penitência e o sacramento da
Unção dos Enfermos.
ARTIGO 4
O SACRAMENTO DA PENITÊNCIA E DA RECONCILIAÇÃO
1422 “Aqueles que se aproximam do sacramento da Penitência obtêm da misericórdia
divina o perdão da ofensa feita a Deus e ao mesmo tempo são reconciliados com a Igreja que
feriram pecando, e a qual colabora para sua conversão com caridade exemplo e orações.”
I. COMO SE CHAMA ESTE SACRAMENTO?
1423 Chama-se sacramento da Conversão, pois realiza sacramentalmente o convite de
Jesus à conversão, o caminho de volta ao Pai, do qual a pessoa se afastou pelo pecado.
Chama-se sacramento da Penitência porque consagra um esforço pessoal e eclesial de
conversão, de arrependimento e de satisfação do cristão pecador.
1424 É chamado sacramento da Confissão porque a declaração, a confissão dos
pecados diante do sacerdote é um elemento essencial desse sacramento. Num sentido
profundo esse sacramento também é uma “confissão”, reconhecimento e louvor da santidade
de Deus e de sua misericórdia para com o homem pecador. Também é chamado sacramento
do perdão porque pela absolvição sacramental do sacerdote Deus concede “o perdão e a
paz”
É chamado sacramento da Reconciliação porque dá ao pecador o amor de Deus que
reconcilia: “Reconciliai-vos com Deus” (2Cor 5,20). Quem vive do amor misericordioso de Deus
está pronto a responder ao apelo do Senhor: “Vai primeiro reconciliar-te com teu irmão” (Mt
5,24).
II. POR QUE UM SACRAMENTO DA RECONCILIAÇÃO APÓS O BATISMO?
1425 “Vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados em nome do
Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito de nosso Deus” (1 Cor 6,11). É preciso tomar consciência da
grandeza do dom de Deus que nos é oferecido nos sacramentos da iniciação cristã para
compreender até que ponto o pecado é algo que deve ser excluído daquele que se “vestiu de
Cristo”. Mas o apóstolo São João também diz: “Se dissermos: “Não temos pecado”, enganamonos
a nós mesmos, e a verdade não está em nós” (1Jo 1,8). E o próprio Senhor nos ensinou a
rezar: “Perdoa-nos os nossos pecados” (Lc 11,4), vinculando o perdão de nossas ofensas ao
perdão que Deus nos conceder de nossos pecados.
1426 A conversão a Cristo, o novo nascimento pelo Batismo, o dom do Espírito Santo, o
Corpo e o Sangue de Cristo recebidos como alimento nos tornaram “santos e irrepreensíveis
diante dele” (Ef 1,4), como a própria Igreja, esposa de Cristo, é “santa e irrepreensível” (Ef 5,27).
Entretanto, a nova vida recebida na iniciação cristã não suprimiu a fragilidade e a fraqueza da
natureza humana, nem a inclinação ao pecado, que a tradição chama de concupiscência,
que continua nos batizados para prová-los no combate da vida cristã, auxiliados pela graça de
Cristo. É o combate da conversão para chegar à santidade e à vida eterna, para a qual somos
incessantemente chamados pelo Senhor.
III. A CONVERSÃO DOS BATIZADOS
1427 Jesus convida à conversão. Este apelo é parte essencial do anúncio do Reino:
“Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho”
(Mc 1,15). Na pregação da Igreja este apelo é feito em primeiro lugar aos que ainda não
conhecem a Cristo e seu Evangelho. Além disso, o Batismo é o principal lugar da primeira e
fundamental conversão. É pela fé na Boa Nova e pelo Batismo [ag16] que se renuncia ao mal e
se adquire a salvação, isto é, a remissão de todos os pecados e o dom da nova vida.
1428 Ora o apelo de Cristo à conversão continua a soar na vida dos cristãos. Esta
segunda conversão é uma tarefa ininterrupta para toda a Igreja, que “reúne em seu próprio seio
os pecadores” e que “e ao mesmo tempo santa e sempre, na necessidade de purificar-se, busca
sem cessar a penitência e a renovação”. Este esforço de conversão não é apenas uma obra
humana. E o movimento do “coração contrito” atraído e movido pela graça a responder ao
amor misericordioso de Deus que nos amou primeiro.
1429 Comprova-o a conversão de 5. Pedro após a tríplice negação de seu mestre. O
olhar de infinita misericórdia de Jesus provoca lágrimas de arrependimento, depois da
ressurreição do Senhor, a afirmação, três vezes reiterada, de seu amor por ele. A segunda
conversão também possui uma dimensão comunitária. Isto aparece no apelo do Senhor a toda
uma Igreja: “Converte-te!” (Ap 2,5.16).
Santo Ambrósio, referindo-se às duas conversões, diz que na Igreja “existem a água e as
lágrimas: a água do Batismo e as lágrimas da penitência”.
IV. A PENITÊNCIA INTERIOR
1430 Como já nos profetas, o apelo de Jesus à conversão e penitência não visa em
primeiro lugar às obras exteriores, saco e a cinza”, os jejuns e as mortificações, mas à conversão
do coração, à penitência interior. Sem ela, as obras de penitência continuam estéreis e
enganadoras: a conversão interior, ao contrário, impele a expressar essa atitude por sinais visíveis,
gestos e obras de penitência.
1431 A penitência interior é uma reorientação radical de toda a vida, um retorno, uma
conversão para Deus de todo nosso coração, uma ruptura com o pecado, uma aversão ao mal
e repugnância às m s obras que cometemos. Ao mesmo tempo, é o desejo e a resolução de
mudar de vida com a esperança da misericórdia divina e a confiança na ajuda de sua graça.
Esta conversão do coração vem acompanhada de uma dor e uma tristeza salutares, chamadas
pelos Padres de “animi cruciatus (aflição do espírito)”, “compunctio cordis (arrependimento do
coração)” .
1432 O coração do homem apresenta-se pesado e endurecido. É preciso que Deus dê
ao homem um coração novo. A conversão é antes de tudo uma obra da graça de Deus que
reconduz nossos corações a ele: “Converte-nos a ti, Senhor, e nos converteremos” (Lm 5,21). Deus
nos dá a força de começar de novo. É descobrindo a grandeza do amor de Deus que nosso
coração experimenta o horror e o peso do pecado e começa a ter medo de ofender a Deus
pelo mesmo pecado e de ser separado dele. O coração humano converte-se olhando para
aquele que foi traspassado por nossos pecados.
Fixemos nossos olhos no sangue de Cristo para compreender como é precioso a seu Pai
porque, derramado para a nossa salvação, dispensou ao mundo inteiro a graça do
arrependimento.
1433 Depois da Páscoa, o Espírito Santo “estabelecer a culpabilidade do mundo a
respeito do pecado”, a saber, que o mundo não acreditou naquele que o Pai enviou. Mas esse
mesmo Espírito, que revela o pecado, é o Consolador que dá ao coração do homem a graça
do arrependimento e da conversão.
V. AS MÚLTIPLAS FORMAS DA PENITÊNCIA NA VIDA CRISTÃ
1434 A penitência interior do cristão pode ter expressões bem variadas. A escritura e os
padres insistem principalmente em três formas: o jejum, a oração e a esmola, que exprimem a
conversão com relação a si mesmo, a Deus e aos outros. Ao lado da purificação radical
operada pelo batismo ou pelo martírio, citam, como meio de obter o perdão dos pecados, os
esforços empreendidos para reconciliar-se com o próximo as lágrimas de penitência, a
preocupação com a salvação do próximo, a intercessão dos santos e a prática da caridade,
“que cobre uma multidão de pecados” (1Pd 4,8).
1435 A conversão se realiza na vida cotidiana por meio de gestos de reconciliação, do
cuidado dos pobres, do exercício e da defesa da Justiça e do direito, pela confissão das faltas
aos irmãos, pela correção fraterna, pela revisão de vida, pelo exame de consciência pela
direção espiritual, pela aceitação dos sofrimentos, pela firmeza na perseguição por causa da
justiça. Tomar sua cruz, cada dia, seguir a Jesus é o caminho mais seguro da penitencia.
1436 Eucaristia e penitência. A conversão e a penitência cotidiana encontram sua fonte e
seu alimento na Eucaristia, pois nela se torna presente o sacrifício de Cristo que nos reconciliou
com Deus; por ela são nutridos e fortificados aqueles que vivem da vida de Cristo: “ela é o
antídoto que nos liberta de nossas faltas cotidianas e nos preserva dos pecados mortais”.
1437 A leitura da Sagrada Escritura, a oração da Liturgia das Horas e do Pai-nosso, todo
ato sincero de culto ou de piedade reaviva em nós o espírito de conversão e de penitência e
contribui para o perdão dos pecados.
1438 Os tempos e os dias de penitência ao longo do ano litúrgico (o tempo da
quaresma, cada sexta-feira em memória da morte do Senhor) são momentos fortes da prática
penitencial da Igreja[ag45] . Esses tempos são particularmente apropriados aos exercícios
espirituais, às liturgias penitenciais, às peregrinações em sinal de penitência, às privações
voluntárias como o jejum e a esmola, à partilha fraterna (obras de caridade e missionárias).
1439 O dinamismo da conversão e da penitência foi maravilhosa-mente descrito por
Jesus na parábola do “filho pródigo”, cujo centro é “O pai misericordioso”: o fascínio de uma
liberdade ilusória, o abandono da casa paterna; a extrema miséria em que se encontra o filho
depois de esbanjar sua fortuna; a profunda humilhação de ver-se obrigado a cuidar dos porcos
e, pior ainda, de querer matar a fome com a sua ração; a reflexão sobre os bens perdidos; o
arrependimento e a decisão de declarar-se culpado diante do pai; o caminho de volta; o
generoso acolhimento da parte do pai; a alegria do pai: tudo isso são traços específicos do
processo de conversão. A bela túnica, o anel e o banquete da festa são símbolos desta nova
vida, pura, digna, cheia de alegria, que é a vida do homem que volta a Deus e ao seio de sua
família, que é a Igreja. Só o coração de Cristo que conhece as profundezas do amor do Pai
pôde revelar-nos o abismo de sua misericórdia de uma maneira tão simples e tão bela.
VI. O SACRAMENTO DA PENITÊNCIA E DA RECONCILIAÇÃO
1440 O pecado é antes de tudo uma ofensa a Deus, uma ruptura da comunhão com
ele. Ao mesmo tempo é um atentado à comunhão com a Igreja. Por isso, a conversão traz
simultaneamente o perdão de Deus e a reconciliação com a Igreja, Q que é expresso e
realizado liturgicamente pelo sacramento da Penitência e da Reconciliação.
SÓ DEUS PERDOA OS PECADOS
1441 Só Deus perdoa os pecados[. Por ser o Filho de Deus, Jesus diz de si mesmo: “O Filho
do homem tem poder de perdoar pecados na terra” (Mc 2,10) e exerce esse poder divino: “Teus
pecados estão perdoados!” (Mc 2,5). Mais ainda: em virtude de sua autoridade divina, transmite
esse poder aos homens para que o exerçam em seu nome.
1442 A vontade de Cristo é que toda a sua Igreja seja, na oração, em sua vida e em sua
ação, o sinal e instrumento do perdão e da reconciliação que “ele nos conquistou ao preço de
seu sangue”. Mas confiou o exercício do poder de absolvição ao ministério apostólico,
encarregado do “ministério da reconciliação” (2Cor 5,18). O apóstolo é enviado “em nome de
Cristo”, e “é o próprio Deus” que, por meio dele, exorta e suplica: “Reconciliai-vos com Deus”
(2Cor 5,20).
RECONCILIAÇÃO COM A IGREJA
1443 Durante sua vida pública, Jesus não só perdoou os pecados, mas também
manifestou o efeito desse perdão: reintegrou os pecadores perdoados na comunidade do povo
de Deus, da qual o pecado os havia afastado ou até excluído. Um sinal evidente disso é o fato
de Jesus admitir os pecadores à sua mesa e, mais ainda, de Ele mesmo sentar-se à sua mesa,
gesto que exprime de modo estupendo ao mesmo tempo o perdão de Deus e o retomo ao seio
do Povo de Deus.
1444 Conferindo aos apóstolos seu próprio poder de perdoar os pecados, o Senhor
também lhes dá a autoridade de reconciliar os pecadores com a Igreja. Esta dimensão eclesial
de sua tarefa exprime-se principalmente na solene palavra de Cristo a Simão Pedro: “Eu te darei
as chaves do Reino dos Céus, e o que ligares na terra ser ligado nos céus, e o que desligares na
terra será desligado nos céus” (Mt 16,19). “O múnus de ligar e desligar, que foi dado a Pedro,
consta que também foi dado ao colégio do apóstolos, unido a seu chefe (cf. Mt 18,18; 28,16-
20).”
1445 As palavras ligar e desligar significam: aquele que excluirdes da vossa comunhão,
será excluído da comunhão com Deus; aquele que receberdes de novo na vossa comunhão,
Deus o acolherá também na sua. A reconciliação com a Igreja é inseparável da reconciliação
com Deus.
O SACRAMENTO DO PERDÃO
1446 Cristo instituiu o sacramento da Penitência para todos os membros pecadores de
sua Igreja, antes de tudo para aqueles que, depois do Batismo, cometeram pecado grave e
com isso perderam a graça batismal e feriram a comunhão eclesial. E a eles que o sacramento
da Penitência oferece uma nova possibilidade de converter-se e de recobrar a graça da
justificação. Os Padres da Igreja apresentam este sacramento como “a segunda tábua (de
salvação) depois do naufrágio que é a perda da graça.
1447 No curso dos séculos, a forma concreta segundo a qual a Igreja exerceu este poder
recebido do Senhor variou muito. Nos primeiros séculos, a reconciliação dos cristãos que haviam
cometido pecados particularmente graves depois do Batismo (por exemplo, a idolatria, o
homicídio ou o adultério) estava ligada a uma disciplina bastante rigorosa, segundo a qual os
penitentes deviam fazer penitência pública por seus pecados, muitas vezes durante longos anos,
antes de receber a reconciliação. A esta “ordem dos penitentes” (que incluía apenas certos
pecados graves) só se era admitido raramente e, em certas regiões, só uma vez na vida. No
século VII, inspirados na tradição monástica do Oriente, os missionários irlandeses trouxeram para
a Europa continental a prática “privada” da penitência que não mais exigia a prática pública e
prolongada de obras de penitência antes de receber a reconciliação com a Igreja. O
sacramento se realiza daí em diante de uma forma mais secreta entre o penitente e o presbítero.
Esta nova prática previa a possibilidade da repetição, abrindo assim o caminho para uma
freqüência regular a este sacramento. Permitia integrar numa única celebração sacramental o
perdão dos pecados graves e dos pecados veniais. Em linhas gerais, é essa a forma de
penitência praticada na Igreja até hoje.
1448 Mediante as mudanças por que passaram a disciplina e a celebração deste
sacramento ao longo dos séculos, podemos discernir sua própria estrutura fundamental que
consta de dois elementos igualmente essenciais: de um lado, os atos do homem que se converte
sob a ação do Espírito Santo, a saber, a contrição, a confissão e a satisfação; de outro lado, a
ação de Deus por intermédio da Igreja. A Igreja que, pelo Bispo e seus presbíteros, concede, em
nome de Jesus Cristo, o perdão dos pecados e fixa a modalidade da satisfação, ora pelo
pecador e faz penitência com ele. Assim o pecador é curado e reintegrado na comunhão
eclesial.
1449 A fórmula da absolvição em uso na Igreja latina exprime os elementos essenciais
deste sacramento: o Pai das misericórdias é a fonte de todo perdão. Ele opera a reconciliação
dos pecadores pela páscoa de seu Filho e pelo dom de seu Espírito, por meio da oração e
ministério da Igreja:
Deus, Pai de misericórdia, que, pela Morte e Ressurreição de seu Filho, reconciliou o mundo
consigo e enviou o Espírito Santo para remissão dos pecados, te conceda, pelo ministério da
Igreja, o perdão e a paz. E eu te absolvo dos teus pecados, em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo.
VII. OS ATOS DO PENITENTE
1450 “A penitência impele o pecador a suportar tudo de boa vontade. Em seu coração
está o arrependimento; em sua boca, a acusação; em suas obras, plena humildade e proveitosa
satisfação”.
A CONTRIÇÃO
1451 Entre os atos do penitente, a contrição vem em primeiro lugar. Consiste “numa dor
da alma e detestação do pecado cometido, com a resolução de não mais pecar no futuro” .
1452 Quando brota do amor de Deus, amado acima de tudo, contrição é “perfeita”
(contrição de caridade). Esta contrição perdoa as faltas veniais e obtém também o perdão dos
pecado mortais, se incluir a firme resolução de recorrer, quando possível, à confissão
sacramental.
1453 A contrição chamada “imperfeita” (ou “atrição”) também é um dom de Deus, um
impulso do Espírito Santo. Nasce da consideração do peso do pecado ou do temor da
condenação eterna e de outras penas que ameaçam o pecador (contrição por temor). Este
abalo da consciência pode ser o início de uma evolução interior que ser concluída sob a ação
da graça, pela absolvição sacramental. Por si mesma, porém, a contrição imperfeita não obtém
o perdão dos pecados graves, mas predispõe a obtê-lo no sacramento da penitência.
1454 Convém preparar a recepção deste sacramento fazendo um exame de
consciência à luz da Palavra de Deus. Os textos mais adaptados esse fim devem ser procurados
na catequese moral dos evangelhos e das cartas apostólicas: Sermão da Montanha,
ensinamentos apostólicos.
A CONFISSÃO DOS PECADOS
1455 A confissão dos pecados (acusação), mesmo do ponto de vista simplesmente
humano, nos liberta e facilita nossa reconciliação com os outros. Pela acusação, o homem
encara de frente os pecados dos quais se tornou culpado: assume a responsabilidade deles e,
assim, abre-se de novo a Deus e à comunhão da Igreja, a fim de tomar possível um futuro novo.
1456 A declaração dos pecados ao sacerdote constitui uma parte essencial do
sacramento da penitência: “Os penitentes devem, na confissão, enumerar todos os pecados
mortais de que têm consciência depois de examinar-se seriamente, mesmo que esses pecados
sejam muito secretos e tenham sido cometidos somente contra os dois últimos preceitos do
decálogo (Cf Ex 20,17; Mt 5,28.), pois, às vezes, esses pecados ferem gravemente a alma e são
mais prejudiciais do que os outros que foram cometidos à vista e conhecimento de todos”.
Quando os cristãos se esforçam para confessar todos os pecados que lhes vêm à
memória, não se pode duvidar que tenham o intuito de apresentá-los todos ao perdão da
misericórdia divina. Os que agem de outra forma, tentando ocultar conscientemente alguns
pecados, não colocam diante da bondade divina nada que ela possa perdoar por intermédio
do sacerdote. Pois, “se o doente tem vergonha de mostrar sua ferida ao médico, a medicina
não pode curar aquilo que ignora ”.
1457 Conforme o mandamento da Igreja, “todo fiel, depois de ter chegado à idade da
discrição, é obrigado a confessar seus pecados graves, dos quais tem consciência, pelo menos
uma vez por ano. Aquele que tem consciência de ter cometido um pecado mortal não deve
receber a Sagrada Comunhão, mesmo que esteja profundamente contrito, sem receber
previamente a absolvição sacramental, a menos que tenha um motivo grave para comungar e
lhe seja impossível chegar a um confessor. As crianças devem confessar-se antes de receber a
Primeira Eucaristia.
1458 Apesar de não ser estritamente necessária, a confissão das faltas cotidianas
(pecados veniais) é vivamente recomendada pela Igreja. Com efeito, a confissão regular de
nossos pecados veniais nos ajuda a formar a consciência, a lutar contra nossas más tendências,
a deixar-nos curar por Cristo, a progredir na vida do Espírito. Recebendo mais freqüentemente,
por meio deste sacramento, o dom da misericórdia do Pai, somos levados a ser misericordiosos
como ele;
Quem confessa os próprios pecados já está agindo em harmonia com Deus. Deus acusa
teus pecados; se tu também os acusas, tu te associas a Deus. O homem e o pecador são, por
assim dizer, duas realidades: quando ouves falar do homem, foi Deus quem o fez; quando ouves
falar do pecador, é o próprio homem quem o fez. Destrói o que fizeste para que Deus salve o
que Ele fez... Quando começas a detestar o que fizeste, é então que tuas boas obras começam,
porque acusas tuas más obras. A confissão das más obras é o começo das boas obras. Contribui
para a verdade e consegues chegar à 1uz[.
A SATISFAÇÃO
1459 Muitos pecados prejudicam o próximo. É preciso fazer possível para reparar esse
mal (por exemplo restituir as coisas roubadas, restabelecer a reputação daquele que foi
caluniado ressarcir as ofensas e injúrias). A simples justiça exige isso. Mas, além disso, o pecado
fere e enfraquece o próprio pecador, como também suas relações com Deus e com o próxima.
A absolvição tira o pecado, mas não remedeia todas as desordens que ele causou. Liberto do
pecado, o pecador deve ainda recobrar a plena saúde espiritual. Deve, portanto, faz alguma
coisa a mais para reparar seus pecados: deve “satisfazer” de modo apropriado ou “expiar” seus
pecados. Esta satisfação chama-se também “penitência”.
1460 A penitência imposta pelo confessor deve levar em conta a situação pessoal do
penitente e procurar seu bem espiritual. Deve corresponder, na medida do possível, à gravidade
e à natureza dos pecados cometidos. Pode consistir na oração, numa oferta, em obras de
misericórdia, no serviço do próximo, em privações voluntárias, em sacrifícios e principalmente na
aceitação paciente da cruz que devemos carregar. Essas penitências nos ajudam a configurarnos
com Cristo, que, sozinho, expiou nossos pecados uma vez por todas. Permitem-nos também
tomar-nos co-herdeiros de Cristo ressuscitado, “pois sofremos com ele”:
Mas nossa satisfação, aquela que pagamos por nossos pecados, só vale por intermédio de
Jesus Cristo, pois, não podendo coisa alguma por nós mesmos, “tudo podemos com a
cooperação daquele que nos dá força”(Cf Fl 4,13). E, assim, não tem o homem de que se gloriar,
mas toda a nossa “glória” está em Cristo... em quem oferecemos satisfação, “produzindo dignos
frutos de penitência (Cf Lc 3,8.), que dele recebem seu valor, por Ele são oferecidos ao Pai e
graças a Ele são aceitos pelo Pai.
VIII. O MINISTRO DESTE SACRAMENTO
1461 Como Cristo confiou a seus apóstolos o ministério da Reconciliação, os Bispos, seus
sucessores, e os presbíteros, colaboradores dos Bispos, continuam a exercer esse ministério. De
fato, são os Bispos e os presbíteros que têm, em virtude do sacramento da Ordem, o poder de
perdoar todos os pecados “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”.
1462 O perdão dos pecados reconcilia com Deus, mas também com a Igreja. O Bispo,
chefe visível da Igreja Particular, é, portanto, considerado, com plena razão, desde os tempos
primitivos, aquele que principalmente detém o poder e o ministério da reconciliação: ele é o
moderador da disciplina penitencial. Os presbíteros, seus colaboradores, o exercem na medida
em que receberam o múnus, quer de seu Bispo (ou de um superior religioso), quer do Papa, por
meio do direito da Igreja.
1463 Alguns pecados particularmente graves são passíveis de excomunhão, a pena
eclesiástica mais severa, que impede a recepção dos sacramentos e o exercício de certos atos
eclesiais. Neste caso, a absolvição não pode ser dada, segundo o direito da Igreja, a não ser
pelo Papa, pelo Bispo local ou por presbíteros autorizados por eles. Em caso de perigo de morte,
qualquer sacerdote, mesmo privado da faculdade de ouvir confissões, pode absolver de
qualquer pecado e de qualquer excomunhão.
1464 Os sacerdotes devem incentivar os fiéis a receber o sacramento da Penitência e
devem mostrar-se disponíveis a celebrar este sacramento cada vez que os cristãos o pedirem de
modo conveniente.
1465 Ao celebrar o sacramento da Penitência, o sacerdote cumpre o ministério do bom
pastor, que busca a ovelha perdida; do bom samaritano, que cura as feridas; do Pai, que espera
o filho pródigo e o acolhe ao voltar; do justo juiz, que não faz acepção de pessoa e cujo
julgamento é justo e misericordioso ao mesmo tempo. Em suma, o sacerdote é o sinal e o
instrumento do amor misericordioso de Deus para com o pecador.
1466 O confessor não é o senhor, mas o servo do perdão de Deus. O ministro deste
sacramento deve unir-se à intenção e à caridade Cristo. Deve possuir um comprovado
conhecimento do comportamento cristão, experiência das coisas humanas, respeito e
delicadeza diante daquele que caiu; deve amar a verdade, ser fiel ao magistério da Igreja e
conduzir, com paciência, o penitente à cura e à plena maturidade. Deve orar e fazer penitência
por ele, confiando-o à misericórdia do Senhor.
1467 Diante da delicadeza e da grandiosidade deste ministério e do respeito que se
deve às pessoas, a Igreja declara que todo sacerdote que ouve confissões é obrigado a guardar
segredo absoluto a respeito dos pecados que seus penitentes lhe confessaram, sob penas
severíssimas. Também não pode fazer uso do conhecimento da vida dos penitentes adquirido
pela confissão. Este segredo, que não admite exceções, chama-se “sigilo sacramental”, porque
o que o penitente manifestou ao sacerdote permanece “sigilado” pelo sacramento.
IX. OS EFEITOS DESTE SACRAMENTO
1468 “Toda a força da Penitência reside no fato de ela nos reconstituir na graça de Deus
e de nos unir a Ele com a máxima amizade.” Portanto, a finalidade e o efeito deste sacramento
é a reconciliação com Deus. Os que recebem o sacramento da Penitência com coração
contrito e disposição religiosa “podem usufruir a paz e a tranqüilidade da consciência, que vem
acompanhada de uma intensa consolação espiritual”. Com efeito, o sacramento da
Reconciliação com Deus traz consigo uma verdadeira “ressurreição espiritual”, uma restituição
da dignidade e dos bens da vida dos filhos de Deus, entre os quais o mais precioso é a amizade
de Deus (Cf Lc 15,32).
1469 Este sacramento nos reconcilia com a Igreja. O pecado fende ou quebra a
comunhão fraterna. O sacramento da Penitência a repara ou restaura. Neste sentido, ele não
cura apenas aquele que é restabelecido na comunhão eclesial, mas tem também um efeito
vivificante sobre a vida da Igreja, que sofreu com o pecado de um de seus membros.
Restabelecido ou confirmado na comunhão dos santos, o pecador sai fortalecido pela
participação dos bens espirituais de todos os membros vivos do Corpo de Cristo, quer estejam
ainda em estado de peregrinação, quer já estejam na pátria celeste:
Não devemos esquecer que a reconciliação com Deus tem como conseqüência, por
assim dizer, outras reconciliações capazes de remediar outras rupturas ocasionadas pelo
pecado: o penitente perdoado reconcilia-se consigo mesmo no íntimo mais profundo de seu ser,
onde recupera a própria verdade interior; reconcilia-se com os irmãos que de alguma maneira
ofendeu e feriu; reconcilia-se com a Igreja; e reconcilia-se com toda a criação.
1470 Neste sacramento, o pecador, entregando-se ao julgamento misericordioso de
Deus, antecipa de certa maneira o julgamento a que ser sujeito no fim desta vida terrestre. Pois é
agora, nesta vida, que nos é oferecida a escolha entre a vida e a morte, e só pelo caminho da
conversão poderemos entrar no Reino do qual somos excluídos pelo pecado grave.
Convertendo-se a Cristo pela penitência e pela fé, o pecador passa da morte para a vida “sem
ser julgado” (Jo 5,24).
X. AS INDULGÊNCIAS
1471 A doutrina e a prática das indulgências na Igreja estão estreitamente ligadas aos
efeitos do sacramento da Penitência.
QUE É A INDULGÊNCIA?
“A indulgência é a remissão, diante de Deus, da pena temporal devida pelos pecados já
perdoados quanto à culpa, (remissão) que o fiel bem-disposto obtém, em condições
determinadas, pela intervenção da Igreja que, como dispensadora da redenção, distribui e
aplica por sua autoridade o tesouro das satisfações (isto é, dos méritos) de Cristo e dos santos.”
“A indulgência é parcial ou plenária, conforme liberar parcial totalmente da pena devida
pelos pecados.” Todos os fiéis podem adquirir indulgências (...) para si mesmos ou aplicá-las aos
defuntos.
AS PENAS DO PECADO
1472 Para compreender esta doutrina e esta prática da Igreja, é preciso admitir que o
pecado tem uma dupla conseqüência. O pecado grave priva-nos da comunhão com Deus e,
conseqüentemente, nos toma incapazes da vida eterna; esta privação se chama “pena eterna”
do pecado. Por outro lado, todo pecado, mesmo venial, acarreta um apego prejudicial às
criaturas que exige purificação, quer aqui na terra, quer depois da morte, no estado chamado
“purgatório”. Esta purificação liberta da chamada “pena temporal” do pecado. Essas duas
penas não devem ser concebidas como uma espécie de vingança infligida por Deus do exterior,
mas, antes, como uma conseqüência da própria natureza do pecado. Uma conversão que
procede de uma ardente caridade pode chegar à total purificação do pecador, de tal modo
que não haja mais nenhuma pena.
1473 O perdão do pecado e a restauração da comunhão com Deus implicam a
remissão das penas eternas do pecado. Mas permanecem as penas temporais do pecado.
Suportando pacientemente os sofrimentos e as provas de todo tipo e, chegada a hora,
enfrentando serenamente a morte, o cristão deve esforçar-se para aceitar, como urna graça,
essas penas temporais do pecado; deve aplicar-se, por inicio de obras de misericórdia e de
caridade, como também pela oração e por diversas práticas de penitência, a despojar-se
completamente do “velho homem” para revestir-se do “homem novo”.
NA COMUNHÃO DOS SANTOS
1474 O cristão que procura purificar-se de seu pecado e santificar-se com o auxílio da
graça de Deus não está só. “A vida de cada um dos filhos de Deus se acha unida, por um
admirável laço, em Cristo e por Cristo, com a vida de todos os outros irmãos cristãos na unidade
sobrenatural do corpo místico de Cristo, como numa única pessoa mística.”
1475 Na comunhão dos santos, “existe certamente entre os fiéis já admitidos na posse da
pátria celeste, os que expiam as faltas no purgatório e os que ainda peregrinam na terra, um
laço de caridade e um amplo intercâmbio de todos os bens”. Neste admirável intercâmbio,
cada um se beneficia da santidade dos outros, bem para além do prejuízo que o pecado de um
possa ter causado aos outros. Assim, o recurso à comunhão dos santos permite ao pecador
contrito se purificado, mais cedo e mais eficazmente, das penas do pecado.
1476 Esses bens espirituais da comunhão dos santos também são chamados o tesouro da
Igreja, “que não é uma soma de bens comparáveis às riquezas materiais acumuladas no
decorrer dos séculos, mas é o valor infinito e inesgotável que têm junto a Deus as expiações e os
méritos de Cristo, nosso Senhor, oferecidos para que a humanidade toda seja libertada do
pecado e chegue à comunhão com o Pai. E em Cristo, nosso redentor, que se encontram em
abundância as satisfações e os méritos de sua redenção”.
1477 “Pertence, além disso, a esse tesouro o valor verdadeiramente imenso,
incomensurável e sempre novo que têm junto a Deus as preces e as boas obras da Bemaventurada
Virgem Maria e de todos os santos que, seguindo as pegadas de Cristo Senhor, por
sua graça se santificaram e totalmente acabaram a obra que o Pai lhes confiara, de sorte que,
operando a própria salvação, também contribuíram para a salvação de seus irmãos na unidade
do corpo místico.”
OBTER A INDULGÊNCIA DE DEUS MEDIANTE A IGREJA
1478 A indulgência se obtém de Deus mediante a Igreja, que, em virtude do poder de
ligar e desligar que Cristo Jesus lhe concedeu, intervém em favor do cristão, abrindo-lhe o
tesouro dos méritos de Cristo e dos santos para obter do Pai das misericórdias a remissão das
penas temporais devidas a seus pecados. Assim, a Igreja não só vem em auxílio do cristão, mas
também o incita a obras de piedade, de penitência e de caridade.
1479 Uma vez que os fiéis defuntos em vias de purificação também são membros da
mesma comunhão dos santos, podemos ajudá-los entre outros modos, obtendo em favor deles
indulgências para libertação das penas temporais devidas por seus pecados.
XI. A CELEBRAÇÃO DO SACRAMENTO DA PENITÊNCIA
1480 Como todos os sacramentos, a Penitência é uma ação litúrgica. São estes
ordinariamente os elementos da celebração: saudação e bênção do sacerdote, leitura da
Palavra de Deus para iluminar a consciência e suscitar a contrição, exortação ao
arrependimento; confissão que reconhece os pecados e os manifesta ao padre; imposição e
aceitação da penitência; absolvição do sacerdote; louvor de ação de graças e despedida com
a bênção do sacerdote.
1481 A liturgia bizantina conhece diversas fórmulas de absolvição, forma depreciativa,
que exprimem admiravelmente o mistério do perdão: “Que o Deus que pelo profeta Natã
perdoou a Davi, que confessou seus próprios pecados; a Pedro, quando chorou amargamente;
à prostituta, quando lavou seus pés com lágrimas; ao publicano e ao filho pródigo, que esse
mesmo Deus vos perdoe, por mim, pecador, nesta vida e na outra, e vos faça comparecer em
seu terrível tribunal sem vos condenar, Ele que é bendito nos séculos dos séculos. Amém.
1482 O sacramento da Penitência também pode ter lugar no quadro de uma celebração
comunitária, na qual as pessoas se preparam juntas para a confissão e também juntas
agradecem pelo perdão recebido. Neste caso, a confissão pessoal dos pecados e a absolvição
individual são inseridas numa liturgia da Palavra de Deus, com leituras e homilia, exame de
consciência em comum, pedido comunitário de perdão, oração do Pai-Nosso e ação de graças
em comum. Esta celebração comunitária exprime mais claramente o caráter eclesial da
penitência. Mas, seja qual for o modo da celebração, o sacramento da Penitência sempre é, por
sua própria natureza, uma ação litúrgica, portanto eclesial e pública.
1483 Em casos de necessidade grave, pode-se recorrer à celebração comunitária da
reconciliação com confissão e absolvição gerais. Esta necessidade grave pode apresentar-se
quando há um perigo iminente de morte sem que o ou os sacerdotes tenham tempo suficiente
para ouvir a confissão de cada penitente. A necessidade grave pode também apresentar-se
quando, tendo-se em vista o número dos penitentes, não havendo confessores suficientes para
ouvir devidamente as confissões individuais num tempo razoável, de modo que os penitentes,
sem culpa de sua parte, se veriam privados durante muito tempo da graça sacramental ou da
sagrada Eucaristia. Nesse caso, os fiéis devem ter, para a validade da absolvição, o propósito de
confessar individualmente seus pecados graves no devido tempo. Cabe ao Bispo diocesano
julgar se os requisitos para a absolvição geral existem. Um grande concurso de fiéis por ocasião
das grandes festas ou de peregrinação não constitui caso de tal necessidade grave.
1484 “A confissão individual e integral seguida da absolvição continua sendo o único
modo ordinário pelo qual os fiéis se reconciliam com Deus e com a Igreja, salvo se uma
impossibilidade física ou moral dispensar desta confissão.” Há razões profundas para isso. Cristo
age em cada um dos sacramentos. Dirige-se pessoalmente a cada um dos pecadores: “Filho, os
teus pecados estão perdoados” (Mc 2,5); ele é o médico que se debruça sobre cada um dos
doentes que têm necessidade dele para curá-los; ele os soergue e reintegra na comunhão
fraterna. A confissão pessoal é, pois, a forma mais significativa da reconciliação com Deus e com
a Igreja.
RESUMINDO
1485 “Dizendo isso, soprou sobre eles e lhes disse: Recebei o Espírito Santo; aqueles a
quem perdoardes os pecados ser-lhe-ão perdoados; aqueles aos quais os retiverdes, ser-lhes-ão
retidos” (Jo 20,22-23).
1486 O perdão dos pecados cometidos após o Batismo é concedido por um sacramento
próprio chamado sacramento da Conversão, da Confissão, da Penitência ou da Reconciliação.
1487 Quem peca fere a honra de Deus e seu amor, sua própria dignidade de homem
chamado a ser filho de Deus e a saúde espiritual da Igreja, da qual cada cristão é uma pedra
viva.
1488 Aos olhos da fé, nenhum mal é mais grave que o pecado, e nada tem
conseqüências piores para os próprios pecador, e para a Igreja e para o mundo inteiro.
1489 Voltar à comunhão com Deus depois de a ter perdido pelo pecado é um
movimento que nasce da graça do Deus misericordioso e solícito pela salvação dos homens. E
preciso pedir esse dom precioso para si mesmo e também para os outros.
1490 O movimento de volta a Deus, chamado conversão e arrependimento, implica
uma dor e uma aversão aos pecados cometidos e o firme propósito de não mais pecar no
futuro. A conversão atinge, portanto, o passado e o futuro; nutre-se da esperança na
misericórdia divina.
1491 O sacramento da Penitência é constituído de três atos do penitente e da
absolvição dada pelo sacerdote. Os atos do penitente são o arrependimento, a confissão ou
manifestação dos pecados ao sacerdote e o propósito de cumprir a penitência e as obras de
reparação.
1492 O arrependimento (também chamado contrição) deve inspirar-se em motivos que
decorrem da fé. Se o arrependimento estiver embasado no amor de caridade para com Deus, é
chamado “perfeito”; se estiver fundado em outros motivos, será “imperfeito”.
1493 Aquele que quiser obter a reconciliação com Deus e com a Igreja deve confessar
ao sacerdote todos os pecados graves que ainda não confessou e de que se lembra depois de
examinar cuidadosamente sua consciência. Mesmo sem ser necessária em si a confissão das
faltas veniais, a Igreja não deixa de recomendá-la vivamente.
1494 O confessor propõe ao penitente o cumprimento de certos atos de “satisfação” ou
de “penitencia”, para reparar o prejuízo causado pelo pecado e restabelecer os hábitos próprios
ao discípulo de Cristo.
1495 Somente os sacerdotes que receberam da autoridade da Igreja a faculdade de
absolver podem perdoar os pecados em nome de Cristo.
1496 Os efeitos espirituais do sacramento da Penitência são:
ü a reconciliação com Deus, pela qual o penitente recobra a graça;
ü a reconciliação com a Igreja;
ü a remissão da pena eterna devida aos pecados mortais;
ü a remissão, pelo menos em parte, das penas temporais, seqüelas do pecado;
ü a paz e a serenidade da consciência e a consolação espiritual;
ü o acréscimo de forças espirituais para o combate cristão.
1497 A confissão individual e integral dos pecados graves, seguida da absolvição,
continua sendo o único meio ordinário de reconciliação com Deus e com a Igreja.
1498 Pelas indulgências, os fiéis podem obter para si mesmos e também para as almas
do purgatório.
ARTIGO 5
A UNÇÃO DOS ENFERMOS
1499 “Pela sagrada Unção dos Enfermos e pela oração dos presbíteros, a Igreja toda
entrega os doentes aos cuidados do Senhor sofredor e glorificado, para que os alivie e salve.
Exorta os mesmos a que livremente se associem à paixão e à morte de Cristo e contribuam para
o bem do povo de Deus.”
I. SEUS FUNDAMENTOS NA ECONOMIA DA SALVAÇÃO
1500 A ENFERMIDADE NA VIDA HUMANA
A enfermidade e o sofrimento sempre estiveram entre problemas mais graves da vida
humana. Na doença, o homem experimenta sua impotência, seus limites e sua finitude. Toda
doença pode fazer-nos entrever a morte.
1501 A enfermidade pode levar a pessoa à angústia, a fechar-se sobre si mesma e, às
vezes, ao desespero e à revolta contra Deus. Mas também pode tomar a pessoa mais madura,
ajudá-la a discernir em sua vida o que não é essencial, para volta-se àquilo que é essencial. Não
raro, a doença provoca uma busca de Deus, um retomo a Ele.
O ENFERMO DIANTE DE DEUS
1502 O homem do Antigo Testamento vive a doença diante Deus. E diante de Deus que
ele faz sua queixa sobre a enfermidade, e é dele, o Senhor da vida e da morte, que implora a
cura [ag5] . A enfermidade se toma caminho de conversão e o perdão de Deus de início à cura.
Israel chega à conclusão de que a doença, de uma forma misteriosa, está ligada ao pecado e
ao mal e que a fidelidade a Deus, segundo sua Lei, dá a vida: “Porque eu sou Iahweh, aquele
que te restaura” (Ex 15,26). O profeta entrevê que o sofrimento também pode ter um sentido
redentor para os pecados dos outros (Cf Is 53,11). Finalmente, Isaías anuncia que Deus fará
chegar um tempo para Si o em que toda falta será perdoada e toda doença ser curada (Cf Is
33,24).
CRISTO - MÉDICO
1503 A compaixão de Cristo para com os doentes e suas numerosas curas de enfermos
de todo tipo são um sinal evidente de que “Deus visitou o seu povo e de que o Reino de Deus
está bem próximo. Jesus não só tem poder de curar, mas também de perdoar os pecados: ele
veio curar o homem inteiro, alma e corpo; é o médico de que necessitam os doentes. Sua
compaixão para com todos aqueles que sofrem é tão grande que ele se identifica com eles:
“Estive doente e me visitastes” (Mt 25,36). Seu amor de predileção pelos enfermos não cessou, ao
longo dos séculos, de despertar a atenção toda especial dos cristãos para com todos os que
sofrem no corpo e na alma. Esse amor está na origem dos incansáveis esforços para aliviá-los.
1504 Muitas vezes Jesus pede aos enfermos que creiam. Serve-se de sinais para curar:
saliva e imposição das mãos, lama e ablução. Os doentes procuram tocá-lo, “porque dele saía
uma força que a todos curava” (Lc 6,19). Também nos sacramentos Cristo continua a nos “tocar”
para nos curar.
1505 Comovido com tantos sofrimentos, Cristo não apenas se deixa tocar pelos doentes,
mas assume suas misérias: “Ele levou nossas enfermidades e carregou nossas doenças”. Não
curou todos os enfermos. Suas curas eram sinais da vinda do Reino de Deus. Anunciavam uma
cura mais radical: a vitória sobre o pecado e a morte por sua Páscoa. Na cruz, Cristo tomou
sobre si todo o peso do mal e tirou o “pecado do mundo” (Jo 1,29). A enfermidade não é mais
do que uma conseqüência do pecado. Por sua paixão e morte na cruz, Cristo deu um novo
sentido ao sofrimento, que doravante pode configurar-nos com Ele e unir-nos à sua paixão
redentora.
“CURAI OS ENFERMOS...”
1506 Cristo convida seus discípulos a segui-lo, tomando cada um sua cruz. Seguindo-o,
adquirem uma nova visão da doença e dos doentes. Jesus os associa á sua vida pobre e de
servidor. Faz com que participem de seu ministério de compaixão e de cura: “Partindo, eles
pregavam que todos se arrependessem. E expulsavam muitos demônios e curavam muitos
enfermos, ungindo-os com óleo” (Mc 6,12-13).
1507 O Senhor ressuscitado renova este envio (“Em meu nome... eles imporão as mãos
sobre os enfermos e estes ficarão curados”. (Mc 16,17-18) e o confirma por meio dos sinais
realizados pela Igreja ao invocar seu nome. Esses sinais manifestam de um modo especial que
Jesus é verdadeiramente “Deus que salva”.
1508 O Espírito Santo dá a algumas pessoas um carisma especial de cura para manifestar
a força da graça do ressuscitado. Todavia, mesmo as orações mais intensas não conseguem
obter a cura de todas as doenças. Por isso, São Paulo deve aprender do Senhor que “basta-te a
minha graça, pois é na fraqueza que minha força manifesta todo o seu poder” (2Cor 12,9), e que
os sofrimentos que temos de suportar podem ter como sentido “completar na minha carne o que
falta às tribulações de Cristo por seu corpo, que é a Igreja” (Cl 1,24).
1509 “Curai os enfermos!” (Mt 10,8). A Igreja recebeu esta missão do Senhor e esforça-se
por cumpri-la tanto pelos cuidados aos doentes como pela oração de intercessão com que os
acompanha. Ela crê na presença vivificante de Cristo, médico da alma e do corpo. Esta
presença age particularmente por intermédio dos sacramentos e, de modo especial, pela
Eucaristia, pão que dá vida eterna a cujo liame com a saúde corporal São Paulo alude.
1510 Entretanto, a Igreja apostólica conhece um rito próprio em favor dos doentes,
atestado por São Tiago: “Alguém dentre vós está doente? Mande chamar os presbíteros da
Igreja, para que orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé
salvará o doente e o Senhor o aliviará; e, se tiver cometido pecados, estes lhe serão perdoados”
(Tg 5,14-l5). A Tradição reconheceu neste rito um dos sete sacramentos da Igreja.
UM SACRAMENTO DOS ENFERMOS
1511 A Igreja crê e confessa que existe, entre os sete sacramentos, um sacramento
especialmente destinado a reconfortar aqueles que provados pela enfermidade: a Unção dos
Enfermos.
Esta unção sagrada dos enfermos foi instituída por Cristo nosso Senhor como um
sacramento do Novo Testamento, verdadeira e propriamente dito, insinuado por Marcos, mas
recomendado aos fiéis e promulgado por Tiago, Apóstolo e irmão do Senhor.
1512 Na tradição litúrgica, tanto no Oriente como no Ocidente, constam desde a
Antigüidade testemunhos de unções de enfermos praticadas com óleo bento. No curso dos
séculos, a Unção dos Enfermos foi cada vez mais conferida exclusivamente aos agonizantes. Por
causa disso, recebeu o nome de “Extrema-Unção”. Apesar desta evolução, a liturgia jamais
deixou de orar ao Senhor para que o enfermo recobre a saúde, se tal convier à sua salvação.
1513 A constituição apostólica Sacram unctionem infirmorum, de 30 de novembro de
1972, seguindo o Concílio Vaticano II, estabeleceu que doravante, no rito romano, se observe o
seguinte:
O sacramento da Unção dos Enfermos é conferido às pessoas acometidas de doenças
perigosas, ungindo-as na fronte e nas mãos com óleo devidamente consagrado - óleo de oliveira
ou outro óleo extraído de plantas -, dizendo uma só vez: “Por esta santa unção e por sua
puríssima misericórdia, o Senhor venha em teu auxílio com a graça do Espírito Santo, para que,
liberto de teus pecados, Ele te salve e, em sua bondade, alivie teus sofrimentos”.
II. QUEM RECEBE E QUEM ADMINISTRA ESTE SACRAMENTO?
EM CASO DE DOENÇA GRAVE...
1514 A Unção dos Enfermos “não é um sacramento só daqueles que se encontram às
portas da morte. Portanto, tempo oportuno para receber a Unção dos Enfermos é certamente o
momento em que o fiel começa a correr perigo de morte por motivo de doença, debilitação
física ou velhice”.
1515 Se um enfermo que recebeu a Unção dos Enfermos recobrar a saúde, pode, em
caso de recair em doença grave, receber de novo este sacramento. No decorrer da mesma
enfermidade, este sacramento pode ser reiterado se a doença se agravar. Permite-se receber a
Unção dos Enfermos antes de uma cirurgia de alto risco. O mesmo vale também para as pessoas
de idade avançada, cuja fragilidade se acentua.
.... .QUE CHAME OS PRESBÍTEROS DA IGREJA”
1516 Só os sacerdotes (bispos e presbíteros) são ministros da Unção dos Enfermos. E dever
dos pastores instruir os fiéis sobre os benefícios deste sacramento. Que os fiéis incentivem os
doentes a chamar o sacerdote, para receber este sacramento. Que os doentes se preparem
para recebê4o com boas disposições, com a ajuda de seu pastor e de toda a comunidade
eclesial, que é convidada a cercar de modo especial os doentes com suas orações e atenções
fraternas.
III. COMO É CELEBRADO ESTE SACRAMENTO?
1517 Como todos os sacramentos, a Unção dos Enfermos é uma celebração litúrgica e
comunitária, quer tenha lugar na família, no hospital ou na Igreja, para um só enfermo ou para
todo um grupo de enfermos. E de todo conveniente que ela se celebre dentro da Eucaristia,
memorial da Páscoa do Senhor. Se as circunstâncias o permitirem, a celebração do sacramento
pode ser precedida pelo sacramento da Penitência e seguida pelo sacramento da Eucaristia.
Como sacramento da Páscoa de Cristo, a Eucaristia deveria sempre ser o último sacramento da
peregrinação terrestre, o “viático” para a “passagem” à vida eterna.
1518 Palavra e sacramento formam um todo inseparável. A Liturgia da Palavra, precedida
de um ato penitencial, abrirá a celebração. As palavras de Cristo, o testemunho dos apóstolos
despertam a fé do enfermo e da comunidade para pedir ao Senhor a força de seu Espírito.
1519 A celebração do sacramento compreende principalmente os elementos seguintes:
“os presbíteros da Igreja (Cf Tg 5,14) impõem – em silêncio - as mãos aos doentes; oram sobre eles
na fé da Igreja. É a epiclese própria deste sacramento. Realizam então a unção com óleo
consagrado, que, se possível, deve ser feita pelo Bispo. Essas ações litúrgicas indicam a graça
que esse sacramento confere aos enfermos.
IV. OS EFEITOS DA CELEBRAÇÃO DESTE SACRAMENTO
1520 Um dom particular do Espírito Santo O principal dom deste sacramento é uma graça
de reconforto, de paz e de coragem para vencer as dificuldades próprias do estado de
enfermidade grave ou da fragilidade da velhice. Esta graça é um dom do Espírito Santo que
renova a confiança e a fé em Deus e fortalece contra as tentações do maligno, tentação de
desânimo e de angustia diante da morte. Esta assistência do Senhor pela força de seu Espírito
quer levar o enfermo à cura da alma, mas também à do corpo, se for esta a vontade de Deus.
Além disso, “se ele cometeu pecados, eles lhe serão perdoados” (Tg 5,15).
1521 A união com a paixão de Cristo. Pela graça deste sacramento o enfermo recebe a
força e o dom de unir-se mais intimamente à paixão de Cristo: de certa forma ele é consagrado
para produzir fruto pela configuração à paixão redentora do Salvador. O sofrimento, seqüela do
pecado original, recebe um sentido novo: torna-se participação na obra salvífica de Jesus.
1522 Uma graça eclesial. Os enfermos que recebem este sacramento, “associando-se
livremente à paixão e à morte de Cristo”, “contribuem para o bem do povo de Deus”. Ao
celebrar este sacramento, a Igreja, na comunhão dos santos, intercede pelo bem do enfermo. E
o enfermo, por sua vez, pela graça deste sacramento, contribui para a santificação da Igreja e
para o bem de todos os homens pelos quais a Igreja sofre e se oferece, por Cristo, a Deus Pai.
1523 Uma preparação para a última passagem. Se o sacramento da Unção dos Enfermos
é concedido a todos os que sofrem de doenças e enfermidades graves, com mais razão ainda
cabe aos que estão às portas da morte (“in exitu vitae constituti”). Por isso, também foi chamado
“sacramentum exeuntium”. A Unção dos Enfermos completa nossa conformação com a Morte e
Ressurreição de Cristo, como o Batismo começou a fazê-lo. E o termo das sagradas unções que
acompanham toda a vida cristã: a do Batismo, que selou em nós a nova vida; a da
confirmação, que nos fortificou para o combate desta vida. Esta derradeira unção fortalece o
fim de nossa vida terrestre como que de um sólido baluarte para enfrentar as últimas lutas antes
da entrada na casa do Pai.
V. O VIÁTICO, ÚLTIMO SACRAMENTO DO CRISTÃO
1524 Aos que estão para deixar esta vida, a Igreja oferece, além da Unção dos Enfermos,
a Eucaristia como viático. Recebida neste momento de passagem para o Pai, a comunhão do
Corpo e Sangue de Cristo tem significado e importância particulares. E semente de vida eterna e
poder de ressurreição, segundo as palavras do Senhor: “Quem come a minha carne e bebe o
meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6,54). Sacramento de Cristo
morto e ressuscitado, a Eucaristia é aqui sacramento da passagem da morte para a vida, deste
mundo para o Pai..
1525 Assim como os sacramentos do Batismo, da Confirmação e da Eucaristia constituem
uma unidade chamada “os sacramentos da iniciação cristã”, pode-se dizer que a Penitência, a
Sagrada Unção e a Eucaristia como viático constituem, quando a vida cristã chega a seu
término, “os sacramentos que preparam para a Pátria” ou os sacramentos que consumam a
peregrinação.
RESUMINDO
1526 “Alguém dentre vós está doente? Mande chamar os presbíteros da Igreja para que
orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará o doente e o
Senhor o aliviará; e, se tiver cometido pecados, estes lhe serão perdoados” (Tg 5,14-15).
1527 O sacramento da Unção dos Enfermos tem por finalidade conferir uma graça
especial ao cristão que está passando pelas dificuldades inerentes ao estado de enfermidade
grave ou de velhice.
1528 O tempo oportuno para receber a sagrada unção é certamente aquele em que o
fiel começa a encontrar-se em perigo de morte devido à doença ou à velhice.
1529 Cada vez que um cristão cair gravemente enfermo, pode receber a sagrada unção.
Da mesma forma, pode recebê-la novamente se a doença se agravar.
1530 Só os sacerdotes (Bispos e presbíteros) podem administrar o sacramento da Unção
dos Enfermos; para conferi-lo, empregam óleo consagrado pelo Bispo ou, em caso de
necessidade, pelo próprio presbítero celebrante.
1531 O essencial da celebração deste sacramento consiste na unção da fronte e das
mãos do doente (no rito romano) ou de outras partes do corpo (no Oriente), unção
acompanhada da oração litúrgica do presbítero celebrante, que pede a graça especial deste
sacramento.
1532 A graça especial do sacramento da Unção dos Enfermos tem como efeitos:
ü a união do doente com a paixão de Cristo, para seu bem e o bem de toda a Igreja;
ü reconforto, a paz e a coragem para suportar cristãmente os sofrimentos da doença ou
da velhice;
ü perdão dos pecados, se o doente não pode obtê-lo pelo sacramento da Penitência;
ü restabelecimento da saúde, se isso convier à salvação espiritual;
ü a preparação para a passagem à vida eterna.
CAPÍTULO III.
OS SACRAMENTOS DO SERVIÇO DA COMUNHÃO
1533 O Batismo, a Confirmação e a Eucaristia são os sacramentos da iniciação cristã.
São a base da vocação comum de todos os discípulos de Cristo, vocação à santidade e à
missão de evangelizar o mundo. Conferem as graças necessárias à vida segundo Espírito nesta
vida de peregrinos a caminho da Pátria.
1534 Dois outros sacramentos, a ordem e o matrimônio, estão ordenados à salvação de
outrem. Se contribuem também para a salvação pessoal, isso acontece por meio do serviço aos
outros. Conferem uma missão particular na Igreja e servem para a edificação do Povo de Deus.
1535 Nesses sacramentos, os que já foram consagrados pelo Batismo e pela Confirmação
para o sacerdócio comum de todos os fiéis podem receber consagrações específicas. Os que
recebem o sacramento da Ordem são consagrados para ser, em nome de Cristo, “pela palavra
e pela graça de Deus, os pastores da Igreja”. Por sua vez, “os esposos cristãos, para cumprir
dignamente os deveres de seu estado, são fortalecidos e como que consagrados por um
sacramento especial”.
ARTIGO 6
O SACRAMENTO DA ORDEM
1536 A Ordem é o sacramento graças ao qual a missão confiada por Cristo a seus
Apóstolos continua sendo exercida na Igreja até o fim dos tempos; é, portanto, o sacramento do
ministério apostólico. Comporta três graus: o episcopado, o presbiterado e o diaconato.
(Sobre a instituição e a missão do ministério apostólico por Cristo, veja-se acima. Aqui, só
se trata da via sacramental pela qual se transmite este ministério.)
I. POR QUE O NOME SACRAMENTO DA ORDEM?
1537 A palavra ordem, na Antigüidade romana, designava corpos constituídos no sentido
civil, sobretudo o corpo dos que governavam. “Ordinatio” (ordenação) designa a integração
num “ordo” (ordem). Na Igreja, há corpos constituídos que a Tradição, não sem fundamento na
Sagrada Escritura[ag7] , chama, desde os tempos primitivos, de “taxeis” (em grego; pronuncie
“tacseis”), de “ordines” (em latim). Por exemplo, a liturgia fala do “ordo episcoporum” (ordem
dos bispos), do “ordo presbyterorum” ordem dos presbíteros), do “ordo diaconorum” (ordem dos
diáconos). Outros grupos recebem também este nome de “ordo”: os catecúmenos, as virgens, os
esposos, as viúvas etc.
1538 A integração em um desses corpos da Igreja era feita por um rito chamado
ordinatio, ato religioso e litúrgico que consistia numa consagração, numa bênção ou num
sacramento. Hoje a palavra “ordinatio” é reservada ao ato sacramental que integra na ordem
dos bispos, presbíteros e diáconos e que transcende uma simples eleição, designação,
delegação ou instituição pela comunidade, pois confere um dom do Espírito Santo que permite
exercer um “poder sagrado” (“sacra potestas”) que só pode vir do próprio Cristo, por meio de
sua Igreja. A ordenação também é chamada “consecratio” por ser um pôr à parte, uma
investidura, pelo próprio Cristo, para sua Igreja. A imposição das mãos do bispo, com a oração
consecratória, constitui o sinal visível desta consagração.
II. O SACRAMENTO DA ORDEM NA ECONOMIA DA SALVAÇÃO
O SACERDÓCIO NA ANTIGA ALIANÇA
1539 O povo eleito foi constituído por Deus como “um remo de sacerdotes e uma nação
santa” (Ex 19.6). Mas, dentro do povo de Israel, Deus escolheu uma das doze tribos, a de Levi,
reservando-a para o serviço litúrgico; Deus mesmo é sua herança. Um rito próprio consagrou as
origens do sacerdócio da antiga aliança. Os sacerdotes são ai “constituídos para intervir em
favor dos homens em suas relações com Deus, a fim de oferecer dons e sacrifícios pelos
pecados”.
1540 Instituído para anunciar a palavra de Deus e para restabelecer a comunhão com
Deus pelos sacrifícios e pela oração, esse sacerdócio continua, não obstante, impotente para
operar; a salvação. Precisa, por isso, repetir sem cessar os sacrifícios, e não é capaz de levar à
santificação definitiva, que só o sacrifício de Cristo deveria operar.
1541 Entretanto, a liturgia da Igreja vê no sacerdócio de Aarão, no serviço dos levitas e na
instituição dos setenta “anciãos” prefigurações do ministério ordenado da nova aliança Assim,
no rito latino, a Igreja reza no prefácio consecratório da ordenação dos bispos: Deus e Pai de
nosso Senhor Jesus Cristo... por vossa palavra estabelecestes leis na Igreja; e escolhestes desde o
princípio um povo santo, descendente de Abraão, dando-lhe chefes e sacerdotes, e jamais
deixastes sem ministros o vosso santuário...
1542 NA ORDENAÇÃO DOS PRESBÍTEROS, A IGREJA REZA:
Assisti-nos, Senhor, Pai Santo ..... Já no Antigo Testamento, em sinais prefigurativos, surgiram
vários ofícios por vós instituídos, de modo que, tendo à frente Aarão para guiar e santificar o
vosso povo, lhes destes colaboradores de menor ordem e dignidade. Assim, no deserto,
comunicastes a setenta homens prudentes o espírito dado a Moisés que, como auxílio deles,
pode mais facilmente governar o vosso povo.
Do mesmo modo, derramastes copiosamente sobre os filhos de Aarão a plenitude
concedida a seu pai, para que o serviço dos sacerdotes segundo a lei fosse suficiente para os
sacrifícios do tabernáculo.
1543 E, na oração consecratória para a ordenação dos diáconos, a Igreja professa:
Ó Deus Todo-Poderoso... fazeis crescer... a vossa Igreja. Para a edificação do novo templo,
constituístes três ordens de ministros para servirem ao vosso nome, como outrora escolhestes os
filhos de Levi para o serviço do antigo santuário.
O ÚNICO SACERDÓCIO DE CRISTO
1544 Todas as prefigurações do sacerdócio da antiga aliança encontram seu
cumprimento em Cristo Jesus, “único mediador entre Deus e os homens” (l Tm 2,5). Melquisedec,
“sacerdote do Deus Altíssimo” (Gn 14,18), é considerado pela Tradição cristã como uma
prefiguração do sacerdócio de Cristo, único “sumo sacerdote segundo a ordem de
Melquisedec” (Hb 5,10; 6,20), “santo, inocente, imaculado” (Hb 7,16), que “com uma única
oferenda levou à perfeição, e para sempre, os que ele santifica” (Hb 10,14), isto é, pelo único
sacrifício de sua Cruz.
1545 O sacrifício redentor de Cristo é único, realizado uma vez por todas. Não obstante,
toma-se presente no sacrifício eucarístico da Igreja. O mesmo acontece com o único sacerdócio
de Cristo: torna-se presente pelo sacerdócio ministerial, sem diminuir em nada a unicidade do
sacerdócio de Cristo. “Por isso, somente Cristo é o verdadeiro sacerdote; Os outros são seus
ministros.”
DUAS PARTICIPAÇÕES NO SACERDÓCIO ÚNICO DE CRISTO
1546 Cristo, sumo sacerdote e único mediador, fez da Igreja “um Reino de sacerdotes
para Deus, seu Pai” (Cf Ap 1,6; 5,9-10; 1 Pd 2,5.9). Toda comunidade dos fiéis é, como tal,
sacerdotal. Os fiéis exercem seu sacerdócio batismal por meio de sua participação, cada qual
segundo sua própria vocação, na missão de Cristo, Sacerdote, Profeta e Rei. E pelos sacramentos
do Batismo e da Confirmação que os fiéis são “consagrados para ser... um sacerdócio santo”.
1547 O sacerdócio ministerial ou hierárquico dos bispos e dos presbíteros e o sacerdócio
comum de todos os fiéis, embora “ambos participem, cada qual a seu modo, do único
sacerdócio de Cristo”, diferem, entretanto, essencialmente, mesmo sendo “ordenados um ao
outro”. Em que sentido? Enquanto o sacerdócio comum dos fiéis se realiza no desenvolvimento
da graça batismal, vida de fé, de esperança e de caridade, vida segundo o Espírito o
sacerdócio ministerial está a serviço do sacerdócio comum, refere-se ao desenvolvimento da
graça batismal de todos os cristãos. É um dos meios pelos quais Cristo não cessa de construir e de
conduzir sua Igreja. Por isso, é transmitido por um sacramento próprio, o sacramento da Ordem.
“IN PERSONA CHRISTI CAPITIS” (NA PESSOA DE CRISTO CABEÇA...)
1548 No serviço eclesial do ministro ordenado, é o próprio Cristo que está presente á sua
Igreja enquanto Cabeça de seu Corpo, Pastor de seu rebanho, Sumo Sacerdote do sacrifício
redentor Mestre da Verdade. A Igreja o expressa dizendo que o sacerdote, em virtude do
sacramento da Ordem, age “in persona Christi Capitis” (na pessoa de Cristo Cabeça):
Na verdade, o ministro faz as vezes do próprio Sacerdote, Cristo Jesus. Se, na verdade, o
ministro é assimilado ao Sumo Sacerdote por causa da consagração sacerdotal que recebeu,
goza do poder de agir pela força do próprio Cristo que representa (“virtute ac persona ipsius
Christi”).
“Cristo é a origem de todo sacerdócio: pois o sacerdote da [Antiga Lei era figura dele, ao
passo que o sacerdote da nova lei age em sua pessoa.”
1549 Pelo ministério ordenado, especialmente dos bispos e dos presbíteros, a presença de
Cristo como chefe da Igreja se torna visível no meio da comunidade dos fiéis[ag36] . Segundo a
bela expressão de Santo Inácio de Antioquia, o Bispo é “typos tou Patros” (pronuncie: typos tu
patrós), como a imagem viva de Deus Pai.
1550 Esta presença de Cristo no ministro não deve ser compreendida como se este
estivesse imune a todas as fraquezas humanas, ao espírito de dominação, aos erros e até aos
pecados. A força do Espírito Santo não garante do mesmo modo todos os atos dos ministros.
Enquanto nos sacramentos esta garantia é assegurada, de tal forma que mesmo o pecado do
ministro não possa impedir o fruto da graça, há muitos outros atos em que a conduta humana do
ministro deixa traços que nem sempre são sinal de fidelidade ao Evangelho e que podem, por
conseguinte, prejudicar a fecundidade apostólica da Igreja.
1551 Esse sacerdócio é ministerial. “Esta missão que o Senhor confiou aos pastores de seu
povo é um verdadeiro serviço.” Refere-se inteiramente a Cristo e aos homens. Depende
inteiramente de Cristo e de seu sacerdócio único, e foi instituído em favor dos homens e da
comunidade da Igreja. O sacramento da ordem comunica “um poder sagrado” que é o próprio
poder de Cristo. O exercício desta autoridade deve, pois, ser medido pelo modelo de Cristo que,
por amor, se fez o último e servo de todos. “O Senhor disse claramente que cuidar de seu
rebanho é uma prova de amor para com Ele.”
“EM NOME DE TODA A IGREJA”
1552 A tarefa do sacerdócio ministerial não é apenas representar Cristo-Cabeça da
Igreja - diante da assembléia dos fiéis; ele age também em nome de toda a Igreja quando
apresenta a Deus a oração da Igreja e sobretudo quando oferece o sacrifício eucarístico.
1553 “Em nome de toda a Igreja” não quer dizer que os sacerdotes sejam os delegados
da comunidade. A oração e a oferenda da Igreja são inseparáveis da oração e da oferenda de
Cristo, sua Cabeça. Trata-se sempre do culto de Cristo na e por sua Igreja. É toda a Igreja, corpo
de Cristo, que ora e se oferece, “per ipsum et cum ipso et in ipso” (por Ele, com Ele e nEle), na
unidade do Espírito Santo, a Deus Pai. Todo o corpo, “caput et membra” (cabeça e membros),
ora e se oferece, e é por isso que aqueles que são especialmente os ministros no corpo são
chamados ministros não somente de Cristo, mas também da Igreja. É por representar Cristo que o
sacerdócio ministerial pode representar a Igreja.
III. OS TRÊS GRAUS DO SACRAMENTO DA ORDEM
1554 “O ministério eclesiástico, divinamente instituído, é exercido em diversas ordens pelos
que desde a antigüidade são chamados bispos, presbíteros e diáconos.” A doutrina católica,
expressa na liturgia, no magistério e na prática constante da Igreja, reconhece que existem dois
graus de participação ministerial no sacerdócio de Cristo: o episcopado e o presbiterado. O
diaconado se destina a ajudá-los e a servi-los. Por isso, o termo “sacerdos' designa, na prática
atual, os bispos e os sacerdotes, mas não os diáconos. Não obstante, ensina a doutrina católica
que os graus de participação sacerdotal (episcopado e presbiterado) e o de serviço
(diaconado) são conferidos por um ato sacramental chamado “ordenação”, isto e, pelo
sacramento da Ordem.
Que todos reverenciem os diáconos como Jesus Cristo, como também o Bispo, que é
imagem do Pai, e os presbíteros como senado de Deus e como a assembléia dos apóstolos: sem
eles não se pode falar de Igreja.
A ORDENAÇÃO EPISCOPAL - PLENITUDE DO SACRAMENTO DA ORDEM
1555 “Entre aqueles vários ministérios, que desde os primeiros tempos são exercidos na
Igreja, conforme atesta a Tradição, o lugar principal é ocupado pelo múnus daqueles que,
constituídos no episcopado, conservam a semente apostólica por uma sucessão que vem
ininterrupta desde o começo.
1556 Para desempenhar sua missão, “os Apóstolos foram enriquecidos por Cristo com
especial efusão do Espírito Santo, que desceu sobre eles. E eles mesmos transmitiram a seus
colaboradores, mediante a imposição das mãos, este dom espiritual que chegou até nós pela
sagração episcopal”
1557 O Concílio Vaticano II “ensina, pois, que pela sagração episcopal se confere a
plenitude do sacramento da Ordem, que, tanto pelo costume litúrgico da Igreja como pela voz
dos Santos Padres, é chamada o sumo sacerdócio, a realidade total ('summa') do ministério
sagrado”.
1558 “A sagração episcopal, juntamente com o múnus de santificar, confere também os
de ensinar e de reger... De fato, mediante a imposição das mãos e as palavras da sagração, é
concedida a graça do Espírito Santo e impresso o caráter sagrado, de tal modo que os Bispos,
de maneira eminente e visível, fazem as vezes do próprio Cristo, Mestre, Pastor e Pontífice, e
agem em seu nome ('in eius persona agant').” “Os Bispos, portanto, pelo Espírito Santo que lhes foi
dado, foram constituídos como verdadeiros e autênticos mestres da fé, pontífices e pastores.”
1559 “Alguém é constituído membro do corpo episcopal pela sagração sacramental e
pela hierárquica comunhão com o chefe e os membros do Colégio.” O caráter e a natureza
colegial da ordem episcopal se manifestam, entre outras, na antiga prática da Igreja, que requer
para a consagração de um novo Bispo a participação de vários Bispos. Para a legítima
ordenação de um Bispo, é hoje exigida uma especial intervenção do Bispo de Roma, em razão
de sua qualidade de vínculo visível supremo da comunhão das Igrejas particulares na única
Igreja e garantia de sua liberdade.
1560 Cada Bispo, como vigário de Cristo, tem o encargo pastoral da Igreja particular que
lhe foi confiada, mas ao mesmo tempo ele, colegialmente, com todos os seus irmãos no
episcopado, deve ter solicitude por todas as Igrejas: “Se cada Bispo só é pastor propriamente
dito da porção do rebanho que lhe foi confiada, sua qualidade de legítimo sucessor dos
apóstolos por instituição divina o toma solidariamente responsável pela missão apostólica da
Igreja”.
1561 Tudo o que acabamos de dizer explica por que a Eucaristia celebrada pelo Bispo
tem um significado todo especial como expressão da Igreja reunida em tomo do altar sob a
presidência daquele que representa visivelmente Cristo, Bom Pastor e Cabeça de sua Igreja.
A ORDENAÇÃO DOS PRESBÍTEROS COOPERADORES DOS BISPOS
1562 “Cristo, a quem o Pai santificou e enviou ao mundo (Jo 10,36), fez os Bispos
participantes de sua consagração e missão, por meio dos apóstolos, de quem são sucessores. Os
Bispos transmitiram legitimamente o múnus de seu ministério em grau diverso a pessoas diversas
na Igreja.” “O múnus de seu ministério foi por sua vez confiado em grau subordinado aos
presbíteros, para que constituídos na ordem do presbiterado com o fito de cumprir a missão
apostólica transmitida por Cristo - fossem os colaboradores da ordem episcopal.”
1563 “O oficio dos presbíteros, por estar ligado à ordem episcopal, participa da
autoridade com que o próprio Cristo constrói, santifica e rege seu corpo. Por isso, o sacerdócio
dos presbíteros, supondo os sacramentos da iniciação cristã, é conferido por meio daquele
sacramento peculiar mediante o qual os presbíteros, pela unção do Espírito Santo, são
assinalados com um caráter especial e assim configurados com Cristo sacerdote, de forma a
poderem agir em nome de Cristo Cabeça em pessoa.”
1564 “Embora os presbíteros não possuam o ápice do pontificado e no exercício de seu
poder dependam dos Bispos, estão contudo com eles unidos na dignidade sacerdotal. Em
virtude do sacramento da Ordem, segundo a imagem de Cristo, sumo e eterno sacerdote, eles
são consagrados para pregar o Evangelho, apascentar os fiéis e celebrar o culto divino, como
verdadeiros sacerdotes do Novo Testamento.”
1565 Em virtude do sacramento da Ordem, os presbíteros participam das dimensões
universais da missão confiada por Cristo aos Apóstolos. O dom espiritual que receberam na
ordenação prepara-os não para uma missão limitada e restrita, “mas para a missão amplíssima e
universal da salvação até os confins da terra, “com o espírito pronto para pregar o Evangelho
por toda parte”.
1566 “Eles exercem seu sagrado múnus principalmente no culto eucarístico ou sinaxe, na
qual, agindo na pessoa de Cristo e proclamando seu mistério, unem os pedidos dos fiéis ao
sacrifício de sua Cabeça e, até a volta do Senhor, tomam presente e aplicam no sacrifício da
missa o único sacrifício do Novo Testamento, isto é, o sacrifício de Cristo que, como hóstia
imaculada, uma vez por todas se ofereceu ao Pai. É desse sacrifício único que retiram a força de
todo o seu ministério sacerdotal.
1567 “Solícitos cooperadores da ordem episcopal, seu auxílio e instrumento, chamados
para servir ao povo de Deus, os sacerdotes formam com seu Bispo um único presbitério,
empenhados, porém, em diversos ofícios. Em cada comunidade local de fiéis, tomam presente
de certo modo o Bispo, ao qual se associam com coração confiante e generoso. Assumem,
como próprias, as funções e as solicitudes do Bispo e as exercem em seu empenho cotidiano
pelos fiéis. Os presbíteros só podem exercer seu ministério na dependência do Bispo e em
comunhão com ele. A promessa de obediência que fazem ao Bispo no momento da ordenação
e o ósculo da paz do Bispo no fim da liturgia da ordenação significam que o bispo os considera
como seus colaboradores, filhos, irmãos e amigos, e em troca eles lhe devem amor e obediência.
1568 “Estabelecidos na ordem do presbiterado por meio da ordenação, os presbíteros
estão ligados entre si por uma íntima fraternidade sacramental; de modo especial, porém,
formam um só presbitério na diocese para cujo serviço estão escalados sob a direção do próprio
Bispo.” A unidade do presbitério encontra uma expressão litúrgica na prática que recomenda
que os presbíteros, por sua vez, imponham as mãos, depois do Bispo, durante o rito da
ordenação.
A ORDENAÇÃO DOS DIÁCONOS - “PARA O SERVIÇO”
1569 No grau inferior da hierarquia encontram-se os diáconos. São-lhes impostas as mãos
“não para o sacerdócio, mas para o serviço”. Para a ordenação ao diaconado, só o Bispo
impõe as mãos, significando assim que O diácono está especialmente ligado ao Bispo nas
tarefas de sua “diaconia”.
1570 Os diáconos participam de modo especial na missão e graça de Cristo. São
marcados pelo sacramento da Ordem com um sinal (“caráter”) que ninguém poder apagar e
que os configura a Cristo, que se fez “diácono”, isto é, servidor de todos. Cabe aos diáconos,
entre outros serviços, assistir o Bispo e os padres na celebração dos divinos mistérios, sobre tudo a
Eucaristia, distribuir a Comunhão, assistir ao Matrimônio e abençoá-lo, proclamar o Evangelho e
pregar, presidir o funerais e consagrar-se aos diversos serviços da caridade.
1571 Desde o Concílio Vaticano II, a Igreja latina restabeleceu o diaconato “como grau
próprio e permanente da hierarquia”, a passo que as Igrejas do Oriente sempre o mantiveram.
Esse diaconato permanente, que pode ser conferido a homens casados, constitui um importante
enriquecimento para a missão da Igreja. De fato, ser útil e apropriado que aqueles que cumprem
na Igreja um ministério verdadeiramente diaconal, quer na vida litúrgica e pastoral, quer nas
obras sociais e caritativas, “sejam corroborados e mais intimamente ligados ao altar pela
imposição das mãos, tradição que nos vem desde os apóstolos. Destarte desempenharão mais
eficazmente o seu ministério mediante a graça sacramental do diaconato”.
IV. A CELEBRAÇÃO DESTE SACRAMENTO
1572 A celebração da ordenação de um Bispo, de presbíteros ou de diáconos, devido à
sua importância para a vida da Igreja particular, exige o concurso do maior número possível de
fiéis. Deverá realizar-se de preferência num domingo e na catedral, com uma solenidade
adaptada à circunstância. As três ordenações – do Bispo, do padre e do diácono - seguem o
mesmo movimento. Seu lugar é no seio da Liturgia Eucarística.
1573 O rito essencial do sacramento da Ordem consta, para os três graus, da imposição
das mãos pelo Bispo sobre a cabeça do ordenando e da oração consagratória específica, que
pede a Deus a efusão do Espírito Santo e de seus dons apropriados ao ministério para o qual o
candidato é ordenado.
1574 Como todos os sacramentos, ritos anexos cercam a celebração. Variando
consideravelmente nas diferentes tradições litúrgicas, o que têm em comum é exprimir os
múltiplos aspectos da graça sacramental. Assim, os ritos iniciais no rito latino - a apresentação e a
eleição do ordinando, a alocução do Bispo, o interrogatório do ordinando, a ladainha de todos
os santos - atestam que a escolha do candidato foi feita de conformidade com a prática da
Igreja e preparam o ato solene da consagração, depois da qual diversos ritos vêm exprimir e
concluir, de maneira simbólica, o mistério que acaba de consumar-se: para o Bispo e para o
presbítero, a unção do santo crisma, sinal da unção especial do Espírito Santo que torna fecundo
seu ministério; entrega do livro dos Evangelhos, do anel, da mitra e do báculo ao bispo, em sinal
de sua missão apostólica de anúncio da Palavra de Deus, de sua fidelidade à Igreja, esposa de
Cristo, de seu cargo de pastor do rebanho do Senhor; entrega da patena e do cálice ao
presbítero, “a oferenda do povo santo” que ele deve apresentar a Deus; entrega do livro dos
Evangelhos ao diácono, que acaba de receber a missão de anunciar o Evangelho de Cristo.
V. QUEM PODE CONFERIR ESTE SACRAMENTO?
1575 Foi Cristo quem escolheu os apóstolos, fazendo-os participar de sua missão e
autoridade. Elevado à direita do Pai, Ele não abandonou seu rebanho, mas guarda-o por meio
dos Apóstolos, sob sua constante proteção, e o dirige ainda pelos mesmos pastores que
continuam até hoje sua obra. Portanto, é Cristo “que concede” a uns serem apóstolos, a outros
pastores. Ele continua agindo por intermédio dos Bispos.
1576 Como o sacramento da Ordem é o sacramento do ministério apostólico, cabe aos
Bispos, como sucessores dos apóstolos, transmitir “o dom espiritual”, “a semente apostólica”. Os
Bispos validamente ordenados, isto é, que estão na linha da sucessão apostólica, conferem
validamente os três graus do sacramento da ordem.
VI. QUEM PODE RECEBER ESTE SACRAMENTO?
1577 “Só um varão ('vir') batizado pode receber validamente a ordenação sagrada.” O
Senhor Jesus escolheu homens (“viri”) para formar o colégio dos doze Apóstolos e os apóstolos
fizeram o mesmo quando escolheram os colaboradores que seriam seus sucessores na missão. O
colégio dos Bispos, ao qual os presbíteros estão unidos no sacerdócio, torna presente e atualiza,
até o retomo de Cristo, o colégio dos doze. A Igreja se reconhece vinculada por essa escolha do
próprio Senhor. Por isso, a ordenação de mulheres não é possível.
1578 Ninguém tem o direito de receber o sacramento da ordem. De fato, ninguém pode
arrogar-se a si mesmo este cargo. A pessoa é chamada por Deus para esta honra. Aquele que
crê verificar em si os sinais do chamado divino ao ministério ordenado deve submeter
humildemente seu desejo à autoridade da Igreja, à qual cabe a responsabilidade e o direito
convocar alguém para receber as ordens. Como toda graça, esse sacramento não pode ser
recebido a não ser como um dom imerecido.
1579 Todos os ministros ordenados da Igreja latina, com exceção dos diáconos
permanentes, normalmente são escolhidos entre os homens fiéis que vivem como celibatários e
querem guardar o celibato “por causa do Reino dos Céus” (Mt 19,12). Chamados a consagrar-se
com indiviso coração ao Senhor e a “cuidar das coisas do Senhor”, entregam-se inteiramente a
Deus e aos homens. O celibato é um sinal desta nova vida a serviço da qual o ministro da Igreja é
consagrado; aceito com coração alegre, ele anuncia de modo radiante o Reino de Deus.
1580 Nas Igrejas orientais, está em vigor, há séculos, uma disciplina diferente: enquanto
os Bispos só são escolhidos entre os celibatários, homens casados podem ser ordenados diáconos
e padres. Esta praxe é considerada legítima há muito tempo; esses padres exercem um ministério
muito útil no seio de suas comunidades. O celibato dos presbíteros, por outro lado, é muito
honrado nas Igrejas orientais, e são numerosos os que o escolhem livremente, por causa do Reino
de Deus. No Oriente como no Ocidente, aquele que recebeu o sacramento da Ordem não
pode mais casar-se.
VII. OS EFEITOS DO SACRAMENTO DA ORDEM
O CARÁTER INDELÉVEL
1581 Este sacramento toma a pessoa semelhante a Cristo por meio de uma graça
especial do Espírito Santo, para servir de instrumento de Cristo em favor de sua Igreja. Pela
ordenação, a pessoa se habilita a agir como representante de Cristo, Cabeça da Igreja, em sua
tríplice função de sacerdote, profeta e rei.
1582 Como no caso do Batismo e da Confirmação, esta participação na função de Cristo
é concedida uma vez por todas. O sacramento da Ordem também confere um caráter espiritual
indelével e não pode ser reiterado nem conferido temporariamente.
1583 Alguém validamente ordenado pode, é claro, por motivos graves, ser exonerado
das obrigações e das funções ligadas à ordenação ou ser proibido de exercê-las, mas jamais
poder voltar a ser leigo no sentido estrito, porque o caráter impresso pela ordenação permanece
para sempre. A vocação e a missão recebidas no dia de sua ordenação marcam a pessoa de
modo permanente.
1584 Como, afinal de contas, quem age e opera a salvação é Cristo, por inter-médio do
ministro ordenado, a indignidade deste não impede Cristo de agir. Santo Agostinho diz isso
categoricamente:
O ministro orgulhoso deve ser colocado junto com o diabo, mas nem por isso é
contaminado o dom de Cristo, que, por esse ministro, continua a fluir em sua pureza e, por meio
dele, chega límpido e cai em terra fértil... Na verdade, a virtude espiritual do sacramento se
assemelha à luz: os que devem ser iluminados a receber em sua pureza, pois, mesmo que tenha
de atravessar seres manchados, ela não se contamina.
A GRAÇA DO ESPÍRITO SANTO
1585 A graça do Espírito Santo própria deste sacramento e graça da configuração a
Cristo Sacerdote, Mestre e Pastor, do qual o homem ordenado é constituído ministro.
1586 No caso do Bispo, trata-se de uma graça de força (“O Espírito que constitui chefes”:
Oração de consagração do Bispo do rito latino): a graça de guiar e de defender com força e
prudência sua Igreja como pai e pastor, com um amor gratuito por todos e uma predileção pelos
pobres, doentes e necessitados. Esta graça o impele a anunciar o Evangelho a todos, a ser o
modelo de seu rebanho, a precedê-lo no caminhada santificação, identificando-se na Eucaristia
com Cristo sacerdote e vítima, sem medo de entregar a vida por suas ovelhas: Pai, que
conheceis os corações, concedei a vosso servo que escolhestes para o episcopado apascentar
vosso santo rebanho e exercer irrepreensivelmente diante de vós o sumo sacerdócio, servindovos
noite e dia; que ele tome incessantemente propício vosso olhar e ofereça os dons de vossa
santa Igreja; que, em virtude do espírito do sumo sacerdócio, tenha o poder de perdoar os
pecados segundo o vosso mandamento, distribua os cargos conforme vossa ordem e se desligue
de todo vinculo em virtude do poder que destes aos apóstolos; que ele vos seja agradável por
sua doçura e seu coração puro, oferecendo-vos um perfume agradável, por intermédio de vosso
Filho, Jesus Cristo...
1587 O dom espiritual conferido pela ordenação presbiteral se expressa por esta oração
própria do rito bizantino. O bispo, impondo a mão, diz entre outras coisas: Senhor, dignai-vos
cumular do dom do Espírito Santo aquele que vos dignastes elevar ao grau do sacerdócio, a fim
de que seja digno de manter-se irrepreensível diante de vosso altar, anunciar o Evangelho de
vosso Reino, cumprir o ministério de vossa palavra de verdade, oferecer dons e sacrifícios
espirituais, renovar vosso povo pelo banho da regeneração, de forma que ele próprio se
encaminhe para o grande Deus e Salvador Jesus Cristo, vosso Filho único, no dia de sua segunda
vinda, e que receba de vossa imensa bondade a recompensa de uma fiel administração de sua
ordem.
1588 Quanto aos diáconos, “a graça sacramental lhes concede a força necessária
para servir ao povo de Deus na 'diaconia' da liturgia, da palavra e da caridade, em comunhão
com o Bispo e seu presbitério”.
1589 Diante da grandeza da graça e da missão sacerdotais, os santos doutores sentiram
o urgente apelo à conversão, a fim de corresponder através de toda a sua vida Aquele de
quem são constituídos ministros pelo sacramento. Neste sentido, São Gregório Nazianzeno, ainda
jovem sacerdote, não pôde deixar de exclamar:
É preciso começar a purificar-se antes de purificar os outros, é preciso ser instruído para
poder instruir, é preciso tomar-se luz para iluminar, aproximar-se de Deus para aproximar dele os
outros, ser santificado para santificar, conduzir pela mão e aconselhar com perspicácia. Sei muito
bem de quem somos ministros, em que nível nos encontramos e quem é aquele para o nos
dirigimos. Conheço a sublimidade de Deus e a fraqueza homem, mas também sua força. [Quem
é, pois, o sacerdote ?] É o defensor da verdade, eleva-se com os anjos, glorifica os com arcanjos,
leva ao altar celeste as vítimas do sacrifício, partilha do sacerdócio de Cristo, remodela a
criatura, restabelecendo (nela) a imagem (de Deus), recria-a para o mundo do alto e, para dizer
o que há de mais sublime, é divinizado e diviniza.
E o Santo Cura d’Ars: “ É o sacerdote que continua a obra de redenção na terra”... “Se
soubéssemos o que é o sacerdote terra, morreríamos não de espanto, mas de amor”... “O
sacerdócio é o amor do coração de Jesus”.
RESUMINDO
1590 São Paulo disse a seu discípulo Timóteo: “Eu te exorto a reavivar o dom de Deus
que há em ti pela imposição de minhas mão, (2Tm 1,6), e “se alguém aspira ao episcopado, boa
obra deseja” (1 Tm 3,1). A Tito dizia ele: “Eu te deixei em Creta para cuidares da organização e
ao mesmo tempo para que constituas presbíteros em cada cidade, cada qual devendo ser
como te prescrevi” (Tt 1,5).
1591 Toda a Igreja é um povo sacerdotal. Graças ao Batismo, todos os fiéis participam do
sacerdócio de Cristo. Esta participação se chama “sacerdócio comum dos fiéis”. Baseado nele e
a seu serviço existe outra participação na missão de Cristo, a do ministério conferido pelo
sacramento da Ordem, cuja tarefa é servir em nome e na pessoa de Cristo Cabeça no meio da
comunidade.
1592 O sacerdócio ministerial difere essencialmente do sacerdócio comum dos fiéis
porque confere um poder sagrado para o serviço dos fiéis. Os ministros ordenados exercem seu
serviço com o povo de Deus por meio ensinamento (múnus docendi: “encargo de ensinar”), do
culto divino (múnus liturgicum: “encargo litúrgico”) e do governo pastoral (múnus regendi:
“encargo de governar”).
1593 Desde as origens, o ministério ordenado foi conferido e exercido em três graus: o
dos bispos, o dos presbíteros e o dos diáconos. Os ministérios conferidos pela ordenação são
insubstituíveis na estrutura orgânica da Igreja. Sem o bispo, os presbíteros e os diáconos, não só
pode falar de Igreja.
1594 O Bispo recebe a plenitude do sacramento da ordem que o insere no Colégio
episcopal e faz dele o chefe visível da Igreja particular que lhe é confiada. Os Bispos, como
sucessores dos apóstolos e membros do Colégio, participam da responsabilidade apostólica e da
missão de toda a Igreja, sob a autoridade do papa, sucessor de São Pedro.
1595 Os presbíteros estão unidos aos bispos na dignidade sacerdotal e ao mesmo tempo
dependem deles no exercício de suas junções pastorais; são chamados a ser atentos
cooperadores dos Bispos; formam em torno de seu Bispo o “presbitério”, que com ele é
responsável pela Igreja particular. Recebem do Bispo o encargo de uma comunidade paroquial
ou de uma junção eclesial determinada.
1596 Os diáconos são ministros ordenados para as tarefas de serviço da Igreja; não
recebem o sacerdócio ministerial, mas a ordenação lhes confere junções importantes no
ministério da Palavra, do culto divino, do governo pastoral e do serviço da caridade, tarefas que
devem cumprir sob a autoridade pastoral de seu Bispo.
1597 O sacramento da Ordem é conferido pela imposição das mãos, seguida de uma
solene oração consecratória que pede a Deus, para o ordenando, as graças do Espírito Santo,
necessárias para exercer seu ministério. A ordenação imprime um caráter sacramental indelével.
1598 A Igreja só confere o sacramento da ordem a homens (viris) batizados, cujas
aptidões para o exercício do ministério foram devidamente comprovadas. Cabe à autoridade
da Igreja a responsabilidade e o direito de chamar alguém para receber as Sagradas Ordens.
ARTIGO 7
O SACRAMENTO DO MATRIMÔNIO
1601 “A aliança matrimonial, pela qual o homem e a mulher constituem entre si uma
comunhão da vida toda, é ordenada por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à geração e
educação da prole, e foi elevada, entre os batizados, à dignidade de sacramento por Cristo
Senhor.”
I. O MATRIMÔNIO NO DESÍGNIO DE DEUS
1602 A sagrada Escritura abre-se com a criação do homem e da mulher à imagem e
semelhança de Deus se fecha-se com a visão das “núpcias do Cordeiro” (cf. Ap 19,7). De um
extremo a outro, a Escritura fala do casamento e de seu “mistério”, de sua instituição e do
sentido que lhe foi dado por Deus, de sua origem e de seu fim, de suas diversas realizações ao
longo de história da salvação, de suas dificuldades provenientes do pecado e de sua renovação
“no Senhor” (1Cor 7,39), na Nova Aliança de Cristo e da Igreja.
O MATRIMÔNIO NA ORDEM DA CRIAÇÃO
1603 “A íntima comunhão de vida e de amor conjugal que o Criador fundou e dotou
com suas leis [...] O próprio [...] Deus é o autor do matrimônio. “A vocação para o Matrimônio
está inscrita na própria natureza do homem e da mulher, conforme saíram da mão do Criador. O
casamento não é uma instituição simplesmente humana, apesar das inúmeras variações que
sofreu no curso dos séculos, nas diferentes culturas, estruturas sociais e atitudes espirituais. Essas
diversidades não devem fazer esquecer os traços comuns e permanentes. Ainda que a
dignidade desta instituição não transpareça em toda parte com a mesma clareza, existe,
contudo, em todas as culturas, um certo sentido da grandeza da união matrimonial. “A salvação
da pessoa e da sociedade humana está estreitamente ligada ao bem-estar da comunidade
conjugal e familiar.”
1604 Deus, que criou o homem por amor, também o chamou para o amor, vocação
fundamental e inata de todo ser humano. Pois o homem foi criado à imagem e semelhança de
Deus, que é Amor. Tendo-os Deus criado homem e mulher, seu amor mútuo se torna uma
imagem do amor absoluto e indefectível de Deus pelo homem. Esse amor é bom, muito bom,
aos olhos do Criador, que “é amor” (1Jo 4,8.16). E esse amor abençoado por Deus é destinado a
ser fecundo e a realizar-se na obra comum de preservação da criação: “Deus os abençoou e
lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a” (Gn 1,28).
1605 Que o homem e a mulher tenham sido criados um para o outro, a sagrada Escritura
o afirma: “Não é bom que O homem esteja só” (Gn 2,18). A mulher, “carne de sua carne”, é,
igual a ele, bem próxima dele, lhe foi dada por Deus como um “auxilio”, representando, assim,
“Deus, em quem está o nosso socorro”. “Por isso um homem deixa seu pai e sua mãe, se une à
sua mulher, e eles se tornam uma só carne” (Gn 2,24). Que isto significa uma unidade indefectível
de suas duas vidas, o próprio Senhor no-lo mostra lembrando qual foi, 'na origem”, o desígnio do
Criador (Cf Mt 19,4): “De modo que já não são dois, mas uma só carne” (Mt 19,6).
O CASAMENTO SOB O REGIME DO PECADO
1606 Todo homem sofre a experiência do mal, à sua volta e em si mesmo. Esta
experiência também se faz sentir nas relações entre o homem e a mulher. Sua união sempre foi
ameaçada pela discórdia, pelo espírito de dominação, pela infidelidade, pelo ciúme e por
conflitos que podem chegar ao ódio e à ruptura. Essa desordem pode manifestar-se de maneira
mais ou menos grave, e pode ser mais ou menos superada, segundo as culturas, as épocas, os
indivíduos. Tais dificuldades, no entanto parecem ter um caráter universal.
1607 Segundo a fé, essa desordem que dolorosamente constatamos não vem da
natureza do homem e da mulher, nem da natureza de suas relações, mas do pecado. Tendo
sido uma ruptura com Deus, o primeiro pecado tem, como primeira conseqüência a ruptura da
comunhão original do homem e da mulher. Sua relações começaram a ser deformadas por
acusações recíprocas sua atração mútua, dom do próprio Criador transforma-se relações de
dominação e de cobiça; a bela vocação do homem e da mulher para ser fecundos, multiplicarse
e sujeitar a terra é onerada pelas dores de parto e pelo suor do ganha-pão.
1608 Não obstante, a ordem da criação subsiste, apesar de gravemente perturbada. Para
curar as feridas do pecado, o homem e a mulher precisam da ajuda da graça que Deus, em sua
misericórdia infinita, jamais lhes recusou. Sem esta ajuda, homem e a mulher não podem chegar
a realizar a união de suas vidas para a qual foram criados “no princípio”.
O CASAMENTO SOB A PEDAGOGIA DA LEI
1609 Em sua misericórdia, Deus não abandonou o homem pecador. As penas que
acompanham o pecado, “as dores da gravidade de dar à luz (Cf Gn 3,16), o trabalho “com o
suor de teu rosto” (Gn 3,19) constituem também remédios que atenuam os prejuízos do pecado.
Após a queda, o casamento ajuda a vencer a centralização em si mesmo, o egoísmo, a busca
do próprio prazer, e a abrir-se ao outro, à ajuda mútua, ao dom de si.
1610 A consciência moral concernente à unidade e à indissolubilidade do Matrimônio
desenvolveu-se sob a pedagogia da lei antiga. A poligamia dos patriarcas e dos reis ainda não
fora explicitamente rejeitada. Entretanto, a lei dada a Moisés visava proteger a mulher contra o
arbítrio é a dominação pelo homem, apesar de também trazer, segundo a palavra do Senhor, os
traços da “dureza do coração” do homem, em razão da qual Moisés permitiu o repúdio da
mulher.
1611 Examinando a aliança de Deus com Israel sob a imagem de um amor conjugal
exclusivo e fiel, os profetas prepararam a consciência do povo eleito para uma compreensão
mais profunda da unicidade e indissolubilidade do Matrimônio. Os livros de Rute e de Tobias dão
testemunhos comoventes do elevado sentido do casamento, da fidelidade e da ternura dos
esposos. A Tradição sempre viu no Cântico dos Cânticos uma expressão única do amor humano,
visto que é reflexo do amor de Deus, amor “forte como a morte”, que “as águas da torrente
jamais poderão apagar” (Ct 8,6-7).
O CASAMENTO NO SENHOR
1612 A aliança nupcial entre Deus e seu povo Israel havia preparado a nova e eterna
aliança na qual o Filho de Deus, encarnando-se e entregando sua vida, uniu-se de certa maneira
com toda a humanidade salva por ele, preparando, assim, “as núpcias do Cordeiro (Cf Ap 19,7
e 9).
1613 No limiar de sua vida pública, Jesus opera seu primeiro sinal a pedido de sua Mãe por
ocasião de uma festa de casamento. A Igreja atribui grande importância à presença de Jesus
nas núpcias de Caná. Vê nela a confirmação de que o casamento é uma realidade boa e o
anúncio de que, daí em diante, ser ele um sinal eficaz da presença de Cristo.
1614 A Celebração do Mistério Cristão Os Sete Sacramentos da igreja. Em sua pregação,
Jesus ensinou sem equívoco o sentido o original da união do homem e da mulher, conforme quis
o Criador desde o começo. A permissão de repudiar a própria mulher, concedida por Moisés, era
uma concessão devida à dureza do coração; a união matrimonial do homem e da mulher é
indissolúvel, pois Deus mesmo a ratificou: “O que Deus uniu, o homem não deve separar” (Mt
19,6).
1615 É provável que esta insistência sem equívoco na indissolubilidade do vínculo
matrimonial deixasse as pessoas perplexas e aparecesse como uma exigência irrealizável.
Todavia, isso não quer dizer que Jesus tenha imposto um fardo impossível de carregar e pesado
demais para os ombros dos esposos, mais pesado que a Lei de Moisés. Como Jesus veio para
restabelecer ordem inicial da criação perturbada pelo pecado, ele mesmo dá a força e a graça
para viver o casamento na nova dimensão do Reino de Deus. E seguindo a Cristo, renunciando a
si mesmos e tomando cada um sua cruz que os esposos poderão “compreender” o sentido
original do casamento e vivê-lo com a ajuda de Cristo. Esta graça do Matrimônio cristão é um
fruto da Cruz de Cristo, fonte de toda vida cristã.
1616 É justamente isso que o apóstolo Paulo quer fazer entender quando diz: “E vós,
maridos, amai vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, a fim de
purificá-la” (Ef 5,25-26), acrescentando imediatamente: “Por isso de deixar o homem seu pai e
sua mãe e se ligar à sua mulher, e serão ambos uma só carne. E grande este mistério: refiro-me à
relação entre Cristo e sua Igreja” (Ef 5,31-32).
1617 Toda [§40] a vida cristã traz a marca do amor esponsal de Cristo e da Igreja. Já o
Batismo, entrada no Povo de Deus, é um mistério nupcial: é, por assim dizer, o banho das núpcias
que precede o banquete de núpcias, a Eucaristia. O Matrimônio cristão se torna, por sua vez,
sinal eficaz, sacramento da aliança de Cristo e da Igreja. O Matrimônio entre batizados é um
verdadeiro sacramento da nova aliança, pois significa e comunica a graça.
A VIRGINDADE POR CAUSA DO REINO
1618 Cristo é o centro de toda a vida cristã. O vínculo com Ele está em primeiro lugar, na
frente de todos os outros vínculos, familiares ou sociais. Desde o começo da Igreja, houve
homens e mulheres que renunciaram ao grande bem do Matrimônio para seguir o Cordeiro onde
quer que fosse, para ocupar-se com as coisas do Senhor, para procurar agradar-lhe, para ir ao
encontro do Esposo que vem. O próprio Cristo convidou alguns para segui-lo neste modo de
vida, cujo modelo continua sendo ele mesmo:
Há eunucos que nasceram assim do ventre materno. E há eunucos que foram feitos
eunucos pelos homens. E há eunucos que se fizeram eunucos por causa do Reino dos Céus.
Quem tiver capacidade para compreender compreenda! (Mt 19,12).
1619 A virgindade pelo Reino dos Céus é um desdobramento da graça batismal, um
poderoso sinal da preeminência do vínculo com Cristo, da ardente expectativa de seu regresso,
um sinal que também lembra que o Matrimônio é uma realidade da figura deste mundo que
passa.
1620 Ambos, o sacramento do Matrimônio e a virgindade pelo Reino de Deus, provêm
do próprio Senhor. É Ele que lhes dá sentido e concede a graça indispensável para vivê-los em
conformidade com sua vontade. A estima da virgindade por causa do Reino e o sentido cristão
do casamento são inseparáveis e se ajudam mutuamente:
Denegrir o Matrimônio é ao mesmo tempo minorar a glória da virgindade; elogiá-lo
é realçar a admiração que se deve à virgindade... Porque, afinal, o que não parece um bem
senão em comparação com um mal não pode ser verdadeiramente um bem, mas o que é
ainda melhor que bens incontestáveis é o bem por excelência.
II. A CELEBRAÇÃO DO MATRIMÔNIO
1621 No rito latino, a celebração do Matrimônio entre dois fiéis católicos normalmente
ocorre dentro da santa missa, em vista de vínculo de todos os sacramentos com o mistério pascal
de Cristo. Na Eucaristia se realiza o memorial da nova aliança, na qual Cristo se uniu para sempre
à Igreja, sua esposa bem-amada, pela qual se entregou. Portanto, é conveniente que os esposos
selem seu consentimento de entregar-se um ao outro pela oferenda de suas próprias vidas,
unindo-o à oferenda de Cristo por sua Igreja que se toma presente no Sacrifício Eucarístico, e
recebendo Eucaristia, a fim de que, comungando no mesmo Corpo e no mesmo Sangue de
Cristo, eles “formem um só corpo” nele.
1622 “Como gesto sacramental de santificação, a celebração litúrgica do Matrimônio ...
deve ser válida por si mesma, digna e frutuosa.” Convém, pois, que os futuros esposos se
disponham à celebração de seu casamento recebendo o sacramento da Penitência.
1623 Segundo a tradição latina, são os esposos que, como ministros da graça de Cristo, se
conferem mutuamente o sacramento do Matrimônio, expressando diante da Igreja seu
consentimento. Nas tradições das Igrejas Orientais, os sacerdotes, Bispos ou presbíteros, são
testemunhas do consentimento recíproco dos esposos, mas também é necessária a bênção
deles para a validade do sacramento.
1624 As diversas liturgias são ricas em orações de bênção e de epiclese para pedir a Deus
a graça e a bênção sobre o novo casal, especialmente sobre a esposa. Na epiclese deste
sacramento, os esposos recebem o Espírito Santo como comunhão de amor de Cristo e da Igreja
(Cf Ef 5,32). É Ele o selo de sua aliança, a fonte que incessantemente oferece seu amor, a força
em que se renovar a fidelidade dos esposos.
III. O CONSENTIMENTO MATRIMONIAL
1625 Os protagonistas da aliança matrimonial são um homem e uma mulher batizados,
livres para contrair o Matrimônio e que expressam livremente seu consentimento. “Ser livre” quer
dizer:
ü não sofrer constrangimento;
ü não ser impedido por uma lei natural ou eclesiástica.
1626 A Igreja considera a troca de consentimento entre os esposos como elemento
indispensável “que produz o matrimônio”. e faltar o consentimento, não há casamento.
1627 O consentimento consiste num “ato humano pelo qual os cônjuges se doam e se
recebem mutuamente”: “Eu te recebo por minha mulher” - “Eu te recebo por meu marido. Este
consentimento que liga os esposos entre si encontra seu cumprimento no fato de “os dois se
tomarem uma só carne”.
1628 O consentimento deve ser um ato da vontade de cada um dos contraentes, livre
de violência ou de medo grave externo. Nenhum poder humano pode suprir esse
consentimento. Se faltar esta liberdade, o casamento será inválido.
1629 Por esta razão (ou por outras razões que tornam nulo e inexistente o Matrimônio),
a Igreja pode, após exame da situação pelo tribunal eclesiástico competente, declarar “a
nulidade do casamento”, isto é, que o casamento jamais existiu. Neste caso, os contraentes
ficam livres para casar-se, respeitando as obrigações naturais provenientes de uma união
anterior.
1630 O sacerdote (ou o diácono) que assiste à celebração do Matrimônio acolhe o
consentimento dos esposos em nome da Igreja e dá a bênção da Igreja. A presença do ministro
da Igreja (e também das testemunhas) exprime visivelmente que o casamento é uma realidade
eclesial.
1631 É por esta razão que a Igreja normalmente exige de seus fiéis a forma eclesiástica
da celebração do casamento. Diversas razões concorrem para explicar esta determinação:
ü casamento-sacramento é um ato litúrgico. Por isso, convém que seja celebrado na
liturgia pública da Igreja.
ü Matrimônio foi introduzido num ordo eclesial, cria direitos e deveres na Igreja, entre os
esposos e relativos à prole.
ü Sendo o Matrimônio um estado de vida na Igreja, é necessário que haja certeza a seu
respeito (daí a obrigação de haver testemunhas).
ü caráter público do consentimento protege o mútuo “Sim” que um dia foi dado e
ajuda a permanecer-lhe fiel.
1632 Para que o “sim” dos esposos seja um ato livre e responsável e para que a aliança
matrimonial tenha bases humanas e cristãs sólidas e duráveis, a preparação para o casamento é
de primeira importância:
O exemplo e o ensinamento dos pais e da família continuam sendo o caminho
privilegiado desta preparação.
O papel dos pastores e da comunidade cristã como “família de Deus” é indispensável
para a transmissão dos valores humanos e cristãos do Matrimônio e da família, e mais ainda
porque em nossa época muitos jovens conhecem a experiência dos lares desfeitos que não
garantem mais suficientemente esta iniciação (feita dentro da família):
Os jovens devem ser instruídos convenientemente e a tempo sobre a dignidade, a função
e o exercício do amor conjugal, a fim de que, preparados no cultivo da castidade, possam
passar, na idade própria, do noivado honesto para as núpcias.
OS CASAMENTOS MISTOS E A DISPARIDADE DE CULTO
1633 Em muitos países, a situação do casamento misto (entre católico e batizado nãocatólico)
se apresenta com muita freqüência. Isso exige uma atenção particular dos cônjuges e
dos pastores. O caso dos casamentos com disparidade de culto (entre católico e não-batizado)
exige uma circunspecção maior ainda.
1634 A diferença de confissão entre os cônjuges não constitui obstáculos insuperável para
o casamento, desde que consigam pôr em comum o que cada um deles recebeu em sua
comunidade e aprender um do outro o modo de viver sua fidelidade a Cristo. Mas nem por isso
devem ser subestimadas as dificuldades dos casamentos mistos. Elas se devem ao fato de que a
separação dos cristãos é uma questão ainda não resolvida. Os esposos correm o risco de sentir o
drama da desunião dos cristãos no seio do próprio lar. A disparidade de culto pode agravar
ainda mais essas dificuldades. As divergências concernentes à fé, à própria concepção do
casamento, como também mentalidades religiosas diferentes, podem constituir uma fonte de
tensões no casamento, principalmente no que tange à educação dos filhos. Uma tentação
pode então apresentar-se: a indiferença religiosa.
1635 Conforme o direito em vigor na Igreja Latina, um casamento misto exige, para sua
liceidade, a permissão expressa da autoridade eclesiástica. Em caso de disparidade de culto,
requer-se uma dispensa expressa do impedimento para a validade do casamento. Esta
permissão ou esta dispensa supõem que as duas partes conheçam e não excluam os fins e as
propriedades essenciais do casamento, e também que a parte católica confirme o empenho,
com o conhecimento também da parte não-católica, de conservar a própria fé e assegurar o
batismo e a educação dos filhos na Igreja católica.
1636 Em muitas regiões, graças ao diálogo ecumênico, as comunidades cristãs envolvidas
conseguiram criar uma pastoral comum para os casamentos mistos. Sua tarefa é ajudar esses
casais a viver sua situação particular à luz da fé. Deve também ajudá-los a superar as tensões
entre as obrigações que um tem para com o outro e suas obrigações para com suas
comunidades eclesiais, além de incentivar o desabrochar daquilo que lhes é comum na fé e o
respeito por tudo que os separa.
1637 Nos casamentos com disparidade de culto, o cônjuge católico tem uma missão
particular: “Pois o marido não-cristão é santificado pela esposa, e a esposa não-cristã é
santificada pelo marido cristão” (1Cor 7,14). Ser uma grande alegria para o cônjuge cristão e
para a Igreja se esta “santificação” levar o cônjuge à livre conversão à fé cristã. O amor conjugal
sincero, a humilde e paciente prática das Virtudes familiares e a oração perseverante podem
preparar o cônjuge não-cristão a acolher a graça da conversão.
IV. OS EFEITOS DO SACRAMENTO DO MATRIMÔNIO
1638 “Do Matrimônio válido origina-se entre os cônjuges um vínculo que, por sua natureza,
é perpétuo e exclusivo; além disso, no Matrimônio cristão, os cônjuges são robustecidos e como
que consagrados por um sacramento especial aos deveres e à dignidade de seu estado.”
O VÍNCULO MATRIMONIAL
1639 O consentimento pelo qual os esposos se entregam e se acolhem mutuamente é
selado pelo próprio Deus. De sua aliança “se origina também diante da sociedade uma
instituição firmada por uma ordenação divina”. A aliança dos esposos é integrada na aliança de
Deus com os homens: “O autêntico amor conjugal é assumido no amor divino”.
1640 O vínculo matrimonial é, pois, estabelecido pelo próprio, Deus, de modo que o
casamento realizado e consumado entre batizados jamais pode ser dissolvido. Este vínculo que
resultado ato humano livre dos esposos e da consumação do casamento é uma realidade
irrevogável e dá origem a uma aliança garantida pela fidelidade de Deus. Não cabe ao poder
da Igreja pronunciar-se contra esta disposição da sabedoria divina.
A GRAÇA DO SACRAMENTO DO MATRIMÔNIO
1641 “Em seu estado de vida e função, (os esposos cristãos) têm um dom especial dentro
do povo de Deus.” Esta graça própria do sacramento do Matrimônio se destina a aperfeiçoar o
amor dos cônjuges, a fortificar sua unidade indissolúvel. Por esta graça “eles se ajudam
mutuamente a santificar-se na vida conjugal, como também na aceitação e educação dos
filhos”.
1642 Cristo é a fonte desta graça. “Como outrora Deus tomou a iniciativa do pacto de
amor e fidelidade com seu povo, assim agora o Salvador dos homens, Esposo da Igreja, vem ao
encontro dos cônjuges cristãos pelo sacramento do Matrimônio.” Permanece com eles,
concede-lhes a força de segui-lo levando sua cruz e de levantar-se depois da queda, perdoar-se
mutuamente, carregar o fardo uns dos outros, “submeter-se uns aos outros no temor de Cristo” (Ef
5,21) e amar-se com um amor sobrenatural, delicado e fecundo. Nas alegrias de seu amor e de
sua vida familiar, Ele lhes dá, aqui na terra, um antegozo do festim de núpcias do Cordeiro.
Onde poderei haurir a força para descrever satisfatoriamente a felicidade do Matrimônio
administrado pela Igreja, confirmado pela doação mútua, selado pela bênção? Os anjos o
proclamam, o Pai celeste o ratifica... O casal ideal não é o de dois cristãos unidos por uma única
esperança, um único desejo, uma única disciplina, o mesmo serviço? Ambos filhos de um mesmo
Pai, servos de um mesmo Senhor. Nada pode separá-los, nem no espírito nem na carne; ao
contrário, eles são verdadeiramente dois numa só carne. Onde a carne é uma só, um também é
o espírito.
V. OS BENS E AS EXIGÊNCIAS DO AMOR CONJUGAL
1643 “O amor conjugal comporta uma totalidade na qual entram todos os componentes
da pessoa apelo do corpo e do instinto, força do sentimento e da afetividade, aspiração do
espírito e da vontade; O amor conjugal dirige-se a uma unidade profundamente pessoal, aquela
que, para além da união numa só carne, não conduz senão a um só coração e a uma só alma;
ele exige a indissolubilidade e a fidelidade da doação recíproca definitiva e abre-se à
fecundidade. Numa palavra, trata-se das características normais de todo amor conjugal natural,
mas com um significado novo que não só as purifica e as consolida, mas eleva-as, a ponto de
torná-las a expressão dos valores propriamente cristãos.”
A UNIDADE E A INDISSOLUBILIDADE DO MATRIMÔNIO
1644 O amor dos esposos exige, por sua própria natureza, a unidade e a indissolubilidade
da comunidade de pessoas que engloba toda a sua vida: “De modo que já não são dois, mas
uma só carne” (Mt 19,6). “Eles são chamados a crescer continuamente nesta comunhão por
meio da fidelidade cotidiana à promessa matrimonial do dom total recíproco.” Esta comunhão
humana é confirmada, purificada e aperfeiçoada pela comunhão em Jesus Cristo, concedida
pelo sacramento do Matrimônio . E aprofundada pela vida da fé comum e pela Eucaristia
recebida pelos dois.
1645 “A unidade do Matrimônio é também claramente confirmada pelo Senhor mediante
a igual dignidade do homem e da mulher como pessoas, a qual deve ser reconhecida no amor
mútuo e perfeito.” A poligamia é contrária a essa igual dignidade e ao amor conjugal, que é
único e exclusivo.
A FIDELIDADE DO AMOR CONJUGAL
1646 O amor conjugal exige dos esposos, por sua própria natureza, uma fidelidade
inviolável. Isso é a conseqüência do dom de si mesmos que os esposos fazem um ao outro. O
amor quer ser definitivo. Não pode ser “até nova ordem”. “Esta união íntima, doação recíproca
de duas pessoas e o bem dos filhos exigem perfeita fidelidade dos cônjuges e sua indissolúvel
unidade.”
1647 O motivo mais profundo se encontra na fidelidade de Deus à sua aliança, de Cristo à
sua Igreja. Pelo sacramento do Matrimônio, os esposos se habilitam a representar esta fidelidade
e a testemunhá-la. Pelo sacramento, a indissolubilidade de casamento recebe um novo e mais
profundo sentido.
1648 Pode parecer difícil e até impossível ligar-se por toda a vida a um ser humano. Por isso
é de suma importância anunciar a Boa Nova de que Deus nos ama com um amor definitivo e
irrevogável, que os esposos participam deste amor, que Ele os apóia e mantém e que, por meio
de sua fidelidade, podem ser testemunhas do amor fiel de Deus. Os esposos que, com a graça
de Deus, dão esse testemunho, não raro em condições bem difíceis, merecem a gratidão e o
apoio da comunidade eclesial.
1649 Mas existem situações em que a coabitação matrimonial se torna praticamente
impossível pelas mais diversas razões. Nestes casos, a Igreja admite a separação física dos
esposos e o fim da coabitação. Os esposos não deixam de ser marido e mulher diante de Deus;
não são livres para contrair uma nova união. Nesta difícil situação, a melhor solução seria, se
possível, a reconciliação. A comunidade cristã é chamada a ajudar essas pessoas a viverem
cristãmente sua situação, na fidelidade ao vínculo de seu casamento, que continua indissolúvel.
1650 São numerosos hoje, em muitos países, os católicos que recorrem ao divórcio
segundo as leis civis e que contraem civicamente uma nova união. A Igreja, por fidelidade à
palavra de Jesus Cristo (“Todo aquele que repudiar sua mulher e desposar outra comete
adultério contra a primeira; e se essa repudiar seu marido e desposar outro comete adultério”:
Mc 10,11-12), afirma que não pode reconhecer como válida uma nova união, se o primeiro
casamento foi válido. Se os divorciados tornam a casar-se no civil, ficam numa situação que
contraria objetivamente a lei de Deus. Portanto, não podem ter acesso à comunhão eucarística
enquanto perdurar esta situação. Pela mesma razão não podem exercer certas
responsabilidades eclesiais. A reconciliação pelo sacramento da Penitência só pode ser
concedida aos que se mostram arrependidos por haver violado o sinal da aliança e da
fidelidade a Cristo e se comprometem a viver numa continência completa.
1651 A respeito dos cristãos que vivem nesta situação e geralmente conservam a fé e
desejam educar cristãmente seus filhos, os sacerdotes e toda a comunidade devem dar prova
de uma solicitude atenta, a fim de não se considerarem separados da Igreja, pois, como
batizados, podem e devem participar da vida da Igreja:
Sejam exortados a ouvir a Palavra de Deus, a freqüentar o sacrifício da missa, a perseverar
na oração, a dar sua contribuição às obras de caridade e às iniciativas da comunidade em
favor da justiça, a educar os filhos na fé cristã, a cultivar o espírito e as obras de penitência para
assim implorar, dia a dia, a graça de Deus.
A ABERTURA · FECUNDIDADE
1652 O instituto do Matrimônio e o amor dos esposos estão, por sua índole natural,
ordenados à procriação e à educação dos filhos, e por causa dessas coisas (a procriação e a
educação dos filhos), (o instituto do Matrimônio e o amor dos esposos) são como que coroados
de maior glória.
Os filhos são o dom mais excelente do Matrimônio e contribuem grandemente para o bem
dos próprios pais. Deus mesmo disse: “Não convém ao homem ficar sozinho” (Gn 2,18), e “criou
de início o homem como varão e mulher” (Mt 19,4); querendo conferir ao homem participação
especial em sua obra criadora, abençoou o varão e a mulher dizendo: “Crescei e multiplicai-vos”
(Gn 1,28). Donde se segue que o cultivo do verdadeiro amor conjugal e toda a estrutura da vida
familiar que daí promana, sem desprezar os outros fins do Matrimônio, tendem a dispor os
cônjuges a cooperar corajosamente como amor do Criador e do Salvador que, por intermédio
dos esposos, quer incessantemente aumentar e enriquecer sua família.
1653 A fecundidade do amor conjugal se estende aos frutos vida moral, espiritual e
sobrenatural que os pais transmitem seus filhos pela educação. Os pais são os principais e
primeiros educadores de seus filhos. Neste sentido, a tarefa fundamental do Matrimônio e da
família é estar a serviço da vida.
1654 Os esposos a quem Deus não concedeu ter filhos podem, no entanto, ter uma vida
conjugal cheia de sentido, humana e cristãmente. Seu Matrimônio pode irradiar uma
fecundidade de caridade, acolhimento e sacrifício.
VI. A IGREJA DOMÉSTICA
1655 Cristo quis nascer e crescer no seio da Sagrada Família José e Maria. A Igreja não
é outra coisa senão a “família de Deus”. Desde suas origens, o núcleo da Igreja era em geral
constituído por aqueles que, “com toda a sua casa”, se tomavam cristãos. Quando eles se
convertiam, desejavam também que “toda a sua casa” fosse salva. Essas famílias que se
tomavam cristãs eram redutos de vida cristã num mundo incrédulo.
1656 Em nossos dias, num mundo que se tornou estranho e até hóstia à fé, as famílias
cristãs são de importância primordial, como lares de fé viva e irradiante. Por isso, o Concílio
Vaticano II chama a família, usando uma antiga expressão, de “Ecclesia domestica”. E no seio
da família que os pais são “para os filhos, pela palavra e pelo exemplo... os primeiros mestres da
fé. E favoreçam a vocação própria a cada qual, especialmente a vocação sagrada”.
1657 E na família que se exerce de modo privilegiado o sacerdócio batismal do pai de
família, da mãe, dos filhos, de todos os membros da família, “na recepção dos sacramentos, na
oração e ação de graças, no testemunho de uma vida santa, na abnegação e na caridade
ativa”. O lar é, assim, a primeira escola de vida cristã e “uma escola de enriquecimento
humano”. E aí que se aprende a resistência à fadiga e a alegria do trabalho, o amor fraterno, o
perdão generoso e mesmo reiterado e, sobretudo, o culto divino pela oração e oferenda de sua
vida.
1658 Não podemos esquecer também certas pessoas que, por causa das condições
concretas em que precisam viver – muitas vezes contra a sua vontade -, estão particularmente
próximas do coração de Jesus e merecem uma atenciosa afeição e solicitude da Igreja e
principalmente dos pastores: o grande número de pessoas celibatárias. Muitas dessas pessoas
ficam sem família humana, muitas vezes por causa das condições de pobreza. Há entre elas
algumas que vivem essa situação no espírito das bem-aventuranças, servindo a Deus e ao
próximo de modo exemplar. A todas elas é preciso abrir as portas dos lares, “Igrejas domésticas”,
e da grande família que é a Igreja. “Ninguém está privado da família neste mundo: a Igreja é
casa e família para todos, especialmente para quantos 'estão cansados e oprimidos.”
RESUMINDO
1659 São Paulo diz: “Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a igreja... E
grande este mistério: refiro-me à relação entre Cristo e sua Igreja” (Ef 5,25.32).
1660 O pacto matrimonial, pelo qual um homem e uma mulher constituem entre si uma
íntima comunidade de vida e de amor, foi fundado e dotado de suas leis próprias pelo Criador. -
uma natureza, é ordenado ao bem dos cônjuges, como também à geração e educação dos
filhos. Entre os batizados, foi elevado, por Cristo Senhor, à dignidade de sacramento.
1661 O sacramento do Matrimônio significa a união de Cristo com igreja. Concede aos
esposos a graça de amarem-se com o mesmo amor com que Cristo amou sua Igreja; a graça do
sacramento leva à perfeição o amor humano dos esposos, consolida unidade indissolúvel e os
santifica no caminho da vida eterna.
1662 O Matrimônio se baseia no consentimento dos contraentes, isto é, na vontade de
doar-se mútua e definitivamente para viver uma aliança de amor fiel e fecundo.
1663 Como o Matrimônio estabelece os cônjuges num estado público de vida na Igreja,
convém que sua celebração seja pública no quadro de uma celebração litúrgica diante do
sacerdote (ou de testemunha qualificada da Igreja), das testemunhas e da assembléia dos fiéis.
1664 A unidade, a indissolubilidade e a abertura à fecundidade essenciais ao Matrimônio.
A poligamia é incompatível com unidade do matrimônio; o divórcio separa o que Deus uniu; a
recusa da fecundidade desvia a vida conjugal de seu mais excelente”: a prole.
1665 O novo casamento dos divorciados ainda em vida do legítimo cônjuge contraria o
desígnio e a lei de Deus que Cristo ensinou. Eles não estão separados da Igreja, mas não têm
acesso à comunhão eucarística. Levarão vida cristã principalmente educando seus filhos na fé.
1666 O lar cristão é o lugar em que os filhos recebem o primeiro anúncio da fé. Por isso, o
lar é chamado, com toda razão, de “Igreja doméstica”, comunidade de graça e de oração,
escola das virtudes humanas e da caridade cristã.
CAPÍTULO IV
AS OUTRAS CELEBRAÇÕES LITÚRGICAS
ARTIGO I - OS SACRAMENTAIS
1667 “A santa mãe Igreja instituiu os sacramentais, que são sinais sagrados pelos quais, à
imitação dos sacramentos, são significados efeitos principalmente espirituais, obtidos pela
impetração da Igreja. Pelos sacramentais os homens se dispõem a receber o efeito principal dos
sacramentos e são santificadas as diversas circunstâncias da vida.”
OS TRAÇOS CARACTERÍSTICOS DOS SACRAMENTAIS
1668 São instituídos pela Igreja em vista da santificação de certos ministérios seus, de
certos estados de vida, de circunstâncias muito variadas da vida cristã, bem como do uso das
coisas úteis ao homem. Segundo as decisões pastorais dos bispos, podem também responder às
necessidades, à cultura e à história próprias do povo cristão de uma região ou época.
Compreendem sempre uma oração, acompanhada de determinado sinal, como a imposição
da mão, o sinal-da-cruz ou a aspersão com água benta (que lembra o Batismo).
1669 Dependem do sacerdócio batismal: todo batizado é chamado a ser uma “bênção
” e a abençoar. Eis por que os leigos podem presidir certas bênçãos; quanto mais uma bênção
se referir à vida eclesial e sacramental, tanto mais sua presidência ser reservada ao ministério
ordenado (bispo presbíteros - “padres” - ou diáconos
1670 Os sacramentais não conferem a graça do Espírito Santo à maneira dos
sacramentos, mas, pela oração da Igreja preparam para receber a graça e dispõem à
cooperação com ela. “Para os fiéis bem-dispostos, quase todo acontecimento vida é santificado
pela graça divina que flui do mistério pascal da paixão, morte e ressurreição de Cristo, do qual
todos os sacramentos e sacramentais adquirem sua eficácia. E quase não há uso honesto de
coisas materiais que não possa ser dirigido à finalidade de santificar o homem e louvar a Deus.
AS DIVERSAS FORMAS DE SACRAMENTAIS
1671 Entre os sacramentais, figuram em primeiro lugar as bênção (de pessoas, da mesa,
de objetos e lugares). Toda bênção é louvor Deus e pedido para obter seus dons. Em Cristo, os
cristãos abençoados por Deus, o Pai “de toda a sorte de bênçãos espirituais” (Ef 1,3). E por isso
que a Igreja dá a bênção invocando o nome de Jesus e fazendo habitualmente o sinal sagrado
da cruz de Cristo.
1672 Certas bênçãos têm um alcance duradouro: têm por efeito consagrar pessoas a
Deus e reservar para o uso litúrgico objetos e lugares. Entre as destinadas a pessoas não
confundi-las com a ordenação sacramental - figuram a bênção do abade ou da abadessa de
um mosteiro, a consagração das virgens e das viúvas, o rito da profissão religiosa e as bênçãos
para certos ministérios da Igreja (leitores, acólitos, catequistas etc.). Como exemplos daquelas
que se referem a objetos podemos citar a dedicação ou a bênção de uma igreja ou altar, a
bênção dos santos óleos, de vasos e vestes sacras, de sinos etc.
1673 Quando a Igreja exige publicamente e com autoridade, em nome de Jesus Cristo,
que uma pessoa ou objeto seja protegido contra a influência do maligno e subtraído a seu
domínio, fala-se de exorcismo. Jesus o praticou, é dele que a Igreja recebeu o poder e o
encargo de exorcizar. Sob uma forma simples, o exorcismo é praticado durante a celebração do
Batismo. O exorcismo solene, chamado “grande exorcismo”, só pode ser praticado por um
sacerdote, com a permissão do bispo. Nele é necessário proceder com prudência, observando
estritamente as regras estabelecidas pela Igreja. O exorcismo visa expulsar os demônios ou livrar
da influência demoníaca, e isto pela autoridade espiritual que Jesus confiou à sua Igreja. Bem
diferente é o caso de doenças, sobretudo psíquicas, cujo tratamento depende da ciência
médica. É importante, pois, verificar antes de celebrar o exorcismo se se trata de uma presença
do maligno ou de uma doença.
A RELIGIOSIDADE POPULAR
1674 Além da liturgia sacramental e dos sacramentais, a catequese tem de levar em
conta as formas da piedade dos fiéis e da religiosidade popular. O senso religioso do povo cristão
encontrou, em todas as épocas, sua expressão em formas diversas de piedade que circundam a
vida sacramental da Igreja, como a veneração de relíquias, visitas a santuários, peregrinações,
procissões, via-sacra, danças religiosas, o rosário, as medalhas etc.
1675 Estas expressões prolongam a vida litúrgica da Igreja, mas não a substituem:
“Considerando os tempos litúrgicos, estes exercícios devem ser organizados de tal maneira que
condigam com a sagrada liturgia, dela de alguma forma derivem, para ela encaminhem o
povo, pois que ela, por sua natureza, em muito os supera”.
1676 Há necessidade de um discernimento pastoral para sustentar e apoiar a religiosidade
popular e, se for o caso, para purificar e retificar o sentido religioso que embasa essas devoções
e para fazê-las progredir no conhecimento do mistério de Cristo (cf. CT 54). Sua prática está
sujeita ao cuidado e julgamento dos bispos e às normas gerais da Igreja.
A religiosidade do povo, em seu núcleo, é um acervo de valores que responde com
sabedoria cristã às grandes incógnitas da existência. A sabedoria popular católica tem uma
capacidade de síntese vital; engloba criativamente o divino e o humano, Cristo é Maria, espírito
e corpo, comunhão e instituição, pessoa e comunidade, fé e pátria, inteligência e afeto. Esta
sabedoria é um humanismo cristão que afirma radicalmente a dignidade de toda pessoa como
filho de Deus, estabelece uma fraternidade fundamental, ensina a encontrar a natureza e a
compreender o trabalho e proporciona as razões para a alegria e o humor, mesmo em meio a
uma vida muito dura. Essa sabedoria é também para o povo um princípio de discernimento, um
instinto evangélico pelo qual capta espontaneamente quando se serve na Igreja ao Evangelho
e quando ele é esvaziado e asfixiado com outros interesses.
RESUMINDO
1677 Chamamos de sacramentais os sinais sagrados instituídos pela Igreja, cujo objetivo é
preparar os homens para receber o fruto dos sacramentos e santificar as diferentes
circunstâncias da vida.
1678 Entre os sacramentais, ocupam lugar destacado as bênçãos. Compreendem ao
mesmo tempo o louvor a Deus por suas obras e seus dons e a intercessão da Igreja, a fim de que
os homens possam fazer uso dos dons de Deus segundo o espírito do Evangelho.
1679 Além da liturgia, a vida cristã se nutre de formas variadas da piedade popular,
enraizadas em suas diferentes culturas. Velando para esclarecê-las à luz da fé, a Igreja favorece
as formas de religiosidade popular que exprimem um instinto evangélico uma sabedoria humana
e que enriquecem a vida cristã.
ARTIGO 2
OS FUNERAIS CRISTÃOS
1680 Todos os sacramentos, principalmente os da iniciação cristã, têm por finalidade a
última Páscoa do Filho de Deus, aquela que, pela morte, o fez entrar na vida do Reino. Agora se
realiza o que o cristão confessa na fé e na esperança: “Espero a ressurreição dos mortos e a vida
do mundo que há de vir.
I. A ÚLTIMA PÁSCOA DO CRISTÃO
1681 O sentido cristão da morte é revelado à luz do mistério pascal da Morte e
Ressurreição de Cristo, em que repousa nossa única esperança. O cristão que morre em Cristo
Jesus “deixa este corpo para ir morar junto do Senhor”.
1682 O dia da morte inaugura para o cristão, ao final de sua vida sacramental, a
consumação de seu novo nascimento iniciado no Batismo, a “semelhança” definitiva à “imagem
do Filho”, conferida pela unção do Espírito Santo, e a participação na festa do Reino,
antecipada na Eucaristia, mesmo necessitando de últimas purificações para vestir a roupa
nupcial.
1683 A Igreja que, como mãe, trouxe sacramentalmente em seu seio o cristão durante
sua peregrinação terrena, acompanha-o, ao final de sua caminhada, para entregá-lo “ás mãos
do Pai”. Ela oferece ao Pai, em Cristo, o filho de sua graça e deposita na terra, na esperança, o
germe do corpo que ressuscitar na glória. Esta oferenda é plenamente celebrada pelo Sacrifício
Eucarístico. As bênçãos que a precedem e a seguem são sacramentais.
II. A CELEBRAÇÃO DOS FUNERAIS
1684 Os funerais cristãos são uma celebração litúrgica da Igreja. O ministério da Igreja tem
em vista aqui tanto exprimir a comunhão eficaz com o defunto como fazer a comunidade
reunida participar das exéquias e lhe anunciar a vida eterna.
1685 Os diferentes ritos dos funerais exprimem O caráter pascal da morte cristã e
respondem às situações e tradições de cada região, mesmo com relação à cor litúrgica.
1686 O Ordo exsequiarum (rito das exéquias) (OEx) da liturgia romana propõe três tipos
de celebração dos funerais, correspondendo aos três lugares onde acontece (a casa, a igreja, o
cemitério) e segundo a importância que a ele atribuem a família, os costumes locais, a cultura e
a piedade popular. Este esquema é, aliás, comum a todas as tradições litúrgicas e compreende
quatro momentos principais:
1687 O acolhimento da comunidade. Uma saudação de fé abre a celebração. Os
familiares do defunto são acolhidos com uma palavra de consolação” (no sentido do Novo
Testamento: a força do Espírito Santo na esperança). A comunidade orante que se reúne escuta
também “as palavras de vida eterna”. A morte de um membro da comunidade (ou o dia de
aniversário, o sétimo ou o trigésimo dia) é um acontecimento que deve fazer ultrapassar as
perspectivas “deste mundo” e levar os fiéis às verdadeiras perspectivas da fé em Cristo
ressuscitado.
1688 A Liturgia da Palavra, por ocasião dos funerais, exige um preparação bem
atenciosa, pois a assembléia presente ao ato podem englobar fiéis pouco assíduos à liturgia e
também amigos do falecido que não sejam cristãos. A homilia em especial deve “evitar gênero
literário de elogio fúnebre” e iluminar o mistério da morte cristã com a luz de Cristo Ressuscitado.
1689 O Sacrifício Eucarístico. Se a celebração se realizar na igreja, Eucaristia é o coração
da realidade pascal da morte cristã. É então que a Igreja exprime sua comunhão eficaz com o
defunto: oferecendo ao Pai, no Espírito Santo, o sacrifício da morte e ressurreição de Cristo, ela
lhe pede que seu filho seja purificado de seus pecados e de suas c seqüências e que seja
admitido à plenitude pascal da mesa do Reino. É pela Eucaristia assim celebrada que a
comunidade dos fiéis, especialmente a família do defunto, aprende a viver em comunhão com
aquele que dormiu no Senhor”, comungando do Corpo de Cristo, do qual é membro vivo, e
rezando a seguir por ele e com ele.
1690 O adeus (“a Deus”) ao defunto é sua “encomendação a Deus” pela Igreja. Este é
o “último adeus pelo qual a comunidade cristã saúda um de seus membros antes que o corpo
dele seja levado à sepultura”; tradição bizantina o exprime pelo beijo de adeus ao falecido:
Com esta saudação final “canta-se por causa de sua partida desta vida e por causa de
sua separação, mas também porque há uma comunhão e uma reunião. Com efeito, ainda que
mortos, não estamos separados uns dos outros, pois todos percorremos o mesmo caminho e nos
reencontraremos no mesmo lugar. Jamais estaremos separados, pois vivemos por Cristo, e agora
estamos unidos a Cristo, indo em sua direção... estaremos todos reunidos em Cristo”.
TERCEIRA PARTE - A VIDA EM CRISTO
INTRODUÇÃO
1691 "Cristão, reconhece a tua dignidade. Por participares agora da natureza divina, não
te degeneres, retornando à decadência de tua vida passada. Lembra-te da Cabeça a que
pertences e do Corpo de que és membro. Lembra-te de que foste arrancado do poder das
trevas e transferido para a luz e o Reino de Deus."'
1692 O Símbolo da fé professou a grandeza dos dons de Deus ao homem na obra de sua
criação e, mais ainda, pela redenção e santificação. O que a fé confessa os sacramentos
comunicam: pelos "sacramentos que os fizeram renascer", os cristãos se tornaram “filhos de Deus”
(1Jo 3,1), "participantes da natureza divina" (Pd 1,4). Reconhecendo na fé sua nova dignidade,
os cristãos são chamados a levar a partir de então uma "vida digna do Evangelho de Cristo".
Pelos sacramentos e pela oração, recebem a graça de Cristo e os dons de seu Espírito, que os
tomam capazes disso.
1693 Jesus Cristo sempre fez o que era do agrado do Pai. Sempre viveu em perfeita
comunhão com Ele. Também os discípulos são convidados a viver sob o olhar do Pai, "que vê o
que esta oculto" (Mt 6,6), para se tomarem "perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito" Mt
5,48).
1694 Incorporados a Cristo pelo Batismo, os cristãos estão "mortos para o pecado e
vivos para Deus em Cristo Jesus", participando assim da vida do Ressuscitado. Seguindo a Cris-to
e em união com ele, podem procurar "tornar-se imitadores de Deus como filhos amados e andar
no amor", conformando seus pensamentos, palavras e ações aos "sentimentos de Cristo to Jesus
e seguindo seus exemplos".
1695 "Justificados em nome do Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito de nosso Deus" (1Cor
5,11), “santificados... chamados a ser santos”, os cristãos se tornaram "templo do Espírito Santo"
(1Cor 6,19). Esse "Espírito do Filho" os ensina a orar ao Pai e, tendo-se tornado vida deles, os faz
agir para carregarem em si "os frutos do Espírito" pela caridade operante. Curando as feridas do
pecado, o Espírito Santo nos "renova pela transformação espiritual de nossa mente", ele nos
ilumina e fortifica para vivermos como "filhos da luz" (Ef 5,8), na "bondade, justiça e verdade" em
todas as coisas (Ef 5,9).
1696 O caminho de Cristo "conduz à vida", um caminho contrário “leva à perdição”. A
parábola evangélica dos dois caminhos está sempre presente na catequese da Igreja. Significa
a importância das decisões morais para nossa salvação. "Há dois caminhos, um da vida e outro
da morte; mas entre os dois há grande diferença.
1697 Importa, na catequese, revelar com toda clareza a alegria e as exigências do
caminho de Cristo. A catequese da “vida nova” (Rm 6,4) em Cristo será:
ü uma catequese do Espírito Santo, Mestre interior da vida segundo Cristo, doce
hóspede e amigo que inspira, conduz, retifica e fortifica esta vida;
ü uma catequese da graça, pois é pela graça que somos salvos, e é pela graça que
nossas obras podem produzir frutos para a vida eterna;
ü uma catequese das bem-aventuranças, pois o caminho de Cristo se resume às bemaventuranças,
único caminho para a felicidade eterna, à qual o coração do homem aspira;
ü uma catequese do pecado e do perdão, pois, sem reconhecer-se pecador, o homem
não pode conhecer a verdade sobre si mesmo, condição do reto agir, e sem a oferta do perdão
não poderia suportar essa verdade;
ü uma catequese das virtudes humanas, que faz abraçar beleza e a atração das retas
disposições em vista do bem;
ü uma catequese das virtudes cristãs da fé, esperança e caridade, que se inspira com
prodigalidade no exemplo dos santos;
ü uma catequese do duplo mandamento da caridade desenvolvido no Decálogo;
ü uma catequese eclesial, pois é nos múltiplos intercâmbios dos "bens espirituais" na
"comunhão dos santos" que a vida cristã pode crescer, desenvolver-se e comunicar-se.
1698 A referência primeira e última dessa catequese será sempre Jesus Cristo, que é "o
caminho, a verdade e a vida" (Jo 14,6). Contemplando-o na fé, os fiéis podem esperar que Cristo
realize neles suas promessas e, amando-o com o amor com que Ele os amou, façam as obras
que correspondem à sua dignidade:
Peço que considereis que Jesus Cristo nosso Senhor é vossa verdadeira Cabeça e que vós
sois um de seus membros. Ele é para vós o que a Cabeça é para os membros; tudo o que é dele
é vosso, seu espírito, coração, corpo, alma e todas as suas faculdades, e deveis fazer uso disso
como coisa vossa para servir, louvar, amar e glorificar a Deus. Vós sois em relação a Ele o que os
membros são em relação à cabeça. Assim, Ele deseja ardentemente fazer uso de tudo o que
está em vós para o ser-viço e a glória de seu Pai, como coisa sua.
Para mim , viver é Cristo (Fl 1,21)
PRIMEIRA SEÇÃO
A VOCAÇÃO DO HOMEM:
A VIDA NO ESPÍRITO
1699 A vida no Espírito realiza a vocação do homem (capítulo I) Constitui-se de caridade
divina e de solidariedade humana (capítulo II). É concedida de graça como uma Salvação
(capítulo III)
CAPÍTULO I
A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
1700 A dignidade da pessoa humana se fundamenta em sua criação à imagem e
semelhança de Deus (artigo 1); realiza-se em sua vocação à bem-aventurança divina (artigo 2).
Cabe ao ser humano a livre iniciativa de sua realização (artigo 3). Por seus atos deliberados
(artigo 4), a pessoa humana se conforma ou não ao bem prometido por Deus e atestado por sua
consciência moral (artigo 5). As pessoas humanas se edificam e crescem interiormente: fazem de
toda sua vida sensível e espiritual matéria de crescimento (artigo 6). Com a ajuda da graça,
crescem na virtude (artigo 7), evitam o pecado e, se o tiverem cometido, voltam como o filho
pródigo, para a misericórdia de nosso Pai do Céus (artigo 8). Chegam, assim, à perfeição da
caridade.
ARTIGO 1
O HOMEM IMAGEM DE DEUS
1701 "Novo Adão, na mesma revelação do mistério do Pai e de seu amor, Cristo
manifesta plenamente o homem ao próprio homem e lhe descobre a sua altíssima vocação.” Em
Cristo, "imagem do ( Deus invisível" (Cl 1,15), foi o homem criado à "imagem e semelhança" do
Criador. Em Cristo, redentor e salvador, a imagem divina, deformada no homem pelo primeiro
pecado, foi restaurada em sua beleza original e enobrecida pela graça de Deus.
1702 A imagem divina está presente em cada pessoa. Resplandece na comunhão das
pessoas, à semelhança da unidade das pessoas divinas entre si (cf. capítulo II).
1703 Dotada de alma "espiritual e imortal", a pessoa humana é "a única criatura na terra
que Deus quis por si mesma". Desde sua concepção, é destinada à bem-aventurança eterna.
1704 A pessoa humana participa da luz e da força do Espírito divino. Pela razão, é capaz
de compreender a ordem das coisas estabelecida pelo Criador. Por sua vontade, ela é capaz
de ir, por si, ao encontro de seu verdadeiro bem. Encontra sua perfeição na "busca e no amor da
verdade e do bem".
1705 Em virtude de sua alma e de seus poderes espirituais de inteligência e vontade, o
homem é dotado de liberdade, "sinal eminente da imagem de Deus"
1706 Por sua razão, o homem conhece a voz de Deus, que o insta a "fazer o bem e a
evitar o mal". Cada qual é obrigado a seguir esta lei que ressoa na consciência e se cumpre no
amor a Deus e ao próximo. O exercício da vida moral atesta a dignidade da pessoa.
1707 "Instigado pelo Maligno, desde o inicio da história o homem abusou da própria
liberdade." Sucumbiu à tentação e praticou o mal. Conserva o desejo do bem, mas sua natureza
traz a ferida do pecado original. Tornou-se inclinado ao mal e sujeito ao erro:
O homem está dividido em si mesmo. Por esta razão, toda a vida humana, individual e
coletiva, apresenta-se como uma luta dramática entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas.
1708 Por sua paixão, Cristo livrou-nos de Satanás e do pecado. Ele nos mereceu a vida
nova no Espírito Santo. Sua graça restaura o que o pecado deteriorou em nós.
1709 Quem crê em Cristo torna-se filho de Deus. Esta adoção filial o transforma,
propiciando-lhe seguir o exemplo de Cristo. Ela torna-o capaz de agir corretamente e de praticar
o Em união com seu Salvador, o discípulo alcança a perfeição da caridade, a santidade.
Amadurecida na graça, a vida moral desabrocha em vida eterna na glória do céu.
RESUMINDO
1710 "Cristo manifesta plenamente o homem ao próprio homem lhe descobre sua
altíssima vocação."
1711 Dotada de alma espiritual, inteligência e vontade, a pessoa humana, desde sua
concepção, é ordenada para Deus e destinada à bem-aventurança eterna. Busca sua
perfeição na "procura e no amor da verdade e do bem"
1712 A verdadeira liberdade é no homem "sinal eminente da imagem de Deus"
1713 O homem é obrigado a seguir a lei moral que o chama a fazer o bem e evitar o
mal". Esta lei ressoa em sua consciência.
1714 O homem, ferido em sua natureza pelo pecado original, está sujeito ao erro e
inclinado ao mal no exercício de sua liberdade.
1715 Quem crê em Cristo tem a vida nova no Espírito Santo. A vida moral, desenvolvida e
amadurecida na graça, deve completar-se na glória do céu.
ARTIGO 2
NOSSA VOCAÇÃO À BEM-AVENTURANÇA
I. AS BEM-AVENTURANÇAS
1716 As Bem-Aventuranças estão no cerne da pregação de Jesus. Seu anúncio retoma as
promessas feitas ao povo eleito desde Abraão. Jesus as completa, ordenando-as não mais
simples bem-estar gozoso na terra, mas ao Reino dos Céus:
Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus.
Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra.
Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados.
Bem-aventurados os que tem fome e sede de justiça, porque serão saciados.
Bem-aventurados os rnisericordiosos, porque alcançarão misericórdia.
Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus.
Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus.
Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos
Céus.
Bem-aventurados sois, quando vos injuriarem e vos perseguirem e, mentindo, disserem
todo o mal contra vós por causa de mim.
Alegrai-vos e regozijai-vos, porque será grande a vossa recompensa nos céus (Mt 5,3-12a).
1717 As bem-aventuranças traçam a imagem de Cristo e descrevem sua caridade;
exprimem a vocação dos fiéis associados à glória de sua Paixão e Ressurreição; iluminam as
ações e atitudes características da vida cristã; são promessas paradoxais que sustentam a
esperança nas tribulações; anunciam as bênçãos e recompensas já obscuramente adquiridas
pelos discípulos; são iniciadas na vida da Virgem Maria e de todos os santos.
II. O DESEJO DE FELICIDADE
1718 As Bem-Aventuranças respondem ao desejo natural de felicidade. Este desejo é de
origem divina: Deus o colocou no coração do homem, a fim de atraí-lo a si, pois só ele pode
satisfazê-lo.
Todos certamente queremos viver felizes, e não existe no gênero humano pessoa que não
concorde com esta proposição, mesmo antes de ser formulada por inteiro.
Então, como vos hei de procurar, Senhor? Visto que, procurando a vós, meu Deus, eu
procuro a vida bem-aventurada, fazei que vos procure para que minha alma viva, pois meu
corpo vive de minha alma, e minha alma vive de vós.
SÓ DEUS SATISFAZ
1719 As Bem-Aventuranças desvendam o objetivo da existência humana, o fim último dos
atos humanos. Deus nos chama à sua própria bem-aventurança. Este chamado se dirige a cada
um pessoalmente, mas também a toda a Igreja, povo novo formado por aqueles que acolheram
a promessa e nela vivem na fé.
III. A BEM-AVENTURANÇA CRISTÃ
1720 O Novo Testamento usa várias expressões para caracterizar a bem-aventurança à
qual Deus chama o homem: a vinda do (Reino de Deus; a visão de Deus[: "Bem-aventurados os
puros de coração, porque verão a Deus" (Mt 5,8); entrada na alegria do Senhor; entrada no
repouso de Deus:
Aí descansaremos e veremos, veremos e amaremos, amaremos e louvaremos. Eis a
essência do fim sem fim. E que outro fim mais nosso que chegarmos ao reino que não terá fim?
1721 Deus nos colocou no mundo para conhecê-lo, servi-lo e amá-lo e, assim, chegar
ao paraíso. A bem-aventurança nos faz participar da natureza divina (l Pd 1,4) e da vida eterna.
Com ela, o homem entra na glória de Cristo e no gozo da vida trinitária.
1722 Tal Bem-Aventurança ultrapassa a inteligência e as forças exclusivamente humanas.
Resulta de um dom gratuito de Deu. É por isso que se diz ser sobrenatural, como também a graça
que dispõe o homem a entrar no gozo divino.
"Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus." Por certo, de acordo com
sua grandeza e glória indizível, "ninguém verá a Deus e viverá", pois o Pai é inacessível; mas,
devido a seu amor, sua bondade para com os homens e sua onipotência, chega até a
conceder àqueles que o amam o privilégio de ver a Deus... "pois o que é impossível aos homens
é possível a Deus."
1723 A prometida bem-aventurança nos coloca diante de escolhas morais decisivas.
Convida-nos a purificar nosso coração de seus maus instintos e a procurar o amor de Deus acima
de tudo. Ensina que a verdadeira felicidade não está nas riquezas ou no bem-estar, nem na
glória humana ou no poder, nem em qualquer obra humana, por mais útil que seja, como as
ciências, a técnica e as artes, nem em outra criatura qualquer, mas apenas em Deus, fonte de
todo bem e de todo amor.
A riqueza é o grande deus atual; a ela prestam homenagem instintiva a multidão e toda a
massa dos homens. Medem a felicidade pelo tamanho da fortuna e, segundo a. fortuna, medem
também a honradez... Tudo isto provém da convicção de que, tendo riqueza, tudo se consegue.
A riqueza é, pois, um dos ídolos atuais, da mesma forma que a fama... A fama, o fato de alguém
ser conhecido e fazer estardalhaço na sociedade (o que poderíamos chamar de notoriedade
da imprensa), chegou a ser considerada um bem em si mesma, um sumo bem, um objeto,
também ela, de verdadeira veneração.
1724 O Decálogo, o Sermão da Montanha e a catequese apostólica nos descrevem os
caminhos que levam ao Reino dos Céus. Neles nos engajamos, passo a passo, pelas ações de
todos os dias, sustentados pela graça do Espírito Santo. Fecundados pela Palavra de Cristo,
daremos, aos poucos, frutos na Igreja para a glória de Deus.
RESUMINDO
1725 As bem-aventuranças retomam e completam as promessas de Deus desde Abraão,
ordenando-as para o Reino dos Céus. Respondem ao desejo de felicidade que Deus colocou no
coração do homem.
1726 As bem-aventuranças nos ensinam o fim último ao qual Deus nos chama: o Reino, a
visão de Deus, a participação na natureza divina, a vida eterna, a filiação divina, o repouso em
Deus.
1727 A bem-aventurança da vida eterna é um dom gratuito de Deus; ela é sobrenatural
como a graça que a ela conduz.
1728 As bem-aventuranças nos deixam diante de escolhas decisivas com relação aos
bens terrenos; purificam nosso coração para que aprendamos a amar a Deus sobre todas as
coisas.
1729 A bem-aventurança do Céu determina os critérios de discernimento no uso dos
bens terrestres, de acordo com a Lei de Deus.
ARTIGO 3
A LIBERDADE DO HOMEM
1730 Deus criou o homem dotado de razão e lhe conferiu dignidade de uma pessoa
agraciada com a iniciativa e o domínio de seus atos. "Deus deixou o homem nas mãos de sua
própria decisão" (Eclo 15,14), para que pudesse ele mesmo procurar seu Criador e, aderindo
livremente a Ele, chegar à plena e feliz perfeição.
O homem é dotado de razão e por isso é semelhante a Deus: foi criado livre e senhor de
seus atos.
I. LIBERDADE E RESPONSABILIDADE
1731. A liberdade é o poder, baseado na razão e na vontade, de agir ou não agir, de
fazer isto ou aquilo, portanto, de praticar atos deliberados. Pelo livre-arbítrio, cada qual dispõe
sobre si mesmo. A liberdade é, no homem, uma força de crescimento e amadurecimento na
verdade e na bondade. A liberdade alcança sua perfeição quando está ordenada para Deus,
nossa bem-aventurança.
1732 Enquanto não se tiver fixado definitivamente em seu bem último, que é Deus, a
liberdade comporta a possibilidade de escolher entre o bem e o mal, portanto, de crescer em
perfeição ou de definhar e pecar. Ela caracteriza os atos propriamente humanos. Toma-se fonte
de louvor ou repreensão, de mérito ou demérito.
1733 Quanto mais pratica o bem, mais a pessoa se toma livre. Não há verdadeira
liberdade a não ser a serviço do bem e da justiça. A escolha da desobediência e do mal é um
abuso de liberdade e conduz à "escravidão do pecado".
1734 A liberdade torna o homem responsável por seus atos, na medida em que forem
voluntários. O progresso na virtude, o conhecimento do bem e a ascese aumentam o domínio
da vontade sobre seus atos.
1735 A imputabilidade e a responsabilidade de uma ação podem ficar diminuídas ou
suprimidas pela ignorância, inadvertência, violência, medo, hábitos, afeições imoderadas e
outros fatores psíquicos ou sociais.
1736 Todo ato diretamente querido é imputável a seu autor:
Assim, o Senhor pergunta a Adão, após o pecado no jardim: "O que fizeste?" (Gn 3,13). O
mesmo pergunta a Caim. A mesma pergunta faz o profeta Natã ao rei Davi, após o adultério
com a mulher de Urias e o assassinato deste.
Uma ação pode ser indiretamente voluntária quando resulta de uma negligência quanto
a alguma coisa que deveríamos saber ou fazer, por exemplo, um acidente ocorrido por
ignorância do código de trânsito.
1737 Um efeito pode ser tolerado sem ser querido pelo agente, por exemplo, o
esgotamento da mãe à cabeceira de seu filho doente. O efeito ruim não é imputável se não foi
querido nem como fim nem como meio de ação, como poderia ser o caso de morte sofrida por
alguém quando tentava socorrer uma pessoa em perigo. Para que o efeito ruim seja imputável,
é preciso que seja previsível e que o agente tenha a possibilidade de evitá-lo, como, por
exemplo, no caso de um homicídio cometido por motorista embriagado.
1738 A liberdade se exerce no relacionamento entre os seres humanos. Toda pessoa
humana, criada à imagem de Deus, tem o direito natural de ser reconhecida como ser livre e
responsável. Todos devem a cada um esta obrigação de respeito. O direito ao exercício da
liberdade é uma exigência inseparável da dignidade da pessoa humana, sobretudo em matéria
moral e religiosa. Este direito deve ser reconhecido civilmente e protegido nos limites do bem
comum e da ordem pública.
II. A LIBERDADE HUMANA NA ECONOMIA DA SALVAÇÃO
1739 Liberdade e pecado. A liberdade do homem é finita e falível. De fato, o homem
falhou. Pecou livremente. Recusando o projeto do amor de Deus, enganou-se a si mesmo,
tornou-se escravo do pecado. Esta primeira alienação gerou outras, em grande número. Desde
suas origens, a história comprova os infortúnios e opressões nascidos do coração do homem por
causa do mau uso da liberdade.
1740 Ameaças à liberdade. O exercício da liberdade não implica o direito de dizer e fazer
tudo. É falso pretender que “o homem, sujeito da liberdade, baste a si mesmo, tendo por fim a
satisfação de seu próprio interesse no gozo dos bens terrenos. Por sua vez, as condições de
ordem econômica e social, política e cultural requeridas para um justo exercício da liberdade
são muitas vezes desprezadas e violadas. Estas situações de cegueira e injustiça prejudicam a
vida moral e levam tanto os fortes como os fracos à tentação de pecar contra a caridade.
Fugindo da lei moral, o homem prejudica sua própria liberdade, acorrenta-se a si mesmo, rompe
a fraternidade com seus semelhantes e rebela-se contra a verdade divina.
1741 Liberdade e salvação. Por sua gloriosa cruz, Cristo obteve a salvação de todos os
homens. Resgatou-os do pecado que os mantinha na escravidão. "É para a liberdade que Cristo
nos libertou" (Gl 5,1). Nele comungamos da "verdade que nos torna livres". O Espírito Santo nos foi
dado e, como ensina o apóstolo, "onde se acha o Espírito do Senhor, aí está a liberdade" (2 Cor
3,17). Desde agora participamos da "liberdade da glória dos filhos de Deus".
1742 Liberdade e graça. A graça de Cristo não entra em concorrência com nossa
liberdade quando esta corresponde ao sentido da verdade e do bem que Deus colocou no
coração do homem. Ao contrário, como a experiência cristã o atesta, -sobretudo na oração,
quanto mais dóceis formos aos impulsos da graça, tanto mais crescem nossa liberdade intima e
nossa segurança nas provações e diante das pressões e coações do mundo externo. Pela obra
da graça, o Espírito Santo nos educa à liberdade espiritual, para fazer de nós livres colaboradores
de sua obra na Igreja e no mundo.
"Deus de poder e misericórdia, afastai de nós todo obstáculo, para que, inteiramente
disponíveis, nos dediquemos a vosso serviço."
RESUMINDO
1743 "Deus deixou o homem nas mãos de sua própria decisão" (Eclo 15,14), para que
pudesse livremente aderir a seu Criador e chegar, assim, à feliz perfeição.
1744 A liberdade é o poder de agir ou não agir, praticando, então, a pessoa atos
deliberados. Ela alcança a perfeição de seu ato quando está ordenada para Deus, o sumo Bem.
1745 A liberdade caracteriza os atos propriamente humanos. Torna o ser humano
responsável pelos atos dos quais é voluntariamente autor. Seu agir deliberado é algo
propriamente seu.
1746 A imputabilidade ou responsabilidade de uma ação pode ser diminuída ou
suprimida pela ignorância, violência, medo e outros fatores psíquicos ou sociais.
1747 O direito ao exercício da liberdade é uma exigência inseparável da dignidade do
homem, sobretudo em matéria religiosa e moral. Mas o exercício da liberdade não implica o
suposto direito de tudo dizer e fazer.
1748 "É para a liberdade que Cristo nos libertou" (Gl 5,1).
ARTIGO 4
A MORALIDADE DOS ATOS HUMANOS
1749 A liberdade faz do homem um sujeito moral. Quando age de forma deliberada, o
homem é, per assim dizer, o pai de seus atos. Os atos humanos, isto é, livremente escolhidos após
um juízo da consciência, são qualificáveis moralmente. São bons ou maus.
I. AS FONTES DA MORALIDADE
1750 A moralidade dos atos humanos depende:
ü do objeto escolhido;
ü do fim visado ou da intenção;
ü das circunstâncias da ação.
1751 O objeto, a intenção e as circunstâncias constituem as "fontes" ou elementos
constitutivos da moralidade dos atos humanos. O objeto escolhido é um bem para o qual se
dirige deliberadamente a vontade. É a matéria de um ato humano. O objeto escolhido
especifica moralmente o ato de querer, conforme razão o reconheça e julgue estar de acordo
ou não com o bem verdadeiro. As regras objetivas da moralidade enunciam a ordem racional
do bem e do mal, atestada pela consciência.
1752 Perante o objeto, a intenção se coloca do lado do sujeito agente. Pelo fato de
ater-se à fonte voluntária da ação e determiná-la pelo objetivo, a intenção é um elemento
essencial na qualificação moral da ação. A finalidade é o primeiro termo da intenção e designa
a meta visada na ação. A intenção é um movimento da vontade em direção ao objetivo; ela diz
respeito ao fim visado pela ação. É a meta do bem que se espera da ação praticada. Não se
limita à direção de nossas ações singulares, mas pode orientar para um mesmo objetivo ações
múltiplas; pode orientar toda vida para o fim último. Por exemplo, um serviço prestado tem por
fim ajudar o próximo, mas pode também ser inspirado pelo amor a Deus, fim último de todas as
nossas ações. Uma mesma ação também pode ser inspirada por várias intenções, como, por
exemplo, prestar um serviço para obter um favor ou para vangloriar-se.
1753 Uma intenção boa (por exemplo, ajudar o próximo) não torna bom nem justo um
comportamento desordenado em si mesmo (como a mentira e a maledicência). O fim não
justifica os meios. Assim, não se pode justificar a condenação de um inocente como meio
legítimo de salvar o povo. Por sua vez, acrescentada uma intenção má (como, por exemplo, a
vanglória), o ato em si bom (como a esmola) torna-se mau.
1754 As circunstâncias, incluídas as conseqüências, são os elementos secundários de um
ato moral. Contribuem para agravar ou diminuir a bondade ou maldade moral dos atos
humanos (por exemplo, o montante de um furto). Podem também atenuar ou aumentar a
responsabilidade do agente (agir, por exemplo, por temor da morte). As circunstâncias não
podem por si modificar a qualidade moral dos próprios atos, não podem tomar boa ou justa uma
ação má em si.
II. ATOS BONS E ATOS MAUS
1755 O ato moralmente bom supõe a bondade do objeto, da finalidade e das
circunstâncias. Uma finalidade má corrompe a ação, mesmo que seu objeto seja bom em si
(como, por exemplo, rezar e jejuar "para ser visto pelos homens").
O objeto da escolha por si só pode viciar o conjunto de determinado agir. Existem
comportamentos concretos - como a fornicação - cuja escolha é sempre errônea, pois
escolhê-los significa uma desordem da vontade, isto é, um mal moral.
1756 É errado, pois, julgar a moralidade dos atos humanos considerando só a intenção
que os inspira ou as circunstâncias (meio ambiente, pressão social, constrangimento ou
necessidade de agir etc.) que compõem o quadro. Existem atos que por si mesmos e em si
mesmos, independentemente das circunstâncias e intenções, são sempre gravemente ilícitos, em
virtude de seu objeto: a blasfêmia e o perjúrio, o homicídio e o adultério. Não é permitido praticar
um mal para que dele resulte um bem.
RESUMINDO
1757 O objeto, a intenção e as circunstâncias constituem as três “fontes" da moralidade
dos atos humanos.
1758 O objeto escolhido especifica moralmente o ato do querer conforme a razão o
reconheça e julgue bom ou mau.
1759 “Não se pode justificar uma ação má, embora feita com boa intenção.” O fim não
justifica os meios.
1760 O ato moralmente bom supõe, ao mesmo tempo, a bondade do objeto, da
finalidade e das circunstâncias.
1761 Existem comportamentos concretos cuja escolha é sempre errônea, porque
escolhê-los significa uma desordem da vontade de, isto é, um mal moral. Não é permitido fazer o
mal para que daí resulte um bem.
ARTIGO 5
A MORALIDADE DAS PAIXÕES
1762 O ser humano se ordena para a bem-aventurança por meio de seus atos
deliberados: as paixões ou sentimentos que experimenta podem dispô-lo e contribuir para isso.
I. AS PAIXÕES
1763 O termo "paixões" pertence ao patrimônio cristão. Os sentimentos ou paixões
designam as emoções ou movimentos da sensibilidade que inclinam alguém a agir ou não agir
em vista do que é experimentado ou imaginado como bom ou mau.
1764 As paixões são componentes naturais do psiquismo humanos; constituem o lugar
de passagem e garantem a ligação entre a vida sensível e a vida do espírito. Nosso Senhor
indica o coração do homem como a fonte de onde brota o movimento das paixões.
1765 As paixões são numerosas. A paixão mais fundamental é o amor provocado pela
atração do bem. O amor causa o desejo do bem ausente e a esperança de consegui-lo. Este
movimento se completa no prazer e na alegria do bem possuído. A percepção do mal provoca
ódio, aversão e medo do mal que está por chegar. Este movimento se completa na tristeza do
mal presente ou na cólera que a ele se opõe.
1766 "Amar é querer algo de bom para alguém." Todos os demais afetos têm sua fonte
no movimento original do coração do homem para o bem. Só existe o bem que é amado. "As
paixões são más se o amor é mau, boas se o amor é bom."
II. PAIXÕES E VIDA MORAL
1767 Em si mesmas, as paixões não são boas nem más. Só recebem qualificação moral
na medida em que dependem efetivamente da razão e da vontade. As paixões são chamadas
voluntárias "ou porque são comandadas pela vontade ou porque a vontade não lhes opõe
obstáculo". Faz parte da perfeição do bem moral ou humano que as paixões sejam reguladas
pela razão.
1768 Os grandes sentimentos não determinam a moralidade nem a santidade das
pessoas; são reservatório inesgotável das imagens e afeições em que se exprime a vida moral. As
paixões são moralmente boas quando contribuem para uma ação boa, e más quando se dá o
contrário. A vontade reta ordena para o bem e para a bem-aventurança os movimentos
sensíveis que ela assume; a vontade má sucumbe às paixões desordenadas e as exacerba. As
emoções e sentimentos podem ser assumidos em virtudes ou pervertidos em vícios.
1769 Na vida cristã, o próprio Espírito Santo realiza sua obra mobilizando o ser inteiro,
inclusive suas dores, medos e tristezas, como aparece na Agonia e Paixão do Senhor. Em Cristo,
os sentimentos humanos podem receber sua consumação na caridade e na bem-aventurança
divina.
1770 A perfeição moral consiste em que o homem não seja movido ao bem
exclusivamente por sua vontade, mas também por seu apetite sensível, segundo a palavra do
Salmo: "Meu coração e minha carne exultam pelo Deus vivo" (Sl 84,3).
RESUMINDO
1771 O termo "paixões" designa as afeições ou os sentimentos. Por meio de suas
emoções, o homem pressente o bem e suspeita da presença do mal.
1772 As principais paixões são o amor, o ódio, o desejo, o medo, a alegria, a tristeza e a
cólera.
1773 Nas paixões, como movimentos da sensibilidade, não há bem ou mal moral. Mas,
enquanto dependem da razão e da vontade, há nelas bem ou mal moral.
1774 As emoções e os sentimentos podem ser assumidos em virtudes ou pervertidos em
vícios.
1775 A perfeição do bem moral consiste em que o homem não seja movido ao bem
exclusivamente pela vontade, mas também pelo "coração".
ARTIGO 6
A CONSCIÊNCIA MORAL
1776 “Na intimidade da consciência, o homem descobre uma lei. Ele não a dá a si
mesmo. Mas a ela deve obedecer. Chamando-o sempre a amar e fazer o bem e a evitar o mal,
no momento oportuno a voz desta lei ressoa no íntimo de seu coração... É uma lei inscrita por
Deus no coração do homem.. A consciência é o núcleo secretíssimo e o sacrário do homem,
onde ele está sozinho com Deus e onde ressoa sua voz. "
I. O JUÍZO DA CONSCIÊNCIA
1777 Presente no coração da pessoa, a consciência moral lhe impõe, no momento
oportuno, fazer o bem e evitar o mal. Julga, portanto, as escolhas concretas, aprovando as boas
e denunciando as más. Atesta a autoridade da verdade referente ao Bem supremo, de quem a
pessoa humana recebe a atração e acolhe os mandamentos. Quando escuta a consciência
moral, o homem prudente pode ouvir a Deus, que fala.
1778 A consciência moral é um julgamento da razão pelo qual a pessoa humana
reconhece a qualidade moral de um ato concreto que vai planejar, que está a ponto de
executar ou que já praticou. Em tudo o que diz e faz, o homem é obrigado a seguir fielmente o
que sabe ser justo e correto. E pelo julgamento de sua consciência que o homem percebe e
reconhece as prescrições da lei divina:
A consciência é uma lei de nosso espírito que ultrapassa nosso espírito, nos faz imposições,
significa responsabilidade e dever, temor e esperança... E a mensageira daquele que, no mundo
da natureza bem como no mundo da graça, nos fala através de um véu, nos instrui e nos
governa. A consciência é o primeiro de todos os vigários de Cristo.
1779 É importante que cada qual esteja bastante presente a si mesmo para ouvir e
seguir a voz de sua consciência. Esta exigência de interioridade é muito necessária, pelo fato de
a vida nos deixar freqüentemente em situações que nos afastam:
Volta à tua consciência, interroga-a... Voltai, irmãos, ao interior e em tudo o que fizerdes
atentai para a testemunha, Deus.
1780 A dignidade da pessoa humana implica e exige a retidão da consciência moral. A
consciência moral compreende a percepção dos princípios da moralidade ("sindérese"), sua
aplicação a circunstâncias determinadas por um discernimento prático das razões e dos bens e,
finalmente, o juízo feito sobre atos concretos a praticar ou já praticados. A verdade sobre o bem
moral, declarada na lei da razão, é reconhecida prática e concretamente pelo juízo prudente
da consciência. Chamamos de prudente o homem que faz suas opções de acordo com este
juízo.
1781 A consciência permite assumir a responsabilidade dos atos praticados. Se o homem
comete o mal, o julgamento justo da consciência pode continuar nele como testemunho da
verdade universal do bem e ao mesmo tempo da malícia de sua escolha singular. O veredicto
do juízo de consciência continua sendo um penhor de esperança e misericórdia. Atestando a
falta cometida lembra a necessidade de pedir perdão, de praticar novamente o bem e de
cultivar sem cessar a virtude com a graça de Deus.
Diante dele tranqüilizaremos nosso coração, se nosso coração nos acusa, porque Deus é
maior que nosso coração e conhece todas as coisas (1 Jo 3,19-20).
1782 O homem tem o direito de agir com consciência e liberdade, a fim de tomar
pessoalmente as decisões morais. "O homem não pode ser forçado a agir contra a própria
consciência. Mas também não há de ser impedido de proceder segundo a consciência,
sobretudo em matéria religiosa."
II. A FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA
1783 A consciência deve ser educada e o juízo moral, esclarecido. Uma consciência
bem formada é reta e verídica. Formula seus julgamentos seguindo a razão, de acordo com o
bem verdadeiro querido pela sabedoria do Criador. A educação da consciência e indispensável
aos seres humanos submetidos a influências negativas e tentados pelo pecado a preferir seu
julgamento próprio e a recusar os ensinamentos autorizados.
1784 A educação da consciência é uma tarefa de toda a vida. Desde os primeiros
anos, alerta a criança para o conhecimento e a prática da lei interior reconhecida pela
consciência moral. Uma educação prudente ensina a virtude, preserva ou cura do medo, do
egoísmo e do orgulho, dos sentimentos de culpabilidade e dos movimentos de complacência,
nascidos da fraqueza e das faltas humanas. A educação da consciência garante a liberdade e
gera a paz do coração.
1785 Na formação da consciência, a Palavra de Deus é a luz de nosso caminho; é
preciso que a assimilemos na fé e na oração e a ponhamos em prática. É preciso ainda que
examinemos nossa consciência, confrontando-nos com a Cruz do Senhor. Somos assistidos pelos
dons do Espírito Santo, ajudados pelo testemunho e conselhos dos outros e guiados pelo
ensinamento autorizado da Igreja.
III. ESCOLHER SEGUNDO A CONSCIÊNCIA
1786 Posta diante de uma escolha moral, a consciência pode emitir um julgamento
correto, de acordo com a razão e a lei divina, ou, ao contrário, um julgamento errôneo, que se
afasta da razão e da lei divina.
1787 Às vezes o homem depara com situações que tornam o juízo moral menos seguro e
a decisão difícil. Mas ele deverá sempre procurar o que é justo e bom e discernir a vontade de
Deus expressa na lei divina.
1788 Para tanto, o homem deve se esforçar por interpretar os dados da experiência e os
sinais dos tempos graças à virtude da prudência, aos conselhos de pessoas avisadas e à ajuda
do Espírito Santo e de seus dons.
1789 Algumas regras se aplicam a todos os casos:
ü Nunca é permitido praticar um mal para que daí resulte um bem.
ü A "regra de ouro": "Tudo aquilo que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a
eles".
ü A caridade respeita sempre o próximo e sua consciência: "Pecando contra vossos
irmãos e ferindo sua consciência... pecais contra Cristo" (1 Cor 8,12). "E bom se abster... de tudo o
que seja causa de tropeço, de queda ou enfraquecimento para teu irmão" (Rm 14,21).
IV. O JUÍZO ERRÔNEO
1790 O ser humano deve sempre obedecer ao juízo certo de sua consciência. Se agisse
deliberadamente contra este último, estaria condenando a si mesmo. Mas pode acontecer que
a consciência moral esteja na ignorância e faça juízos errôneos sobre atos a praticar ou já
praticados.
1791 Muitas vezes esta ignorância pode ser imputada à responsabilidade pessoal. É o que
acontece "quando o homem não se preocupa suficientemente com a procura da verdade e do
bem, e a consciência pouco a pouco, pelo hábito do pecado, se torna quase obcecada".
Neste caso, a pessoa é culpável pelo mal que comete.
1792 A ignorância de Cristo e de seu Evangelho, os maus exemplos de outros, o servilismo
às paixões, a pretensão de uma mal-entendida autonomia da consciência, a recusa da
autoridade da Igreja e de seus ensinamentos, a falta de conversão ou de caridade podem estar
na origem dos desvios do julgamento na conduta moral.
1793 Se - ao contrário - a ignorância for invencível ou o julgamento errôneo não for da
responsabilidade do sujeito moral, o mal cometido pela pessoa não lhe poderá ser imputado.
Mas nem por isso deixa de ser um mal, uma privação, uma desordem. É preciso trabalhar, pois,
para corrigir a consciência moral de seus erros.
1794 A consciência boa e pura é esclarecida pela fé verdadeira, pois a caridade
procede ao mesmo tempo "de um coração puro de uma boa consciência e de uma fé sem
hipocrisia" (l Tm 1,5).
"Quanto mais prevalece a consciência reta, tanto mais as pessoas e os grupos se afastam
de um arbítrio cego e se esforçam por conformar-se às normas objetivas da moralidade[a28] ."
RESUMINDO
1795 "A consciência é o núcleo secretíssimo e o sacrário do homem, onde ele está
sozinho com Deus e onde ressoa sua voz. "
1796 A consciência moral é um julgamento da razão pelo qual a pessoa humana
reconhece a qualidade moral de um ato concreto.
1797 Para o homem que cometeu o mal, o veredicto de sua consciência permanece
um penhor de conversão e de esperança.
1798 Uma consciência bem formada é reta e verídica. Formula seus julgamentos
seguindo a razão, de acordo com o bem verdadeiro querido pela sabedoria do Criador. Cada
qual deve usar os meios adequados para formar sua consciência.
1799 Colocada diante de uma escolha moral, a consciência pode emitir um julgamento
correto de acordo com a razão e a lei divina ou, ao contrário, um julgamento errôneo, que se
afasta da razão e da lei divina.
1800 O ser humano deve obedecer sempre ao julgamento certo de sua consciência.
1801 A consciência moral pode estar na ignorância ou fazer julgamentos errôneos. Essa
ignorância e esses erros nem sempre são isentos de culpa.
1802 A Palavra de Deus é luz para nossos passos. É preciso que a assimilemos na fé e na
oração e a coloquemos em pratica. Assim se forma a consciência moral.
A R T I G O 7
A S V I R T U D E S
1803 "Ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, tudo o que
há de louvável, honroso, virtuoso ou de qualquer modo mereça louvor" (Fl 4,8).
A virtude é uma disposição habitual e firme para fazer o bem. Permite à pessoa não só
praticar atos bons, mas dar o melhor de si. Com todas as suas forças sensíveis e espirituais, a
pessoa virtuosa tende ao bem, procura-o e escolhe-o na prática.
"O objetivo da vida virtuosa é tornar-se semelhante a Deus."
I AS VIRTUDES HUMANAS
1804 As virtudes humanas são atitudes firmes, disposições estáveis, perfeições habituais da
inteligência e da vontade que regulam nossos atos, ordenando nossas paixões e guiando-nos
segundo a razão e a fé. Propiciam, assim, facilidade, domínio e alegria para levar uma vida
moralmente boa. Pessoa virtuosa é aquela que livremente pratica o bem.
As virtudes morais são adquiridas humanamente. São os frutos e os germes de atos
moralmente bons; dispõem todas as forças do ser humano para entrar em comunhão com o
amor divino.
DISTINÇÃO DAS VIRTUDES CARDEAIS
1805 Quatro virtudes têm um papel de "dobradiça" (que, em latim, se diz "cardo,
cardinis"). Por esta razão são chamadas “cardeais": todas as outras se agrupam em torno delas.
São a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança. "Ama-se a retidão? As virtudes são seus
frutos; ela ensina a temperança e a prudência a justiça e a fortaleza" (Sb 8,7). Estas virtudes são
louvadas em numerosas passagens da Escritura sob outros nomes.
1806 A prudência é a virtude que dispõe a razão prática a discernir, em qualquer
circunstância, nosso verdadeiro bem e a escolher os meios adequados para realizá-lo. "O
homem sagaz discerne os seus passos" (Pr 14,15). "Sede prudentes e sóbrios para entregardes às
orações" (1 Pd 4,7). A prudência é a "regra certa da ação", escreve Sto. Tomás citando
Aristóteles. Não se confunde com a timidez ou o medo, nem com a duplicidade ou dissimulação.
E chamada "auriga virtutum" ("cocheiro", isto é "portadora das virtudes"), porque, conduz as
outras virtudes, indicando-lhes a regra e a medida. E a prudência que guia imediatamente o
juízo da consciência. O homem prudente decide e ordena sua conduta seguindo este juízo.
Graças a esta virtude, aplicamos sem erro os princípios morais aos casos particulares e superamos
as dúvidas sobre o bem a praticar e o mal a evitar.
1807 A justiça é a virtude moral que consiste na vontade constante e firme de dar a
Deus e ao próximo o que lhes é devido. A justiça para com Deus chama-se "virtude de religião".
Para com os homens, ela nos dispõe a respeitar os direitos de cada um e a estabelecer nas
relações humanas a harmonia que promove a equidade em prol das pessoas e do bem comum.
O homem justo, muitas vezes mencionado nas Escrituras, distingue-se pela correção habitual de
seus pensamentos e pela retidão de sua conduta para com o próximo. "Não favoreças o pobre,
nem prestigies o poderoso. Julga o próximo conforme a justiça" (Lv 19,15). "Senhores, dai aos
vossos servos o justo e eqüitativo, sabendo que vós tendes um Senhor no céu" (Cl 4,1).
1808 A fortaleza é a virtude moral que dá segurança nas dificuldades, firmeza e
constância na procura do bem. Ela firma a resolução de resistir às tentações e superar os
obstáculos na vida moral. A virtude da fortaleza nos torna capazes de vencer o medo, inclusive
da morte, de suportar a provação e as perseguições. Dispõe a pessoa a aceitar até a renúncia e
o sacrifício de sua vida para defender uma causa justa. "Minha força e meu canto é o Senhor" (Sl
118,14). "No mundo tereis tribulações, mas tende coragem: eu venci o mundo" (Jo 16,33).
1809 A temperança é a virtude moral que modera a atração pelos prazeres e procura o
equilíbrio no uso dos bens criados. Assegura o domínio da vontade sobre os instintos e mantém os
desejos dentro dos limites da honestidade. A pessoa temperante orienta para o bem seus
apetites sensíveis, guarda uma santa discrição e "não se deixa levar a seguir as paixões do
coração". A temperança é muitas vezes louvada no Antigo Testamento: "Não te deixes levar por
tuas paixões e refreia os teus desejos" (Eclo 18,30). No Novo Testamento, é chamada de
"moderação" ou "sobriedade". Devemos "viver com moderação, justiça e piedade neste mundo"
(Tt 2,12).
Viver bem não é outra coisa senão amar a Deus de todo o coração, de toda a alma e em
toda forma de agir. Dedicar-lhe um amor integral (pela temperança) que nenhum infortúnio
poderá abalar (o que depende da fortaleza), que obedece exclusivamente a Ele (e nisto
consiste a justiça), que vela para discernir todas as coisas com receio de deixar-se surpreender
pelo ardil e pela mentira (e isto é a prudência).
As VIRTUDES E A GRAÇA
1810 As virtudes humanas adquiridas pela educação, por atos deliberados e por uma
perseverança sempre retomada com esforço são purificadas e elevadas pela graça divina. Com
o auxílio de Deus, forjam o caráter e facilitam a prática do bem. O homem virtuoso sente-se feliz
em praticá-las.
1811 Não é fácil para o homem ferido pelo pecado manter o equilíbrio moral. O dom da
salvação, trazida por Cristo, nos concede a graça necessária para perseverar na conquista das
virtudes. Cada um deve sempre pedir esta graça de luz e de fortaleza, recorrer aos sacramentos,
cooperar com o Espírito Santo, seguir seus apelos de amar o bem e evitar o mal.
II . AS VIRTUDES TEOLOGAIS
1812 As virtudes humanas se fundam nas virtudes teologais que adaptam as faculdades
do homem para que possa participar da natureza divina. Pois as virtudes teologais se referem
diretamente a Deus. Dispõem os cristãos a viver em relação com a Santíssima Trindade e têm a
Deus Uno e Trino por origem, motivo e objeto.
1813 As virtudes teologais fundamentam, animam e caracterizam o agir moral do cristão.
Informam e vivificam todas as virtudes morais. São infundidas por Deus na alma dos fiéis para
torná-los capazes de agir como seus filhos e merecer a vida eterna. São o penhor da presença e
da ação do Espírito Santo nas faculdades do ser humano. Há três virtudes teologais: a fé, a
esperança e a caridade.
A FÉ
1814 A fé é a virtude teologal pela qual cremos em Deus e em tudo o que nos disse e
revelou, e que a Santa Igreja nos propõe para crer, porque Ele é a própria verdade. Pela fé, "o
homem livremente se entrega todo a Deus. Por isso o fiel procura conhecer e fazer a vontade de
Deus. "O justo viverá da fé" (Rm 1,17). A fé viva "age pela caridade" (Gl 5,6).
1815 O dom da fé permanece naquele que não pecou contra ela. Mas "é morta a fé
sem obras" (Tg 2,26): privada da esperança e do amor, a fé não une plenamente o fiel a Cristo e
não faz dele um membro vivo de seu Corpo.
1816 O discípulo de Cristo não deve apenas guardar a fé e nela viver, mas também
professá-la, testemunhá-la com firmeza e difundi-la: "Todos devem estar prontos a confessar
Cristo perante os homens e segui-lo no caminho da Cruz, entre perseguições que nunca faltam à
Igreja. O serviço e o testemunho da fé são requisitos da salvação: "Todo aquele que se declarar
por mim diante dos homens também eu me declararei por ele diante de meu Pai que está nos
céus. Aquele, porém, que me renegar diante dos homens também o renegarei diante de meu
Pai que está nos céus" (Mt 10,32-33).
A ESPERANÇA
1817 A esperança é a virtude teologal pela qual desejamos como nossa felicidade o
Reino dos Céus e a Vida Eterna, pondo nossa confiança nas promessas de Cristo e apoiando-nos
não em nossas forças, mas no socorro da graça do Espírito Santo. "Continuemos a afirmar nossa
esperança, porque é fiel quem fez a promessa" (Hb 10,23). "Este Espírito que ele ricamente
derramou sobre nós, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador, a fim de que fôssemos justificados
por sua graça e nos tornássemos herdeiros da esperança da vida eterna" (Tt 3,6-7).
1818 A virtude da esperança responde à aspiração de felicidade colocada por Deus no
coração de todo homem; assume as esperanças que inspiram as atividades dos homens;
purifica-as, para ordená-las ao Reino dos Céus; protege contra o desânimo; dá alento em todo
esmorecimento; dilata o coração na expectativa da bem-aventurança eterna. O impulso da
esperança preserva do egoísmo e conduz à felicidade da caridade.
1819 A esperança cristã retoma e realiza a esperança do povo eleito, que tem sua
origem e modelo na esperança de Abraão, cumulada em Isaac, das promessas de Deus, e
purificada pela prova do sacrifício. "Ele, contra toda a esperança, acreditou na esperança de
tornar-se pai de muitos povos" (Rm 4,18).
1820 A esperança cristã se manifesta desde o inicio da pregação de Jesus no anúncio
das bem-aventuranças. As bem-aventuranças elevam nossa esperança ao céu, como para a
nova Terra prometida; traçam o caminho por meio das provação reservadas aos discípulos de
Jesus. Mas, pelos méritos de Jesus Cristo e de sua Paixão, Deus nos guarda na "esperança que
não decepciona" (Rm 5,5). A esperança é a "âncora da alma) segura e firme, "penetrando...
onde Jesus entrou por nós, como precursor" (Hb 6,19-20). Também é uma arma que nos protege
no combate da salvação: "Revestidos da couraça da fé e da caridade e do capacete da
esperança da salvação" (l Ts 5,8) Ela nos traz alegria mesmo na provação: "alegrando-vos na
esperança, perseverando na tribulação" (Rm 12,12). Ela se exprime e se alimenta na oração,
especialmente no Pai-Nosso resumo de tudo o que a esperança nos faz desejar.
1821 Podemos esperar, pois, a glória do céu prometida por Deus aos que o amam e
fazem sua vontade. Em qualquer circunstância, cada qual deve esperar, com a graça de Deus,
"perseverar até o fim" e alcançar a alegria do céu comi recompensa eterna de Deus pelas boas
obras praticadas com graça de Cristo. Na esperança, a Igreja pede que "todos ó homens sejam
salvos" (1Tm 2,4). Ela aspira a estar unida a Cristo, seu Esposo, na glória do céu.
Espera, ó minha alma, espera. Ignoras o dia e a hora. Vigia cuidadosamente, tudo passa
com rapidez, ainda que tua impaciência torne duvidoso o que é certo, e longo um tempo bem
curto. Considera que, quanto mais pelejares, mais provarás o amor que tens a teu Deus e mais te
alegrarás um dia com teu Bem-Amado numa felicidade e num êxtase que não poderão jamais
terminar.
A CARIDADE
1822 A caridade é a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas,
por si mesmo, e a nosso próximo como a nós mesmos, por amor de Deus.
1823 Jesus fez da caridade o novo mandamento. Amando os seus "até o fim" (Jo 13,1),
manifesta o amor do Pai que Ele recebe. Amando-se uns aos outros, os discípulos imitam o amor
de Jesus que eles também recebem. Por isso diz Jesus: "Assim como o Pai me amou, também eu
vos amei. Permanecei em meu amor" (Jo 15,9). E ainda: "Este é o meu preceito: Amai-vos uns aos
outros como eu vos amei" (Jo 15,12).
1824 Fruto do Espírito e da plenitude da lei, a caridade guarda os mandamentos de Deus
e de seu Cristo: "Permanecei em meu amor. Se observais os meus mandamentos, permanecereis
no meu amor" (Jo 15,9-10).
1825 Cristo morreu por nosso amor quando éramos ainda "inimigos" (Rm 5,10). O Senhor
exige que amemos, como Ele, mesmo os nossos inimigos, que nos tornemos o próximo do mais
afastado, que amemos como Ele as crianças e os pobres.
O apóstolo S. Paulo traçou um quadro incomparável da caridade: "A caridade é
paciente, a caridade é prestativa, não é invejosa, não se ostenta, não se incha de orgulho.
Nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor.
Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo
espera, tudo suporta" (l Cor 13,4-7).
1826 Diz ainda o apóstolo: "Se não tivesse a caridade, nada seria...". E tudo o que é
privilégio, serviço e mesmo virtude... "se não tivesse a caridade, isso nada me adiantaria". A
caridade superior a todas as virtudes. E a primeira das virtudes teologais "Permanecem fé,
esperança, caridade, estas três coisas. A maior delas, porém, é a caridade" (1 Cor 13,13).
1827 O exercício de todas as virtudes é animado e inspirado pela caridade, que é o
"vinculo da perfeição" (Cl 3,14); é a forma das virtudes, articulando-as e ordenando-as entre si; é
fonte e termo de sua prática cristã. A caridade assegura purifica nossa capacidade humana de
amar, elevando-a à feição sobrenatural do amor divino.
1828 A prática da vida moral, animada pela caridade, dá ao cristão a liberdade
espiritual dos filhos de Deus. Já não está diante de Deus como escravo em temor servil, nem
como mercenário à espera do pagamento, mas como um filho que responde ao amor daquele
"que nos amou primeiro" (1 Jo 4,19): Ou nos afastamos do mal por medo do castigo, estando
assim na posição do escravo; ou buscamos o atrativo da recompensa, assemelhando-nos aos
mercenários; ou é pelo bem em si mo e por amor de quem manda que nós obedecemos... e
estaremos então na posição de filhos.
1829 A caridade tem como frutos a alegria, a paz e a misericórdia exige a beneficência
e a correção fraterna; é benevolência; suscita a reciprocidade; é desinteressada e liberal; é
amizade e comunhão: A finalidade de todas as nossas obras é o amor. Este é o fim, é para
alcançá-lo que corremos, é para ele que corremos; uma vez chegados, é nele que
repousaremos.
III. OS DONS E FRUTOS DO ESPÍRITO SANTO
1830 A vida moral dos cristãos é sustentada pelos dons do Espírito Santo. Estes são
disposições permanentes que tornam o homem dócil para seguir os impulsos do mesmo Espírito.
1831 Os sete dons do Espírito Santo são: sabedoria, inteligência, conselho, fortaleza,
ciência, piedade e temor de Deus. Em plenitude, pertencem a Cristo, Filho de Davi . Completam
e levam ã perfeição as virtudes daqueles que os recebem. Tornam os fiéis dóceis para obedecer
prontamente às inspirações divinas.
Que o teu bom espírito me conduza por uma terra aplanada (Sl 143,10)
Todos os que são conduzidos pelo Espírito Santo são filhos de Deus são filhos de Deus...
Filhos e, portanto, herdeiros; herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo (Rm 8,14.17).
1832 Os frutos do Espírito são perfeições que o Espírito Santo forma em nós como
primícias da glória eterna. A Tradição da Igreja enumera doze: "caridade, alegria, paz,
paciência, longanimidade, bondade, benignidade, mansidão, fidelidade, modéstia, continência
e castidade" (Gl 5,22-23 vulg.).
RESUMINDO
1833 A virtude é uma disposição habitual e firme de fazer o bem.
1834 As virtudes humanas são disposições estáveis da inteligência e da vontade que,
regulam nossos atos, ordenando nossas paixões e guiando-nos segundo a razão e a fé. Podem
ser agrupadas em torno de quatro virtudes cardeais: a prudência, a justiça, a fortaleza e a
temperança.
1835 A prudência dispõe a razão prática a discernir, em qualquer circunstância, nosso
verdadeiro bem e a escolher os meios adequados para realizá-lo.
1836 A justiça consiste na vontade constante e firme de dar a Deus e ao próximo o que
lhes é devido.
1837 A fortaleza garante, nas dificuldades, a firmeza e a constância na busca do bem.
1838 A temperança modera a atração dos prazeres sensíveis e pro-cura o equilíbrio no
uso dos bens criados.
1839 As virtudes morais crescem pela educação, pelos atos deliberados e pela
perseverança no esforço. A graça divina purifica e as eleva.
1840 As virtudes teologais dispõem os cristãos a viver em relação com a Santíssima
Trindade. Têm a Deus por origem, motivo e objeto, Deus conhecido pela fé, esperado e amado
por casa de si mesmo.
1841 Há três virtudes teologais: a fé, a esperança e a caridade[a82] . Estas informam e
vivificam todas as virtudes morais.
1842 Pela fé, nós cremos em Deus e em tudo o que Ele nos revelou e que a Santa Igreja
nos propõe para crer.
1843 Pela esperança, desejamos e aguardamos de Deus, com firme confiança, a vida
eterna e as graças para merecê-la.
1844 Pela caridade, amamos a Deus sobre todas as coisas e a nosso próximo como a
nós mesmos por amor a Deus. Ela é o "vínculo da perfeição" (Cl 3,14) e a forma de todas as
virtudes.
1845 Os sete dons do Espírito Santo concedidos ao cristão sabedoria, inteligência,
conselho, fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus.
A R T I G O 8
O P E C A D O
I. A MISERICÓRDIA E O PECADO
1846 O Evangelho é a revelação, em Jesus Cristo, da misericórdia de Deus para com os
pecadores[a84] . O anjo anuncia a José: "Tu chamarás com o nome de Jesus, pois ele salvará
seu povo de seus pecados" (Mt 1,21). O mesmo se dá com a Eucaristia, sacramento da
redenção: "Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado por muitos, para
remissão dos pecados" (Mt 26,28).
1847 "Deus nos criou sem nós, mas não quis salvar-nos sem nós." Acolher sua misericórdia
exige de nossa parte a confissão de nossas faltas. "Se dissermos: 'Não temos pecado',
enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos nossos pecados,
Ele, que é fiel e justo, perdoará nossos pecados e nos purificará de toda injustiça" (1Jo 1,8-9).
1848 Como afirma S. Paulo: "Onde avultou o pecado, a graça superabundou" (Rm 5,20).
Mas, para realizar seu trabalho, deve a graça descobrir o pecado, a fim de converter nosso
coração e nos conferir "a justiça para a vida eterna, por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor" (Rm
5,21). Como o médico que examina a ferida antes de curá-la, assim Deus, por sua palavra e por
seu Espírito, projeta uma luz viva sobre o pecado.
A conversão requer que se lance luz sobre o pecado; ela contém em si mesma o
julgamento interior da consciência. Pode-se ver nisso a prova da ação do Espírito de verdade no
mais íntimo do homem, e isso se torna ao mesmo tempo o início de um novo dom da graça e do
amor: "Recebei o Espírito Santo". Assim, nesta ação de "lançar luz sobre o pecado" descobrimos
um duplo dom: o dom da verdade da consciência e o dom da certeza da redenção. O Espírito
de verdade é o Consolador.
II. A DEFINIÇÃO DO PECADO
1849 O pecado é uma falta contra a razão, a verdade, a consciência reta; é uma falta
ao amor verdadeiro para com Deus e para com o próximo, por causa de um apego perverso a
certos bens. Fere a natureza do homem e ofende a solidariedade humana. Foi definido como
"uma palavra, um ato ou um desejo contrários à lei eterna".
1850 O pecado é ofensa a Deus: "Pequei contra ti, contra ti somente; pratiquei o que é
mau aos teus olhos" (Sl 51,6). O pecado ergue-se contra o amor de Deus por nós e desvia dele os
nossos corações. Como o primeiro pecado, é uma desobediência, uma revolta contra Deus, por
vontade de tornar-se "como deuses", conhecendo e determinando o bem e o mal (Gn 3,5). O
pecado é, portanto, "amor de si mesmo até o desprezo de Deus". Por essa exaltação orgulhosa
de si, o pecado é diametralmente contrário à obediência de Jesus, que realiza a salvação.
1851 É justamente na paixão, em que a misericórdia de Cristo vai vencê-lo, que o
pecado manifesta o grau mais alto de sua violência e de sua multiplicidade: incredulidade, ódio
assassino, rejeição e zombarias da parte dos chefes e do povo, covardia de Pilatos e crueldade
dos soldados, traição de Judas, tão dura para Jesus, negação de Pedro e abandono da parte
dos discípulos. Mas, na própria hora das trevas e do príncipe deste mundo, o sacrifício de Cristo
se toma secretamente a fonte de onde brotará inesgotavelmente o perdão de nossos pecados.
III. A DIVERSIDADE DOS PECADOS
1852 A variedade dos pecados é grande. As Escrituras nos fornecem várias listas. A Carta
aos gálatas opõe as obras da carne ao fruto do Espírito: "As obras da carne são manifestas:
fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, ódio, rixas, ciúmes, ira, discussões,
discórdia, divisões, invejas, bebedeiras, orgias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais
eu vos previno, como já vos preveni: os que tais coisas praticam não herdarão o Reino de Deus"
(Gl 5,19-21)".
1853 Pode-se distinguir os pecados segundo seu objeto, como em todo ato humano, ou
segundo as virtudes a que se opõem, por excesso ou por defeito, ou segundo os mandamentos
que eles contrariam. Pode-se também classificá-los conforme dizem respeito a Deus, ao próximo
ou a si mesmo; pode-se dividi-los em pecados espirituais e carnais, ou ainda em pecados por
pensamento, palavra, ação ou omissão. A raiz do pecado está no coração do homem, em sua
livre vontade, segundo o ensinamento do Senhor: "Com efeito, é do coração que procedem más
inclinações, assassínios, adultérios, prostituições, roubos, falsos testemunhos e difamações. São
estas as coisas que tomam o homem impuro" (Mt 15,19-20). No coração reside também a
caridade, princípio das obras boas e puras, que o pecado fere.
IV. A GRAVIDADE DO PECADO: PECADO MORTAL E VENIAL
1854 Convém avaliar os pecados segundo sua gravidade. Perceptível já na Escritura, a
distinção entre pecado mortal e pecado venial se impôs na tradição da Igreja. A experiência
humana a corrobora.
1855 O pecado mortal destrói a caridade no coração do homem por uma infração
grave da lei de Deus; desvia o homem de Deus, que é seu fim último e sua bem-aventurança,
preferindo um bem inferior.
O pecado venial deixa subsistir a caridade, embora a ofenda e fira.
1856 O pecado mortal, atacando em nós o princípio vital, que é a caridade, exige uma
nova iniciativa da misericórdia de Deus e uma conversão do coração, que se realiza
normalmente no sacramento da Reconciliação:
Quando a vontade se volta para uma coisa contrária â caridade pela qual estamos
ordenados ao fim último, há no pecado, por seu próprio objeto, matéria para ser mortal... quer
seja contra o amor a Deus, como a blasfêmia, o perjúrio etc., quer seja contra o amor ao
próximo, como o homicídio, o adultério etc. Por outro lado, quando a vontade do pecador se
dirige às vezes a um objeto que contém em si uma desordem, mas não é contrário ao amor a
Deus e ao próximo, como por exemplo palavra ociosa, riso supérfluo etc., tais pecados são
veniais'.
1857 Para que um pecado, seja mortal requerem-se três condições ao mesmo tempo: "E
pecado mortal todo pecado que tem como objeto uma matéria grave, e que é cometido com
plena consciência e deliberadamente".
1858 A matéria grave é precisada pelos Dez mandamentos, segundo a resposta de
Jesus ao jovem rico: "Não mates, não cometas adultério, não roubes, não levantes falso
testemunho, não dó fraudes ninguém, honra teu pai e tua mãe" (Mc 10,19). A gravidade dos
pecados é maior ou menor: um assassinato é mais grave que um roubo. A qualidade das
pessoas lesadas é levada também em consideração. A Violência exercida contra os pais é em
mais grave que contra um estranho.
1859 O pecado mortal requer pleno conhecimento e pleno consentimento. Pressupõe o
conhecimento do caráter pecaminoso do ato, de sua oposição à lei de Deus. Envolve também
um consentimento suficientemente deliberado para ser uma escolha pessoal. A ignorância
afetada e o endurecimento do coração não diminuem, antes aumentam, o caráter voluntário
do pecado.
1860 A ignorância involuntária pode diminuir ou até escusar a imputabilidade de uma
falta grave, mas supõe-se que ninguém ignora os princípios da lei moral inscritos na consciência
de todo ser humano. Os impulsos da sensibilidade, as paixões podem igualmente reduzir o
caráter voluntário e livre da falta, como também pressões exteriores e perturbações patológicas.
O pecado por malícia, por opção deliberada do mal, é o mais grave.
1861 O pecado mortal é uma possibilidade radical da liberdade humana, como o
próprio amor. Acarreta a perda da caridade e a privação da graça santificante, isto é, do
estado de graça. Se este estado não for recuperado mediante o arrependimento e o perdão de
Deus, causa a exclusão do Reino de Cristo e a morte eterna no inferno, já que nossa liberdade
tem o poder de fazer opções para sempre, sem regresso. No entanto, mesmo podendo julgar
que um ato é em si falta grave, devemos confiar o julgamento sobre as pessoas à justiça e à
misericórdia de Deus.
1862 Comete-se um pecado venial quando não se observa, em matéria leve, a medida
prescrita pela lei moral, ou então quando se desobedece à lei moral em matéria grave, mas sem
pleno conhecimento ou sem pleno consentimento.
1863 O pecado venial enfraquece a caridade; traduz uma afeição desordenada pelos
bens criados; impede o progresso da alma no exercício das virtudes e a prática do bem moral;
merece penas temporais. O pecado venial deliberado e que fica sem arrependimento dispõenos
pouco a pouco a cometer o pecado mortal. Mas o pecado venial não quebra a aliança
com Deus. É humanamente reparável com a graça de Deus. "Não priva da graça santificante,
da amizade com Deus, da caridade nem, por conseguinte, da bem-aventurança eterna."
O homem não pode, enquanto está na carne, evitar todos os pecados, pelo menos os
pecados leves. Mas esses pecados que chamamos leves, não os consideras insignificantes: se os
consideras insignificantes ao pesá-los, treme ao contá-los. Um grande número de objetos leves
faz uma grande massa; um grande número de gotas enche um rio; um grande número de grãos
faz um montão. Qual é então nossa esperança? Antes de tudo, a confissão...
1864 "Todo pecado, toda blasfêmia será perdoada aos homens, mas a blasfêmia contra
o Espírito não será perdoada" (Mt 12,31. Pelo contrário, quem a profere é culpado de um pecado
eterno. A misericórdia de Deus não tem limites, mas quem se recusa deliberadamente a acolher
a misericórdia de Deus pelo arrependimento rejeita o perdão de seus pecados e a salvação
oferecida pelo Espírito Santo. Semelhante endurecimento pode levar à impenitência final e à
perdição eterna.
V. A PROLIFERAÇÃO DO PECADO
1865 O pecado cria uma propensão ao pecado; gera o vício pela repetição dos mesmos
atos. Disso resultam inclinações perversas que obscurecem a consciência e corrompem a
avaliação concreta do bem e do mal. Assim, o pecado tende a reproduzir-se e a reforçar-se,
mas não consegue destruir o senso moral até a raiz.
1866 Os vícios podem ser classificados segundo as virtudes que contrariam, ou ainda
ligados aos pecados capitais que a experiência cristã distinguiu seguindo S. João Cassiano e S.
Gregório Magno. São chamados capitais porque geram outros pecados, outros vícios. São o
orgulho, a avareza, inveja, a ira, a impureza, a gula, a preguiça ou acídia.
1867 A tradição catequética lembra também que existem “pecados que bradam ao
céu". Bradam ao céu o sangue de Abel, o pecado dos sodomitas; o clamor do povo oprimido no
Egito[a121] ; a queixa do estrangeiro, da viúva e do órfão; a injustiça contra o assalariado.
1868 O pecado é um ato pessoal. Além disso, temos responsabilidade nos pecados
cometidos por outros, quando neles cooperamos:
ü participando neles direta e voluntariamente;
ü mandando, aconselhando, louvando ou aprovando esses pecados;
ü não os revelando ou não os impedindo, quando a somos obrigados;
ü protegendo os que fazem o mal.
1869 Assim, o pecado toma os homens cúmplices uns dos outros, faz reinar entre eles a
concupiscência, a violência e a injustiça. Os pecados provocam situações sociais e instituições
contrárias à bondade divina. As "estruturas de pecado" são a expressão e o efeito dos pecados
pessoais. Induzem suas vítimas a cometer, por sua vez, o mal. Em sentido analógico, constituem
um "pecado social".
RESUMINDO
1870 "Deus encerrou todos na desobediência, para a todos fazer misericórdia" (Rm 11,32).
1871 O pecado é "uma palavra, um ato ou um desejo contrário à lei eterna". É uma
ofensa a Deus. Insurge-se contra Deus numa desobediência contrária à obediência de Cristo.
1872 O pecado é um ato contrário à razão. Fere a natureza do homem e ofende a
solidariedade humana.
1873 A raiz de todos os pecados está no coração do homem. As espécies e a gravidade
dos mesmos medem-se principalmente segundo seu objeto.
1874 Escolher deliberadamente, isto é, sabendo e querendo, uma coisa gravemente
contrária à lei divina e ao fim último do homem é cometer pecado mortal. Este destrói em nós a
caridade, sem a qual é impossível a bem-aventurança eterna. Caso não haja arrependimento, o
pecado mortal acarreta a morte eterna.
1875 O pecado venial constitui uma desordem moral reparável pela caridade, que ele
deixa subsistir em nós.
1876 A repetição dos pecados, mesmo veniais, produz os vícios, entre os quais avultam
os pecados capitais.
A COMUNIDADE HUMANA
1877 A vocação da humanidade consiste em manifestar a imagem de Deus e ser
transformada à imagem do Filho único do Pai. Esta vocação implica uma dimensão pessoal, pois
cada um é chamado a entrar na Bem-Aventurança divina, mas concerne também ao conjunto
da comunidade humana.
A R T I G O I
A P E S S O A E A S O C I E D A D E
I. O CARÁTER COMUNITÁRIO DA VOCAÇÃO HUMANA
1878 Todos os homens são chamados ao mesmo fim, o próprio Deus. Existe certa
semelhança entre a unidade das pessoas divinas e a fraternidade que os homens devem
estabelecer entre si, na verdade e no amor. O amor ao próximo é inseparável do amor a Deus.
1879 A pessoa humana tem necessidade de vida social. Esta não constitui para ela algo
acrescentado, mas é uma exigência de sua natureza. Mediante o intercâmbio com os outros, a
reciprocidade dos serviços e o diálogo com seus irmãos, o homem desenvolve as próprias
virtualidades; responde, assim, à sua vocação.
1880 Uma sociedade é um conjunto de pessoas ligadas de maneira orgânica por um
princípio de unidade que ultrapassa cada uma delas. Assembléia ao mesmo tempo visível e
espiritual, uma sociedade perdura no tempo; ela recolhe o passado e prepara o futuro. Por ela,
cada homem é constituído "herdeiro", recebe "talentos" que enriquecem sua identidade e com
os quais deve produzir frutos. Com justa razão, deve cada qual dedicar-se às comunidades de
que faz parte e respeitar as autoridades encarregadas do bem comum.
1881 Cada comunidade se define por seu fim e obedece, por conseguinte, a regras
específicas, mas "a pessoa humana é e deve ser o princípio, sujeito e fim de todas as instituições
sociais".
1882 Certas sociedades, como a família e a cidade, correspondem mais imediatamente
à natureza do homem. São-lhe necessárias. A fim de favorecer a participação do maior número
na vida social, é preciso encorajar a criação de associações e instituições de livre escolha, "com
fins econômicos, culturais, sociais, esportivos, recreativos, profissionais, políticos, tanto no âmbito
interno das comunidades políticas como no plano mundial". Esta “socialização" exprime,
igualmente, a tendência natural que impele os seres humanos a se associarem para atingir
objetivos que ultrapassam as capacidades individuais. Desenvolve as qualidades da pessoa,
particularmente seu espírito de iniciativa e responsabilidade. Ajuda a garantir seus direitos.
1883 A socialização apresenta também perigos. Uma intervenção muito acentuada do
Estado pode ameaçar a liberdade e iniciativa pessoais. A doutrina da Igreja elaborou o
chamado princípio de subsidiariedade. Segundo este princípio, "uma sociedade de ordem
superior não deve interferir na vida interna de uma sociedade inferior, privando-a de suas
competências, mas deve, antes, apoiá-la em caso de necessidade e ajudá-la a coordenar sua
ação com as dos outros elementos que compõem a sociedade, tendo em vista o bem comum".
1884 Deus não quis reter só para si o exercício de todos os poderes. Confia a cada
criatura as funções que esta é capaz de exercer, segundo as capacidades da própria natureza.
Este modo de governo deve ser imitado na vida social. O comportamento de Deus no governo
do mundo, que demonstra tão grande consideração pela liberdade humana, deveria inspirar a
sabedoria dos que governam as comunidades humanas. Estes devem comportar-se como
ministros da providência divina.
1885 O princípio de subsidiariedade opõe-se a todas as formas de coletivismo; traça os
limites da intervenção do Estado; tem em vista harmonizar as relações entre os indivíduos e as
sociedades; tende a instaurar uma verdadeira ordem internacional.
II. A CONVERSÃO E A SOCIEDADE
1886 A sociedade é indispensável à realização da vocação humana. Para alcançar este
objetivo, é necessário que seja respeitada a justa hierarquia dos valores que "subordina as
necessidades materiais e instintivas às interiores e espirituais.
A convivência humana deve ser considerada como realidade eminentemente espiritual,
intercomunicação de conhecimentos à luz da verdade, exercício de direitos e cumprimentos de
deveres, incentivo e apelo aos bens morais, gozo comum do belo em todas as suas legítimas
expressões, disponibilidade permanente para comunicar a outrem o melhor de si mesmo e
aspiração comum a um constante enriquecimento espiritual. Tais são os valores que devem
animar e orientar a atividade cultural, a vida econômica, a organização social, os movimentos e
os regimes políticos, a legislação e todas as outras expressões da vida social em contínua
evolução.
1887 A inversão dos meios e dos fins, que acaba por conferir valor de fim último àquilo que
não passa de meio para segui-lo, ou por considerar as pessoas como meros meios em vista de
um fim, produz estruturas injustas, que "tornam árdua e praticamente impossível uma conduta
cristã conforme mandamentos do Divino Legislador"
1888 É preciso, então, apelar às capacidades espirituais e morais da pessoa e à exigência
permanente de sua conversão interior, a fim de obter mudanças sociais que estejam realmente a
seu serviço. A prioridade reconhecida à conversão do coração não elimina absolutamente,
antes impõe, a obrigação de trazer instituições e às condições de vida, quando estas provocam
o pecado, o saneamento conveniente, para que sejam conformes às normas da justiça e
favoreçam o bem, em vez de pôr-lhe obstáculos.
1889 Sem o auxílio da graça, os homens seriam incapazes de "discernir a senda
freqüentemente estreita entre a covardia que cede ao mal e a violência que, na ilusão de o
estar combatendo, ainda o agrava mais". É o caminho da caridade, quer dizer, do amor a Deus
e ao próximo. A caridade representa o maior mandamento social. Respeita o outro e seus
direitos. Exige a prática da justiça, e só ela nos torna capazes de praticá-la. Inspira uma vida de
autodoação: "Quem procurar ganhar sua vida vai perdê-la, e quem a perder vai conservá-la" (Lc
17,33).
RESUMINDO
1890 Existe certa semelhança entre a unidade das pessoas divinas e a fraternidade que
os homens devem estabelecer entre si.
1891 Para desenvolver-se em conformidade com sua natureza, em a pessoa humana
necessidade da vida social. Certas sociedades, como a família e a cidade, correspondem mais
imediata-mente à natureza do homem.
1892 "A pessoa humana é e deve ser o princípio, sujeito e fim de todas as instituições
sociais. É preciso fomentar uma ampla participação em associações e instituições de livre
escolha.
1894 Segundo o princípio de subsidiariedade, nem o Estado nem qualquer outra
sociedade mais ampla devem substituir a iniciativa e a responsabilidade das pessoas e dos
órgãos intermediários.
1895 A sociedade deve favorecer o exercício das virtudes, não pôr-lhe obstáculos. Deve
inspirá-la uma justa hierarquia de valores.
1896 Onde o pecado perverte o clima social, é preciso apelar à conversão dos corações
e à graça de Deus. A caridade impele a justas reformas. Não existe solução da questão social
fora do Evangelho.
A R T I G O 2
A P A R T I C I P A Ç Ã O N A V I D A S O C I A L
I. A AUTORIDADE
1897 "A sociedade humana não estará bem constituída nem será fecunda a não ser
que lhe presida uma autoridade legítima que salvaguarde as instituições e dedique o necessário
trabalho e esforço ao bem comum."
Chama-se "autoridade" a qualidade em virtude da qual pessoas ou instituições fazem leis e
dão ordens a homens, e esperam obediência da parte deles.
1898 Toda comunidade humana tem necessidade de uma autoridade que a dirija[a30]
. Tal autoridade encontra seu fundamento na natureza humana. É necessária à unidade da
cidade. Seu papel consiste em assegurar enquanto possível o bem comum da sociedade.
1899 A autoridade exigida pela ordem moral emana de Deus: "Todo homem se submeta
às autoridades constituídas, pois não há autoridade que não venha de Deus, e as que existem
foram estabelecidas por Deus. De modo que aquele que se revolta contra a autoridade opõe-se
à ordem estabelecida por Deus. E os que se opõem atrairão sobre si a condenação" (Rm l3,l-2).
1900 O dever da obediência impõe a todos prestar à autoridade as honras a ela devidas
e cercar de respeito e, conforme seu mérito de gratidão e benevolência as pessoas investidas de
autoridade.
Deve-se ao papa S. Clemente de Roma a mais antiga oração Igreja pela autoridade
política:
"Concedei-lhes, Senhor, a saúde, a paz, a concórdia, a estabilidade para que exerçam
sem entraves a soberania que lhes concedestes. Sois vós, Mestre, rei celeste dos séculos, quem
dá aos filhos dos homens glória, honra e poder sobre as coisas da terra. Dirigi, Senhor, seu
conselho segundo o que é bom, segundo o que é agradável a vossos olhos, a fim de que,
exercendo com piedade, na paz e mansidão, o poder que lhes destes, Nos encontrem propício.
1901 Se, por um lado, a autoridade remete a uma ordem fixada por Deus, por outro, são
entregues à livre vontade dos cidadãos a escolha do regime e a designação dos governantes.
1902 A diversidade dos regimes políticos é moralmente admissível, contanto que
concorram para o bem legítimo da comunidade que os adota. Os regimes cuja natureza é
contrária à lei natural, à ordem pública e aos direitos fundamentais das pessoas não podem
realizar o bem comum das nações às quais são impostos. A autoridade não adquire de si mesma
sua legitimidade moral. Não deve comportar-se de maneira despótica, mas agir para o bem
comum, como uma "força moral fundada na liberdade e no senso de responsabilidade":
A legislação humana não goza do caráter de lei senão na medida em que se conforma à
justa razão; de onde se vê que ela recebe seu vigor da lei eterna. Na medida em que ela se
afastasse da razão seria necessário declará-la injusta, pois não realizaria a noção de lei; seria
antes uma forma de violência.
1903 A autoridade só será exercida legitimamente se procurar o bem comum do grupo
em questão e se, para atingi-lo empregar meios moralmente lícitos. Se acontecer de os dirigentes
promulgarem leis injustas ou tomarem medidas contrárias à ordem moral, estas disposições não
poderão obrigar as consciências. "Neste caso, a própria autoridade deixa de existir degenerando
em abuso do poder."
1904 "É preferível que cada poder seja equilibrado por outros poderes e outras esferas
de competência que o mantenham em seu justo limite. Este e o principio do 'estado de direito',
no qual é soberana a lei, e não a vontade arbitrária dos homens."
II. O BEM COMUM
1905 Em conformidade com a natureza social do homem, o bem de cada um está
necessariamente relacionado com o bem comum. Este só pode ser definido em referência à
pessoa humana:
Não vivais isolados, retirados em vós mesmos como se já estivésseis justificados, mas já
estivésseis justificados, mas reuni-vos para procurar juntos o que é o interesse comum.
1906 Por bem comum é preciso entender "o conjunto daquelas condições da vida
social que permitem aos grupos e a cada um de seus membros atingirem de maneira mais
completa e desembaraçadamente a própria perfeição. O bem comum interessa à vida de
todos. Exige a prudência da parte de cada um e mais ainda da parte dos que exercem a
autoridade. Comporta ele três elementos essenciais.
1907 Supõe, em primeiro lugar, o respeito pela pessoa como tal. Em nome do bem
comum, os poderes públicos são obrigados a respeitar os direitos fundamentais e inalienáveis da
pessoa humana. A Sociedade é obrigada a Permitir que cada um de seus membros realize sua
vocação. Em particular, o bem comum consiste nas condições para exercer as liberdades
naturais indispensáveis ao desabrochar da vocação humana: "Tais são o direito de agir segundo
a norma reta de sua consciência, o direito á proteção da vida particular e à justa liberdade,
também em matéria religiosa".
1908 Em segundo lugar, o bem comum exige o bem-estar social e o desenvolvimento do
próprio grupo o desenvolvimento é o resumo de todos os deveres sociais. E claro, cabe à
autoridade servir de árbitro, em nome do bem comum, entre os diversos interesses particulares.
Mas ela deve tornar acessível a cada um aquilo de que precisa para levar uma vida
verdadeiramente humana: alimento, vestuário, saúde, trabalho, educação e cultura, informação
conveniente, direito de fundar um lar etc.
1909 Por fim, o bem comum envolve a paz, isto é, uma ordem justa duradoura e segura.
Supõe, portanto, que a autoridade assegure, por meios honestos, a segurança da sociedade e a
de seus membros, fundamentando o direito à legítima defesa pessoal e coletiva.
1910 Se cada comunidade humana possui um bem comum que lhe permite reconhecerse
como tal, é na comunidade política que encontramos sua realização mais completa. Cabe
ao Estado defender e promover o bem comum da sociedade civil, dos cidadãos e dos
organismos intermediários.
1911 As dependências humanas se intensificam. Estendem-se aos poucos à terra inteira.
A unidade da família humana, reunindo seres que gozam de uma dignidade natural igual,
implica um bem comum universal. Este exige uma organização da comunidade das nações
capaz de "atender às várias necessidades dos homens, tanto no campo da vida social
(alimentação, saúde, educação...) como em certas condições particulares que podem surgir cá
ou lá, tais como a necessidade (...) de acudir aos sofrimentos dos refugiados (...),ou de ajudar os
emigrantes e suas famílias”.
1912 O bem comum está sempre orientado ao progresso das pessoas: "A organização
das coisas deve subordinar-se à ordem das pessoas e não ao contrário”. Esta ordem tem por
base a verdade, edifica-se na justiça, é vivificada pelo amor.
III. RESPONSABILIDADE E PARTICIPAÇÃO
1913 A participação é o envolvimento voluntário e generoso da pessoa nas relações
sociais. É necessário que todos participem cada um conforme o lugar que ocupa e o papel que
desempenha, na promoção do bem comum. Este dever é inerente à dignidade da pessoa
humana.
1914 A participação se realiza, antes de tudo, assumindo os setores pelos quais se tem a
responsabilidade pessoal: pelo cuidado na educação da prole, por um trabalho consciencioso,
o homem participa no bem dos outros e da sociedade.
1915 Os cidadãos devem, na medida do possível, tomar parte ativa na vida pública. As
modalidades de tal participação podem variar de um pais para outro ou de uma cultura para
outra. "Deve-se louvar a maneira de proceder daquelas nações em que a maior parte dos
cidadãos, com autêntica liberdade, participa da vida pública."
1916 A participação de todos na realização do bem comum implica, como todo dever
ético, uma conversão sempre renovada dos parceiros sociais. A fraude e outros subterfúgios
pelos quais alguns escapam às malhas da lei e às prescrições do dever social devem ser
firmemente condenados, por serem incompatíveis com as exigências da justiça. É necessário
ocupar-se do florescimento das instituições que possam melhorar as condições da vida humana.
1917 Cabe aos que exercem a função de autoridade fortalecer os valores que atraem a
confiança dos membros do grupo e os incitam a se colocar a serviço dos semelhantes. A
participação começa pela educação e pela cultura. "Podemos pensar com razão em depositar
o futuro da humanidade nas mãos daqueles que são capazes de transmitir às gerações do
amanhã razões de viver e de esperar."
RESUMINDO
1918 “Não há autoridade que não venha de Deus, e as existentes foram instituídas por
Deus" (Rm 13,1).
1919 Toda comunidade humana tem necessidade de uma autoridade para se manter e
desenvolver.
1920 "É evidente que a comunidade política e a autoridade pública se fundamentam na
natureza humana, e por isso pertencem à ordem predeterminada por Deus."
1921 A autoridade é exercida de maneira legítima se estiver ligada à busca do bem
comum da sociedade. Para atingi-lo, deve utilizar meios moralmente aceitáveis.
1922 É legítima a diversidade dos regimes políticos, contanto que concorram para o bem
da comunidade.
1923 A autoridade política deve desenvolver-se dentro dos limites da ordem moral e
garantir as condições para o exercício da liberdade.
1924 O bem comum compreende "o conjunto daquelas condições da vida social que
permitem aos grupos e a cada um de seus membros atingirem de maneira mais completa e
desembaraçadamente a própria perfeição"
1925 O bem comum comporta três elementos essenciais: o respeito e a promoção dos
direitos fundamentais da pessoa; a prosperidade ou o desenvolvimento dos bens espirituais e
temporais da sociedade; a paz e a segurança do grupo e de seus membros.
1926 A dignidade da pessoa humana implica a procura do bem comum. Cada pessoa
deve preocupar-se em suscitar e conservar as instituições que aprimoram as condições da vida
humana.
1927 Cabe ao Estado defender e promover o bem comum da sociedade civil. O bem
comum de toda a família humana pede uma organização da sociedade internacional.
A R T I G O 3
A J U S T I Ç A S O C I A L
1928 A sociedade garante a justiça social quando realiza as condições que permitem às
associações e a cada membro seu obter o que lhes é devido conforme sua natureza e sua
vocação. A justiça social está ligada ao bem comum e ao exercício da autoridade.
I. O RESPEITO À PESSOA HUMANA
1929 Só se pode conseguir a justiça social no respeito à dignidade transcendente do
homem. A pessoa representa o fim último da sociedade, que por sua vez lhe está ordenada.
A defesa e a promoção da dignidade da pessoa humana nos foram confiadas pelo
Criador. Em todas as circunstâncias da história, os homens e as mulheres são rigorosamente
responsáveis e obrigados a esse dever.
1930 O respeito à pessoa humana implica que se respeitem os direitos que decorrem de
sua dignidade de criatura. Esses direitos são anteriores à sociedade e se lhe impõem. São eles
que fundam a legitimidade moral de toda autoridade; conculcando-os ou recusando-se a
reconhecê-los em sua lei positiva, uma sociedade mina sua própria legitimidade moral. Sem esse
respeito, uma autoridade só pode apoiar-se na força ou na violência para obter a obediência
de seus súditos. Cabe à Igreja lembrar esses direitos aos homens de boa vontade e distingui-los
das reivindicações abusivas ou falsas.
1931 O respeito pela pessoa humana passa pelo respeito deste princípio: "Que cada um
respeite o próximo, sem exceção, como 'outro eu', levando em consideração antes de tudo sua
vida e os meios necessários para mantê-la dignamente". Nenhuma lei seria capaz, por si só, de
fazer desaparecer os temores, os preconceitos, as atitudes de orgulho e egoísmo que constituem
obstáculos para o estabelecimento de sociedades verdadeiramente fraternas. Esses
comportamentos só podem cessar com a caridade, que vê em cada homem um "próximo", um
irmão.
1932 O dever de tomar-se o próximo do outro e servi-lo ativamente se torna ainda mais
urgente quando este se acha mais carente, em qualquer setor que seja. "Todas as vezes que
fizestes a um destes meus irmãos menores, a mim o fizestes" (Mt 25,40).
1933 Este mesmo dever se estende àqueles que pensam ou agem diferentemente de
nós. A doutrina de Cristo vai até o ponto de exigir o perdão das ofensas. Estende o mandamento
do amor, que é o da nova lei, a todos os inimigos. A libertação no espírito do Evangelho é
incompatível com o ódio ao inimigo, como pessoas mas não com o ódio ao mal que este
pratica, como inimigo.
II. IGUALDADE E DIFERENÇAS ENTRE OS HOMENS
1934 Criados à imagem do Deus único, dotados de uma mesma alma racional, todos os
homens têm a mesma natureza e a mesma origem. Resgatados pelo sacrifício de Cristo, todos
são convidados a participar na mesma felicidade divina; todos gozam, portanto, de igual
dignidade.
1935 A igualdade entre os homens diz respeito essencialmente à sua dignidade pessoal
e aos direitos que daí decorrem.
Qualquer forma de discriminação nos direitos fundamentais da pessoa, seja (essa
discriminação) social ou cultural, ou que se fundamente no sexo, na raça, na cor, na condição
social, na língua ou na religião deve ser superada e eliminada, porque contrária ao plano de
Deus[a79] .
1936 Quando nasce, o homem não dispõe de tudo aquilo que é necessário ao
desenvolvimento de sua vida corporal e espiritual. Precisa dos outros. Aparecem diferenças
ligadas à idade, às capacidades físicas, às aptidões intelectuais ou morais, aos intercâmbios de
que cada um pôde se beneficiar, à distribuição das riquezas. Os "talentos" não são distribuídos de
maneira igual.
1937 Essas diferenças pertencem ao plano de Deus; Ele quer que cada um receba do
outro aquilo que precisa e que os que dispõem de "talentos" específicos comuniquem seus
benefícios aos que deles precisam. As diferenças estimulam e muitas vezes obrigam as pessoas à
magnanimidade, à benevolência e à partilha; (essas diferenças) motivam as culturas a se
enriquecerem urnas às outras.
Eu não dou todas as virtudes na mesma medida a cada um (...) Existem virtudes que eu
distribuo desta maneira, ora a um ora a outro. (...) A este a caridade; a outro a justiça; a este a
humildade, àquele uma fé viva. (...) Distribuí muitas graças e virtudes, espirituais e temporais, com
tal diversidade que a ninguém por si só concedi todo o necessário, para serdes obrigados a usar
de caridade uns para com os outros. (...) Quis que todos tivessem necessidade uns dos outros e
fossem meus ministros na distribuição das graças e liberalidades que de mim receberam.
1938 Existem também desigualdades iníquas que atingem milhões de homens e mulheres
e se acham em contradição aberta com o Evangelho:
A igual dignidade das pessoas postula que se chegue a condições de vida mais justas e
mais humanas. Pois as excessivas desigualdades econômicas e sociais entre os membros e povos
da única família humana provocam escândalo e são contrárias à justiça social, à eqüidade, à
dignidade da pessoa humana e à paz social e internacional.
III. A SOLIDARIEDADE HUMANA
1939 O princípio da solidariedade, enunciado ainda sob o nome de ou "caridade
social'', é uma exigência direta da fraternidade humana e cristã:
Um erro, "hoje amplamente difundido, é o esquecimento desta lei da solidariedade
humana e da caridade, ditada e imposta tanto pela comunidade de origem e pela igualdade
da natureza racional em todos os homens, seja qual for o povo a que pertençam, como também
pelo sacrifício redentor oferecido por Jesus Cristo no altar da cruz a seu Pai celeste, em prol da
humanidade pecadora”
1940 A solidariedade se manifesta antes de mais nada na distribuição dos bens e na
remuneração do trabalho. Supõe também o esforço em favor de uma ordem social mais justa,
na qual as tensões possam ser mais bem resolvidas e os conflitos encontrem mais facilmente sua
solução por consenso.
1941 Os problemas sócio econômicos só podem ser resolvidos com o auxílio de todas as
formas de solidariedade: solidariedade dos pobres entre si, dos ricos e dos pobres, dos
trabalhadores entre si, dos empregadores e dos empregados na empresa, solidariedade entre as
nações e entre os povos. A solidariedade internacional é uma exigência de ordem moral. Em
parte, é da solidariedade que depende a paz mundial.
1942 A virtude da solidariedade vai além dos bens materiais. Difundindo os bens
espirituais da fé, a Igreja favoreceu também o desenvolvimento dos bens temporais, aos quais
muitas vezes abriu novos caminhos. Assim foi-se verificando, ao longo dos séculos, a palavra do
Senhor: "Buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e sua justiça, e todas essas coisas serão
acrescentadas" (Mt 6,33):
Há dois mil anos vive e persevera na alma da Igreja este sentimento que levou e ainda
leva as almas ao heroísmo caritativo dos monges agricultores, dos libertadores de escravos, dos
tratam dos enfermos, dos mensageiros de fé, de civilização, ciência a todas as gerações e a
todos os povos, em vista de criar condições sociais capazes de possibilitar a todos uma vida
digna do homem e do cristão.
RESUMINDO
1943 A sociedade garante a justiça social realizando as condições que permitam às
associações e a cada um obter o que lhes é devido.
1944 O respeito pela pessoa humana considera o outro como um "outro eu mesmo".
Supõe o respeito pelos direitos fundamentais que decorrem da dignidade intrínseca da pessoa.
1945 A igualdade entre os homens assenta sobre sua dignidade pessoal e sobre os
direitos que daí decorrem.
1946 As diferenças entre as pessoas pertencem ao plano de Deus, o qual quer que
todos nós tenhamos necessidade uns dos outros. Essas diferenças devem estimular a caridade.
1947 A dignidade igual das pessoas humanas exige o esforço para reduzir as
desigualdades sociais e econômicas excessivas e leva ao desaparecimento das desigualdades
iníquas.
1948 A solidariedade é uma virtude eminentemente cristã que pratica a partilha dos
bens espirituais mais ainda que dos materiais.
C A P Í T U L O I I I .
A S A L V A Ç Ã O D E D E U S : A L E I E A G R A Ç A
1949 Chamado à felicidade, mas ferido pelo pecado, o homem tem necessidade da
salvação de Deus. O socorro divino lhe é dado, em Cristo, pela lei que o dirige e na graça que o
sustenta:
Trabalhai para vossa salvação com temor e tremor, pois é Deus quem, segundo a
sua vontade, realiza em vós o querer e o fazer (Fl 2,12-13).
A R T I G O I
A LEI MORAL
1950 A lei moral é obra da Sabedoria divina. Pode-se definir a lei moral, no sentido
bíblico, como uma instrução paterna, uma pedagogia divina. Ela prescreve ao homem os
caminhos, as regras de comportamento que levam à felicidade prometida; proscreve os
caminhos do mal, que desviam de Deus e de seu amor. E ao mesmo tempo firme em seus
preceitos e amorosa em suas promessas.
1951 A lei é uma regra de comportamento promulgada pela autoridade competente
em vista do bem comum. A lei moral supõe a ordem racional estabelecida entre as criaturas,
para seu bem e em vista de seu fim, pelo poder, pela sabedoria e pela bondade do Criador.
Toda lei encontra na lei eterna sua verdade primeira e última. A lei é revelada e estabelecida
pela razão como una participação na providência do Deus vivo, Criador e Redentor de todos. "A
esta ordenação da razão dá-se o nome de lei":
Apenas o homem, entre todos os seres vivos, pode gloriar-se de ter sido digno de receber
de Deus uma lei. Animal dotado de razão, capaz de entendimento e discernimento, regulará sua
conduta dispondo de liberdade e de razão, na submissão àquele que tudo lhe confiou.
1952 As expressões da lei moral variam muito, e todas se acham coordenadas entre si: a
lei eterna, fonte, em Deus, de todas as leis; a lei natural; a lei revelada, compreendendo a Lei
Antiga e a Nova Lei (ou Lei evangélica); enfim, as leis civis e eclesiásticas.
1953 A lei moral encontra em Cristo sua plenitude e sua unidade. Jesus Cristo em pessoa
é o caminho da perfeição. Ele é o fim da lei, pois só ele ensina e dá a justiça de Deus. "Porque a
finalidade da lei é Cristo, para a justificação de todo o que crê" (Rm 10,4).
I. A LEI MORAL NATURAL
1954 O homem participa da sabedoria e da bondade do Cria-dor, que lhe confere o
domínio de seus atos e a capacidade de se governar em vista da verdade e do bem. A lei
natural ex-prime o sentido moral original, que permite ao homem discernir, pela razão, o que é o
bem e o mal, a verdade e a mentira.
A lei natural se acha escrita e gravada na alma de todos e de cada um dos homens,
porque ela é a razão humana ordenando fazer o bem e proibindo pecar. (...) Mas esta
prescrição da razão não poderia ter força de lei se não fosse a voz e o intérprete de uma razão
mais alta, à qual nosso espírito e nossa liberdade devem submeter-se.
1955 A lei "divina e natural" mostra ao homem o caminho a seguir para praticar o bem e
atingir seu fim. A lei natural enuncia os preceitos primeiros e essenciais que regem a vida moral.
Tem como esteio a aspiração e a submissão a Deus, fonte e juiz de todo bem, assim como sentir
o outro como igual a si mesmo. Está exposta, em seus principais preceitos, no Decálogo. Essa lei é
denominada natural não em referência à natureza dos seres irracionais, mas porque a razão que
a promulga pertence, como algo próprio, à natureza humana:
Onde é, então, que se acham inscritas estas regras, senão no livro desta luz que se
chama a verdade? Aí está escrita toda a lei justa, dali ela passa para o coração do homem que
cumpre a justiça, não que emigre para ele, mas sim deixando ai a sua marca, à maneira de um
sinete que de um anel passa para a cera, mas sem deixar o anel.
A lei natural outra coisa não é senão a luz da inteligência posta em nós por Deus.
Por ela, conhecemos o que se deve fazer e o que se deve evitar. Esta luz ou esta lei, deu-a Deus
a criação.
1956 Presente no coração de cada homem e estabelecida pela razão, a lei natural é
universal em seus preceitos, e sua autoridade se estende a todos os homens. Ela exprime a
dignidade da pessoa e determina a base de seus direitos e de seus deveres fundamentais:
Existe, sem dúvida, uma verdadeira lei: é a reta razão. Conforme à natureza,
difundida em todos os homens, ela é imutável e eterna; suas ordens chamam ao dever; suas
proibições afastam do pecado. (...) E um sacrilégio substituí-la por uma lei contrária; é proibido
não aplicar uma de suas disposições; quanto a abrogá-la inteiramente, ninguém tem a
possibilidade de fazê-lo.
1957 A aplicação da lei natural varia muito. Pode exigir uma reflexão adaptada à
multiplicidade das condições de vida, conforme os lugares, as épocas e as circunstâncias.
Todavia, na diversidade das culturas, a lei natural permanece como uma regra que liga entre si
os homens e lhes impõe, para além das inevitáveis diferenças, princípios comuns.
1958 A lei natural é imutável e permanente através das varias ações da história; ela
subsiste sob o fluxo das idéias e dos costumes e constitui a base para seu progresso. As regras que
a exprimem permanecem substancialmente válidas. Mesmo que alguém negue até os seus
princípios, não é possível destruí-la nem arrancá-la do coração do homem. Sempre torna a
ressurgir na vida dos indivíduos e das sociedades:
O roubo é certamente punido por vossa lei, Senhor, e pela lei escrita no coração do
homem, (lei) que nem mesmo a iniqüidade consegue apagar.
1959 Obra excelente do Criador, a lei natural fornece os fundamentos sólidos sobre os
quais pode o homem construir o edifício das regras morais que orientarão suas opções. Ela
assenta igualmente a base moral indispensável para a construção da comunidade dos homens.
Proporciona, enfim, a base necessária à lei civil que se relaciona com ela, seja por uma reflexão
que tira as conclusões de seus princípios, seja por adições de natureza positiva e jurídica.
1960 Os preceitos da lei natural não são percebidos por todos de maneira clara e
imediata. Na atual situação, a graça e a revelação nos são necessárias, como pecadores que
somos, para que as verdades religiosas e morais possam ser conhecidas "por todos e sem
dificuldade, com firme certeza e sem mistura de erro". A lei natural propicia à lei revelada e à
graça um fundamento preparado por Deus e em concordância com a obra do Espírito.
II. A LEI ANTIGA
1961 Deus, nosso criador e nosso redentor, escolheu para si Israel como seu povo e lhe
revelou sua Lei, preparando, assim, a vinda de Cristo. A Lei de Moisés exprime diversas verdades
naturalmente acessíveis à razão. Estas se acham declaradas e autenticadas no interior da
aliança da salvação.
1962 A Lei Antiga é o primeiro estágio da Lei revelação. Suas prescrições morais estão
resumidas nos Dez Mandamentos. Os preceitos do Decálogo assentam as bases da vocação do
homem, feito à imagem de Deus; proíbem aquilo que é contrário ao amor de Deus e do próximo
e prescrevem o que lhe é essencial. O Decálogo é uma luz oferecida à consciência de todo
homem, para lhe manifestar o chamamento e os caminhos de Deus e protegê-lo do mal:
Deus escreveu nas tábuas da lei aquilo que os homens não conseguiam ler em seus
corações.
1963 Segundo tradição cristã, a lei santa, espiritual e boa ainda é imperfeita. Como um
pedagogo, ela mostra o que se deve fazer, mas não dá por si mesma a força, a graça do Espírito
para cumpri-la. Por causa do pecado que não pode tirar, é ainda uma lei de servidão. Conforme
S. Paulo, ela tem principalmente como função denunciar e manifestar o pecado que forma uma
"lei de concupiscência” no coração do homem. No entanto, a lei permanece como a primeira
etapa no caminho do Reino. Prepara e dispõe o povo eleito e cada cristão à conversão e à fé
no Deus salvador. Oferece um ensinamento que subsiste para todo o sempre, como a Palavra de
Deus.
1964 A Lei Antiga é uma preparação para o Evangelho. "A lei é profecia e pedagogia
das realidades futuras.” Profetiza e pressagia a obra da libertação do pecado, que se realizará
com Cristo, e fornece ao Novo Testamento as imagens, os "tipos", os símbolos, para exprimir a
vida segundo o Espírito. A Lei se completa, enfim, pelo ensinamento dos livros sapienciais e dos
profetas que a Orientam para a nova aliança e o Reino dos Céus.
Houve (...), sob o regime da Antiga Aliança, pessoas que possuíam a caridade e a
graça do Espírito Santo e aspiravam sobretudo às promessas espirituais e eternas, e deste modo
se ligavam à nova lei. Inversamente, existem também sob a nova aliança homens carnais, ainda
longe da perfeição da nova Lei. Para os estimular às obras virtuosas, foram necessários o temor
do castigo e diversas promessas temporais, até sob a Nova Aliança. Em todo caso, mesmo que a
Lei Antiga prescrevesse a caridade, ela não dava o Espírito Santo pelo qual "o amor de Deus
derramado em nossos corações" (Rm 5,5).
III. A NOVA LEI OU LEI EVANGÉLICA
1965 A Nova Lei ou Lei evangélica é a perfeição, na terra, da lei divina, natural e
revelada. Ela é a obra do Cristo e se exprime particularmente no Sermão da Montanha. E
também obra do Espírito Santo e, por ele, vem a ser a lei interior da caridade: "Concluirei com a
casa de Israel uma nova aliança. (...) Colocarei minhas leis em sua mente e as inscreverei em seu
coração; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo" (Hb 8,8.10).
1966 A Nova Lei é a graça do Espírito Santo dada aos fiéis pela fé em Cristo. É operante
pela caridade, serve-se do Sermão do Senhor para nos ensinar o que é preciso fazer e dos
sacramentos para nos comunicar a graça de fazê-lo.
Aquele que quiser meditar com piedade e perspicácia o Sermão que Nosso Senhor
pronunciou no monte, tal como o lemos no Evangelho de São Mateus, aí encontrará, sem
sombra de dúvida, a carta magna da vida cristã. (...) Este Sermão contém todos os preceitos
apropriados para guiar a vida cristã.
1967 A Lei evangélica "dá pleno cumprimento" à Lei Antiga, afina-a, ultrapassa-a e
aperfeiçoa-a. Nas "bem-aventuranças”, ela realiza plenamente as promessas divinas, elevandoas
e ordenando-as ao "Reino dos Céus". Dirige-se àqueles que se mostram dispostos a acolher
com fé esta esperança nova - os pobres, os humildes, os aflitos, os de coração puro, os
perseguidos por causa de Cristo -, traçando assim os surpreendentes caminhos do Reino.
1968 A Lei evangélica dá pleno cumprimento aos mandamentos da Lei. O Sermão do
Senhor, longe de abolir ou desvalorizar as prescrições morais da Lei Antiga, dela haure as
virtualidades ocultas, faz surgir novas exigências e revela sua verdade divina e humana. Não lhe
acrescenta novos preceitos exteriores, mas vai até o ponto de reformar a raiz dos atos, o
coração, onde o homem faz a opção entre o puro e o impuro, onde se formam a fé, a
esperança e a caridade e, com elas, as outras virtudes. O Evangelho, deste modo, leva a lei à
plenitude, imitando a perfeição do Pai celeste, pelo perdão dos inimigos e pela oração pelos
perseguidores, seguindo o modelo da divina generosidade.
1969 A Nova Lei pratica os atos da religião - a esmola, a oração e o jejum -, ordenandoos
ao "Pai que vê no segredo", em contraste com o desejo "de ser visto pelos homens". Sua
oração é o “Pai-Nosso.”
1970 A Lei evangélica comporta a opção decisiva entre "os dois caminhos" e a prática
das palavras do Senhor; resume-se na regra de ouro: "Tudo aquilo, portanto, que quereis que os
homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a lei e os profetas" (Mt 7,12).
Toda a Lei evangélica se compendia no "mandamento novo" de Jesus, de nos
amarmos uns aos outros como Ele nos amou.
1971 Ao sermão do Senhor convém acrescentar a catequese moral dos ensinamentos
apostólicos, como Rm 12-15; 1 Cor 12-13; Cl 3-4; Ef 4-6 etc. Esta doutrina transmite o ensinamento
do Senhor com a autoridade dos Apóstolos, particularmente pela exposição das virtudes que
decorrem da fé em Cristo e são animadas pela caridade, o principal dom do Espírito Santo. "Que
vosso amor seja sem hipocrisia (...) com amor fraterno, tendo carinho uns para com os outros (...)
alegrando-vos na esperança, perseverando na tribulação, assíduos na oração, tomando parte
nas necessidades dos santos, buscando proporcionar a hospitalidade" (Rm 12,9-13). Esta
catequese também nos ensina a tratar os casos de consciência à luz de nossa relação com
Cristo e a Igreja.
1972 A Nova Lei é também denominada lei de amor, porque ela leva a agir pelo amor
infundido pelo Espírito Santo e não pelo temor; uma lei de graça, por conferir a força da graça
para agir por meio da fé e dos sacramentos; uma lei de liberdade, pois nos liberta das
observância rituais e jurídicas da Antiga Lei, nos inclina a agir espontaneamente sob o impulso da
caridade, enfim, nos faz passar do estado de servo, não sabe o que seu senhor faz”, para o de
amigo de Cristo, “porque tudo o que eu ouvi de meu Pai eu vos dei a conhecer (Jo 15,15), ou
ainda para o de filho-herdeiro.
1973 Além de seus preceitos, a Nova Lei comporta também os conselhos evangélicos. A
distinção tradicional entre os mandamentos de Deus e os conselhos evangélicos se estabelece
em relação à caridade, perfeição da vida cristã. Os preceitos se destinam a afastar tudo o que é
incompatível com a caridade. Os conselhos têm como meta afastar o que, mesmo sem lhe ser
contrário, pode constituir um obstáculo para o desenvolvimento da caridade.
1974 Os conselhos evangélicos manifestam a plenitude viva da caridade que jamais se
mostra satisfeita, por não poder dar mais. Atestam seu dinamismo e solicitam nossa prontidão
espiritual. A perfeição da Nova Lei consiste essencialmente preceitos do amor a Deus e ao
próximo. Os conselhos indicam caminhos mais diretos, meios mais fáceis, e devem ser praticados
conforme a vocação de cada um:
(Deus) não quer que cada pessoa observe todos os conselhos mas apenas aqueles
que são convenientes, conforme a diversidade das pessoas, dos tempos, das ocasiões e das
forças, com o exige a caridade; pois ela, como a rainha de todas as virtudes, de todos os
mandamentos, de todos os conselhos, em suma, de todas as leis e de todas as ações cristãs, a
todos e todas dá seu grau, sua ordem, o tempo e o valor.
RESUMINDO
1975 Segundo a Escritura, a lei é uma instrução paterna de Deus que prescreve ao
homem os caminhos que levam à felicidade prometida e proscreve os caminhos do mal.
1976 "A lei é uma ordenação da razão para o bem comum, promulgada por aquele a
quem cabe o governo da comunidade"
1977 Cristo é a finalidade da 1ei. Somente Ele ensina e concede a justiça de Deus.
1978 A lei natural é uma participação na sabedoria e na bondade de Deus, pelo
homem formado à imagem de seu criador. A lei natural exprime a dignidade da pessoa humana
e constitui a base de seus direitos e deveres fundamentais.
1979 A lei natural é imutável, permanente através da história. As regras que a exprimem
são substancialmente sempre válidas. Ela é uma base necessária para a edificação das regras
morais e para a lei civil.
1980 A Antiga Lei é o primeiro estágio da Lei revelada. Suas prescrições morais se acham
resumidas nos Dez Mandamentos.
1981 A Lei de Moisés contém diversas verdades naturalmente acessíveis à razão. Deus as
revelou porque os homens não as conseguiam ler em seu coração.
1982 A Antiga Lei é uma preparação para o Evangelho.
1983 A Nova Lei é a graça do Espírito Santo, recebida pela fé em Cristo, operando pela
caridade. Exprime-se particularmente no Sermão do Senhor na montanha e usa os sacramentos
para comunicar-nos a graça.
1984 A Lei evangélica leva a pleno cumprimento, ultrapassa e conduz à perfeição a
Antiga Lei: suas promessas, por meio das Bem-Aventuranças do Reino dos Céus; seus
mandamentos, por meio da transformação da fonte de suas ações, ou seja, o coração.
1985 A Nova Lei é uma lei de amor, uma lei de graça, uma lei de liberdade.
1986 Além de seus preceitos, a Nova Lei comporta os conselhos evangélicos. "De modo
especial favorecem igualmente a santidade da Igreja os múltiplos conselhos que no Evangelho
Senhor propõe à observância de seus discípulos.”
A R T I G O 2
G R A Ç A E J U S T I F ICAÇÃO
I. A JUSTIFICAÇÃO
1987 A graça do Espírito Santo tem o poder de nos justificar, isto é, purificar-nos de nossos
pecados e comunicar-nos “a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo e pelo batismo.
Mas, se morremos com Cristo, temos fé de que também viveremos com Ele, sabendo que
Cristo, uma vez ressuscitado dentre os mortos, já não morre, a morte não tem mais domínio sobre
Ele. Porque, morrendo, Ele morreu para o pecado uma vez por todas; vivendo, Ele vive para
Deus. Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado e vivos para Deus em Cristo Jesus
(Rm 6,8-11).
1988 Pelo poder do Espírito Santo, participamos da Paixão de Cristo, morrendo para o
pecado, e da ressurreição, nascendo para uma vida nova; somos os membros de seu Corpo,
que é a Igreja , os sarmentos enxertados na Videira, que é Ele mesmo:
Pelo Espírito, temos parte com Deus. (...) Pela participação Espírito, nós nos tornamos
participantes da natureza divina. (...) Por isso, aqueles em quem o Espírito habita são divinizados.
1989 A primeira obra da graça do Espírito Santo é a conversão que opera a justificação
segundo o anúncio de Jesus no princípio do Evangelho: "Arrependei-vos (convertei-vos), porque
está próximo o Reino dos Céus" (Mt 4,17). Sob a moção da graça, o homem se volta para Deus e
se aparta do pecado, acolhendo, assim, o perdão e a justiça do alto. "A justificação comporta a
remissão dos pecados, a santificação e a renovação do homem interior.”
1990 A justificação aparta o homem do pecado, que contradiz o amor de Deus, e lhe
purifica o coração. A justificação ocorre graças à iniciativa da misericórdia de Deus, que oferece
o perdão. A justificação reconcilia o homem com Deus; liberta-o da servidão do pecado e o
cura.
1991 A justificação é, ao mesmo tempo, o acolhimento da justiça de Deus pela fé em
Jesus Cristo. A justiça designa aqui a retidão do amor divino. Com a justificação, a fé, a
esperança e a caridade se derramam em nossos corações e é-nos concedida a obediência à
vontade divina.
1992 A justificação nos foi merecida pela paixão de Cristo, que se ofereceu na cruz
como hóstia viva, santa e agradável a Deus, e cujo sangue se tornou instrumento de propiciação
pelos pecados de toda a humanidade. A justificação é concedida pelo Batismo, sacramento da
fé. Toma-nos conformes à justiça de Deus, que nos faz interiormente justos pelo poder de sua
misericórdia. Tem como alvo a glória de Deus e de Cristo, e o dom da vida eterna:
Agora, porém, independentemente da lei, se manifestou a justiça de Deus, testemunhada
pela lei e pelos profetas, justiça de Deus que opera pela fé em Jesus Cristo, em favor de todos os
que crêem pois não há diferença, sendo que todos pecaram e todos estão privados da glória de
Deus e são justificados gratuitamente, por sua graça, em virtude da redenção realizada em
Cristo Jesus. Deus o expôs como instrumento de propiciação, por seu próprio sangue, mediante a
fé. Ele queria assim manifestar sua justiça, pelo fato de ter deixado sem punição os pecados de
outrora, no tempo da paciência de Deus; ele queria manifestar sua justiça no tempo presente,
para mostrar-se justo e para justificar aquele que tem fé em Jesus (Rm 3,21-26).
1993 A justificação estabelece a colaboração entre a graça de Deus e a liberdade do
homem. Do lado humano, ela se exprime no assentimento da fé à palavra de Deus, que convida
o homem à conversão, e na cooperação da caridade, no impulso do Espírito Santo, que o
previne e guarda.
Quando Deus toca o coração do homem pela iluminação do Espírito Santo, o homem
não é insensível a tal inspiração, que pode, aliás, rejeitar; e, no entanto, ele não pode tampouco,
sem a graça divina, chegar pela vontade livre à justiça diante dele.
1994 A justificação é a obra mais excelente do amor de Deus, manifestado em Cristo
Jesus e concedido pelo Espírito Santo. Sto. Agostinho pensa que "a justificação do ímpio é uma
obra maior que a criação dos céus e da terra", pois "os céus e a terra passarão, ao passo que a
salvação e a justificação dos eleitos permanecerão para sempre". Pensa até que a justificação
dos pecadores é uma obra maior que a criação dos anjos na justiça, pelo fato de testemunhar
uma misericórdia maior.
1995 O Espírito Santo é o mestre interior. Gerando "o homem interior , a justificação
implica a santificação de todo o ser:
Como outrora entregastes vossos membros à escravidão da impureza e da desordem
para viver desregradamente, assim entregai agora vossos membros a serviço da justiça, para a
santificação. (...) Mas agora, libertos do pecado e postos a serviço de Deus, tendes, como fruto,
a santificação, e o fim é a vida eterna (Rm 6,19-22).
II. A GRAÇA
1996 Nossa justificação vem da graça de Deus. A graça é favor, o socorro gratuito que
Deus nos dá para responder a seu convite: tomar-nos filhos de Deus, filhos adotivos participantes
da natureza divina, da Vida Eterna.
1997 A graça é uma participação na vida divina; introduz-nos na intimidade da vida
trinitária. Pelo Batismo, o cristão tem parte na graça de Cristo, cabeça da Igreja. Como "filho
adotivo", pode doravante chamar a Deus de "Pai", em união com o Filho único. Recebe a vida
do Espírito, que nele infunde a caridade e forma a Igreja.
1998 Esta vocação para a vida eterna é sobrenatural. Depende integralmente da
iniciativa gratuita de Deus, pois apenas Ele pode se revelar e dar-se a si mesmo. Esta vocação
ultrapassa as capacidades da inteligência e as forças da vontade do homem, como também
de qualquer criatura.
1999 A graça de Cristo é o dom gratuito que Deus nos faz de sua vida infundida pelo
Espírito Santo em nossa alma, para curá-la do pecado e santificá-la; trata-se da graça
santificante ou deificante, recebida no Batismo. Em nós, ela é a fonte da obra santificadora:
Se alguém está em Cristo, é nova criatura. Passaram-se as coisas antigas; eis que se fez
uma realidade nova. Tudo isto vem de Deus, que nos reconciliou consigo por Cristo (2Cor 5,17-
18).
2000 A graça santificante é um dom habitual, uma disposição estável e sobrenatural
para aperfeiçoar a própria alma e torná-la capaz de viver com Deus, agir por seu amor. Deve-se
distinguir a graça habitual, disposição permanente para viver e agir conforme o chamado divino,
e as graças atuais, que designam as intervenções divinas, quer na origem da conversão, quer no
decorrer da obra da santificação.
2001 A preparação do homem para acolher a graça é já uma obra da graça. Esta é
necessária para suscitar e manter nossa colaboração na justificação pela fé e na santificação
pela caridade. Deus acaba em nós aquilo que Ele mesmo começou, "pois começa, com sua
intervenção, fazendo com que nós queiramos e acaba cooperando com as moções de nossa
vontade já convertida":
Sem dúvida, operamos também nós, mas o fazemos cooperando com Deus, que opera
predispondo-nos com a sua misericórdia. E o faz para nos curar, e nos acompanhará para que,
quando já curados, sejamos vivificados; predispõe-nos para que sejamos chamados e
acompanha-nos para que sejamos glorificados; predispõe-nos para que vivamos segundo a
piedade e segue-nos para que, com Ele, vivamos para todo o sempre, pois sem Ele nada
podemos fazer.
2002 A livre iniciativa de Deus pede a livre resposta do homem pois Deus criou o homem
à sua imagem, conferindo-lhe, com a liberdade, o poder de conhecê-Lo e amá-Lo. A alma só
pode entrar livremente na comunhão do amor. Deus toca imediatamente e move diretamente o
coração do homem. Ele colocou no homem uma aspiração à verdade e ao bem que somente
Ele pode satisfazer plenamente. As promessas da "vida eterna" respondem, além de a toda a
nossa esperança, a esta aspiração:
Se Vós, ao cabo de vossas obras excelentes (...) repousastes no sétimo dia, foi para nos
dizer de antemão pela voz de vosso livro que, ao cabo de nossas obras ("que são muito boas",
pelo fato mesmo de terdes sido Vós que no-las destes), também nós no sábado da vida eterna
em Vós repousaremos.
2003 A graça é antes de tudo e principalmente o dom do Espírito que nos justifica e nos
santifica. Mas a graça compreende igualmente os dons que o Espírito nos concede, para nos a
associar à sua obra, para nos tornar capazes de colaborar com a salvação dos outros e com o
crescimento do corpo de Cristo, a Igreja. São as graças sacramentais dons próprios dos
diferentes sacramentos. São, além disso, as graças especiais, chamadas também "carismas",
segundo a palavra grega empregada por S. Paulo e que significa favor, dom gratuito,
benefício[a36] . Seja qual for seu caráter, às vezes extraordinário, como o dom dos milagres ou
das línguas, os carismas se ordenam à graça santificante e têm como meta o bem comum da
Igreja. Acham-se a serviço da caridade, que edifica a Igreja.
2004 Entre as graças especiais, convém mencionar as graças de estado, que
acompanham o exercício das responsabilidades da vida cristã e dos ministérios no seio da Igreja:
Tendo, porém, dons diferentes, segundo a graça que nos foi dada, aquele que tem o dom
da profecia, que o exerça segundo a proporção de nossa fé; aquele que tem o dom do serviço,
que o exerça servindo; quem tem o dom do ensino, ensinando; quem tem o dom da exortação,
exortando. Aquele que distribui seus bens, que o faça com simplicidade; aquele que preside,
com diligência; aquele que exerce misericórdia, com alegria (Rm 12,6-8).
2005 Sendo de ordem sobrenatural, a graça escapa à nossa experiência e só pode ser
conhecida pela fé. Não podemos, portanto, nos basear em nossos sentimentos ou em nossas
obras para dai deduzir que estamos justificados e salvos. No entanto, segundo a palavra do
Senhor: "É pelos seus frutos que os reconhecereis" (Mt 7,20), a consideração dos benefícios de
Deus em nossa vida e na dos santos nos oferece uma garantia de que a graça está operando
em nós e nos incita a uma fé sempre maior e a uma atitude de pobreza confiante:
Acha-se uma das mais belas ilustrações desta atitude na resposta de Sta. Joana d'Arc a
uma pergunta capciosa de seus juizes eclesiásticos: "Interrogada se sabe se está na graça de
Deus, responde: “Se não estou, que Deus me queira pôr nela; se estou, que Deus nela me
conserve”.
III. O MÉRITO
Na assembléia dos santos, vós sois glorificados e, coroando os seus méritos, exaltais os
vossos próprios dons.
2006 O termo "mérito" designa, em geral, a retribuição devida por uma comunidade ou
uma sociedade à ação de um de seus membros, sentida como boa ou má, digna de
recompensa ou castigo. O mérito se relaciona com a virtude da justiça, em conformidade com o
princípio da igualdade que a rege.
2007 Diante de Deus, em sentido estritamente jurídico, não mérito da parte do homem.
Entre Ele e nós a diferença é infinita, pois dele tudo recebemos, dele, que é nosso criador.
2008 O mérito do homem diante de Deus, na vida cristã, provém do fato de que Deus
livremente determinou associar o homem à obra de sua graça. A ação paternal de Deus vem
em primeiro lugar por seu impulso, e o livre agir do homem, em segundo lugar, colaborando com
Ele, de sorte que os méritos das boas obras devem -ser atribuídos à graça de Deus,
primeiramente, e só em segundo lugar ao fiel. O próprio mérito do homem cabe, aliás, a Deus
pois suas boas ações procedem, em Cristo, das inspirações do auxilio do Espírito Santo.
2009 A adoção filial, tomando-nos participantes, por graça, da natureza divina, pode
conferir-nos, segundo a justiça gratuita de Deus, um verdadeiro mérito. Trata-se de um direito por
graça, o pleno direito amor, que nos toma "co-herdeiros" de Cristo e dignos de obter “a herança
prometida da vida eterna. Os méritos de nossas boas obras são dons da bondade divina. "A
graça veio primeiro; agora se entrega aquilo que é devido. (...)Os méritos são dons de Deus."
2010 Como a iniciativa pertence a Deus na ordem da graça, ninguém pode merecer a
graça primeira, na origem da versão, do perdão e da justificação. Sob a moção do Espírito Santo
e da caridade, podemos em seguida merecer para nós mesmos e para os outros as graças úteis
à nossa santificação crescimento da graça e da caridade, e também para ganhar a vida
eterna. Os próprios bens temporais, como a saúde, a amizade, podem ser merecidos segundo a
sabedoria divina. Essas graças e esses bens são o objeto da oração cristã. Esta atende à nossa
necessidade da graça para as ações meritórias.
2011 A caridade de Cristo em nós constitui a fonte de todos os nossos méritos diante de
Deus. A graça, unindo-nos a Cristo com amor ativo, assegura a qualidade sobrenatural de nossos
atos e, por conseguinte, seu mérito (desses nossos atos) diante de Deus, como também diante
dos homens. Os santos sempre tiveram viva consciência de que seus méritos eram pura graça.
Após o exílio terrestre, espero ir deleitar-me de vós na Pátria, mas não quero acumular
méritos para o céu, quero trabalhar somente por vosso amor. (...). Ao entardecer desta vida,
comparecerei diante de vós com as mãos vazias, pois não vos peço, Senhor, que contabilizeis as
minhas obras. Todas as nossas justiças têm manchas a vossos olhos. Quero, portanto, revestir-me
de vossa própria justiça e receber de vosso amor a posse eterna de vós mesmo...
IV. A SANTIDADE CRISTÃ
2012 "E nós sabemos que Deus coopera em tudo para o bem daqueles que o amam. (...)
Porque os que de antemão Ele conheceu, esses também predestinou a serem conformes à
imagem de seu Filho, a fim de ser Ele o primogênito entre muitos irmãos. E os que predestinou,
também os chamou, e os que chamou, também os justificou, e os que justificou, também os
glorificou" (Rm 8,28-30).
2013 "Todos os fiéis cristãos, de qualquer estado ou ordem, são chamados à plenitude da
vida cristã e à perfeição da caridade." Todos são chamados à santidade: "Deveis ser perfeitos
como o vosso Pai celeste é perfeito" (Mt 5,48):
Com o fim de conseguir esta perfeição, façam os fiéis uso das forças recebidas (...), a fim
de que, cumprindo em tudo a vontade do Pai, se dediquem inteiramente à glória de Deus e ao
serviço do próximo. Assim, a santidade do povo de Deus se expandirá em abundantes frutos,
como se demonstra luminosamente na história da Igreja pela vida de tantos santos.
2014 O progresso espiritual tende à união sempre mais íntima com Cristo. Esta união
recebe o nome de "mística", pois ela participa no mistério de Cristo pelos sacramentos "os santos
mistérios" e, nele, no mistério da Santíssima Trindade, Deus nos chama a todos a esta íntima união
com Ele, mesmos que graças especiais ou sinais extraordinários desta vida mística sejam
concedidos apenas a alguns, em vista de manifestar o dom gratuito feito a todos.
2015 O caminho da perfeição passa pela cruz. Não existe santidade sem renúncia e
sem combate espiritual. O progresso espiritual envolve ascese e mortificação, que levam
gradualmente a viver na paz e na alegria das bem-aventuranças:
Aquele que vai subindo jamais cessa de progredir de começo em começo, por começos
que não têm fim. Aquele que jamais cessa de desejar aquilo que já conhece.
2016 Os filhos da Santa Igreja, nossa Mãe, esperam justamente a graça da
perseverança final e a recompensa de Deus, seu Pai pelas boas obras realizadas com sua graça,
em comunhão com Jesus. Observando a mesma regra de vida, os fiéis cristãos partilham "a feliz
esperança" daqueles que a misericórdia divina reúne na "Cidade santa, uma Jerusalém nova
que desce do céu de junto de Deus, preparada como uma esposa" (Ap 21,2).
RESUMINDO
2017 A graça do Espírito Santo nos dá a justiça de Deus. Unindo-nos pela fé e pelo
Batismo à Paixão e à Ressurreição de Cristo, o Espírito nos faz participar de sua vida.
2018 A justificação, como a conversão, apresenta duas faces. Sob a moção da graça,
o homem se volta para Deus e se afasta do pecado, acolhendo, assim, o perdão e a justiça que
vêm do alto.
2019 A justificação comporta a remissão dos pecados, a santificação e a renovação do
homem interior.
2020 A justificação nos foi merecida pela Paixão de Cristo e nos é concedida por meio
do Batismo. Faz-nos conformes à justiça de Deus, que nos torna justos. Tem como meta a glória
de Deus e de Cristo e o dom da Vida Eterna. É a obra mais excelente da misericórdia de Deus.
2021 A graça é o auxílio que Deus nos concede para responder à nossa vocação de
nos tornar seus filhos adotivos. Ela nos introduz na intimidade da vida trinitária.
2022 A iniciativa divina na obra da graça precede, prepara e suscita a livre resposta do
homem. A graça responde às aspirações profundas da liberdade humana; chama-a a cooperar
consigo e a aperfeiçoa.
2023 A graça santificante é o dom gratuito que Deus nos faz de sua vida, infundida pelo
Espírito Santo em nossa alma, para curá-la do pecado e santificá-la.
2024 A graça santificante nos faz "agradáveis a Deus". Os carismas, graças especiais do
Espírito Santo, são ordenados à graça santificante e têm como alvo o bem comum da Igreja.
Deus opera também por graças atuais múltiplas, que se distinguem da graça habitual,
permanente em nós.
2025 Nosso mérito em face de Deus consiste apenas em seguir seu livre desígnio de
associar o homem à obra de sua graça. O mérito pertence à graça de Deus em primeiro lugar, à
colaboração do homem em segundo lugar. Cabe a Deus o mérito humano.
2026 A graça do Espírito Santo, em virtude de nossa filiação adotiva, pode conferir-nos
um verdadeiro mérito segundo a justiça gratuita de Deus. A caridade constitui, em nós, a fonte
principal do mérito diante de Deus.
2027 Ninguém pode merecer a graça primeira que se acha na origem da conversão.
Sob a moção do Espírito Santo, podemos merecer, para nós mesmos e para os outros, todas as
graças Úteis para chegar à vida eterna, como também os bens temporais necessários.
2028 "O apelo à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade. Se dirige a todos os
fiéis cristãos[a61] . "A perfeição cristã só tem um limite: ser ilimitada."
2029 "Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me" (Mt
16,24).
A R T I G O 3
A I G R E J A , M Ã E E E D U C A D O R A
2030 É em Igreja, em comunhão com todos os batizados, que o cristão realiza sua
vocação. Da Igreja recebe a palavra de Deus, que contém os ensinamentos da “lei de Cristo”.
Da Igreja recebe a graça dos sacramentos, que o sustenta "no caminho". Da Igreja aprende o
exemplo da santidade; reconhece a figura e a fonte (da Igreja) em Maria, a Virgem Santíssima;
discerne-a no testemunho autêntico daqueles que a vivem, descobre-a na tradição espiritual e
na longa história dos santos que o precederam que a Liturgia celebra no ritmo do Santoral.
2031 A vida moral é um culto espiritual. "Oferecemos nossos corpos como hóstia viva,
santa e agradável a Deus", no seio do corpo de Cristo que formamos, e em comunhão com a
oferta de sua Eucaristia. Na Liturgia e na celebração dos sacramentos, oração e doutrina se
conjugam com a graça de Cristo, para iluminar e alimentar o agir cristão. Como o conjunto da
vida cristã, da mesma forma a vida moral encontra sua fonte e seu ponto culminante no
sacrifício eucarístico.
I. VIDA MORAL E MAGISTÉRIO DA IGREJA
2032 A Igreja, "coluna e sustentáculo da verdade" 1 Tm 3,15) "recebeu dos Apóstolos o
solene mandamento de Cristo de pregar a verdade da salvação”. "Compete à Igreja anunciar
sempre e por toda parte os princípios morais, mesmo referentes à ordem social, e pronunciar-se a
respeito de qualquer questão humana, enquanto o exigirem os direitos fundamentais da pessoa
ou a salvação das almas."
2033 O magistério dos pastores da Igreja em matéria moral se exerce ordinariamente na
catequese e na pregação, com o auxílio das obras dos teólogos e dos autores espirituais. Assim
se foi transmitindo, de geração em geração, sob a égide e a vigilância dos pastores, o "depósito"
da moral cristã, composto de um conjunto característico de regras, mandamentos e virtudes que
procedem da fé em Cristo e são vivificados pela caridade. Esta catequese tem tradicionalmente
tomado por base, ao lado do "Credo" e do "Pai-nosso", o Decálogo, que enuncia os princípios da
vida moral, válidos para todos os homens.
2034 O romano pontífice e os Bispos "são os doutores autênticos dotados da autoridade
de Cristo, que pregam ao povo a eles confiado a fé que deve ser crida e praticada". O
magistério ordinário e universal do Papa e dos Bispos em comunhão com ele ensina aos fiéis a
verdade em que se deve crer; a caridade que se deve praticar, a felicidade que se deve
esperar.
2035 O grau supremo da participação na autoridade de Cristo é assegurado pelo
carisma da infalibilidade. Esta tem a mesma extensão que o depósito da revelação divina;
estende-se ainda a todos os elementos de doutrina, incluindo a moral, sem os quais as verdades
salutares da fé não podem ser preservadas, expostas ou observadas.
2036 A autoridade do magistério se estende também aos preceitos específicos da lei
natural, porque sua observância, exigida pelo Criador, é necessária para a salvação.
Recordando as prescrições da lei natural, o magistério da Igreja exerce parte essencial de sua
função profética de anunciar aos homens o que (os homens) são de verdade e recordar-lhes o
que devem ser diante de Deus.
2037 A lei de Deus confiada à Igreja é ensinada aos fiéis como caminho de vida e
verdade. Os fiéis têm, portanto, o direito de ser instruídos nos preceitos divinos salvíficos que
purificam o juízo e, com a graça, curam a razão humana ferida. Têm o dever de observar as
constituições e os decretos promulgados pela legitima autoridade da Igreja. Mesmo que sejam
disciplinares, tais determinações exigem a docilidade na caridade.
2038 Na obra de ensinar e aplicar a moral cristã, a Igreja necessita do devotamento dos
pastores, da ciência dos teólogos, da contribuição de todos os cristãos e dos homens de boa
vontade. A fé e a prática do Evangelho proporcionam a cada fiel uma experiência da vida "em
Cristo" que o ilumina e o torna capaz de apreciar as realidades divinas e humanas segundo o
Espírito de Deus. Assim é que o Espírito Santo pode servir-se dos mais humildes para iluminar os
sábios e os constituídos na dignidade mais alta.
2039 Os ministérios devem ser exercidos em um espírito de serviço fraterno e dedicação à
Igreja, em nome do Senhor. Ao mesmo tempo, a consciência de cada fiel, em seu julgamento
moral sobre seus atos pessoais, deve evitar encerrar-se em uma consideração individual. Do
melhor modo possível ela deve abrir-se à consideração do bem de todos, tal como se exprime
na lei moral, natural e revelada, e por conseguinte na lei da Igreja e no ensino autorizado do
magistério sobre questões morais. Não convém opor a consciência pessoal e a razão à lei moral
ou ao magistério da Igreja.
2040 Assim se pode desenvolver entre os fiéis cristãos um verdadeiro espírito filial para
com a Igreja. Ele é o resultado normal do crescimento da graça batismal, que nos gerou no seio
Igreja e nos fez membros do Corpo de Cristo. Em sua solicitude materna, a Igreja nos concede a
misericórdia de Deus, que triunfa sobre todos os nossos pecados e age de modo especial no
sacramento da Reconciliação. Como mãe solícita, ela nos prodigaliza também em sua Liturgia,
dia após dia, o alimento da Palavra e da Eucaristia do Senhor.
II. OS MANDAMENTOS DA IGREJA
2041 Os mandamentos da Igreja situam-se nesta linha de uma vida moral ligada à vida
litúrgica e que dela se alimenta. O caráter obrigatória dessas leis positivas promulgadas pelas
autoridades pastorais tem como fim garantir aos fiéis o mínimo indispensável no espírito de
oração e no esforço moral, no crescimento do amor de Deus e do próximo.
2042 O primeiro mandamento da Igreja ("Participar da missa inteira nos domingos e outras
festas de guarda e abster-se de ocupações de trabalho") ordena aos fiéis que santifiquem o dia
em que se comemora a ressurreição do Senhor e as festas litúrgicas em honra dos mistérios do
Senhor, da santíssima Virgem Maria e dos santos, em primeiro lugar participando da celebração
eucarística, em que se reúne a comunidade cristã, e se abstendo de trabalhos e negócios que
possam impedir tal santificação desses dias.
O segundo mandamento ("Confessar-se ao menos uma vez por ano") assegura a
preparação para a Eucaristia pela recepção do sacramento da Reconciliação, que continua a
obra de conversão e perdão do Batismo.
O terceiro mandamento ("Receber o sacramento da Eucaristia ao menos pela Páscoa da
ressurreição") garante um mínimo na recepção do Corpo e do Sangue do Senhor em ligação
com as festas pascais, origem e centro da Liturgia Cristã.
2043 O quarto mandamento ("Jejuar e abster-se de carne, conforme manda a Santa
Mãe Igreja") determina os tempos de ascese e penitência que nos preparam para as festas
litúrgicas; contribuem para nos fazer adquirir o domínio sobre nossos instintos e a liberdade de
coração.
O quinto mandamento ("Ajudar a Igreja em suas necessidades") recorda aos fiéis que
devem ir ao encontro das necessidades materiais da Igreja, cada um conforme as próprias
possibilidades.
III. VIDA MORAL E TESTEMUNHO MISSIONÁRIO
2044 A fidelidade dos batizados é condição primordial para o anúncio do Evangelho e
para a missão da Igreja no mundo. Para manifestar diante dos homens sua força de verdade e
de irradiação, a mensagem da salvação deve ser autenticada pelo testemunho de vida dos
cristãos: "O próprio testemunho da vida cristã e as boas obras feitas em espírito sobrenatural
possuem a força de atrair os homens para a fé e para Deus.
2045 Por serem os membros do Corpo cuja Cabeça é Cristo os cristãos contribuem, pela
constância de suas convicção de seus costumes, para a edificação da Igreja. A Igreja aumenta,
cresce e se desenvolve pela santidade de seus fiéis até que "alcancemos todos nós (...) o estado
de homem perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo" (Ef 4,13).
2046 Por sua vida segundo Cristo, os cristãos apressam a vinda do Reino de Deus, do
"Reino da justiça, da verdade e da paz". Nem por isso se descuidam de suas obrigações
terrestres; fiéis a seu Senhor e Mestre, eles as cumprem com dão, paciência e amor.
RESUMINDO
2047 A vida moral é um culto espiritual. O agir cristão se nutre da Liturgia e da celebração
dos sacramentos.
2048 Os mandamentos da Igreja se referem à vida moral e cristã unida à Liturgia, e dela se
alimentam.
2049 O Magistério dos pastores da Igreja em matéria moral se exerce ordinariamente na
catequese e na pregação, tendo como base o Decálogo, que enuncia os princípios da vida
válidos para todos os homens.
2050 O romano pontífice e os bispos, como doutores autênticos, pregam ao povo de Deus
a fé que deve ser crida e praticada nos costumes. Cabe-lhes igualmente pronunciar-se sobre as
questões morais que caem dentro do âmbito da lei natural e da razão.
2051 A infalibilidade do magistério dos pastores se estende a todos os elementos de
doutrina, incluindo a moral. Sem esses elementos, as verdades salutares da fé não podem ser
guardadas, expostas ou observadas.
O S D E Z M A N D A M E N T O S
Êxodo 20,2-17 Deuteronômio 5,6-21 Fórmula catequética
Eu sou o Senhor, teu Deus, que
te fez sair da terra do Egito, da
casa da servidão.
Eu sou o Senhor, teu Deus, aquele
que te fez
sair da terra do Egito, da casa da
servidão.
Não terás outros deuses diante
de mim.
Não terás outros deuses além de
mim...
Amar a Deus sobre todas
as coisas.
Não farás para ti imagem
esculpida de nada que se
assemelhe ao que existe lá em
cima, nos céus, ou embaixo da
terra, ou nas águas que estão
debaixo da terra.
Não te prostrarás diante esses
deuses e não os servirás, porque
eu, o Senhor, teu Deus, sou um
Deus ciumento, que puno a
iniqüidade dos pais nos filhos,
até a terceira e quarta geração
dos que me odeiam, e faço
misericórdia até a milésima
geração àqueles que me amam
e guardam meus
mandamentos.
Não pronunciarás em vão o
nome do Senhor, teu Deus,
porque o Senhor não deixará
impune aquele que pronunciar
Não pronunciarás em vão o nome
do Senhor
teu Deus...
Não tomar seu Santo
Nome em vão.
em vão O seu nome.
Lembra-te do dia do Sábado
para santificá-lo.
Guardarás o dia de sábado para
santificá-lo.
Guardar domingos e
festas de guarda
Trabalharás durante seis dias, e
farás todas as tuas obras. O
sétimo dia, porém, é o sábado
do Senhor, teu Deus. Não farás
nenhum trabalho, nem tu, nem
teu filho, nem tua filha, nem teu
escravo, nem tua escrava, nem
teu animal, nem o estrangeiro
que está em tuas portas. Porque
em seis dias o Senhor fez o céu,
a terra, o mar e tudo o que eles
contêm, mas repousou no
sétimo dia; por isso o Senhor
abençoou o dia do sábado e o
santificou.
Honra teu pai e tua mãe, para
que se prolonguem os teus dias
na terra que o Senhor, teu Deus,
te dá.
Honrar teu pai e tua mãe... Honra pai e mãe.
Não matarás. Não matarás. Não matar.
Não cometerás adultério. Não cometerás adultério.
Não pecar contra a
castidade.
Não roubarás. Não roubarás. Não furtar.
Não apresentarás um falso
testemunho contra o teu
próximo.
Não apresentarás um falso
testemunho contra o teu próximo.
Não levantar falso
testemunho.
Não cobiçarás a casa de teu
próximo, não desejarás sua
mulher, nem seu servo, nem sua
serva, nem seu boi, nem seu
jumento, nem coisa alguma que
pertença a teu próximo.
Não cobiçarás a mulher de teu
próximo.
Não desejarás coisa alguma que
pertença a teu próximo.
Não desejar a mulher do
próximo.
Não cobiçar as coisas
alheias.
SEGUNDA SEÇÃO
OS DEZ MANDAMENTOS
Mestre, que devo fazer...?"
2052 "Mestre, que devo fazer de bom para ter a vida eterna?" Ao jovem que lhe faz esta
pergunta, Jesus responde primeiro invocando a necessidade de reconhecer a Deus como "o
único bom", com o bem por excelência e como a fonte de todo bem. Depois, Jesus diz: "Se
queres entrar para a Vida, guarda os mandamentos". E cita ao seu interlocutor os preceitos que
se referem ao amor do próximo: "Não matarás, não adulterarás, não roubarás, não levantarás
falso testemunho, honra pai e mãe". Finalmente, Jesus resume estes mandamentos de maneira
positiva: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Mt 19,16-19).
2053 A esta primeira resposta é acrescentada uma segunda: "Se queres ser perfeito, vai,
vende os teus bens e dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus. Depois, vem e segue-me" (Mt
19,21). Esta não anula a primeira. O seguimento de Jesus Cristo inclui o cumprimento dos
mandamentos. A Lei não foi abolida, mas o homem é convidado a reencontrá-la na pessoa de
seu Mestre, que é o cumprimento perfeito dela. Nos três Evangelhos sinópticos, o apelo de Jesus
dirigido ao jovem rico, de segui-lo na obediência do discípulo e na observância dos preceitos, é
relacionado com o convite à pobreza e à castidade. Os conselhos evangélicos são indissociáveis
dos mandamentos.
2054 Jesus, com efeito, retomou os Dez Mandamentos, mas manifestou a força do Espírito
em ação na letra deles. Pregou a "justiça que supera a dos escribas e fariseus", como também a
dos pagãos. Desenvolveu todas as exigências dos mandamentos. "Ouvistes que foi dito aos
antigos: 'não matarás'... Eu, porém, vos digo: todo aquele que se encolerizar contra seu irmão
terá de responder no tribunal" (Mt 5,21-22).
2055 Quando lhe é feita a pergunta: "Qual é o maior mandamento da lei?" (Mt 22,36),
Jesus responde: "Amarás ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de
todo o teu entendimento. Este é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a
esse: amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a lei e
os profetas" (Mt 22,37-40). O Decálogo deve ser interpretado à luz desse duplo e único
mandamento da caridade, plenitude da lei:
Os preceitos - não cometerás adultério, não matarás, não furtarás, não cobiçarás e todos
os outros - se resumem nesta sentença: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. A caridade não
pratica o mal contra o próximo. Portanto, a caridade é a plenitude da lei (Rm 13,9-10).
O DECÁLOGO NA SAGRADA ESCRITURA
2056 A palavra "Decálogo" significa literalmente "dez palavras (Ex 34,28; Dt 4,13; 10,4).
Deus revelou essas "dez palavras" a seu povo no monte sagrado. Ele as escreveu "com seu
dedo”, à diferença de outros preceitos escritos por Moisés[. São palavras de Deus de modo
eminente. Foram transmitidas no livro do Êxodo e no do Deuteronômio. Desde o Antigo
Testamento, os livros sagrados se referem às "dez palavras". Mas é em Jesus Crista na nova
aliança, que será revelado seu sentido pleno.
2057 O Decálogo deve ser entendido em primeiro lugar no contexto do êxodo, que é o
grande acontecimento libertador de Deus no centro da Antiga Aliança. Formulados como
mandamentos negativos (proibições), ou à maneira de mandamento positivos (como: "Honra teu
pai e tua mãe"), as "dez palavras indicam as condições de uma vida liberta da escravidão do
pecado. O Decálogo é um caminho de vida:
Se amares teu Deus, se andares em seus caminhos, se observares seus mandamentos, suas
leis e suas normas, viverás e te multiplicarás (Dt 30,16).
Esta força libertadora do Decálogo aparece, por exemplo, no mandamento sobre o
descanso do sábado, destinado igualmente aos estrangeiros e aos escravos:
Lembrai-vos de que fostes escravos numa terra estrangeira. O Senhor vosso Deus vos fez
sair de lá com mão forte e braço estendido (Dt 5,15).
2058 As "dez palavras" resumem e proclamam a lei de Deus: "Tais foram as palavras que,
em alta voz, o Senhor dirigiu a toda a vossa assembléia no monte, do meio do fogo, em meio a
trevas, nuvens e escuridão. Sem nada acrescentar, escreveu--as sobre duas tábuas de pedra e
as entregou a mim" (Dt 5,22). Eis por que estas duas tábuas são chamadas "O Testemunho" (Ex
25,16). Elas contém as cláusulas da aliança entre Deus e seu povo. Essas "tábuas do Testemunho"
(Ex 31,18; 32,15; 34,19) devem ser colocadas "na arca" (Ex 25,16; 40,1-3).
2059 As "dez palavras" são pronunciadas por Deus no contexto de uma teofania ("Sobre
a montanha, no meio do fogo, o Senhor vos falou face a face": Dt 5,4). Pertencem à revelação
que Deus faz de si mesmo e de sua glória. O dom dos mandamentos é dom do próprio Deus e de
sua santa vontade. Ao dar a conhecer as suas vontades, Deus se revela a seu povo.
2060 O dom dos mandamentos e da Lei faz parte da Aliança selada por Deus com os
seus. Segundo o livro do Êxodo, a revelação das "dez palavras" é dada entre a proposta da
Aliança e sua conclusão, depois que o povo se comprometeu a "fazer" tudo o que o Senhor
dissera e a "obedecer". O Decálogo sempre é transmitido depois de se lembrar a Aliança ("O
Senhor nosso Deus concluiu conosco uma aliança no Horeb": Dt 5,2).
2061 Os mandamentos recebem seu pleno significado no íntimo da Aliança. Segundo a
Escritura, o agir moral do homem adquire todo o seu sentido na Aliança e por ela. A primeira das
"dez palavras" lembra o amor primeiro de Deus por seu povo:
Tendo o homem, por castigo do pecado, decaído do paraíso da liberdade para a
escravidão deste mundo, as primeiras palavras do Decálogo, voz primeira dos divinos
mandamentos, aludem à liberdade: "Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fez sair da terra do Egito,
da casa da escravidão" (Ex 20,2; Dt 5,6).
2062 Os mandamentos propriamente ditos vêm em segundo lugar; exprimem as
implicações da pertença a Deus, instituída pela Aliança. A existência moral é resposta à iniciativa
amorosa do Senhor. E reconhecimento, homenagem a Deus e culto de ação de graças. É
cooperação com o plano que Deus executa na história.
2063 A Aliança e o diálogo entre Deus e o homem são ainda confirmados pelo fato de
que todas as obrigações são enuncia das na primeira pessoa ("Eu sou o Senhor...") e dirigidas a
um outro sujeito ("tu...") Em todos os mandamentos de Deus, é um pronome pessoal singular que
designa o destinatário. Deus dá a conhecer sua vontade a cada um em particular, ao mesmo
tempo que o faz ao povo inteiro:
O Senhor prescreveu o amor para com Deus e ensinou a justiça para com o próximo, a fim
de que o homem não fosse nem injusto nem indigno de Deus. Assim, pelo Decálogo, Deus
preparou o homem para se tornar seu amigo e ter um só coração com o próximo... Da mesma
maneira, as palavras do Decálogo continuam válidas entre nós [cristãos]. Longe de serem
abolidas elas cresceram e se desenvolveram pelo fato da vinda do Senhor na carne.
O DECÁLOGO NA TRADIÇÃO DA IGREJA
2064 Fiel à Escritura e de acordo com o exemplo de Jesus, a Tradição da Igreja
reconheceu ao Decálogo uma importância e um significado primordiais.
2065 Desde Sto. Agostinho, os "dez mandamentos" têm um lugar preponderante na
catequese dos futuros batizados e dos fiéis. No século XV, adotou-se o costume de exprimir os
preceitos do Decálogo em fórmulas rimadas, fáceis de memorizar, e positivas, que ainda estão
em uso hoje. Os catecismos da Igreja com freqüência têm exposto a moral cristã seguindo a
ordem dos "dez mandamentos".
2066 A divisão e a numeração dos mandamentos têm variado no decorrer da história. O
presente catecismo segue a divisão dos mandamentos estabelecida por Sto. Agostinho e que se
tornou tradicional na Igreja católica. É também a das confissões luteranas. Os padres gregos
fizeram uma divisão um tanto diferente, que se encontra nas Igrejas ortodoxas e nas
comunidades reformadas.
2067 Os dez mandamentos enunciam as exigências do amor de Deus e do próximo. Os
três primeiros se referem mais ao amor de Deus, e os outros sete ao amor do próximo.
Como a caridade abrange dois preceitos com os quais o Senhor relaciona toda a Lei e os
profetas (...) assim os próprios dez preceitos estão divididos em duas tábuas. Três foram escritos
numa tábua e sete na outra.
2068 O Concílio de Trento ensina que os dez mandamentos obrigam os cristãos e que o
homem justificado ainda está obrigado a observá-los. E o Concílio Vaticano II afirma a mesma
doutrina:
"Como sucessores dos Apóstolos, os Bispos recebem do Senhor (...)a missão de ensinar a
todos os povos e pregar o Evangelho a toda criatura, a fim de que os homens todos, pela fé,
pelo Batismo e pela observância dos mandamentos, alcancem a salvação"
A UNIDADE DO DECÁLOGO
2069 O Decálogo forma um todo inseparável. Cada "palavra" remete a cada uma das
outras e a todas; elas se condicionam 2 reciprocamente. As duas tábuas se esclarecem
mutuamente, formam uma unidade orgânica. Transgredir um mandamento, é infringir todos os
outros. Não se pode honrar os outros sem bendizer a Deus, seu criador. Não se pode adorar a
Deus sem amar a todos os homens, suas criaturas. O Decálogo unifica a vida teologal e a vida
social do homem.
O Decálogo e a Lei Natural
2070 Os dez mandamentos pertencem à revelação de Deus. Ao mesmo tempo, ensinamnos
a verdadeira humanidade do homem. Iluminam os deveres essenciais e, portanto,
indiretamente, os direitos humanos fundamentais, inerentes à natureza da pessoa humana. O
Decálogo contém uma expressão privilegiada da "lei natural":
Desde o começo, Deus enraizara no coração dos homens os preceitos da lei natural.
Inicialmente Ele se contentou em lhos recordar. Foi o Decálogo.
2071 Embora acessíveis à razão, os preceitos do Decálogo foram revelados. Para chegar
a um Conhecimento completo certo das exigências da lei natural, a humanidade pecador tinha
necessidade desta revelação:
Uma explicação completa dos mandamentos do Decálogos e tornou necessária no
estado de pecado, por causa do obscureci mento da luz da razão e do desvio da vontade
Conhecemos os mandamentos de Deus pela Revelação divina que nos é proposta na
Igreja e por meio da consciência moral.
A obrigatoriedade do Decálogo
2072 Visto que exprimem os deveres fundamentais do homem para com Deus e para
com o próximo, os dez mandamento revelam, em seu conteúdo primordial, obrigações graves.
São essencialmente imutáveis, e sua obrigação vale sempre e em toda parte. Ninguém pode
dispensar-se deles. Os dez mandamentos estão gravados por Deus no coração do ser humano.
2073 A obediência aos mandamentos implica, ainda, obrigações cuja matéria é, em si
mesma, leve. Assim, a injúria por palavra está proibida pelo quinto mandamento, mas só poderia
ser falta grave em função das circunstancias ou da intenção daquele que a profere.
"Sem mim, nada podeis fazer"
2074 Jesus diz: "Eu sou a videira, e vós, os ramos. Aquele que permanece em mim e eu
nele produz muito fruto, porque, sem mim, nada podeis fazer" (Jo 15,5). O fruto indicado nesta
palavra é a santidade de uma vida fecundada pela união a Cristo. Quando cremos em Jesus
Cristo, comungamos de seus mistérios e guardamos seus mandamentos, o Salvador mesmo vem
amar em nós seu Pai e seus irmãos, nosso Pai e nossos irmãos. Sua pessoa se toma, graças ao
Espírito, a regra viva e interior de nosso agir. "Este é o meu mandamento: Amai--vos uns aos outros
como eu vos amei" (Jo 15,12).
RESUMINDO
2075 "Que devo fazer de bom para ter a vida eterna?" - "Se queres entrar para a vida,
guarda os mandamentos" (Mt 19,16-17).
2076 Por sua prática e por sua pregação, Jesus atestou a perenidade do Decálogo.
2077 O dom do Decálogo é concedido no contexto da Aliança celebrada por Deus
com seu povo. Os mandamentos de Deus recebem seu verdadeiro significado nessa Aliança e
por meio dela.
2078 Fiel à Escritura, e de acordo com o exemplo de Jesus, a Tradição da Igreja
reconheceu ao Decálogo uma importância e um significado primordiais.
2079 O Decálogo forma uma unidade orgânica, em que cada "palavra ou
mandamento" remete a todo o conjunto. Transgredir um mandamento é infringir toda a Lei.
2080 O Decálogo contém uma expressão privilegiada da lei natural. Conhecemo-lo
pela revelação divina e pela razão humana.
2081 Os Dez Mandamentos enunciam, em seu conteúdo fundamental, obrigações
graves. Todavia, a obediência a esses preceitos implica também obrigações cuja matéria é, em
si mesma, leve.
2082 O que Deus manda, torna-o possível por sua graça.
CAPÍTULO I
"AMARÁS O SENHOR, TEU DEUS, DE TODO O CORAÇÃO, DE TODA A ALMA E DE
TODO O ENTENDIMENTO"
2083 Jesus resumiu os deveres do homem para com Deus com estas palavras: "Amarás o
Senhor, teu Deus, de todo o coração, de toda a alma e de todo o entendimento" (Mt 22,37);
Estas palavras são um eco imediato do apelo solene: "Escuta; Israel, o Senhor, nosso Deus, é o
único" (Dt 6,4-5).
Deus amou primeiro. O amor do Deus único é lembrado na primeira das "dez palavras". Em
seguida, os mandamento. explicitam a resposta de amor que o homem é chamado a da a seu
Deus.
ARTIGO 1
O PRIMEIRO MANDAMENTO
Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão. Não
terás outros deuses diante de mim. Não farás para ti imagem esculpida de nada que se
assemelhe ao que existe lá em cima, nos céus, ou embaixo, na terra, ou nas águas que estão
debaixo da terra. Não te prostrarás diante desses deuses, e não os servirás. (Ex 20,25).
Está escrito: "Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a Ele prestarás culto" (Mt 4,10).
I. "ADORARÁS O SENHOR, TEU DEUS, E O SERVIRÁS"
2084 Deus se faz conhecer recordando sua ação todo-poderosa, benigna e libertadora
na história daquele a quem se dirige: "Eu te fiz sair da terra do Egito, da casa da escravidão" (Dt
6,13-14). A primeira palavra contém o primeiro mandamento da lei: "Adorarás o Senhor, teu Deus,
e o servirás. (...) Não seguireis outros deuses" (Dt 6,13-14). O primeiro apelo e a exigência justa de
Deus é que o homem o acolha e o adore.
2085 O Deus único e verdadeiro revela sua glória primeiramente a Israel. A revelação da
vocação e da verdade do homem está ligada à revelação de Deus. O homem tem a vocação
de manifestar Deus agindo em conformidade com sua criação "à imagem e semelhança de
Deus" (Gn 1,26):
Jamais haverá outro Deus, Trifão, nem houve outro, desde sempre (...) além daquele que
fez e ordenou o universo. Nós não pensamos que nosso Deus seja diferente do vosso. É Ele o
mesmo que fez vossos pais saírem do Egito "com sua mão poderosa e seu braço estendido". Não
pomos as nossas esperanças em algum outro pois outro não existe , mas no mesmo que vós, o
Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó.
2086 "O primeiro preceito abrange a fé, a esperança e a caridade. Com efeito, quando
se fala de Deus, fala-se de um ser constante, imutável, sempre o mesmo, fiel, perfeitamente justo.
Daí decorre que nós devemos necessariamente aceitar suas palavras e ter nele uma fé e uma
confiança plenas. Ele é Todo-Poderoso, clemente, infinitamente inclinado a fazer o bem. Quem
poderia deixar de pôr nele todas as suas esperanças? E quem poderia deixar de amá-lo,
contemplando os tesouros de bondade e de ternura que Ele derramou sobre nós? Daí esta
fórmula que Deus emprega na Sagrada Escritura, quer no começo, quer no fim de seus preceitos:
'Eu sou o Senhor'."
A FÉ
2087 Nossa vida moral encontra sua fonte na fé em Deus, que nos revela seu amor. S.
Paulo fala da "obediência da fé" como da primeira obrigação. Ele vê no "desconhecimento de
Deus" o princípio e a explicação de todos os desvios morais. Nosso dever em relação a Deus
consiste em crer nele e em dar testemunho dele.
2088 O primeiro mandamento manda-nos alimentar e guardar com prudência e
vigilância nossa fé e rejeitar tudo o que se lhe opõe. Há diversas maneiras de pecar contra a fé.
A dúvida voluntária sobre a fé negligencia ou recusa ter como verdadeiro o que Deus
revelou e que a Igreja propõe para crer. A dúvida involuntária designa a hesitação em crer, a
dificuldade de superar as objeções ligadas à fé ou, ainda, a ansiedade suscitada pela
obscuridade da fé. Se for deliberadamente cultivada, a dúvida pode levar à cegueira do
espírito.
2089 A incredulidade é a negligência da verdade revelada ou a recusa voluntária de
lhe dar o próprio assentimento. "Chama-se heresia a negação pertinaz, após a recepção do
Batismo, de qual-quer verdade que se deve crer com fé divina e católica, ou a dúvida pertinaz a
respeito dessa verdade; apostasia, o repúdio total da fé cristã; cisma, a recusa de sujeição ao
Sumo Pontífice ou da comunhão com os membros da Igreja a ele sujeitos."
A ESPERANÇA
2090 Quando Deus se revela e chama o homem, este não pode responder plenamente
ao amor divino por suas próprias forças. Deve esperar que Deus lhe dê a capacidade de
corresponder a este amor e de agir de acordo com os mandamentos da caridade. A esperança
é o aguardar confiante da bênção divina e da visão beatifica de Deus; é também o temor de
ofender c amor de Deus e de provocar o castigo.
2091 O primeiro mandamento visa também aos pecados contra a esperança, que são o
desespero e a presunção.
Pelo desespero, o homem deixa de esperar de Deus sua salvação pessoal, os auxílios para
alcançá-la ou o perdão de seus pecados. O desespero opõe-se à bondade de Deus, à sua
justiça porque o Senhor é fiel a suas promessas e à sua misericórdia.
2092 Há duas espécies de presunção. Ou o homem presume de suas capacidades
(esperando poder salvar-se sem a ajuda do alto), ou então presume da onipotência ou da
misericórdia de Deus (esperando obter seu perdão sem conversão e a glória sem mérito).
A CARIDADE
2093 A fé no amor de Deus envolve o apelo e a obrigação de responder à caridade
divina por um amor sincero. O primeiro mandamento nos ordena que amemos a Deus acima de
tudo e' acima de todas as criaturas, por Ele mesmo e por causa dele.
2094 Pode-se pecar de diversas maneiras contra o amor de Deus: a indiferença
negligencia ou recusa a consideração da caridade divina, menospreza a iniciativa (de Deus em
nos amar) e nega sua força. A ingratidão omite ou se recusa a reconhecer a caridade divina e a
pagar amor com amor. A tibieza é uma hesitação ou uma negligência em responder ao amor
divino, podendo implicar a recusa de se entregar ao dinamismo da caridade. A acídia ou
preguiça espiritual chega a recusar até a alegria que vem de Deus e a ter horror ao bem divino.
O ódio a Deus vem do orgulho. Opõe-se ao amor de Deus, cuja bondade nega, e atreve-se a
maldizê-lo como aquele que proíbe os pecados e inflige as penas.
II. "SÓ A ELE PRESTARÁS CULTO"
2095 As virtudes teologais da fé, esperança e caridade dão forma às virtudes morais e as
vivificam. Assim, a caridade nos leva a dar a Deus aquilo que em toda justiça lhe devemos
enquanto criaturas. A virtude da religião nos dispõe a esta atitude.
A ADORAÇÃO
2096 A adoração é o primeiro ato da virtude da religião. Adorar a Deus é reconhecê-lo
como Deus, como o Criador e o Salvador, o Senhor e o Dono de tudo o que existe, o Amor
infinito e misericordioso. "Adorarás o Senhor, teu Deus, e só a Ele prestarás culto" (Lc 4,8), diz Jesus,
citando o Deuteronômio (6,13).
2097 Adorar a Deus é, no respeito e na submissão absoluta, reconhecer "o nada da
criatura", que não existe a não ser por Deus. Adorar a Deus é, como Maria no Magnificat, louválo,
exaltá-lo e humilhar-se a si mesmo, confessando com gratidão que Ele fez grandes coisas e
que seu nome é santo. A adoração do Deus único liberta o homem de se fechar em si mesmo,
da escravidão do pecado e da idolatria do mundo.
A ORAÇÃO
2098 Os atos de fé, de esperança e de caridade ordenados pelo primeiro mandamento
cumprem-se na oração. A elevação do espírito para Deus é expressão da adoração que lhe
rendemos: prece de louvor e de ação de graças, de intercessão e de súplica. A oração é uma
condição indispensável para poder obedecer aos mandamentos de Deus. "É preciso orar
sempre. sem jamais esmorecer" (Lc 18,1).
O SACRIFÍCIO
2099 É justo oferecer a Deus sacrifícios em sinal de adoração e de reconhecimento, de
súplica e de comunhão: "E verdadeiro sacrifício toda ação feita para se unir a Deus em santa
comunhão e poder ser feliz."
2100 Para ser verídico, o sacrifício exterior deve ser a expressão do sacrifício espiritual:
"Meu sacrifício é um espírito compungido..." (Sl 51,19). Os profetas da Antiga Aliança
denunciaram com freqüência os sacrifícios feitos sem participação interior ou sem ligação com o
amor do próximo. Jesus recorda a palavra do profeta Oséias: "E misericórdia que eu quero, e não
sacrifício" (Mt 9,13; 12,7). O único sacrifício perfeito é o que Cristo ofereceu na cruz, em total
oblação ao amor do Pai e para nossa salvação. Unindo-nos a seu sacrifício, podemos fazer de
nossa vida um sacrifício a Deus.
PROMESSAS E VOTOS
2101 Em várias circunstâncias, o cristão é convidado a fazer promessas a Deus. O Batismo
e a Confirmação, o Matrimônio e a Ordenação sempre as contêm. Por devoção pessoal, o
cristão pode também prometer a Deus este ou aquele ato, oração, esmola, peregrinação etc. A
fidelidade às promessas feitas a Deus é uma manifestação do respeito devido à majestade
divina e do amor para com o Deus fiel.
2102 "O voto, isto é, a promessa deliberada e livre de um bem possível e melhor feita a
Deus, deve ser cumprido a título da virtude de religião.” O voto é um ato de devoção no qual o
cristão se consagra a Deus ou lhe promete uma obra boa. Pelo cumprimento de seus votos, o
homem dá a Deus o que lhe prometeu e consagrou. Os Atos dos Apóstolos nos mostram S. Paulo
preocupado em cumprir os votos que fizera.
2103 A Igreja atribui um valor exemplar aos votos de praticar os conselhos evangélicos:
A Mãe Igreja alegra-se ao encontrar em seu seio muitos homens e mulheres que
seguem mais estreitamente a exinanição do Salvador e mais claramente a demonstram,
aceitando a pobreza na liberdade dos filhos de Deus e renunciando às próprias vontades;
submetem-se eles aos homens por causa de Deus, em matéria de perfeição, além da medida do
preceito, para que mais plenamente se conformem a Cristo obediente.
Em certos casos a Igreja pode, por motivos adequados, dispensar dos votos e das
promessas.
O DEVER SOCIAL DE RELIGIÃO E O DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA
2104 "Todos os homens estão obrigados a procurar a verdade, sobretudo naquilo que diz
respeito a Deus e à sua Igreja e, depois de conhecê-la, a abraçá-la e praticá-la." Este dever
decorre da "própria natureza dos homens" e não contraria um "respeito sincero" para com as
diversas religiões que "refletem lampejos daquela verdade que ilumina a todos os homens", nem
a exigência da caridade que insta os cristãos a "tratar com amor, prudência e paciência os
homens que vivem no erro ou na ignorância acerca da fé".
2105 O dever de prestar a Deus um culto autêntico diz respeito ao homem individual e
socialmente. Esta é "a doutrina católica tradicional sobre o dever moral dos homens e das
sociedades em relação à verdadeira religião e à única Igreja de Cristo". Evangelizando sem
cessar os homens, a Igreja trabalha para que estes possam "penetrar de espírito cristão as
mentalidades e os costumes, as leis e as estruturas da comunidade em que vivem". O dever
social dos cristãos é respeitar e despertar em cada homem o amor da verdade e do bem. Exige
que levem a conhecer o culto da única religião verdadeira, que subsiste na Igreja católica e
apostólica. Os cristãos são chamados a ser a luz do mundo. Assim, a Igreja manifesta a realeza
de Cristo sobre toda a criação e particularmente sobre as sociedades humanas.
2106 "Em matéria religiosa, ninguém seja obrigado a agir contra a própria consciência,
nem impedido de agir, dentro dos justos limites, de acordo com ela, em particular ou em público,
só ou associado a outrem." Este direito funda-se na própria natureza da pessoa humana, cuja
dignidade a faz aderir livremente à verdade divina que transcende a ordem temporal. Por isso,
este direito "continua a existir ainda para aqueles que não satisfazem à obrigação de procurar a
verdade e de aderir a ela"
2107 "Se, em razão de circunstâncias particulares dos povos, for conferida a uma única
comunidade religiosa o especial reconhecimento civil na organização jurídica da sociedade,
será necessário que ao mesmo tempo se reconheça e se observe em favor de todos os cidadãos
e das comunidades religiosas o direito à liberdade em matéria religiosa.”
2108 O direito à liberdade religiosa não significa nem a permissão moral de aderir ao erro
nem um suposto direito ao erro, mas um direito natural da pessoa humana à liberdade civil, quer
dizer, à imunidade de coação externa nos justos limites, em matéria religiosa, da parte do poder
político. Este direito natural deve ser reconhecido no ordenamento jurídico da sociedade, de tal
maneira que constitua um direito civil.
2109 O direito à liberdade religiosa não pode ser em si ilimitado, nem limitado apenas por
uma "ordem pública" entendida de maneira positivista ou naturalista. Os "justos limites" que lhe
são inerentes devem ser determinados para cada situação social pela prudência política,
segundo as exigências do bem comum, e ratificados pela autoridade civil segundo "normas
jurídicas, de acordo com a ordem moral objetiva".
III. "NÃO TERÁS OUTROS DEUSES DIANTE DE MIM"
2110 O primeiro mandamento proíbe prestar honra a outros afora o único Senhor que se
revelou a seu povo. Proscreve a superstição e a irreligião. A superstição representa de certo
modo um excesso perverso de religião; a irreligião é um vício oposto por deficiência à virtude da
religião.
A SUPERSTIÇÃO
2111 A superstição é o desvio do sentimento religioso e das práticas que ele impõe. Pode
afetar também o culto que prestamos ao verdadeiro Deus, por exemplo, quando atribuímos uma
importância de alguma maneira mágica a certas práticas, em si mesmas legítimas ou
necessárias. Atribuir eficácia exclusivamente à materialidade das orações ou dos sinais
sacramentais, sem levar em conta as disposições interiores que elas exigem, é cair na
superstição.
A IDOLATRIA
2112 O primeiro mandamento condena o politeísmo. Exige que o homem não acredite
em outros deuses afora Deus, que não venere outras divindades afora a única. A escritura lembra
constantemente esta rejeição de "ídolos, ouro e prata, obras das mãos dos homens", os quais
"têm boca e não falam, têm olhos e não vêem..." Esses ídolos vãos tornam as pessoas vãs:
"Como eles serão os que o fabricaram e quem quer que ponha neles a sua fé" (Sl
115,4-5.8). Deus, pelo contrário, é o "Deus vivo" (Jo 3,10) que faz viver e intervém na história.
2113 A idolatria não diz respeito somente aos falsos cultos do paganismo. Ela é uma
tentação constante da fé. Consiste em divinizar o que não é Deus. Existe idolatria quando o
homem presta honra e veneração a uma criatura em lugar de Deus, quer se trate de deuses ou
de demônios (por exemplo, o satanismo), do poder, do prazer, da raça, dos antepassados, do
Estado, do dinheiro etc. "Não podeis servir a Deus e ao dinheiro", diz Jesus (Mt 6,24). Numerosos
mártires morreram por não adorar "a Besta", recusando-se até a simular seu culto. A idolatria
nega o senhorio exclusivo de Deus; é, portanto, incompatível com a comunhão divina.
2114 A vida humana unifica-se na adoração do Único. O mandamento de adorar o
único Senhor simplifica o homem e o livra de uma dispersão infinita. A idolatria é uma perversão
do sentimento religioso inato do homem. O idólatra é aquele que "refere a qualquer coisa que
não seja Deus a sua indestrutível noção de Deus”.
ADIVINHAÇÃO E MAGIA
2115 Deus pode revelar o futuro a seus profetas ou a outros santos. Todavia, a atitude
cristã correta consiste em entregar-se com confiança nas mãos da providência no que tange ao
futuro, e em abandonar toda curiosidade doentia a este respeito. A imprevidência pode ser uma
falta de responsabilidade.
2116 Todas as formas de adivinhação hão de ser rejeitadas: recurso a Satanás ou aos
demônios, evocação dos mortos ou outras práticas que erroneamente se supõe "descobrir" o
futuro. A consulta aos horóscopos, a astrologia, a quiromancia, a interpretação de presságios e
da sorte, os fenômenos de visão, o recurso a médiuns escondem uma vontade de poder sobre o
tempo, sobre a história e, finalmente, sobre os homens, ao mesmo tempo que um desejo de
ganhar para si os poderes ocultos. Essas práticas contradizem a honra e o respeito que, unidos ao
amoroso temor, devemos exclusivamente a Deus.
2117 Todas as práticas de magia ou de feitiçaria com as quais a pessoa pretende
domesticar os poderes ocultos, para colocá-los a seu serviço e obter um poder sobrenatural
sobre o próximo - mesmo que seja para proporcionar a este a saúde - são gravemente contrárias
à virtude da religião. Essas práticas são ainda mais condenáveis quando acompanhadas de
uma intenção de prejudicar a outrem, ou quando recorrem ou não à intervenção dos demônios.
O uso de amuletos também é repreensível. O espiritismo implica freqüentemente práticas de
adivinhação ou de magia. Por isso a Igreja adverte os fiéis a evitá-lo. O recurso aos assim
chamados remédios tradicionais não legitima nem a invocação dos poderes maléficos nem a
exploração da credulidade alheia.
A IRRELIGIÃO
2118 O primeiro mandamento de Deus reprova os principais pecados de irreligião: a
ação de tentar a Deus em palavras ou em atos, o sacrilégio e a simonia.
2119 A ação de tentar a Deus consiste em pôr â prova, em palavras ou em atos, sua
bondade e sua onipotência. Foi assim que Satanás quis conseguir que Jesus se atirasse do alto do
templo e obrigasse Deus, desse modo, a agir. Jesus opõe-lhe a Palavra de Deus: "Não tentarás o
Senhor teu Deus" (Dt 6,16). O desafio contido em tal "tentação de Deus" falta com o respeito e a
confiança que devemos a nosso Criador e Senhor. Inclui sempre uma dúvida a respeito de seu
amor, sua providência e seu poder.
2120 O sacrilégio consiste em profanar ou tratar indignamente os sacramentos e as
outras ações litúrgicas, bem como as pessoas, as coisas e os lugares consagrados a Deus. O
sacrilégio é um pecado grave, sobretudo quando cometido contra a Eucaristia, pois neste
sacramento o próprio Corpo de Cristo se nos torna substancialmente presente.
2121 A simonia é definida como a compra ou a venda de realidades espirituais. A
Simão, o mago, que queria comprar o poder espiritual que via em ação nos Apóstolos, Pedro
responde: "Pereça o teu dinheiro, e tu com ele, porque julgaste poder comprar com dinheiro o
dom de Deus" (At 8,20). Desta maneira, Pedro obedecia à Palavra de Jesus: "De graça
recebestes, dai de graça" (Mt 10,8). É impossível apropriar-se dos bens espirituais e comportar-se
em relação a eles como um possuidor ou um dono, pois a fonte deles é Deus. Só se pode
recebê-los gratuitamente dele.
2122 "Além das ofertas estabelecidas pela autoridade competente, o ministro nada
peça pela administração dos sacramentos, tomando cuidado sempre que os necessitados não
sejam privados da ajuda dos sacramentos por causa de sua pobreza." A autoridade competente
fixa estas "ofertas" em virtude do princípio de que o povo cristão deve cuidar do sustento dos
ministros da Igreja. "O operário é digno de seu sustento" (Mt 10,10).
O ATEÍSMO
2123 "Muitos de nossos contemporâneos não percebem de modo algum esta união intima
e vital com Deus, ou explicitamente a rejeitam, a ponto de o ateísmo figurar entre os mais graves
problemas de nosso tempo."
2124 O termo ateísmo abrange fenômenos muito diversos. Uma forma freqüente é o
materialismo prático, de quem limita suas necessidades e suas ambições ao espaço e ao tempo.
O humanismo ateu considera falsamente que o homem é "seu próprio fim e o único artífice e
demiurgo de sua própria história". Outra forma de ateísmo contemporâneo espera a libertação
do homem pela via econômica e social, sendo que "a religião, por sua própria natureza,
impediria esta libertação, na medida em que, ao estimular a esperança do homem numa
quimérica vida futura, o desviaria da construção da cidade terrestre".
2125 Na medida em que rejeita ou recusa a existência de Deus, o ateísmo é um pecado
contra a virtude da religião. A imputabilidade desta falta pode ser seriamente diminuída em
virtude das intenções e das circunstâncias. Na gênese e difusão do ateísmo, "grande parcela de
responsabilidade pode caber aos crentes, na medida em que, negligenciando a educação da
fé, ou por uma exposição enganosa da doutrina, ou por deficiência em sua vida religiosa, moral
e social, se poderia dizer deles que mais escondem do que manifestam o rosto autêntico de
Deus e da religião"
2126 Muitas vezes o ateísmo se funda em uma concepção falsa da autonomia humana,
que chega a recusar toda dependência em relação a Deus. Contudo, "o reconhecimento de
Deus não se opõe de modo algum à dignidade do homem, já que esta dignidade se
fundamenta e se aperfeiçoa no próprio Deus". "A Igreja sabe perfeitamente que sua mensagem
se coaduna com as aspirações mais intimas do coração humano."
O AGNOSTICISMO
2127 O agnosticismo se reveste de muitas formas. Em certos casos, o agnóstico se recusa
a negar a Deus; ao contrário, postula a existência de um ser transcendente, que não poderia
revelar-se e sobre o qual ninguém seria capaz de dizer nada! Em outros casos, o agnóstico não
se pronuncia sobre a existência de Deus, declarando que é impossível prová-la e até afirmá-la ou
negá-lo.
2128 O agnosticismo pode, às vezes, conter certa busca de Deus, mas pode igualmente
representar um indiferentismo, uma fuga da pergunta última sobre a existência e uma preguiça
da consciência moral. Com muita freqüência o agnosticismo equivale a um ateísmo prático.
IV. "Não Farás Para Ti Imagem Esculpida De Nada..."
2129 O mandamento divino incluía a proibição de toda representação de Deus por
mão do homem. O Deuteronômio explica: "Uma vez que nenhuma forma vistes no dia em que
Senhor vos falou no Horeb, do meio do fogo, não vos pervertais, fazendo para vós uma imagem
esculpida em forma de ídolo..." (Dt 4,15-16). Eis aí o Deus absolutamente transcendente que se
revelou a Israel. "Ele é tudo", mas, ao mesmo tempo, ele está "acima de todas as suas obras" (Eclo
43,27-28). Ele é "a própria fonte de toda beleza criada" (Sb 1 3,3).
2130 No entanto, desde o Antigo Testamento, Deus ordenou ou permitiu a instituição de
imagens que conduziriam simbolicamente à salvação por meio do Verbo encarnado, como são
Serpente de Bronze, a Arca da Aliança e os Querubins.
2131 Foi fundamentando-se no mistério do Verbo encarnado que (sétimo Concílio
ecumênico, em Nicéia (em 787), justificou, contra os iconoclastas, o culto dos ícones: os de
Cristo, mas também os da Mãe de Deus, dos anjos e de todos os santos. Ao se encarnar, o Filho
de Deus inaugurou uma nova "economia" das imagens.
2132 O culto cristão das imagens não é contrário ao primeiro mandamento, que proíbe
os ídolos. De fato, "a hora prestada a uma imagem se dirige ao modelo Original, e "quem venera
uma imagem venera a pessoa que nela está pintada. A honra prestada às santas imagens é
uma "veneração respeitosa", e não uma adoração, que só compete a Deus:
Oculto da religião não se dirige às imagens em si como realidades, mas as considera em
seu aspecto próprio de imagens que nos conduzem ao Deus encarnado. Ora, o movimento que
se dirige à imagem enquanto tal não termina nela, mas tende para a realidade da qual é
imagem.
RESUMINDO
2133 "Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com
todas as tuas forças" (Dt 6,5).
2134 O primeiro mandamento convida o homem a crer em Deus, a esperar nele e a
amá-lo acima de tudo.
2135 "Adorarás o Senhor teu Deus" (Mt 4,]O). Adorar a Deus, orar a Ele, oferecer-lhe o
culto que lhe é devido, cumprir as promessas e os votos que foram fritos a Ele são os atos da
virtude de religião que nascem da obediência ao primeiro mandamento.
2136 O dever de prestar um culto autêntico a Deus incumbe ao homem, tanto
individualmente como em sociedade.
2137 O homem deve "poder professar livremente a religião, tanto em particular como
em público. "
2138 A superstição é um desvio do culto que rendemos ao verdadeiro Deus. Ela se mostra
particularmente na idolatria, assim como nas diferentes formas de adivinhação e de magia.
2139 A ação de tentar a Deus, em palavras ou em atos, o sacrilégio, a simonia são
pecados de irreligião proibidos pelo primeiro mandamento.
2140 Enquanto rejeita ou recusa a existência de Deus, o ateísmo é um pecado contra o
primeiro mandamento.
2141 O culto às imagens sagradas está fundamentado no mistério da encarnação do
Verbo de Deus. Não contraria o primeiro mandamento.
TERCEIRA PARTE - A VIDA EM CRISTO
ARTIGO 2
O SEGUNDO MANDAMENTO
Não pronunciarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão (Ex 20,7).
Foi dito aos antigos: "Não perjurarás"... Eu, porém, vos digo não jureis em hipótese alguma
(Mt 5,33-34).
I. O nome do Senhor é santo
2142 "Não pronunciarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão' (Ex 20,7). O segundo
mandamento pertence, como o primeiro ao âmbito da virtude da religião e regula mais
particularmente o uso que fazemos da palavra nas coisas santas.
2143 Entre todas as palavras da revelação há uma, singular, que é a revelação do
nome de Deus. Deus confia seu nome àqueles que crêem nele; revela-se-lhes em seu mistério
pessoal. O dom do nome pertence à ordem da confiança e da intimidade. "O nome do Senhor é
santo." Eis por que o homem não pode abusar dele. Deve guardá-lo na memória num silêncio de
adoração amorosa. Não fará uso dele a não ser para bendizê-lo, louvá-lo e glorificá-lo.
2144 A deferência para com o nome de Deus exprime o respeito que é devido ao
mistério do próprio Deus e a toda a realidade sagrada que ele evoca. O sentido do sagrado faz
parte do âmbito da religião:
Os sentimentos de temor e do sagrado são ou não sentimentos cristãos? Ninguém pode
em sã razão duvidar disso. São sentimentos que teríamos, em grau intenso, se tivéssemos a visão
do Deus soberano. São sentimentos que teríamos se nos apercebêssemos claramente de sua
presença. Na medida em que cremos que Ele está presente, devemos tê-los. Não tê-los é não
perceber, não crer que Ele está presente.
2145 O fiel deve testemunhar o nome do Senhor, confessando sua fé sem ceder ao
medo. O ato da pregação e o ato da catequese devem estar penetrados de adoração e de
respeito pelo nome de Nosso Senhor, Jesus Cristo.
2146 O segundo mandamento proíbe o abuso do nome de Deus, isto é, todo uso
inconveniente do nome de Deus, de Jesus Cristo, da Virgem Maria e de todos os santos.
2147 As promessas feitas a outrem em nome de Deus empenham a honra, a fidelidade,
a veracidade e a autoridade divinas. Devem, pois, em justiça, ser respeitadas. Ser-lhes infiel é
abusar do nome de Deus e, de certo modo, fazer de Deus um mentiroso.
2148 A blasfêmia opõe-se diretamente ao segundo mandamento. Ela consiste em proferir
contra Deus interior ou exteriormente - palavras de ódio, de ofensa, de desafio, em falar mal de
Deus, faltar-lhe deliberadamente com o respeito ao abusar do nome de Deus. São Tiago reprova
"os que blasfemam contra o nome sublime (de Jesus) que foi invocado sobre eles" (Tg 2,7). A
proibição da blasfêmia se estende às palavras contra a Igreja de Cristo, os santos, as coisas
sagradas. É também blasfemo recorrer ao nome de Deus para encobrir práticas criminosas,
reduzir povos à servidão, torturar ou matar. O abuso do nome de Deus para cometer um crime
provoca a rejeição da religião.
A blasfêmia é contrária ao respeito devido a Deus e a seu santo nome. E em si um pecado
grave.
2149 As pragas, que fazem intervir o nome de Deus, sem intenção de blasfêmia, são uma
falta de respeito para com o Senhor.
O segundo mandamento proíbe também o uso mágico do nome divino.
O nome de Deus é grande lá onde for pronunciado com o respeito devido à sua
grandeza e à sua majestade. O nome de Deus é santo lá onde for proferido com veneração e
com temor de ofendê-lo.
II. O NOME DO SENHOR PRONUNCIADO EM VÃO
2150 O segundo mandamento proíbe o juramento falso. Fazer juramento ou jurar é
invocar a Deus como testemunha do que se afirma. E invocar a veracidade divina como
garantia de nossa própria veracidade. O juramento empenha o nome do Senhor. "E ao Senhor
teu Deus que temerás, a Ele servirás e pelo seu nome jurarás" (Dt 6,13).
2151 Abster-se de jurar falsamente é um dever para com Deus. Como Criador e Senhor,
Deus é a regra de toda verdade. A palavra humana está de acordo com Deus ou em oposição
a Ele, que é a própria verdade. Quando é verídico e legítimo, o juramento põe à luz a relação
da palavra humana com a verdade de Deus. O juramento falso invoca Deus para ser
testemunha de uma mentira.
2152 E perjuro aquele que, sob juramento, faz uma promessa que não tem intenção de
manter ou que, depois de ter prometido algo sob juramento, não o cumpre. O perjúrio constitui
uma grave falta de respeito para com o Senhor de toda palavra. Comprometer-se por juramento
a praticar uma obra má contrário à santidade do nome divino.
2153 Jesus expôs o segundo mandamento no Sermão da Montanha: "Ouvistes o que foi
dito aos antigos: 'Não perjurarás, mas cumprirás os teus juramentos para com o Senhor'. Eu,
porém, vos digo: não jureis em hipótese nenhuma... Seja o vosso 'sim', sim, e o vosso 'não', não. O
que passa disso vem do Maligno" (Mt 5,33~34.37). Jesus ensina que todo juramento implica uma
referência a Deus e que a presença de Deus e de sua verdade deve ser honrada em toda
palavra. A discrição em recorrer a Deus na linguagem caminha de mãos dadas com a atenção
respeitosa à sua presença, testemunhada ou desprezada, em cada uma de nossas afirmações.
2154 Seguindo S. Paulo, a Tradição da Igreja entendeu que as palavras de Jesus não se
opõem ao juramento quando é feito por uma causa grave e justa (por exemplo, perante um
tribunal). "O juramento, isto é, a invocação do nome de Deus com testemunha da verdade, não
se pode fazer, a não ser na verdade, no discernimento e na justiça."
2155 A santidade do nome divino exige que não se recorra a ele para coisas fúteis e
não se preste juramento em circunstâncias suscetíveis de interpretá-lo como uma aprovação do
poder que o exigisse injustamente. Quando o juramento é exigido por autoridades civis ilegítimas,
pode-se recusá-lo. Deve ser recusado quando é pedido para fins contrários à dignidade das
pessoas ou à comunhão da Igreja.
III. O NOME CRISTÃO
2156 O sacramento do Batismo é conferido "em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo"
(Mt 28,19). No Batismo, o nome do Senhor santifica o homem, e o cristão recebe seu próprio
nome na Igreja. Este pode ser o de um santo, isto é, de um discípulo que viveu uma vida de
fidelidade exemplar a seu Senhor. O "nome de Batismo" pode também exprimir um mistério
cristão ou uma virtude cristã. "Cuidem os pais, os padrinhos e o pároco para que não se
imponham nomes alheios ao senso cristão."
2157 O cristão começa seu dia, suas orações e suas ações com o sinal-da-cruz, "em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém". O batizado dedica a jornada à glória de Deus
e invoca a graça do Salvador, que lhe possibilita agir no Espírito como filho do Pai. O sinal-da-cruz
nos fortifica nas tentações e nas dificuldades.
2158 Deus chama a cada um por seu nome. O nome de todo homem é sagrado. O
nome é o ícone da pessoa. Exige respeito, em sinal da dignidade de quem o leva.
2159 O nome recebido é um nome eterno. No Reino, o caráter misterioso e único de
cada pessoa marcada com o nome de Deus resplandecerá em plena luz. "Ao vencedor... darei
uma pedrinha branca na qual está escrito um nome novo, que ninguém conhece, exceto
aquele que o recebe" (Ap 2,17). "Tive esta visão: eis que o Cordeiro estava de pé sobre o Monte
Sião com os cento e quarenta e quatro mil que traziam escrito sobre a fronte o nome dele e o
nome de seu Pai" (Ap 14,1).
RESUMINDO
2160 "Senhor, nosso Deus, quão poderoso é teu nome em toda terra" (Sl 8,11).
2161 O segundo mandamento prescreve respeitar o nome do Senhor. O nome do Senhor
é santo.
2162 O segundo mandamento proíbe todo uso inconveniente do nome de Deus. A
blasfêmia consiste em usar o nome de Deus, de Jesus Cristo, da Virgem Maria e dos santos de
maneira injuriosa.
2163 O juramento falso invoca Deus como testemunha de uma mentira. O perjúrio é
uma falta grave contra o Senhor, sempre fiel a suas promessas.
2164 "Não jurar nem pelo Criador, nem pela criatura, se não for com verdade,
necessidade e reverência."
2165 No Batismo, o cristão recebe seu nome na Igreja. Os pais, os padrinhos e o pároco
cuidarão para que lhe seja dado um nome cristão. O patrocínio de um santo oferece um
modelo de caridade e um intercessor seguro.
2166 O cristão começa suas orações e suas ações pelo sinal-da-cruz, "em nome do Pai,
do Filho e do Espírito Santo. Amém"
2167 Deus chama cada um por seu nome.
ARTIGO 3
O TERCEIRO MANDAMENTO
Lembra-te do dia do sábado para santificá-lo. Trabalharás durante seis dias e farás todas
as tuas obras. O sétimo dia, porém, é o sábado do Senhor, teu Deus. Não farás nenhum trabalho
(Ex 20,8-l0). O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado, de modo que o
Filho do Homem é senhor até do sábado (Mc 2,27-28).
I. O DIA DO SÁBADO
2168 O terceiro mandamento do Decálogo lembra a santidade do sábado: "O sétimo
dia é sábado; repouso absoluto em honra do Senhor" (Ex 31,15).
2169 A propósito dele, a Escritura faz memória da criação: "Porque em seis dias o Senhor
fez o céu e a terra, o mar e tudo o que eles contêm, mas repousou no sétimo dia. Por isso o
Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou" (Ex 20,11).
2170 No dia do Senhor, a Escritura revela ainda um memorial da libertação de Israel da
escravidão do Egito: "Recorda que foste escravo na terra do Egito e que o Senhor, teu Deus, te
fez sair de lá com a mão forte e o braço estendido. E por isso que o Senhor teu Deus te ordenou
guardar o dia de sábado" (Dt 5,15).
2171 Deus confiou o sábado a Israel, para que ele pudesse guardá-lo em sinal da
aliança inquebrantável. O sábado é, para o Senhor, santamente reservado ao louvor de Deus,
de sua obra de criação e de suas ações salvíficas em favor de Israel.
2172 O agir de Deus é o modelo do agir humano. Se Deus "retomou o fôlego" no sétimo
dia (Ex 31,17), também o homem deve "folgar" e deixar que os outros, sobretudo os pobres,
"retomem fôlego". O sábado faz cessar os trabalhos cotidianos e concede uma pausa. E um dia
de protesto contra as escravidões do trabalho e o culto do dinheiro.
2173 O Evangelho relata numerosos incidentes em que Jesus é acusado de violar a lei
do sábado. Mas Jesus nunca profana a santidade desse dia. Dá-nos com autoridade sua
autêntica interpretação: "O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado" (Mc
2,27). Movido por compaixão, Cristo se permite, no "dia de sábado, fazer o bem de preferência
ao mal, salvar uma vida de preferência a matar. O sábado é o dia do Senhor das misericórdias e
da honra de Deus. "O Filho do Homem é senhor até do sábado" (Mc 2,28).
II. O DIA DO SENHOR
Este é o dia que o Senhor fez, exultemos e alegremo-nos nele (Sl 117,24).
O DIA DA RESSURREIÇÃO: A NOVA CRIAÇÃO
2174 Jesus ressuscitou dentre os mortos "no primeiro dia da semana" (Mc 16,2[a39] ).
Enquanto "primeiro dia", o dia da Ressurreição de Cristo lembra a primeira criação. Enquanto
"oitavo dia", que segue ao sábado, significa a nova criação inaugurada com a Ressurreição de
Cristo. Para os cristãos, ele se tomou o primeiro de todos os dias, a primeira de todas as festas, o
dia do Senhor ("Hé kyriaké hemera", "dies dominica "), o "domingo":
Reunimo-nos todos no dia do sol, porque é o primeiro dia (após sábado dos judeus, mas
também o primeiro dia) em que Deus extraindo a matéria das trevas, criou o mundo e, nesse
mesmo dia Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dentre os mortos] .
O DOMINGO - PLENITUDE DO SÁBADO
2175 O domingo se distingue expressamente do sábado, ao qual sucede
cronologicamente, a cada semana, e cuja prescrição espiritual substitui, para os cristãos. Leva à
plenitude, na Páscoa de Cristo, a verdade espiritual do sábado judeu e anuncia o repouso
eterno do homem em Deus. Pois o culto da lei preparava o mistério de Cristo e o que nele se
praticava prefigurava, de alguma forma, algum aspecto de Cristo:
Aqueles que viviam segundo a ordem antiga das coisas voltaram-se para a nova
esperança não mais observando o sábado, mas sim o dia do Senhor, no qual a nossa vida é
abençoada por Ele e por sua morte.
2176 A celebração do domingo observa a prescrição moral naturalmente inscrita no
coração do homem de "prestar a Deus um culto exterior, visível, público e regular sob o signo de
seu beneficio universal para com os homens”. O culto dominical cumpre o preceito moral da
Antiga Aliança, cujo ritmo e espírito retoma ao celebrar cada semana o Criador e o Redentor de
seu povo.
A EUCARISTIA DOMINICAL
2177 A celebração dominical do Dia e da Eucaristia do Senhor está no coração da vida
da Igreja. "O domingo, dia em que por tradição apostólica se celebra o Mistério Pascal, deve ser
guardado em toda a Igreja como dia de festa de preceito por excelência."
"Devem ser guardados igualmente o dia do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo, da
Epifania, da Ascensão e do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, de Santa Maria, Mãe de Deus,
de sua Imaculada Conceição e Assunção, de São José, dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo e,
por fim, de Todos os Santos.
2178 Esta prática da assembléia cristã data dos inícios da era apostólica. A Epístola aos
Hebreus lembra: "Não deixemos as nossas assembléias, como alguns costumam fazer.
Procuremos animar-nos sempre mais" (Hb 10,25).
A Tradição guarda a lembrança de uma exortação sempre atual: "Vir cedo à Igreja,
aproximar-se do Senhor e confessar seus pecados, arrepender-se na oração...Participar da santa
e divina liturgia terminar a oração e não sair antes da despedida... Dissemos muitas vezes: este
dia vos é dado para a oração e o repouso. E o dia que o Senhor fez. Exultemos e alegremo-nos
nele"
2179 "Paróquia é uma determinada comunidade de fiéis, constituída de maneira estável
na Igreja particular, e seu cuidado pastoral é confiado ao pároco, como a seu pastor próprio,
sob autoridade do bispo diocesano." E o lugar onde todos os fiéis podem ser congregados pela
celebração dominical da Eucaristia. A paróquia inicia o povo cristão na expressão ordinária da
vida litúrgica, reúne-o nesta celebração, ensina a doutrina salvífica de Cristo, pratica a caridade
do Senhor nas obras boas e fraternas.
Não podes rezar em casa como na Igreja, onde se encontra o povo reunido, onde o grito
é lançado a Deus de um só coração. Há ali algo mais, a união dos espíritos, a harmonia das
almas o vínculo da caridade, as orações dos presbíteros.
A OBRIGAÇÃO DO DOMINGO
2180 O mandamento da Igreja determina e especifica a lei do Senhor: "Aos domingos e
nos outros dias de festa de preceito, os fiéis têm a obrigação de participar da missa". "Satisfaz ao
preceito de participar da missa quem assiste à missa celebrada segundo o rito católico no
próprio dia de festa ou à tarde do dia anterior.
2181 A Eucaristia do domingo fundamenta e sanciona toda a prática cristã. Por isso os
fiéis são obrigados a participar da Eucaristia nos dias de preceito, a não ser por motivos muito
sérios (por exemplo, uma doença, cuidado com bebês) ou se forem dispensados pelo próprio
pastor[a59] . Aqueles que deliberadamente faltam a esta obrigação cometem pecado grave.
2182 A participação na celebração comunitária da Eucaristia dominical é um
testemunho de pertença e de fidelidade a Cristo e à sua Igreja. Assim, os fiéis atestam sua
comunhão na fé e na caridade. Dão simultaneamente testemunho da santidade de Deus e de
sua esperança na salvação, reconfortando-se mutuamente sob a moção do Espírito Santo.
2183 "Por falta de ministro sagrado ou por outra causa grave, se a participação na
celebração eucarística se tornar impossível, recomenda-se vivamente que os fiéis participem da
liturgia da Palavra, se houver, na igreja paroquial ou em outro lugar sagrado, celebrada segundo
as prescrições do Bispo diocesano, ou então se dediquem à oração durante um tempo
conveniente, a sós ou em família, ou em grupos de famílias, de acordo com a oportunidade."
DIA DE GRAÇA E DE INTERRUPÇÃO DO TRABALHO
2184 Como Deus "descansou no sétimo dia, depois de toda a obra que fizera" (Gn 2,2),
a vida humana é ritmada pelo trabalho e pelo repouso. A instituição do dia do Senhor contribui
para que todos desfrutem do tempo de repouso e de lazer suficiente que lhes permita cultivar
sua vida familiar, cultural, social e religiosa.
2185 Durante o domingo e os outros dias de festa de preceito, os fiéis se absterão de se
entregar aos trabalhos ou atividades que impedem o culto devido a Deus, a alegria própria ao
dia do Senhor, a prática das obras de misericórdia e o descanso conveniente do espírito e do
corpo[a65] . As necessidades familiares ou uma grande utilidade social são motivos legítimos
para dispensa do preceito do repouso dominical. Os fiéis cuidarão para que dispensas legítimas
não acabem introduzindo hábitos prejudiciais à religião, à vida familiar e à saúde.
O amor da verdade busca o santo ócio, a necessidade do amor acolhe o trabalho
justo.
2186 Os cristãos que dispõem de lazer devem lembrar-se de seus irmãos que têm as
mesmas necessidades e os mesmos direito mas não podem repousar por causa da pobreza e da
miséria. O domingo é tradicionalmente consagrado pela piedade cristã às boas obras e aos
humildes serviços de que carecem os doentes, os enfermos, os idosos. Os cristãos santificarão
ainda o domingo dispensando à sua família e aos parentes o tempo e a atenção que
dificilmente podem dispensar nos outros dias da semana. O domingo é um tempo de reflexão,
de silêncio, de cultura e de meditação, que favorecem o crescimento da vida interior cristã.
2187 Santificar os domingos e dias de festa exige um esforço o comum. Cada cristão
deve evitar impor sem necessidades a outrem o que o impediria de guardar o dia do Senhor.
Quando os costumes (esporte, restaurantes etc.) e as necessidades sociais (serviços públicos etc.)
exigem de alguns um trabalho dominical, cada um assuma a responsabilidade de encontrar um
tempo suficiente de lazer. Os fiéis cuidarão, com temperança e caridade, de evitar os excessos e
violências causadas às vezes pelas diversões de massa. Apesar das limitações econômicas, os
poderes públicos cuidarão de assegurar aos cidadãos um tempo destinado ao repouso e ao
culto divino. Os patrões têm uma obrigação análoga com respeito a seus empregados.
2188 Dentro do respeito à liberdade religiosa e ao bem comum de todos, os cristãos
precisam envidar esforços no sentido de que os domingos e dias de festa da Igreja sejam feriados
legais. A todos têm de dar um exemplo público de oração, de respeito e de alegria e defender
suas tradições como uma contribuição preciosa para a vida espiritual da sociedade humana. Se
a legislação do país ou outras razões obrigarem a trabalhar no domingo, que, apesar disso este
dia seja vivido como o dia de nossa libertação, que nos faz participar desta "reunião de festa",
desta "assembléia dos primogênitos cujos nomes estão inscritos nos céus" (Hb 12,22-23).
RESUMINDO
2189 "Guardarás o dia de sábado para santificá-lo" (Dt 5,12). "No sétimo dia se fará
repouso absoluto em honra do Senhor" (Ex 31,15).
2190 O sábado, que representava o término da primeira criação, é substituído pelo
domingo, que lembra a criação nova, inaugurada com a Ressurreição de Cristo.
2191 A Igreja celebra o dia da Ressurreição de Cristo no oitavo dia, que é corretamente
chamado dia do Senhor, ou domingo.
2192 "O domingo (...)deve ser guardado em toda a Igreja como o dia de festa de
preceito por excelência." "No domingo e em outros dias de festa de preceito, os fiéis têm a
obrigação de participar da missa."
2193 "No domingo e nos outros dias de festa de preceito, os fiéis se absterão das
atividades e negócios que impeçam o culto a ser prestado a Deus, a alegria própria do dia do
Senhor e o devido descanso da mente e do corpo."
2194 A instituição do domingo contribui para que "todos tenham tempo de repouso e
de lazer suficiente para lhes permitir cultivar sua vida familiar, cultural, social e religiosa.
2195 Todo cristão deve evitar impor sem necessidade aos outros aquilo que os impediria
de guardar o dia do Senhor.
CAPÍTULO I I
"AMARÁS O PRÓXIMO COMO A TI MESMO"
Jesus disse a seus discípulos: "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei" (Jo 13,34).
2196 Em resposta à pergunta feita acerca do primeiro dos mandamentos, Jesus diz: "O
primeiro é: 'Ouve, ó Israel: o Senhor nosso Deus é o único Senhor, e amarás o Senhor, teu Deus, de
todo o teu coração, de toda a tua alma, com todo o teu espírito, e com toda a tua força'. O
segundo é este: 'Amarás O teu próximo como a ti mesmo'. Não existe outro mandamento maior
do que estes" (Mc 12,29-31).
O apóstolo S. Paulo o recorda: "Quem ama o outro cumpriu a lei. De fato, os preceitos 'não
cometerás adultério, não matarás, não furtarás, não cobiçarás' e todos os Outros se resumem
nesta sentença: amarás o teu próximo como a ti mesmo. A caridade não pratica o mal contra o
próximo. Portanto a caridade é a plenitude da lei" (Rm 13,8-10).
ARTIGO 4
O QUARTO MANDAMENTO
Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias terra que o Senhor, teu
Deus, te dá (Ex 20,12).
Era-lhes submisso (Lc 2,51).
O próprio Senhor Jesus recorda a força desse "mandamento de Deus" O Apóstolo ensina:
"Filhos, obedecei a vossos pais no Senhor, pois isso é justo. 'Honra teu pai e tua mãe' é primeiro
mandamento com promessas: 'para seres feliz e teres uma longa vida sobre a terra"' (Ef 6,1-3).
2197 O quarto mandamento encabeça a segunda tábua. Indica ordem da caridade.
Deus quis que, depois dele mesmo, honrássemos nossos pais, a quem devemos a vida e que nos
transmitiram o conhecimento de Deus. Devemos honrar e respeitar todos aqueles que Deus, para
o nosso bem, revestiu de sua autoridade.
2198 Esse preceito está expresso sob a forma positiva de deveres a cumprir. Anuncia os
mandamentos que seguem e que se referem a um respeito particular pela vida, pelo
casamento, pelos bens terrestres, pela palavra dada. Constitui um dos fundamentos da doutrina
social da Igreja.
2199 O quarto mandamento dirige-se expressamente aos filhos em suas relações com
seu pai e sua mãe, porque esta relação é a mais universal. Diz respeito também as relações de
parentesco com Os membros do grupo familiar. Manda prestar honra, afeição e
reconhecimento aos avós e aos antepassados. Estende-se, enfim, aos deveres dos alunos para
com seu professor, dos empregados para com seus patrões, dos subordinados para com seus
chefes, dos cidadãos para com sua pátria e para com os que a administram ou a governam.
Este mandamento implica e subentende os deveres dos pais, tutores, professores, chefes,
magistrados, governantes, de todos os que exercem uma autoridade sobre outros ou sobre uma
comunidade.
2200 A observância do quarto mandamento acarreta sua recompensa: "Honra teu pai e
tua mãe para teres uma longa vida na terra, que o Senhor Deus te dá" (Ex 20,12). O respeito a
esse mandamento alcança, juntamente com os frutos espirituais, frutos temporais de paz e de
prosperidade. Ao contrário, a não observância desse mandamento acarreta grandes danos
para as comunidades e para as pessoas.
I . A FAMÍLIA NO PLANO DE DEUS
NATUREZA DA FAMÍLIA
2201 A comunidade conjugal está fundada no consentimento dos esposos. O casamento
e a família estão ordenados para o bem dos esposos, a procriação e a educação dos filhos. O
amor dos esposos e a geração dos filhos instituem entre os membros de uma mesma família
relações pessoais e responsabilidades primordiais.
2202 Um homem e uma mulher unidos em casamento formam com seus filhos uma
família. Esta disposição precede todo reconhecimento por parte da autoridade pública; impõese
a ela (isto é, não depende da autoridade civil para se constituir) e deve ser considerada
como a referência normal, em função da qual devem ser avaliadas as diversas formas de
parentesco.
2203 Ao criar o homem e a mulher, Deus instituiu a família humana e dotou-a de sua
constituição fundamental. Seus membros são pessoas iguais em dignidade. Para o bem comum
de seus membros e da sociedade, a família implica uma diversidade de responsabilidades, de
direitos e de deveres.
A FAMÍLIA CRISTÃ
2204 "Uma revelação e atuação específica da comunhão eclesial é constituída pela
família cristã, que também, por isso, se pode e deve chamar igreja doméstica." E uma
comunidade de fé, de esperança e de caridade; na Igreja ela tem uma importância singular,
como se vê no Novo Testamento.
2205 A família cristã é uma comunhão de pessoas, vestígio e imagem da comunhão do
Pai, do Filho e do Espírito Santo. Sua atividade procriadora e educadora é o reflexo da obra
criadora do Pai. Ela é chamada a partilhar da oração e do sacrifício de Cristo. A oração
cotidiana e a leitura da Palavra de Deus fortificam nela a caridade. A família cristã é
evangelizadora e missionária.
2206 As relações dentro da família acarretam uma afinidade de sentimentos, de afetos
e de interesses, afinidade essa que provém sobretudo do respeito mútuo entre as pessoas. A
família é uma comunidade privilegiada, chamada a realizar "uma carinhosa abertura recíproca
de alma entre os cônjuges e também uma atenta cooperação dos pais na educação dos
filhos[a16] ".
II. A FAMÍLIA E A SOCIEDADE
2207 A família é a célula originária da vida social. E a sociedade natural na qual o homem
e a mulher são chamados ao dom de si no amor e no dom da vida. A autoridade, a estabilidade
e a vida de relações dentro dela constituem os fundamentos da liberdade, da segurança e da
fraternidade no conjunto social. A família é a comunidade na qual, desde a infância se podem
assimilar os valores morais, tais como honrar a Deus e usar corretamente a liberdade. A vida em
família é iniciação para a vida em sociedade.
2208 A família deve viver de maneira que seus membros aprendam a cuidar e a
responsabilizar-se pelos jovens e pelos velhos pelos doentes ou deficientes e pelos pobres. São
numerosas as famílias que, em certos momentos, não são capazes de proporcionar essa ajuda.
Cabe então a outras pessoas, a outras famílias e, subsidiariamente, à sociedade prover às suas
necessidades: "A religião pura e sem mácula diante de Deus, nosso Pai, consiste nisto: visitar os
órfãos e as viúvas em suas tribulações e guardar-se livre da corrupção do mundo" (Tg 1,27).
2209 A família deve ser ajudada e defendida pelas medidas sociais apropriadas.
Quando as famílias não são capazes de desempenhar suas funções, outros organismos sociais
têm o dever de ajudá-las e de apoiar a instituição familiar. De acordo com o princípio da
subsidiariedade, as comunidades mais amplas cuidarão de não usurpar seus poderes ou de
interferir na vida da família.
2210 A importância da família para a vida e o bem-estar da sociedade acarreta uma
responsabilidade particular desta última no apoio e no fortalecimento do casamento e da
família. Que o poder civil considere como dever grave "reconhecer e proteger a verdadeira
natureza do casamento e da família, defender a moralidade pública e favorecer a prosperidade
dos lares".
2211 A comunidade política tem o dever de honrar a família, de assisti-la, de lhe garantir
sobretudo:
ü O direito de se constituir, de ter filhos e de educá-los de
ü acordo com suas próprias convicções morais e religiosas;
ü a proteção da estabilidade do vínculo conjugal e da instituição familiar;
ü a liberdade de professar a própria fé, de transmiti-la, de educar nela os filhos, com os
meios e as Instituições necessárias;
ü o direito à propriedade privada, à liberdade de empreendimento, ao trabalho, à
moradia, à emigração;
ü de acordo com as instituições dos países, o direito à assistência médica, à assistência
aos idosos, aos abonos familiares;
ü a proteção da segurança e da saúde, sobretudo em relação aos perigos, como
drogas, pornografia, alcoolismo etc.;
ü a liberdade de formar associações com outras famílias e, assim, serem representadas
junto às autoridades civis.
2212 O quarto mandamento ilumina as outras relações na sociedade. Em nossos irmãos e
irmãs vemos os filhos de nossos pais; em nossos primos, os descendentes de nossos avós; em
nossos concidadãos, os filhos de nossa pátria; nos batizados, os filhos de nossa mãe, a Igreja; em
toda pessoa humana, um filho ou filha daquele que quer ser chamado "nosso Pai". Assim, nossas
relações com o nosso próximo são reconhecidas como de ordem pessoal. O próximo não é um
"indivíduo" da coletividade humana; ele é "alguém" que, por suas origens conhecidas, merece
atenção e respeito individuais.
2213 As comunidades humanas são compostas de pessoas. Seu bom governo não se
limita à garantia dos direitos e ao cumpri mento dos deveres, assim como à fidelidade aos
contratos. Relações justas entre patrões e empregados, governantes e cidadãos supõem o
mútuo e natural bem-querer que convém à dignidade das pessoas humanas preocupadas com
a justiça e a fraternidade.
III. DEVERES DOS MEMBROS DA FAMÍLIA
DEVERES DOS FILHOS
2214 A paternidade divina é a fonte da paternidade humana; é o fundamento da honra
devida aos pais. O respeito dos filhos, menores ou adultos, pelo pai e pela mãe alimenta-se da
afeição natural nascida do vínculo que os une e é exigido pelo preceito divino.
2215 O respeito pelos pais (piedade filial) é produto do reconhecimento para com
aqueles que, pelo dom da vida, por seu amor e por seu trabalho puseram seus filhos no mundo e
permitiram que crescessem em estatura, em sabedoria e graça. "Honra teu pai de todo o
coração e não esqueças as dores de tua mãe. Lembra-te que foste gerado por eles. O que lhes
darás pelo que te deram?" (Eclo 7,27-28).
2216 O respeito filial se revela pela docilidade e pela obediência verdadeiras. "Meu filho,
guarda os preceitos de teu pai, não rejeites a instrução de tua mãe... Quando caminhares, te
guiarão; quando descansares, te guardarão; quando despertares, te falarão" (Pr 6,20-22). "Um
filho sábio ama a correção do pai, e o zombador não escuta a reprimenda" (Pr 13,1).
2217 Enquanto o filho viver na casa de seus pais, deve obedecer a toda solicitação dos
pais que vise ao seu bem ou ao da família. 'Filhos, obedecei em tudo a vossos pais, pois isso é
agradável ao Senhor" (Cl 3,20). Os filhos têm ainda de obedecer às prescrições razoáveis de seus
educadores e de todos aqueles aos quais os pais os confiaram. Mas, se o filho estiver convicto
em consciência de que é moralmente mau obedecer a tal ordem, que não a siga.
Quando crescerem, os filhos continuarão a respeitar seus pais. Antecipar-se-ão aos desejos
deles, solicitarão de bom grado seus conselhos e aceitarão suas justas admoestações. A
obediência aos pais cessa com a emancipação dos filhos, mas o respeito, que sempre lhes é
devido, não cessará de modo algum, pois (tal respeito) tem sua raiz no temor de Deus, um dos
dons do Espírito Santo.
2218 O quarto mandamento lembra aos filhos adultos suas responsabilidades para com
os pais. Enquanto puderem, devem dar-lhes ajuda material e moral nos anos da velhice e
durante o tempo de doença, de solidão ou de angústia. Jesus lembra este dever de
reconhecimento.
O Senhor glorificou o pai nos filhos e fortaleceu a autoridade da mãe sobre a prole.
Aquele que respeita o pai obtém o perdão dos pecados; o que honra sua mãe é como quem
junta um tesouro. Aquele que respeita o pai encontrará alegria nos filhos e no dia de sua oração
será atendido. Aquele que honra o pai viverá muito, e o que obedece ao Senhor alegrará sua
mãe (Eclo 3,2-6).
Filho, cuida de teu pai na velhice, não o desgostes em vida. Mesmo se seu entendimento
faltar, sê indulgente com ele, não o menosprezes, tu que estás em pleno vigor... E como um
blasfemador aquele que despreza seu pai, e um amaldiçoado pelo Senhor aquele que irrita sua
mãe (Eclo 3,12.16).
2219 O respeito filial favorece a harmonia de toda a vida familiar e diz respeito também
às relações entre irmãos e irmãs. O respeito aos pais ilumina todo o ambiente familiar. "Coroa dos
anciãos são os netos" (Pr 17,6). "Suportai-vos uns aos outros na caridade, em toda humildade,
doçura e paciência" (Ef 4,2).
2220 Os cristãos devem uma gratidão especial àqueles de quem receberam o dom da
fé, a graça do Batismo e a vida na Igreja Pode tratar-se dos pais, de outros membros da família,
dos avós. dos pastores, dos catequistas, de outros professores ou amigos. "Evoco a lembrança da
fé sem hipocrisia que há em ti, a mesma -que habitou primeiramente em tua avó Lóide e em tua
mãe Eunice e que, estou convencido, reside também em ti" (2 Tm 1,5).
DEVERES DOS PAIS
2221 A fecundidade do amor conjugal não se reduz só à procriação dos filhos, mas deve
se estender à sua educação moral e formação espiritual. "O papel dos pais na educação é tão
importante que é quase impossível substituí-los." O direito e o devei de educação são primordiais
e inalienáveis para os pais.
2222 Os pais devem considerar seus filhos como filhos de Deus e respeitá-los como
pessoas humanas. Educar os filhos no cumprimento da Lei de Deus, mostrando-se eles mesmos
obedientes à vontade do Pai dos Céus.
2223 Os pais são os primeiros responsáveis pela educação de seus filhos. Dão testemunho
desta responsabilidade em primeiro lugar pela criação de um lar no qual a ternura, o perdão, o
respeito, a fidelidade e o serviço desinteressado são a regra. O lar é um lugar apropriado para a
educação das virtudes. Esta requer a aprendizagem da abnegação, de um reto juízo, do
domínio de si, condições de toda liberdade verdadeira. Os pais ensinarão os filhos a subordinar
"as dimensões físicas e instintivas às dimensões interiores e espirituais." Dar bom exemplo aos filhos
é uma grave responsabilidade para os pais. Sabendo reconhecer diante deles seus próprios
defeitos, ser-lhes-á mais fácil guiá-los e corrigi-los:
"Aquele que ama o filho usará com freqüência o chicote; aquele que educa seu filho terá
motivo de satisfação" (Eclo 30,1-2). "E vós, pais, não deis a vossos filhos motivo de revolta contra
vós, mas criai-os na disciplina e correção do Senhor" (Ef 6,4).
2224 O lar constitui um ambiente natural para a iniciação do ser humano na
solidariedade e nas responsabilidades comunitárias. Os pais ensinarão os filhos a se precaverem
dos comprometimentos e das desordens que ameaçam as sociedades humanas.
2225 Pela graça do sacramento do matrimônio, os pais receberam a responsabilidade e
o privilégio de evangelizar os filhos. Por isso os iniciarão desde tenra idade nos mistérios da fé, da
qual são para os filhos os "primeiros arautos". Associá-los-ão desde a primeira infância à vida da
Igreja. A experiência da vida em família pode alimentar as disposições afetivas que por toda a
vida constituirão autênticos preâmbulos e apoios de uma fé viva.
2226 A educação para a fé por parte dos pais deve começar desde a mais tenra
infância. Ocorre já quando os membros da família se ajudam a crescer na fé pelo testemunho
de uma vida cristã de acordo com o Evangelho. A catequese familiar precede, acompanha e
enriquece as outras formas de ensinamento da fé. Os pais têm a missão de ensinar os filhos a orar
e a descobrir sua vocação de filhos de Deus. A paróquia é a comunidade eucarística e o centro
da vida litúrgica das famílias cristãs; ela é um lugar privilegiado da catequese dos filhos e dos
pais.
2227 Os filhos, por sua vez, contribuem para o crescimento de seus pais em santidade.
Todos e cada um se darão generosamente e sem se cansar o perdão mútuo exigido pelas
ofensas, pelas rixas, pelas injustiças e pelos abandonos. Sugere-o a mútua afeição. Exige-o a
caridade de Cristo.
2228 Durante a infância, O respeito e a afeição dos pais se traduzem inicialmente pelo
cuidado e pela atenção que dedicam em educar seus filhos, em prover suas necessidades
físicas e espirituais. Na fase de crescimento, o mesmo respeito e a mesma dedicação levam os
pais a educá-los no reto uso da razão e da liberdade.
2229 Como primeiros responsáveis pela educação dos filhos, os pais têm o direito de
escolher para eles uma escola que corresponda as suas próprias convicções. Este direito é
fundamental. Os pais têm, enquanto possível, o dever de escolher as escolas que melhor possam
ajudá-los em sua tarefa de educadores cristãos. Os poderes públicos têm o dever de garantir
esse direito dos pais e de assegurar as condições reais de seu exercício.
2230 Quando se tornam adultos, os filhos têm o dever e o direito de escolher sua profissão
e seu estado de vida. Assumirão essas novas responsabilidades na relação confiante com os pais,
cujas opiniões e conselhos pedirão e receberão de boa vontade. Os pais cuidarão de não
constranger seus filhos nem na escolha de uma profissão nem na de um consorte. Este dever de
discrição não os impede, muito ao contrário, de ajudá-los com conselhos prudentes,
particularmente quando estes têm em vista constituir uma família.
2231 Alguns não se casam, para cuidar dos pais ou dos irmãos e irmãs, para se dedicar
mais exclusivamente a uma profissão ou por outros motivos louváveis. Podem contribuir muito
para o bem da família humana.
IV. A FAMÍLIA E O REINO
2232 Embora os vínculos familiares sejam importantes, não são absolutos. Da mesma
forma que a criança cresce para sua maturidade e autonomia humanas e espirituais, assim
também sua vocação singular, que vem de Deus, se consolida com mais clareza e força. Os pais
respeitarão este chamamento e favorecerão a resposta dos filhos em segui-lo. É preciso
convencer-se de que a primeira vocação do cristão é a de seguir Jesus. "Aquele que ama pai ou
mãe mais do que a mim não é digno de mim. E aquele que ama filho ou filha mais do que a mim
não é digno de mim" (Mt 10,37).
2233 Tornar-se discípulo de Jesus é aceitar o convite de pertencer à família de Deus, de
viver conforme a sua maneira de viver: "Aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos
Céus, esse é meu irmão, irmã e mãe" (Mt 12,50).
Os pais aceitarão e respeitarão com alegria e ação de graças o chamamento do Senhor
a um de seus filhos de segui-lo na virgindade pelo Reino, na vida consagrada ou no ministério
sacerdotal.
V. AS AUTORIDADES NA SOCIEDADE CIVIL
2234 O quarto mandamento ordena também que honremos todos aqueles que, para
nosso bem, receberam de Deus uma autoridade na sociedade. Este mandamento ilumina os
deveres daqueles que exercem a autoridade, bem como os daqueles que por esta são
beneficiados.
DEVERES DAS AUTORIDADES CIVIS
2235 Aqueles que são investidos de autoridade devem exercê-la como um serviço.
"Aquele que quiser tornar-se grande entre vós, seja aquele que serve" (Mt 20,26). O exercício de
uma autoridade é moralmente limitado por sua origem divina, por sua natureza racional e por
seu objeto específico. Ninguém pode mandar ou instituir o que é contrário à dignidade das
pessoas e à lei natural.
2236 O exercício da autoridade visa tornar manifesta uma justa hierarquia de valores, a
fim de facilitar o exercício da liberdade e da responsabilidade de todos. Que os superiores
exerçam a justiça distributiva com sabedoria, levando em conta as necessidades e a
contribuição de cada um e tendo em vista a concórdia e a paz. Zelem para que as regras e
disposições que tomarem não induzam em tentação, opondo o interesse pessoal ao da
comunidade.
2237 Os poderes políticos devem respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana.
Exercerão humanamente a justiça no respeito pelo direito de cada um, principalmente das
famílias e dos deserdados.
Os direitos políticos ligados à cidadania podem e devem ser concedidos segundo as
exigências do bem comum. Não podem ser suspensos pelos poderes públicos sem motivo
legítimo e proporcionado. O exercício dos direitos políticos destinado ao bem comum da nação
e da comunidade humana.
DEVERES DOS CIDADÃOS
2238 Aqueles que estão sujeitos à autoridade considerarão seus superiores como
representantes de Deus, que os instituiu ministros de seus dons: "Sujeitai-vos a toda instituição
humana por causa do Senhor... Comportai-vos como homens livres não usando a liberdade
como cobertura para o mal, mas c servos de Deus" (1 Pd 2,13.16). A leal colaboração dos
cidadãos inclui o direito, e às vezes o dever, de apresentar suas justas reclamações contra o que
lhes parece prejudicial à dignidade das pessoas e ao bem da comunidade.
2239 É dever dos cidadãos colaborar com os poderes civis para o bem da sociedade,
num espírito de verdade, de justiça, de solidariedade e de liberdade. O amor e o serviço à pátria
derivam do dever de gratidão e da ordem de caridade. A submissão às autoridades legítimas e
o serviço do bem comum exigem que os cidadãos cumpram seu papel na vida da comunidade
política.
2240 A submissão à autoridade e a co-responsabilidade pelo bem comum exigem
moralmente o pagamento de impostos, o exercício do direito de voto, a defesa do país:
Dai a cada um o que lhe é devido: o imposto a quem é devido; a taxa a quem é
devida; a reverência a quem é devida; a honra a quem é devida (Rm 13,7).
Os cristãos residem em sua própria pátria, mas como residentes estrangeiros.
Cumprem todos os seus deveres de cidadãos e suportam todas as suas obrigações, mas de tudo
desprendidos, como estrangeiros... Obedecem às leis estabelecidas, e sua maneira de viver vai
muito além das leis... Tão nobre é o posto que lhes foi por Deus outorgado, que não lhes é
permitido desertar.
O Apóstolo nos exorta a fazer orações e ações de graça pelos reis e por todos os
que exercem autoridade, "a fim de que levemos uma vida calma e serena, com toda piedade e
dignidade" (1 Tm 2,2).
2241 As nações mais favorecidas devem acolher, na medida do possível, o estrangeiro
em busca da segurança e dos recursos vitais que não pode encontrar em seu país de origem. Os
poderes públicos zelarão pelo respeito do direito natural que põe o hóspede sob a proteção
daqueles que o recebem.
Em vista do bem comum de que estão encarregadas, as autoridades políticas
podem subordinar o exercício do direito de imigração a diversas condições jurídicas,
principalmente com respeito aos deveres dos migrantes para com o país de adoção. O migrante
é obrigado a respeitar com gratidão o patrimônio material e espiritual do país que o acolhe, a
obedecer às suas leis e a dar sua contribuição financeira.
2242 O cidadão é obrigado em consciência a não seguir as prescrições das autoridades
civis quando estes preceitos são contrários às exigências da ordem moral, aos direitos
fundamentais das pessoas ou aos ensinamentos do Evangelho. A recusa de obediência às
autoridades civis, quando suas exigências são contrárias às da reta consciência, funda--se na
distinção entre o serviço a Deus e o serviço à comunidade política, "Dai a César o que é de
César e a Deus o que é de Deus" (Mt 22,21). 'E preciso obedecer antes a Deus que aos homens"
(At 5,29):
Se a autoridade pública, exorbitando de sua competência, oprimir os cidadãos,
estes não recusem o que é objetivamente exigido pelo bem comum; contudo, é lícito
defenderem os seus direitos e os de seus concidadãos contra os abusos do poder, guardados os
limites traçados pela lei natural e pela lei evangélica.
2243 A resistência à opressão do poder político não recorrerá legitimamente às armas,
salvo se ocorrerem conjuntamente as seguintes condições:
1) em caso de violações certas, graves prolongadas dos direitos fundamentais;
2) depois de ter esgotado todos os outros recursos;
3) sem provocar desordens piores;
4) que haja uma esperança fundada de êxito;
5) se for impossível prever razoavelmente soluções melhores.
A COMUNIDADE POLÍTICA E A IGREJA
2244 Toda instituição se inspira, ainda que implicitamente, numa visão do homem e de
seu destino, da qual deduz os critérios de seus juízos, sua hierarquia de valores, sua linha de
conduta. A maior parte das sociedades tem referido suas instituições a um certa preeminência
do homem sobre as coisas. Só a religião divinamente revelada reconheceu claramente em Deus,
Criador e Redentor, a origem e o destino do homem. A Igreja convida os poderes políticos a
referir seu julgamento e suas decisões a esta inspiração da verdade sobre Deus e sobre o
homem:
As sociedades que ignoram esta inspiração ou a recusam em nome de sua
independência em relação a Deus são levadas a procurar em si mesmas ou a tomar de uma
ideologia os seus referenciais e os seu objetivos e, não admitindo que se defenda um critério
objetivo do bem e do mal, arrogam a si, sobre o homem e sobre seu destino, um poder
totalitário, declarado ou dissimulado, como mostra a história.
2245 A Igreja, que em razão de seu múnus e de sua competência, não se confunde de
modo algum com a comunidade política, é ao mesmo tempo sinal e salvaguarda do caráter
transcendente da pessoa humana. "A Igreja respeita e promove a liberdade política e a
responsabilidade dos cidadãos."
2246 Faz parte da missão da Igreja "emitir juízo moral também sobre as realidades que
dizem respeito à ordem política, quando o exijam os direitos fundamentais da pessoa ou a
salvação das almas, empregando todos os recursos - e somente estes - que estão de acordo
com o Evangelho e com o bem de todos, conforme a diversidade dos tempos e das situações.
RESUMINDO
2247 "Honra teu pai e tua mãe" (Dt 5,16; Mc 7,8).
2248 De acordo com o quarto mandamento, Deus quis que, depois dele, honrássemos
nossos pais e os que Ele, para nosso bem, investiu de autoridade.
2249 A comunidade conjugal está fundada na aliança e no consentimento dos esposos.
O casamento e a família estão ordenados para o bem dos cônjuges, a procriação e a
educação dos filhos.
2250 "A salvação da pessoa e da sociedade humana está estreitamente ligada ao
bem-estar da comunidade conjugal e familiar."
2251 Os filhos devem a seus pais respeito, gratidão, justa obediência e ajuda. O respeito
filial favorece a harmonia de toda a vida familiar.
2252 Os pais são os primeiros responsáveis pela educação de seus filhos na fé, na
oração e em todas as virtudes. Têm o dever de prover, na medida do possível, às necessidades
físicas e espirituais de seus filhos.
2253 Os pais devem respeitar e favorecer a vocação de seus filhos. Lembrem e ensinem
que a primeira vocação do cristão consiste em seguir a Jesus.
2254 A autoridade pública deve respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana e
as condições de exercício de sua liberdade.
2255 É dever dos cidadãos trabalhar com os poderes civis para a edificação da
sociedade num espírito de verdade, de justiça, de solidariedade e de liberdade.
2256 O cidadão está obrigado em consciência a não seguir as prescrições das
autoridades civis, quando contrárias às exigências da ordem moral. "É preciso obedecer antes a
Deus que aos homens" (At 5,29).
2257 Toda sociedade baseia seus juízos e sua conduta numa visão do homem e de seu
destino. Sem as luzes do Evangelho a respeito de Deus e do homem, as sociedades facilmente se
tornam totalitárias.
ARTIGO 5
O QUINTO MANDAMENTO
NÃO MATARÁS (EX 20,13).
Ouvistes o que foi dito aos antigos: "Não matarás. Aquele que matar terá de
responder ao tribunal". Eu, porém, vos digo: todo aquele que se encolerizar contra seu irmão terá
de responder no tribunal (Mt 5,21-22).
2258 "A vida humana é sagrada porque desde sua origem ela encerra a ação criadora
de Deus e permanece para sempre numa relação especial com o Criador, seu único fim. Só
Deus é o dono da vida, do começo ao fim; ninguém, em nenhuma circunstância, pode
reivindicar para si o direito de destruir diretamente um ser humano inocente."
I . O RESPEITO Â VIDA HUMANA
O TESTEMUNHO DA HISTÓRIA SAGRADA
2259 A Escritura, no relato do assassinato de Abel por seu irmão Caim, revela, desde o
começo da história humana, a presença da cólera e da cobiça no homem, conseqüências do
pecado original. O homem se tornou inimigo de seu semelhante. Deus expressa a atrocidade
deste fratricídio: "Que fizeste? Ouço o sangue de teu irmão, do solo, clamar por mim. Agora, és
maldito e expulso do solo fértil que abriu a boca para receber de tua mão o sangue de teu
irmão" (Gn 4,10-11).
2260 A aliança entre Deus e a humanidade está cheia de lembranças do dom divino da
vida humana e da violência assassina do homem:
Pedirei contas do sangue de cada um de vós...Quem derramar o sangue do
homem, pelo homem terá seu sangue derramado. Pois à imagem de Deus o homem foi feito (Gn
9,5-6).
O Antigo Testamento sempre considerou o sangue como um sinal sagrado da
vida[a5] . A necessidade deste ensinamento é para todos os tempos.
2261 A Escritura determina com precisão a proibição do quinto mandamento: "Não
matarás o inocente nem o justo" (Ex 23,7). O assassinato voluntário de um inocente é gravemente
contrário à dignidade do ser humano, à regra de ouro e à santidade do Criador. A lei que o
proscreve é universalmente válida, isto é, obriga a todos e a cada um, sempre e em toda parte.
2262 No Sermão da Montanha, o Senhor recorda o preceito: "Não matarás" (Mt 5,21), e
acrescenta a proibição da cólera, do ódio e da vingança. Mais ainda, Cristo diz a seu discípulo
que ofereça a outra face e ame seus inimigos. Ele mesmo não se defendeu e disse a Pedro que
deixasse a espada na bainha.
A LEGÍTIMA DEFESA
2263 A legítima defesa das pessoas e das sociedades não é uma exceção à proibição
de matar o inocente, que constitui o homicídio voluntário. "A ação de defender-se pode
acarretar um duplo efeito: um é a conservação da própria vida, o outro é a morte do agressor..
Só se quer o primeiro; o outro, não."
2264 O amor a si mesmo permanece um princípio fundamental da moralidade. Portanto,
é legítimo fazer respeitar seu próprio direito à vida. Quem defende sua vida não é culpável de
homicídio, mesmo se for obrigado a matar o agressor:
Se alguém, para se defender, usar de violência mais do que o necessário, seu ato
será ilícito. Mas, se a violência for repelida com medida, será lícito... E não é necessário para a
salvação omitir este ato de comedida proteção para evitar matar o outro, porque, antes da de
outrem, se está obrigado a cuidar da própria vida.
2265 A legítima defesa pode ser não somente um direito, mas um dever grave, para
aquele que é responsável pela vida de outros. Preservar o bem comum da sociedade exige que
o agressor seja impossibilitado de prejudicar a outrem. A este título os legítimos detentores da
autoridade têm o direito de repelir pelas armas os agressores da comunidade civil pela qual são
responsáveis.
2266 Corresponde a uma exigência de tutela do bem comum c esforço do Estado
destinado a conter a difusão de comportamentos lesivos aos direitos humanos e às regras
fundamentais de convivência civil. A legítima autoridade pública tem o direito e o dever de
infligir penas proporcionais à gravidade do delito. A pena tem como primeiro objetivo reparar a
desordem introduzida pela culpa, Quando essa pena é voluntariamente aceita pelo culpado
tem valor de expiação. Assim, a pena, além de defender a ordem pública e de tutelar a
segurança das pessoas, tem um objetivo medicinal: na medida do possível, deve contribuir à
correção do culpado.
2267 O ensino tradicional da Igreja não exclui, depois de com provadas cabalmente a
identidade e a responsabilidade de culpado, o recurso à pena de morte, se essa for a única via
praticável para defender eficazmente a vida humana contra o agressor injusto.
Se os meios incruentos bastarem para defender as vidas humanas contra o agressor e
para proteger a ordem pública e a segurança das pessoas, a autoridade se limitará a esses
meios, porque correspondem melhor às condições concretas do bem comum e estão mais
conformes à dignidade da pessoa humana.
O HOMICÍDIO VOLUNTÁRIO
2268 O quinto mandamento proscreve como gravemente pecaminoso o homicídio
direto e voluntário. O assassino e os que cooperam voluntariamente com o assassinato cometem
um pecado que clama ao céu por vingança.O infanticídio, o fratricídio, o parricídio e o
assassinato do cônjuge são crimes particularmente graves, devido aos laços naturais que
rompem. Preocupações de eugenismo ou de higiene pública não podem justificar nenhum
assassinato, mesmo a mando dos poderes públicos.
2269 O quinto mandamento proíbe que se faça algo com a intenção de provocar
indiretamente a morte de uma pessoa. A lei moral proíbe expor alguém a um risco mortal sem
razão grave, bem como recusar ajuda a uma pessoa em perigo.
A aceitação pela sociedade humana de condições de miséria que levem à própria
morte sem se esforçar por remediar a situação constitui uma injustiça escandalosa e uma falta
grave. Todo aquele que em seus negócios se der a práticas usurárias e mercantis que
provoquem a fome e a morte de seus irmãos (homens) comete indiretamente um homicídio, que
lhe é imputável.
O homicídio involuntário não é moralmente imputável. Mas não está isento de falta
grave quem, sem razões proporcionais, agiu de maneira a provocar a morte, ainda que sem a
intenção de causá-la.
O ABORTO
2270 A vida humana deve ser respeitada e protegida de maneira absoluta a partir do
momento da concepção. Desde o primeiro momento de sua existência, o ser humano deve ver
reconhecidos os seus direitos de pessoa, entre os quais o direito inviolável de todo ser inocente à
vida.
Antes mesmo de te formares no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do
seio, eu te consagrei (Jr 1,5). Meus ossos não te foram escondidos quando eu era feito, em
segredo, tecido na terra mais profunda (Sl 139,15).
2271 Desde o século I, a Igreja afirmou a maldade moral de todo aborto provocado. Este
ensinamento não mudou. Continua invariável. O aborto direto, quer dizer, querido como um fim
ou como um meio, é gravemente contrário à lei moral:
NÃO MATARÁS O EMBRIÃO POR ABORTO E NÃO FARÁS PERECER O RECÉM-NASCIDO.
Deus, senhor da vida, confiou aos homens o nobre encargo d preservar a vida, para ser
exercido de maneira condigna ao homem Por isso a vida deve ser protegida com o máximo
cuidado desde a concepção. O aborto e o infanticídio são crimes nefandos.
2272 A cooperação formal para um aborto constitui uma falta grave. A Igreja sanciona
com uma pena canônica de excomunhão este delito contra a vida humana. "Quem provoca
aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae" "pelo próprio fato de
cometer o delito" e nas condições previstas pelo Direito. Com isso, a Igreja não quer restringir o
campo da misericórdia. Manifesta, sim, a gravidade do crime cometido, o prejuízo irreparável
causado ao 'inocente morto, a seus pais e a toda a sociedade.
O inalienável direito à vida de todo indivíduo humano inocente é um elemento
constitutivo da sociedade civil e de sua legislação:
"Os direitos inalienáveis da pessoa devem ser reconhecidos e respeitados pela
sociedade civil e pela autoridade política. Os direitos do homem não dependem nem dos
indivíduos, nem dos pais, e também não representam uma concessão da sociedade e do Estado
pertencem à natureza humana e são inerentes à pessoa em razão do ato criador do qual esta se
origina. Entre estes direitos fundamentais é preciso citar o direito à vida e à integridade física de
todo se humano, desde a concepção até a morte."
2273 "No momento em que uma lei positiva priva uma categoria de seres humanos da
proteção que a legislação civil lhes deve dar, o estado nega a igualdade de todos perante a lei.
Quando o Estado não coloca sua força a serviço dos direitos de todos os cidadãos,
particularmente dos mais fracos, os próprios fundamentos de um estado de direito estão
ameaçados... Como conseqüência do respeito e da proteção que devem ser garantidos à
criança desde o momento de sua concepção, a lei deverá prever sanções penais apropriadas
para toda violação deliberada dos direitos dela."
Visto que deve ser tratado como uma pessoa desde a concepção, o embrião
deverá ser defendido em sua integridade, cuidado e curado, na medida do possível, como
qualquer outro ser humano.
2274 O diagnóstico pré-natal é moralmente lícito "se respeitar a vida e a integridade do
embrião e do feto humano, e se está orientado para sua salvaguarda ou sua cura individual...
Está gravemente em oposição com a lei moral quando prevê, em função dos resultados, a
eventualidade de provocar um aborto. Um diagnóstico não deve ser o equivalente de uma
sentença de morte".
"Devem ser consideradas lícitas as intervenções sobre o embrião humano quando
respeitam a vida e a integridade do embrião e não acarretam para ele riscos
desproporcionados, mas visam à sua cura, à melhora de suas condições de saúde ou à sua
sobrevivência individual."
"É imoral produzir embriões humanos destinados a serem explorados como material
biológico disponível."
2275 "Certas tentativas de intervenção sobre o patrimônio cromossômico ou genético
não são terapêuticas, mas tendem à produção de seres humanos selecionados segundo o sexo
ou outras qualidades preestabelecidas. Essas manipulações são contrárias à dignidade pessoal
do ser humano, à sua integridade e à sua identidade" única, não reiterável.
A EUTANÁSIA
2276 Aqueles cuja vida está diminuída ou enfraquecida necessitam de um respeito
especial. As pessoas doentes ou deficientes devem ser amparadas, para levar uma vida tão
normal quanto possível.
2277 Sejam quais forem os motivos e os meios, a eutanásia direta consiste em pôr fim à
vida de pessoas deficientes, doentes ou moribundas. É moralmente inadmissível.
Assim, uma ação ou uma omissão que, em si ou na intenção, gera a morte a fim de
suprimir a dor constitui um assassinato gravemente contrário à dignidade da pessoa humana e
ao respeito pelo Deus vivo, seu Criador. O erro de juízo no qual se pode ter caído de boa-fé não
muda a natureza deste ato assassino, que sempre deve ser condenado e excluído.
2278 A interrupção de procedimentos médicos onerosos, perigosos, extraordinários ou
desproporcionais aos resultados esperados pode ser legítima. É a rejeição da "obstinação
terapêutica". Não se quer dessa maneira provocar a morte; aceita-se não poder impedi-la. As
decisão devem ser tomadas pelo paciente, se tiver a competência e a capacidade para isso;
caso contrário, pelos que têm direitos legais, respeitando sempre a vontade razoável e os
interesses legítimos do paciente.
2279 Mesmo quando a morte é considerada iminente, os cuidados comumente devidos
a uma pessoa doente não podem ser legitimamente interrompidos. O emprego de analgésicos
para aliviar os sofrimentos moribundo, ainda que com o risco de abreviar seus dias, pode ser
moralmente conforme à dignidade humana se a morte não é desejada, nem como fim nem
como meio, mas somente prevista e tolerada como inevitável. Os cuidados paliativos constituem
uma forma privilegiada de caridade desinteressada. Por esta razão devem ser encorajados.
O SUICÍDIO
2280 Cada um é responsável por sua vida diante de Deus, que "lha deu e que dela é
sempre o único e soberano Senhor. Devemos receber a vida com reconhecimento e preservá-la
para honra dele e salvação de nossas almas. Somos os administradores e não os proprietários da
vida que Deus nos confiou. Não podemos dispor dela.
2281 O suicídio contradiz a inclinação natural do ser humano a conservar e perpetuar a
própria vida. É gravemente contrário ao justo amor de si mesmo. Ofende igualmente ao amor do
próximo, porque rompe injustamente os vínculos de solidariedade com as sociedades familiar,
nacional e humana, às quais nos ligam muitas obrigações. O suicídio é contrário ao amor do
Deus vivo.
2282 Se for cometido com a intenção de servir de exemplo, principalmente para os
jovens, o suicídio adquire ainda a gravidade de um escândalo. A cooperação voluntária ao
suicídio é contrária à lei moral.
Distúrbios psíquicos graves, a angústia ou o medo grave da provação, do sofrimento ou
da tortura podem diminuir a responsabilidade do suicida.
2283 Não se deve desesperar da salvação das pessoas que se mataram. Deus pode,
por caminhos que só Ele conhece, dar-lhes ocasião de um arrependimento salutar. A Igreja ora
pelas pessoas que atentaram contra a própria vida.
I I . O RESPEITO Â DIGNIDADE DAS PESSOAS
O RESPEITO À ALMA DO OUTRO: O ESCÂNDALO
2284 O escândalo é a atitude ou o comportamento que leva outrem a praticar o mal.
Aquele que escandaliza torna-se o tentador do próximo. Atenta contra a virtude e a retidão;
pode arrastar seu irmão à morte espiritual. O escândalo constitui uma falta grave se, por ação ou
omissão, conduzir deliberadamente o outro a uma falta grave.
2285 O escândalo se reveste de uma gravidade particular em virtude da autoridade dos
que o causam ou da fraqueza dos que o sofrem. Foi o que inspirou a Nosso Senhor a seguinte
maldição "Caso alguém escandalize um destes pequeninos, melhor será que lhe pendurem ao
pescoço uma pesada mó e seja precipitado nas profundezas do mar" (Mt,18,6). O escândalo é
grave quando é dado por aqueles que, por natureza ou por função, devem ensinar e educar os
outros. Jesus censura os escribas e os fariseus, comparando-os a lobos disfarçados de cordeiros.
2286 O escândalo pode ser provocado pela lei ou pelas instituições, pela moda ou pela
opinião.
Tomam-se, portanto, culpados de escândalo aqueles que instituem leis ou estruturas
sociais que levam à degradação dos costumes e à corrupção da vida religiosa ou a "condições
sociais que, voluntariamente ou não, tomam difícil e praticamente impossível uma conduta cristã
conforme aos mandamentos". O mesmo vale para chefes de empresas que fazem regulamentos
que incitam à fraude, para professores que "exasperam" os alunos ou para aqueles que,
manipulando a opinião pública, a afastam dos valores morais.
2287 Quem usa os poderes de que dispõe de tal maneira que induzam ao mal torna-se
culpado de escândalo e responsável pelo mal que, direta ou indiretamente, favorece. "E
inevitável que haja escândalos, mas ai daquele que os causar" (Lc 17,1).
O RESPEITO Á SAÚDE
2288 A vida e a saúde física são bens preciosos doados por Deus. Devemos cuidar delas
com equilíbrio, levando em conta as necessidades alheias e o bem comum.
O cuidado com a saúde dos cidadãos requer a ajuda da sociedade para obter as
condições de vida que permitam crescer e atingir a maturidade: alimento, roupa, moradia,
cuidado da saúde, ensino básico, emprego, assistência social.
2289 Se a moral apela para o respeito à vida corporal, não faz desta um valor absoluto,
insurgindo-se contra uma concepção neopagã que tende a promover o culto do corpo, a tudo
sacrificar-lhe, a idolatrar a perfeição física e o êxito esportivo. Em razão da escolha seletiva que
faz entre os fortes e os fracos, tal concepção pode conduzir à perversão das relações humanas.
2290 A virtude da temperança manda evitar toda espécie de exceção, o abuso da
comida, do álcool, do fumo e dos medicamentos. Aqueles que, em estado de embriaguez ou
por gosto imoderado pela velocidade, põem em risco a segurança alheia e a própria, nas
estradas, no mar ou no ar, tomam-se gravemente culpáveis.
2291 O uso da droga causa gravíssimos danos à saúde e à vida humana. Salvo
indicações estritamente terapêuticas, constitui falta grave. A produção clandestina e o tráfico
de drogas são práticas escandalosas; constituem uma cooperação direta com o mal, pois
incitam a práticas gravemente contrárias à lei moral.
O RESPEITO À PESSOA E À PESQUISA CIENTÍFICA
2292 As experiências científicas, médicas ou psicológicas em pessoas ou grupos humanos
podem concorrer para a cura dos doentes e para o progresso da saúde pública.
2293 A pesquisa científica de base, como a pesquisa aplicada, constituem uma
expressão significativa do domínio do homem sobre a criação. A ciência e a técnica são
recursos preciosos postos a serviço do homem e promovem seu desenvolvimento integral em
benefício de todos; contudo, não podem indicar sozinhas o sentido da existência e do progresso
humano. A ciência e a técnica estão ordenadas para o homem, do qual provêm sua origem e
seu crescimento; portanto, encontram na pessoa e em seus valores morais a indicação de sua
finalidade e a consciência de seus limites.
2294 É ilusório reivindicar a neutralidade moral da pesquisa científica e de suas
aplicações. Além disso, os critérios de orientação não podem ser deduzidos nem da simples
eficácia técnica nem da utilidade que possa derivar daí para uns em detrimento dos outros, e
muito menos das ideologias dominantes. A ciência e a técnica exigem, por seu próprio
significado intrínseco, o respeito incondicional dos critérios fundamentais da moralidade; devem
estar a serviço da pessoa humana, de seus direitos inalienáveis, de seu bem verdadeiro e
integral, de acordo com o projeto e a vontade de Deus.
2295 As pesquisas ou experiências no ser humano não podem legitimar atos em si
mesmos contrários à dignidade das pessoas e à lei moral. O consentimento eventual dos sujeitos
não justifica tais atos. A experiência em seres humanos não é moralmente legítima se fizer a vida
ou a integridade física e psíquica do sujeito correrem riscos desproporcionais ou evitáveis. A
experiência em seres humanos não atende aos requisitos da dignidade da pessoa se ocorrer sem
o consentimento explícito do sujeito ou de seus representantes legais.
2296 O transplante de órgãos é conforme à lei moral se os riscos e os danos físicos e
psíquicos a que se expõe o doador são proporcionais ao bem que se busca para o destinatário.
A doação de órgãos após a morte é um ato nobre e meritório e merece ser encorajado como
manifestação de generosa solidariedade. O transplante de órgãos não é moralmente aceitável
se o doador ou seus representante legais não tiverem dado seu expresso consentimento para tal.
Além disso, é moralmente inadmissível provocar diretamente mutilação que venha a tornar
alguém inválido ou provocar diretamente a morte, mesmo que seja para retardar a morte de
outras pessoas.
O RESPEITO À INTEGRIDADE CORPORAL
2297 Os seqüestros e a tomada de reféns fazem reinar o terror e, pela ameaça, exercem
pressões intoleráveis sobre as vítimas. São moralmente ilegítimos. O terrorismo ameaça, fere e
mata sem discriminação; isso é gravemente contrário à justiça e à caridade. A tortura, que usa
de violência física ou moral para arrancar confissões, castigar culpados, amedrontar opositores,
satisfazer o ódio, é contrária ao respeito pela pessoa e pela dignidade humana. Fora das
indicações médicas de ordem estritamente terapêutica, as amputações, mutilações de
esterilizações diretamente voluntárias de pessoas inocentes contrárias à lei moral.
2298 Em tempos passados, práticas cruéis foram comumente utilizadas por governos
legítimos para manter a lei e a ordem, muitas vezes sem protesto dos pastores da Igreja, os quais
adotaram eles em mesmos, em seus próprios tribunais, prescrições do direito romano sobre a
tortura. Ao lado destes fatos lamentáveis, a Igreja sempre ensinou o dever de demência e
misericórdia: proibiu aos clérigos derramarem sangue. Em tempos recentes, ficou evidente que
essas práticas cruéis não eram nem necessárias para a ordem pública nem estavam de acordo
com os direitos legítimos da pessoa humana. Ao contrário, essas práticas conduzem às piores
degradações. E preciso trabalhar por sua abolição. E preciso orar pelas vitimas e por seus
algozes.
O RESPEITO AOS MORTOS
2299 Deve-se dispensar atenção e cuidado aos moribundos, para ajudá-los a viver seus
últimos momentos na dignidade e na paz. Devem também ser ajudados pela oração dos
familiares. Estes cuidarão para que os doentes recebam em tempo oportuno os sacramentos que
preparam para o encontro com o Deus vivo.
2300 Os corpos dos defuntos devem ser tratados com respeito e caridade, na fé e na
esperança da ressurreição. O enterro dos mortos é uma obra de misericórdia corporal que honra
os filhos de Deus, templos do Espírito Santo.
2301 A autópsia de cadáveres pode ser moralmente admitida por motivos de
investigação legal ou de pesquisa científica. A doação gratuita de órgãos após a morte é
legítima e pode ser meritória.
A Igreja permite a cremação, se esta não manifestar uma posição contrária à fé na
ressurreição dos corpos.
I I I . A SALVAGUARDA DA PAZ
A PAZ
2302 Ao lembrar o preceito "Tu não matarás" (Mt 5,21), Nosso Senhor pede a paz do
coração e denuncia a imoralidade da cólera assassina e do ódio. A cólera é um desejo de
vingança. "Desejar a vingança para o mal daquele que é preciso punir é ilícito, mas é louvável
impor uma reparação "para a correção dos vícios e a conservação da justiça". Se a cólera
chega ao desejo deliberado de matar o próximo ou de feri-lo com gravidade, atenta
gravemente contra a caridade, constituindo pecado mortal. O Senhor disse: "Todo aquele que se
encolerizar contra seu irmão terá de responder no tribunal" (Mt 5,22).
2303 O ódio voluntário é contrário à caridade. O ódio ao próximo é um pecado quando
o homem quer deliberadamente seu mal. O ódio ao próximo é um pecado grave quando se lhe
deseja deliberadamente um grave dano. "Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos e orai pelos
que vos perseguem; desse modo vos tornareis filhos de vosso Pai que esta nos céus..." (Mt 5 ,44-
45).
2304 O respeito e o desenvolvimento da vida humana exigem a paz. A paz não é
somente ausência de guerra e não se limita a garantir o equilíbrio das forças adversas. A paz não
pode ser obtida na terra sem a salvaguarda dos bens das pessoas, sem a livre comunicação
entre os seres humanos, o respeito pela dignidade das pessoas e dos povos, a prática assídua da
fraternidade. E a "tranqüilidade da ordem", "obra da justiça" (Is 32,17) e efeito da caridade.
2305 A paz terrestre é imagem e fruto da paz de Cristo, o Príncipe da paz" messiânica (Is
9,5). Pelo sangue de sua cruz, Ele “matou a inimizade na própria carne", reconciliou os homens
com Deus e fez de sua Igreja o sacramento da unidade do gênero humano de sua união com
Deus. "Ele é a nossa paz" (Ef 2,14). Declara "bem-aventurados os que promovem a paz" (Mt 5,9).
2306 Aqueles que renunciam à ação violenta e para proteger os direitos do homem,
recorrem a meios de defesa ao alcance dos mais fracos testemunham a caridade evangélica,
contanto que isso seja feito sem lesar os direitos e as obrigações dos outros homens e das
sociedades. Atestam legitimamente a gravidade dos riscos físicos e morais do recurso à violência,
com seu cortejo de mortes e ruínas.
EVITAR A GUERRA
2307 O quinto mandamento proíbe a destruição voluntária da vida humana. Por causa
dos males e das injustiças que toda guerra acarreta, a Igreja insta cada um a orar e agir para
que a Bondade divina nos livre da antiga escravidão da guerra.
2308 Cada cidadão e cada governante deve agir de modo a evitar as guerras.
Enquanto, porém, "houver perigo de guerra, sem que exista uma autoridade internacional
competente e dotada de forças suficientes, e esgotados todos os meios de negociação
pacífica, não se poderá negar aos governos o direito de legítima defesa.
2309 É preciso considerar com rigor as condições estritas de uma legítima defesa pela
força militar. A gravidade de tal decisão a submete a condições rigorosas de legitimidade moral.
É preciso ao mesmo tempo que:
ü o dano infligido pelo agressor à nação ou à comunidade de nações seja durável,
grave e certo;
ü todos os outros meios de pôr fim a tal dano se tenham revelado impraticáveis ou
ineficazes;
ü estejam reunidas as condições sérias de êxito;
ü o emprego das armas não acarrete males e desordens mais graves do que o mal a
eliminar. O poderio dos meios modernos de destruição pesa muito na avaliação desta condição.
Estes são os elementos tradicionais enumerados na chamada doutrina da "guerra justa".
A avaliação dessas condições de legitimidade moral cabe ao juízo prudencial daqueles
que estão encarregados do bem comum.
2310 Os poderes públicos tomarão as justas providências com relação ao caso daqueles
que se dedicam ao serviço da pátria na vida militar, isto e, estão a serviço da segurança e da
liberdade dos povos. Se desempenham corretamente sua tarefa, concorrem verdadeiramente
para o bem comum da nação e para manter a paz.
2311 Os poderes públicos devem prever eqüitativamente o caso daqueles que recusam
o emprego das armas por motivos de consciência, mas que continuam obrigados a servir sob
outra forma à comunidade humana.
2312 A Igreja e a razão humana declaram a validade permanente da lei moral durante
os conflitos armados. "Quando, por infelicidade, a guerra já se iniciou, nem tudo se torna lícito
entre as partes inimigas."
2313 E preciso respeitar e tratar com humanidade os não-combatentes, os soldados
feridos e os prisioneiros.
Os atos deliberadamente contrários ao direito dos povos e a seus princípios universais,
como as ordens que os determinam, constituem crimes. Uma obediência cega não é suficiente
para escusar os que se submetem a esses atos e ordens. Portanto, o extermínio de um povo, de
uma nação ou uma de minoria étnica deve ser condenado como pecado mortal. Deve-se
moralmente resistir às ordens que impõem um genocídio.
2314 "Qualquer ação bélica que tem em vista a destruição indiscriminadamente nada
de cidades inteiras ou de vastas regiões, com seus habitantes, é um crime contra Deus e contra o
próprio homem a ser condenado com firmeza e sem hesitações." Um dos riscos da guerra
moderna é dar ocasião aos possuidores de armas científicas, principalmente atômicas,
biológicas ou químicas, de cometerem tais crimes.
2315 A acumulação de armas parece a muitos urna maneira paradoxal de dissuadir da
guerra os eventuais adversários. Vêem nisso o mais eficaz dos meios suscetíveis de garantir a paz
entre as nações. Este procedimento de dissuasão impõe severas reservas morais. A corrida aos
armamentos não garante a paz. Longe de eliminar as causas da guerra, corre o risco de agraválas.
O dispêndio de riquezas fabulosas na fabricação de n ovas armas sempre impede de
socorrer as populações indigentes e entrava o desenvolvimento dos povos. O superarmamento
multiplica as razões de conflitos e aumenta o risco de esses conflitos se multiplicarem.
2316 A produção e o comércio de armas afetam o bem comum das nações e da
comunidade internacional. Por isso as autoridades públicas têm o direito e o dever de
regulamentá-los. A busca de interesses privados ou coletivos a curto prazo não pode legitimar
empreendimentos que fomentem a violência e os conflitos entre as nações e que comprometam
a ordem jurídica internacional.
2317 As injustiças, as desigualdades excessivas de ordem econômica ou social, a inveja,
a desconfiança e o orgulho que grassam entre os homens e as nações ameaçam sem cessar
paz e causam as guerras. Tudo o que for feito para vencer essas desordens contribui para
edificar a paz e evitar a guerra:
Pecadores que são, os homens vivem em perigo de guerra, e este perigo os ameaçará
até a volta de Cristo. Mas, na medida em que, unidos pela caridade, superem o pecado,
superarão igualmente as violências, até que se cumpra a palavra: "De suas espadas eles forjarão
relhas de arado, e de suas lanças, foices. Uma nação não levantará a espada contra a outra, e
já não se adestrarão para a guerra" (Is 2,4).
RESUMINDO
2318 "Deus tem em seu poder a alma de todo ser vivo e o espírito de todo homem carnal"
(Jó 12,10).
2319 Toda vida humana, desde o momento da concepção até a morte, é sagrada,
porque a pessoa humana foi querida por si mesma à imagem e à semelhança do Deus vivo e
santo.
2320 O assassinato de um ser humano é gravemente contrário à dignidade da pessoa e
à santidade do Criador.
2321 A proibição de matar não ab-roga o direito de tirar a um opressor injusto a
possibilidade de prejudicar. A legítima defesa é um dever grave para quem é responsável pela
vida alheia ou pelo bem comum.
2322 Desde a concepção, a criança tem o direito à vida. O aborto direto, isto é, o que
se quer como um fim ou como um meio, é uma pratica infame" , gravemente contrária à lei
moral. A Igreja condena com pena canônica de excomunhão este delito contra a vida humana.
2323 Visto que deve ser tratado como uma pessoa desde a sua concepção, o embrião
deve ser defendido em sua integridade, cuidado e curado como qualquer outro ser humano.
2324 A eutanásia voluntária, sejam quais forem as formas e os motivos, constitui um
assassinato. E gravemente contrária à dignidade da pessoa humana e ao respeito do Deus vivo,
seu Criador.
2325 O suicídio é gravemente contrario a Justiça, à esperança e à caridade. É proibido
pelo quinto mandamento.
2326 O escândalo constitui uma falta grave quando, por ação ou por omissão, leva
deliberadamente o outro a pecar gravemente.
2327 Por causa dos males e injustiças que toda guerra acarreta, devemos fazer tudo o
que for razoavelmente possível para evitá-la. A Igreja ora: "Da fome, da peste e da guerra livrainos,
Senhor".
2328 A Igreja e a razão humana declaram a validade permanente da lei moral durante
os conflitos armados. As práticas de1iberadamente contrárias ao direito dos povos e a seus
princípios universais constituem crimes.
2329 "A corrida armamentista é uma praga extremamente grave da humanidade e lesa
os pobres de maneira intolerável.
2330 "Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de
Deus" (Mt 5,9).
ARTIGO 6
O SEXTO MANDAMENTO
"NÃO COMETERÁS ADULTÉRIO" (Ex 20, 14[a1] )
Ouvistes o que foi dito: "Não cometerás adultério". Eu, porém, vos digo: todo aquele que
olha para uma mulher com desejo libidinoso já cometeu adultério com ela em seu coração (Mt
5,27-28).
I . "Homem e mulher os criou..."
2331 "Deus é amor e vive em si mesmo um mistério de comunhão pessoal de amor.
Criando-a à sua imagem... Deus inscreve na humanidade do homem e da mulher a vocação e,
assim a capacidade e a responsabilidade do amor e da comunhão.”
"Deus criou o homem à sua imagem... homem e mulher ele os criou" (Gn 1,27); "Crescei e
multiplicai-vos" (Gn 1,28); "No dia em que Deus criou o homem, Ele o fez à semelhança de Deus.
Homem e mulher Ele os criou, abençoou-os e lhes deu o nome 'homem', no dia em que foram
criados" (Gn 5,1-2).
2332 A sexualidade afeta todos os aspectos da pessoa humana, em sua unidade de
corpo e alma. Diz respeito particularmente à afetividade, à capacidade de amar e de procriar
e, de uma maneira mais geral, à aptidão a criar vínculos de comunhão com os outros.
2333 Cabe a cada um, homem e mulher, reconhecer e aceitar sua identidade sexual. A
diferença e a complementaridade físicas, morais e espirituais estão orientadas para os bens do
casamento e para o desabrochar da vida familiar. A harmonia do casal e da sociedade
depende, em parte, da maneira como se vivem entre os sexos a complementaridade, a
necessidade e o apoio mútuos.
2334 "Ao criar o ser humano, homem e mulher, Deus dá a dignidade pessoal de modo
igual ao homem e à mulher." "O homem é uma pessoa, e isto na mesma medida para o homem
e para a mulher, pois ambos são criados à imagem e à semelhança de um Deus pessoal."
2335 Cada um dos dois sexos é, com igual dignidade, embora de maneira diferente,
imagem do poder e da ternura de Deus. A união do homem e da mulher no casamento é uma
maneira de imitar na carne a generosidade e a fecundidade do Criador: "O homem deixa seu
pai e sua mãe, se une à sua mulher, e eles se tomam uma só carne" (Gn 2,24). Dessa união
procedem todas as gerações humanas.
2336 Jesus veio restaurar a criação na pureza de sua origem. No Sermão da Montanha,
Ele interpreta de maneira rigorosa o plano de Deus: "Ouvistes o que foi dito: 'Não cometerás
adultério'. Eu, porém, vos digo: todo aquele que olha para uma mulher com desejo libidinoso já
cometeu adultério com ela em seu coração" (Mt 5,27-28). O homem não deve separar o que
Deus uniu.
A Tradição da Igreja entendeu o sexto mandamento como englobando o conjunto da
sexualidade humana.
II. A VOCAÇÃO À CASTIDADE
2337 A castidade significa a integração correta da sexualidade na pessoa e, com isso, a
unidade interior do homem em seu ser corporal e espiritual. A sexualidade, na qual se exprime a
pertença do homem ao mundo corporal e biológico, torna-se pessoal e verdadeiramente
humana quando é integrada na relação de pessoa a pessoa, na doação mútua integral e
temporalmente ilimitada do homem e da mulher.
A virtude da castidade comporta, portanto, a integridade da pessoa e a integralidade da
doação.
A INTEGRIDADE DA PESSOA
2338 A pessoa casta mantém a integridade das forças vitais de amor depositadas nela.
Esta integridade garante a unidade da pessoa e se opõe a todo comportamento que venha ferila;
não tolera nem a vida dupla nem a linguagem dupla.
2339 A castidade comporta uma aprendizagem do domínio de si que é uma pedagogia
da liberdade humana. A alternativa é clara ou o homem comanda suas paixões e obtém a paz,
ou se deixa subjugar por elas e se torna infeliz. "A dignidade do homem exige que ele possa agir
de acordo com uma opção consciente e livre, isto é, movido e levado por convicção pessoal e
não por força de um impulso interno cego ou debaixo de mera coação externa. O homem
consegue esta dignidade quando, libertado de todo cativeiro das paixões, caminha para o seu
fim pela escolha livre do bem procura eficazmente os meios aptos com diligente aplicação."
2340 Aquele que quer permanecer fiel às promessas do Batismo e resistir às tentações
empenhar-se-á em usar os meios: o conhecimento de si, a prática de uma ascese adaptada às
situações em que se encontra, a obediência aos mandamentos divinos, a prática das virtudes
morais e a fidelidade à oração. "A castidade nos recompõe, reconduzindo-nos a esta unidade
que tínhamos perdido do quando nos dispersamos na multiplicidade."
2341 A virtude da castidade é comandada pela virtude cardeal da temperança, que
tem em vista fazer depender da razão a paixões e os apetites da sensibilidade humana.
2342 O domínio de si mesmo é um trabalho a longo prazo. Nunca deve ser considerado
definitivamente adquirido. Supõe um esforço a ser retomado em todas as idades da vida[a23] .
O esforço necessário pode ser mais intenso em certas épocas, por exemplo, quando se forma a
personalidade, durante a infância e a adolescência.
2343 A castidade tem leis de crescimento. Este crescimento passa por graus, marcados
pela imperfeição e muitas vezes pelo pecado. "Dia a dia o homem virtuoso e casto se constrói
por meio de opções numerosas e livres. Assim, ele conhece, ama e realiza o bem moral seguindo
as etapas de um crescimento."
2344 A castidade representa uma tarefa eminentemente pessoal. Mas implica também
um esforço cultural, porque "o homem desenvolve-se em todas as suas qualidades mediante a
comunicação com os outros". A castidade supõe o respeito pelos direitos da pessoa,
particularmente o de receber uma informação e uma educação que respeitem as dimensões
morais e espirituais da vida humana.
2345 A castidade é uma virtude moral. É também um dom de Deus, uma graça, um
fruto da obra espiritual. O Espírito Santo concede o dom de imitar a pureza de Cristo àquele que
foi regenerado pela água do Batismo.
A INTEGRALIDADE DA DOAÇÃO DE SI MESMO
2346 A caridade é a forma de todas as virtudes. Influenciada por ela, a castidade
aparece como uma escola de doação da pessoa. O domínio de si mesmo está ordenado para
a doação de si mesmo. A castidade leva aquele que a pratica a tornar-se para o próximo uma
testemunha da fidelidade e da ternura de Deus.
2347 A virtude da castidade desabrocha na amizade. Mostra ao discípulo como seguir e
imitar Aquele que nos escolheu como seus próprios amigos, se doou totalmente a nós e nos faz
Participar de sua condição divina. A castidade é promessa de imortalidade.
A castidade se expressa principalmente na amizade ao próximo. Desenvolvida entre
pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes, a amizade representa um grande bem para
todos e conduz à comunhão espiritual.
AS DIVERSAS FORMAS DE CASTIDADE
2348 Todo batizado é chamado à castidade. O cristão "se vestiu de Cristo", modelo de
toda castidade. Todos os fiéis de Cristo são chamados a levar uma vida casta segundo seu
específico estado de vida. No momento do Batismo, o cristão se comprometeu a viver sua
afetividade na castidade.
2349 "A castidade há de distinguir as pessoas de acordo com seus diferentes estados de
vida: umas na virgindade ou no celibato consagrado, maneira eminente de se dedicar mais
facilmente a Deus com um coração indiviso; outras, da maneira como a lei moral determina,
conforme forem casados ou celibatários." As pessoas casadas são convidadas a viver a
castidade conjugal; os outros praticam a castidade na continência:Existem três formas da virtude
da castidade: a primeira, dos esposos; a segunda, da viuvez; a terceira, da virgindade. Nós não
louvamos uma delas excluindo as outras. Nisso a disciplina da Igreja é rica.
2350 Os noivos são convidados a viver a castidade na continência. Nessa provação eles
verão uma descoberta do respeito mútuo, urna aprendizagem da fidelidade e da esperança de
se receberem ambos da parte de Deus. Reservarão para o tempo do casamento as
manifestações de ternura específicas do amor conjugal. Ajudar-se-ão mutuamente a crescer na
castidade.
AS OFENSAS À CASTIDADE
2351 A luxúria é um desejo desordenado ou um gozo desregrado do prazer venéreo. O
prazer sexual é moralmente desordenado quando é buscado por si mesmo, isolado das
finalidades de procriação e de união.
2352 Por masturbação se deve entender a excitação voluntária dos órgãos genitais, a
fim de conseguir um prazer venéreo. "Na linha de uma tradição constante, tanto o magistério da
Igreja como o senso moral dos fiéis afirmaram sem hesitação que a masturbação é um ato
intrínseca e gravemente desordenado." Qualquer que seja o motivo, o uso deliberado da
faculdade sexual fora das relações conjugais normais contradiz sua finalidade. Aí o prazer sexual
é buscado fora da "relação sexual exigida pela ordem moral, que realiza, no contexto de um
amor verdadeiro, o sentido integral da doação mútua e da procriação humana".
Para formar um justo juízo sobre a responsabilidade moral dos sujeitos e orientar a
ação pastoral, dever-se-á levar em conta a imaturidade afetiva, a força dos hábitos contraídos,
o estado de angústia ou outros fatores psíquicos ou sociais que minoram ou deixam mesmo
extremamente atenuada a culpabilidade moral.
2353 A fornicação é a união carnal fora do casamento entre um homem e uma mulher
livres. É gravemente contrária à dignidade das pessoas e da sexualidade humana, naturalmente
ordenada para o bem dos esposos, bem como para a geração e a educação dos filhos. Além
disso, é um escândalo grave quando há corrupção de jovens.
2354 A pornografia consiste em retirar os atos sexuais, reais ou simulados, da intimidade
dos parceiros para exibi-los a terceiros de maneira deliberada. Ela ofende a castidade porque
desnatura o ato conjugal, doação íntima dos esposos entre si. Atenta gravemente contra a
dignidade daqueles que a praticam (atores, comerciantes, público), porque cada um se torna
para o outro objeto de um prazer rudimentar e de um proveito ilícito, Mergulha uns e outros na
ilusão de um mundo artificial. E uma falta grave. As autoridades civis devem impedir a produção
e a distribuição de materiais pornográficos.
2355 A prostituição vai contra a dignidade da pessoa que se prostitui, reduzida, assim,
ao prazer venéreo que dela se obtém. Aquele que paga peca gravemente contra si mesmo;
viola a castidade à qual se comprometeu em seu Batismo e mancha seu corpo, templo do
Espírito Santo. A prostituição é um flagelo social. Envolve comumente mulheres, mas homens,
crianças ou adolescentes (nestes dois últimos casos, ao pecado soma-se um escândalo). Se é
sempre gravemente pecaminoso entregar-se à prostituição, a miséria, a chantagem e a pressão
social podem atenuar a imputabilidade da falta.
2356 O estupro designa a penetração à força, com violência, na intimidade sexual de
uma pessoa. Fere a justiça e a caridade. O estupro lesa profundamente o direito de cada um ao
respeito, à liberdade, à integridade física e moral. Provoca um dano grave que pode marcar a
vítima por toda a vida. E sempre um ato intrinsecamente mau. Mais grave ainda é o estupro
cometido pelos pais (cf. incesto) ou educadores contra as criança que lhes são confiadas.
CASTIDADE E HOMOSSEXUALIDADE
2357 A homossexualidade designa as relações entre homens e mulheres que sentem
atração sexual, exclusiva ou predominante, por pessoas do mesmo sexo. A homossexualidade se
reveste de formas muito variáveis ao longo dos séculos e das culturas. Sua gênese psíquica
continua amplamente inexplicada. Apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como
depravações graves, a tradição sempre declarou que "os atos de homossexualidade são
intrinsecamente desordenados". São contrários à lei natural. Fecham o ato sexual ao dom da
vida. Não procedem de uma complementaridade afetiva e sexual verdadeira. Em caso algum
podem ser aprovados.
2358 Um número não negligenciável de homens e de mulheres apresenta tendências
homossexuais profundamente enraizadas. Esta inclinação objetivamente desordenada constitui,
para a maioria, uma provação. Devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza.
Evitar-se-á para com eles todo sinal de discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a
reali-zar a vontade de Deus em sua vida e, se forem cristãs, a unir ao sacrifício da cruz do Senhor
as dificuldades que podem encontrar por causa de sua condição.
2359 As pessoas homossexuais são chamadas à castidade. Pelas virtudes de
autodomínio, educadoras da liberdade interior, às vezes pelo apoio de uma amizade
desinteressada, pela oração e pela graça sacramental, podem e devem se aproximar, gradual
e resolutamente, da perfeição cristã.
III. O AMOR ENTRE OS ESPOSOS
2360 A sexualidade está ordenada para o amor conjugal entre o homem e a mulher. No
casamento, a intimidade corporal dos esposos se torna um sinal e um penhor de comunhão
espiritual. Entre os batizados, os vínculos do matrimônio são santificados pelo sacramento.
2361 "A sexualidade, mediante a qual o homem e a mulher se doam um ao outro com
os atos próprios e exclusivos dos esposos, não é em absoluto algo puramente biológico, mas diz
respeito ao núcleo íntimo da pessoa humana como tal. Ela só se realiza de maneira
verdadeiramente humana se for parte integral do amor com o qual homem e mulher se
empenham totalmente um para com o outro até a morte"
Tobias levantou-se do leito e disse a Sara: "Levanta-te, minha irmã, oremos e
peçamos a nosso Senhor que tenha compaixão de nós e nos salve". Ela se levantou e
começaram a orar e a pedir para obterem a salvação. Ele começou dizendo: "Bendito sejas tu,
Deus de nossos pais... Tu criaste Adão e para ele criaste Eva, sua mulher, para ser seu
sustentáculo e amparo, e para que de ambos derivasse a raça humana. Tu mesmo disseste: 'Não
é bom que o homem fique só; façamos-lhe uma auxiliar semelhante a ele. E agora não é por
desejo impuro que tomo esta minha irmã, mas com reta intenção. Digna de ter piedade de mim
e dela e conduzir-nos juntos a uma idade avançada". E disseram em coro: "Amém, amém". E se
deitaram para passar a noite (Tb 8,4-9).
2362 "Os atos com os quais os cônjuges se unem íntima e castamente são honestos e
dignos. Quando realizados de maneira verdadeiramente humana, significam e favorecem a
mútua doação pela qual os esposos se enriquecem com o coração alegre e agradecido." A
sexualidade é fonte de alegria e de prazer:
O próprio Criador estabeleceu que nesta função (i.é, de geração) os esposos
sentissem prazer e satisfação do corpo e do espírito. Portanto, os esposos não fazem nada de
mal em pro-curar este prazer e em gozá-lo. Eles aceitam o que o Criador lhes destinou. Contudo,
os esposos devem saber manter-se nos limites de uma moderação justa.
2363 Pela união dos esposos realiza-se o duplo fim do matrimônio: o bem dos cônjuges e
a transmissão da vida. Esses dois significados ou valores do casamento não podem ser separados
sem alterar a vida espiritual do casal e sem comprometer os bens matrimoniais e o futuro da
família. Assim, o amor conjugal entre o homem e a mulher atende à dupla exigência da
fidelidade e da fecundidade.
A FIDELIDADE CONJUGAL
2364 O casal de cônjuges forma "uma íntima comunhão de vida e de amor que o
Criador fundou e dotou com suas leis. Ela é instaurada pelo pacto conjugal, ou seja, o
consentimento pessoal irrevogável ". Os dois se doam definitiva e totalmente um ao outro. Não
são mais dois, mas formam doravante uma só carne. A aliança contraída livremente pelos
esposos lhes impõe a obrigação de a manter una e indissolúvel . "O que Deus uniu, o homem
não separe" (Mc 10,9).
2365 A fidelidade exprime a constância em manter a palavra dada. Deus é fiel. O
sacramento do Matrimônio faz o homem e a mulher entrarem na fidelidade de Cristo à sua
Igreja. Pela castidade conjugal, eles testemunham este mistério perante o mundo.
S. João Crisóstomo sugere aos homens recém-casados que falem assim à sua
esposa: "Tomei-te em meus braços, amo-te, prefiro-te à minha própria vida. Porque a vida
presente não é nada, e o meu sonho mais ardente é passá-la contigo, de maneira que
estejamos certos de não sermos separados na vida futura que nos está reservada... Ponho teu
amor acima de tudo, e nada me seria mais penoso que não ter os mesmos pensamentos que tu
tens”.
A FECUNDIDADE DO MATRIMÔNIO
2366 A fecundidade é um dom, enfim do Matrimônio, porque o amor conjugal tende
naturalmente a ser fecundo. O filho não vem de fora acrescentar-se ao amor mútuo dos esposos;
surge no próprio âmago dessa doação mútua, da qual é fruto e realização. A Igreja, que "está
do lado da vida", ensina que "qualquer ato matrimonial deve permanecer aberto à transmissão
da vida". "Esta doutrina, muitas vezes exposta pelo Magistério, está fundada na conexão
inseparável, que Deus quis e que o homem não pode alterar por sua iniciativa, entre os dois
significados do ato conjugal: o significado unitivo e o significado procriador."
2367 Chamados a dar vida, os esposos participam do poder criador e da paternidade
de Deus. "Os cônjuges sabem que, no oficio de transmitir a vida e de serem educadores o qual
deve ser considerado como missão própria deles - são cooperadores do amor de Deus criador e
como que seus intérpretes. Por isso desempenharão seu múnus com responsabilidade cristã e
humana."
2368 Um aspecto particular desta responsabilidade diz respeito à regulação da
procriação. Por razões justas , os esposos podem querer espaçar os nascimentos de seus filhos.
Cabe-lhes verificar que seu desejo não provém do egoísmo, mas está de acordo com a justa
generosidade de uma paternidade responsável. Além disso, regularão seu comportamento
segundo os critérios objetivos da moral.
A moralidade da maneira de agir, quando se trata de harmonizar o amor conjugal
com a transmissão responsável da vida, não depende apenas da intenção sincera e da reta
apreciação dos motivos, mas deve ser determinada segundo critérios objetivos tirados da
natureza da pessoa e de seus atos, critérios esses que respeitam o sentido integral da doação
mútua e da procriação humana no contexto do verdadeiro amor. Tudo isso é impossível se a
virtude da castidade conjugal não for cultivada com sinceridade.
2369 "Salvaguardando estes dois aspectos essenciais, unitivo e procriador, o ato conjugal
conserva integralmente o sentido de amor mútuo e verdadeiro e sua ordenação para a altíssima
vocação do homem para a paternidade."
2370 A continência periódica, os métodos de regulação da natalidade baseados na
auto-observação e no recurso aos períodos infecundos estão de acordo com os critérios
objetivos da moralidade. Estes métodos respeitam o corpo dos esposos, animam a ternura entre
eles e favorecem a educação de uma liberdade autêntica. Em compensação, é
intrinsecamente má "toda ação que, ou em previsão do ato conjugal, ou durante a sua
realização, ou também durante o desenvolvimento de suas conseqüências naturais, se
proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação"
"À linguagem nativa que exprime a recíproca doação total dos cônjuges a
contracepção impõe uma linguagem objetivamente contraditória, a do não se doar ao outro.
Deriva daqui não somente a recusa positiva de abertura à vida, mas também uma falsificação
da verdade interior do amor conjugal, chamado a doar-se na totalidade pessoal." Esta diferença
antropológica e moral entre a contracepção e o recurso aos ritmos periódicos "envolve duas
concepções da pessoa e da sexualidade humana irredutíveis entre si.
2371 "Estejam todos certos de que a vida dos homens e a missão de transmiti-la não se
confinam ao tempo presente nem se podem medir ou entender por esse tempo apenas, mas
estão sempre relacionadas com a destinação eterna dos homens."
2372 O Estado é responsável pelo bem-estar dos cidadãos. Por isso, é legítimo que ele
intervenha para orientar a demografia da população. Pode fazer isso mediante uma informação
objetiva e respeitosa, mas nunca por via autoritária e por coação. O Estado não pode
legitimamente substituir a iniciativa dos esposos, primeiros responsáveis pela procriação e
educação de seus filhos. O Estado não está autorizado a intervir neste campo, com meios
contrários à lei moral.
O DOM DO FILHO
2373 A Sagrada Escritura e a prática tradicional da Igreja vêem nas famílias numerosas
um sinal da bênção divina e da generosidade dos pais.
2374 É grande o sofrimento de casais que descobrem que são estéreis. "Que me darás?",
pergunta Abrão a Deus. "Continuo sem filho..." (Gn 15,2). "Faze-me ter filhos também, ou eu
morro", disse Raquel a seu marido Jacó (Gn 30,1).
2375 As pesquisas que visam diminuir a esterilidade humana devem ser estimuladas, sob
a condição de serem postas "a serviço da pessoa humana, de seus direitos inalienáveis, de seu
bem verdadeiro e integral, de acordo com o projeto e a vontade de Deus"
2376 As técnicas que provocam uma dissociação do parentesco, pela intervenção de
uma pessoa estranha ao casal (doação de esperma ou de óvulo, empréstimo de útero), são
gravemente desonestas. Estas técnicas (inseminação e fecundação artificiais heterólogas) lesam
o direito da criança de nascer de um pai e uma mãe conhecidos dela e ligados entre si pelo
casamento. Elas traem "o direito exclusivo de se tornar pai e mãe somente um por meio do outro"
2377 Praticadas entre o casal, estas técnicas (inseminação e fecundação artificiais
homólogas) são talvez menos claras a um juízo imediato, mas continuam moralmente
inaceitáveis. Dissociam o ato sexual do ato procriador. O ato fundante da existência dos filhos já
não é um ato pelo qual duas pessoas se doam uma à outra, mas um ato que remete a vida e a
identidade do embrião para o poder dos médicos e biólogos, e instaura um domínio da técnica
sobre a origem e a destinação da pessoa humana. Tal relação de dominação é por si contrária
à dignidade e à igualdade que devem ser comuns aos pais e aos filhos". "A procriação é
moralmente privada de sua perfeição própria quando não é querida como o fruto do ato
conjugal, isto é, do gesto específico da união dos esposos... Somente o respeito ao vínculo que
existe entre os significados do ato conjugal e o respeito pela unidade do ser humano permite
uma procriação de acordo com a dignidade da pessoa."
2378 O filho não é algo devido, mas um dom. O "dom mais excelente do matrimônio" e
uma pessoa humana. O filho não pode ser considerado corno objeto de propriedade, a que
conduziria o reconhecimento de um pretenso "direito ao filho". Nesse campo, somente o filho
possui verdadeiros direitos: o "de ser o fruto do ato específico do amor conjugal de seus pais, e
também o direito de ser respeitado como pessoa desde o momento de sua concepção”.
2379 O Evangelho mostra que a esterilidade física não é um mal absoluto. Os esposos
que, depois de terem esgotado os recursos legítimos da medicina, sofrerem de infertilidade unirse-
ão à Cruz do Senhor, fonte de toda fecundidade espiritual. Podem mostrar sua generosidade
adotando crianças desamparadas ou prestando relevantes serviços em favor do próximo.
IV. AS OFENSAS Á DIGNIDADE DO MATRIMÔNIO
2380 O adultério. Esta palavra designa a infidelidade conjugal. Quando dois parceiros,
dos quais ao menos um é casado, estabelecem entre si uma relação sexual, mesmo efêmera,
cometem adultério. Cristo condena o adultério mesmo de simples desejo . O sexto mandamento
e o Novo Testamento proscrevem absolutamente o adultério . Os profetas denunciam sua
gravidade. Vêem no adultério a figura do pecado de idolatria .
2381 O adultério é uma injustiça. Quem o comete falta com seus compromissos. Fere o
sinal da Aliança que é o vínculo matrimonial, lesa o direito do outro cônjuge e prejudica a
instituição do casamento, violando o contrato que o fundamenta. Compromete o bem da
geração humana e dos filhos, que têm necessidade da união estável dos pais.
O DIVÓRCIO
2382 O Senhor Jesus insistiu na intenção original do Criador, que queria um casamento
indissolúvel. Ab-roga as tolerâncias que se tinham introduzido na Lei antiga.
Entre batizados, o matrimonio ratificado e consumado não pode ser dissolvido por nenhum
poder humano nem por nenhuma causa, exceto a morte".
2383 A separação dos esposos com a manutenção do vínculo matrimonial pode ser
legítima em certos casos previstos pelo Direito canônico (cf. CIC, cân. 1151-1155).
Se o divórcio civil for a única maneira possível de garantir certos direitos legítimos, o
cuidado dos filhos ou a defesa do patrimônio, pode ser tolerado sem constituir uma falta moral.
2384 O divórcio é uma ofensa grave à lei natural. Pretende romper o contrato livremente
consentido pelos esposos de viver um com o outro até a morte. O divórcio lesa a Aliança de
salvação da qual o matrimônio sacramental é o sinal. O fato de contrair nova união, mesmo que
reconhecida pela lei civil, aumenta a gravidade da ruptura; o cônjuge recasado passa a
encontrar-se em situação de adultério público e permanente:
Se o marido, depois de se separar de sua mulher, se aproximar de outra mulher, se
torna adúltero, porque faz essa mulher cometer adultério; e a mulher que habita com ele é
adúltera, porque atraiu a si o marido de outra.
2385 O caráter imoral do divórcio deriva também da desordem que introduz na célula
familiar e na sociedade. Esta desordem acarreta graves danos: para o cônjuge que fica
abandonado; para os filhos, traumatizados pela separação dos pais, e muitas vezes disputados
entre eles (cada um dos cônjuges querendo os filhos para si); e seu efeito de contágio, que faz
dele urna verdadeira praga social.
2386 Pode acontecer que um dos cônjuges seja a vítima inocente do divórcio decidido
pela lei civil; neste caso, ele não viola o preceito moral. Existe uma diferença considerável entre o
cônjuge que se esforçou sinceramente por ser fiel ao sacramento do Matrimônio e se vê
injustamente abandonado e aquele que, por uma falta grave de sua parte, destrói um
casamento canonicamente válido.
OUTRAS OFENSAS Á DIGNIDADE DO CASAMENTO
2387 É compreensível o drama de quem, desejoso de se converter ao Evangelho, se vê
obrigado a repudiar uma ou várias mulheres com as quais viveu anos de vida conjugal. Contudo,
a poligamia não se coaduna com a lei moral. "Opõe-se radicalmente à comunhão conjugal,
pois nega diretamente o plano de Deus tal como nos foi revelado nas origens, porque contrária à
igual dignidade pessoal entre o homem e a mulher, que no matrimônio se doam com um amor
total e por isso mesmo único e exclusivo." O cristão que foi polígamo está gravemente obrigado
por justiça a honrar as obrigações contraídas para com as suas antigas mulheres, bem como
para com os filhos.
2388 O incesto designa relações íntimas entre parentes ou pessoas afins, em grau que
proíba entre eles o casamento . S. Paulo estigmatiza esta falta particularmente grave: "É geral
ouvir-se falar de mau comportamento entre vós... um dentre vós vive com a mulher de seu pai...
E preciso que, em nome Senhor Jesus... entreguemos tal homem a Satanás para a perda de sua
carne..." (1 Cor 5,1.3-5). O incesto corrompe as relações familiares e indica como que uma
regressão à animalidade.
2389 Podemos ligar ao incesto os abusos sexuais perpetrados por adultos contra crianças
ou adolescentes confiados à sua guarda. A falta é acrescida, então, de um dano escandaloso
causado à integridade física e moral dos jovens, que ficarão marcados por toda a vida, e de
uma violação da responsabilidade educativa.
2390 Existe união livre quando o homem e a mulher se recusam a dar uma forma jurídica
e pública a uma ligação que implica intimidade sexual.
A expressão é enganosa: com efeito, que significado pode ter uma união na qual
as pessoas não se comprometem mutuamente e revelam, assim, uma falta de confiança na
outra, em si mesma ou no futuro?
A expressão abrange situações diferentes: concubinato, recusa do casamento
enquanto tal, incapacidade de assumir compromissos a longo prazo. Todas essas situações
ofendem a dignidade do matrimônio, destroem a própria idéia da família, enfraquecem o
sentido da fidelidade. São contrárias à lei moral. O ato sexual deve ocorrer exclusivamente no
casamento; fora dele, é sempre um pecado grave e exclui da comunhão sacramental.
2391 Muitos reclamam hoje uma espécie de "direito à experiência" quando há intenção
de se casar. Qualquer que seja a firmeza do propósito dos que se envolvem em relações sexuais
prematuras, "estas não permitem garantir em sua sinceridade e fidelidade a relação inter-pessoal
de um homem e uma mulher e, principalmente, protegê-los contra as fantasias e os caprichos". A
união carnal não é moralmente legítima, a não ser quando se instaura uma comunidade de vida
definitiva entre o homem e a mulher. O amor humano não tolera a "experiência". Ele exige urna
doação total e definitiva das pessoas entre si .
RESUMINDO
2392 "O amor é a vocação fundamental e originária do ser humano ."
2393 Ao criar o ser humano, homem e mulher, Deus dá a dignidade pessoal de uma
maneira igual a ambos. Cada um, homem e mulher, deve chegar a reconhecer e aceitar sua
identidade sexual.
2394 Cristo é o modelo da castidade. Todo batizado é chamado a levar uma vida casta,
cada um segundo seu estado de vida próprio.
2395 A castidade significa a integração da sexualidade na pessoa. Inclui a
aprendizagem do domínio pessoal.
2396 Entre os pecados gravemente contrários à castidade é preciso citar a masturbação,
a fornicação, a pornografia e as práticas homossexuais.
2397 A aliança que os esposos contraíram livremente implica um amor fiel. Impõe-lhes a
obrigação de guardar seu casamento indissolúvel.
2398 A fecundidade é um bem, um dom, um fim do casamento. Dando a vida, os esposos
participam da paternidade de Deus.
2399 A regulação da natalidade representa um dos aspectos da paternidade e da
maternidade responsáveis. A legitimidade das intenções dos esposos não justifica o recurso a
meios moralmente inadmissíveis (por exemplo, a esterilização direta ou a contracepção).
2400 O adultério e o divórcio, a poligamia e a união livre são ofensas graves à dignidade
do casamento.
ARTIGO 7
O SÉTIMO MANDAMENTO
Não roubarás (Ex 20,15; Cf Dt 5,19).
NÃO ROUBARÁS (Mt 19,18).
2401 O sétimo mandamento proíbe tomar ou reter injustamente os bens do próximo ou
lesá-lo, de qualquer modo, nos mesmos bens. Prescreve a justiça e a caridade na gestão dos
bens terrestres e dos frutos do trabalho dos homens. Exige, em vista do bem comum, o respeito à
destinação universal dos bens e ao direito de propriedade privada. A vida cristã procura ordenar
para Deus e para a caridade fraterna os bens deste mundo.
I. A DESTINAÇÃO UNIVERSAL E A PROPRIEDADE PRIVADA DOS BENS
2402 No começo, Deus confiou a terra e seus recursos à administração comum da
humanidade, para que cuidasse dela, a dominasse por seu trabalho e dela desfrutasse . Os bens
da criação são destinados a todo o gênero humano. A terra está, contudo, repartida entre os
homens para garantir a segurança de sua vida, exposta à penúria e ameaçada pela violência.
A apropriação dos bens é legítima para garantir a liberdade e a dignidade das pessoas, para
ajudar cada um a prover suas necessidades fundamentais e as daqueles de quem está
encarregado. Deve também permitir que se manifeste uma solidariedade natural entre os
homens.
2403 O direito à propriedade privada, adquirida ou recebida de modo justo, não abole a
doação original da terra ao conjunto da humanidade. A destinação universal dos bens continua
primordial, mesmo se a promoção do bem comum exige o respeito pela propriedade privada,
pelo respectivo direito e exercício.
2404 Usando aqueles bens, o homem que possui legitimamente as coisas materiais não as
deve ter só como próprias dele, mas também como comuns, no sentido de que elas possam ser
úteis não somente a ele, mas também aos outros ." A propriedade de um bem faz de seu
detentor um administrador da Providência, para fazê-los frutificar e para repartir os benefícios
dessa administração a outros, a seus parentes, em primeiro lugar.
2405 Os bens de produção materiais ou imateriais - como terras ou fábricas, competências
ou profissões, requerem os cuidados de quem os Possui para que sua fecundidade aproveite ao
maior número possível. Os detentores dos bens de uso e de consumo devem usá-los com
moderação, reservando a melhor parte ao hóspede, ao doente e ao pobre.
2406 A autoridade política tem o direito e o dever de regulamentar, em função do bem
comum, o exercício legítimo do direito de propriedade.
II. O RESPEITO ÀS PESSOAS E AOS SEUS BENS
2407 Em matéria econômica, o respeito à dignidade humana exige a prática da virtude
da temperança, para moderar o apego aos bens deste mundo; da virtude da justiça, para
preservar o direitos do próximo e lhe dar o que lhe é devido; e da solidariedade, segundo a regra
áurea e segundo a liberalidade do Senhor, que "se fez pobre, embora fosse rico, para nos
enriquecer com sua pobreza".
O RESPEITO AOS BENS DO OUTRO
2408 O sétimo mandamento proíbe o roubo, isto é, a usurpação do bem de outro contra
a vontade razoável do proprietário. Não há roubo se o consentimento pode ser presumido ou se
recusa é contrária à razão e à destinação universal dos bem. É o caso da necessidade urgente e
evidente. em que o único meio de acudir às necessidades imediatas e essenciais (ali mento,
abrigo, roupa...) é dispor e usar dos bens do outro.
2409 Toda maneira de tomar e de reter injustamente o bem do outro, mesmo que não
contrarie as disposições da lei civil, é contrária ao sétimo mandamento. Assim, também, reter
deliberadamente os bens emprestados ou objetos perdidos, defraudar no comércio, pagar
salários injustos, elevar os preços especulando sobre a ignorância ou a miséria alheia.
São ainda moralmente ilícitos a especulação, pela qual se faz variar artificialmente a
avaliação dos bens, visando levar vantagem em detrimento do outro; a corrupção, pela qual se
"compra" o julgamento daqueles que devem tomar decisões de acordo com o direito; a
apropriação e uso privados dos bens sociais de uma empresa; os trabalhos malfeitos; a fraude
fiscal; a falsificação de cheques e de faturas; os gastos excessivos; o desperdício. Infligir
voluntariamente um prejuízo aos proprietários privados ou públicos é contrário à lei moral e exige
reparação.
241 0 As promessas devem ser mantidas, e os contratos, rigorosamente observados, na
medida em que o compromisso assumido for moralmente justo. Uma parte notável da vida
econômica e social depende do valor dos contratos entre pessoas físicas ou morais. E o caso dos
contratos comerciais de venda ou compra, os contratos de locação ou de trabalho. Todo
contrato deve ser feito e executado de boa-fé.
2411 Os contratos estão sujeitos à justiça comutativa, que regula as trocas entre as
pessoas e entre as instituições no pleno respeito aos seus direitos. A justiça comutativa obriga
estritamente; exige a salvaguarda dos direitos de propriedade, o pagamento das dívidas e o
cumprimento das obrigações livremente contraídas. Sem a justiça comutativa, nenhuma outra
forma de justiça é possível.
Distingue-se a justiça comutativa da justiça legal, que se refere àquilo que o cidadão deve
eqüitativamente à comunidade, e da justiça distributiva, que regula o que a comunidade deve
aos cidadãos proporcionalmente às suas contribuições e às suas necessidades.
2412 Em virtude da justiça comutativa, a reparação da injustiça cometida exige a
restituição do bem furtado a seu proprietário:
Jesus abençoa Zaqueu por causa de seu compromisso: "Se defraudei a alguém, restituolhe
o quádruplo" (Lc 19,8). Aqueles que, de maneira direta ou indireta, se apossaram de um bem
alheio têm obrigação de o restituir ou de devolver o equivalente em natureza ou em espécie, se
a coisa desapareceu, bem como os frutos e lucros que seu proprietário legitimamente teria
auferido. São igualmente obrigados a restituir, proporcionalmente à sua responsabilidade e ao
benefício auferido, todos os que participaram de alguma maneira do roubo, ou tiraram proveito
dele com conhecimento de causa, como, por exemplo, Os mandantes, os que ajudaram ou
encobriram o roubo.
2413 Os jogos de azar (jogos de cartas etc.) ou as apostas em si não são contrários à
justiça. Tomam-se moralmente inaceitáveis quando privam a pessoa daquilo que lhe é
necessário para suprir suas necessidades e as dos outros. A paixão pelo jogo corre o risco de se
transformar em uma dependência grave. Apostar injustamente ou trapacear nos jogos constitui
matéria grave, a menos que o dano infligido seja tão pequeno aquele que o sofre não possa
razoavelmente considerá-lo significativo.
2414 O sétimo mandamento proíbe os atos ou empreendimentos que, por qualquer razão
que seja, egoísta ou ideológica, mercantil ou totalitária, levam a escravizar seres humanos, a
desconhecer sua dignidade pessoal, a comprá-los, a vendê-los e a trocá-los como mercadorias.
É um pecado contra a dignidade das pessoas e contra seus direitos fundamentais reduzi-las, pela
violência, a um valor de uso ou a uma fonte lucro. S. Paulo ordenava a um patrão cristão que
tratasse seu escravo cristão "não mais corno escravo, mas como um irmão..., como um homem,
no Senhor" (Fm 16).
O RESPEITO PELA INTEGRIDADE DA CRIAÇÃO
2415 O sétimo mandamento manda respeitar a integridade da criação. Os animais, como
as plantas e os seres inanimados, estão naturalmente destinados ao bem comum da
humanidade passada, presente e futura. O uso dos recursos minerais. vegetais e animais do
universo não pode ser separado do respeito pelas exigências morais. O domínio dado pelo
Criador ao homem sobre os seres inanimados e os seres vivos não é absoluto; é medido por meio
da preocupação pela qualidade de vida do próximo, inclusive das gerações futuras; exige um
respeito religioso pela integridade da criação.
2416 Os animais são criaturas de Deus, que os envolve com sua solicitude providencial.
Por sua simples existência, eles o bendizem e lhe dão glória. Também os homens lhes devem
carinho. Lembremos com que delicadeza os santos, como S. Francisco de Assis ou S. Filipe de
Neri, tratavam os animais.
2417 Deus confiou os animais à administração daquele que criou à sua imagem. E,
portanto, legitimo servir-se dos animais para a alimentação e a confecção das vestes. Podem ser
domesticados, para ajudar o homem em seus trabalhos e lazeres. Os experimentos médicos e
científicos em animais são práticas moralmente admissíveis, se permanecerem dentro dos limites
razoáveis e contribuírem para curar ou salvar vidas humanas.
2418 É contrário à dignidade humana, fazer os animais sofrerem inutilmente e desperdiçar
suas vidas. E igualmente indigno gastar com eles o que deveria prioritariamente aliviar a miséria
dos homens. Pode-se amar os animais, porém não se deve orientar para eles o afeto devido
exclusivamente às pessoas.
I I I . A DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA
2419 "A revelação cristã leva a uma compreensão mais profunda das leis da vida social."
A Igreja recebe do Evangelho a revelação plena da verdade do homem. Quando ela cumpre
sua missão de anunciar o Evangelho, testemunha ao homem, em nome de Cristo, sua dignidade
própria e sua vocação à comunhão de pessoas, ensina-lhe as exigências da justiça e da paz, de
acordo com a sabedoria divina.
2420 A Igreja emite um juízo moral, em matéria econômica e social, "quando o exigem os
direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas". Na ordem da moralidade, tem uma
missão distinta da missão das autoridades políticas. A Igreja se preocupa com aspectos
temporais do bem comum em razão de sua ordenação ao Sumo Bem, nosso fim último. Procura
inspirar as atitudes justas na relação com os bens terrenos e nas relações socioeconômicas.
2421 A doutrina social da Igreja se desenvolveu no século XIX, por ocasião do encontro do
Evangelho com a sociedade industrial moderna, suas novas estruturas para a produção de bens
de consumo, sua nova concepção da sociedade, do Estado e da autoridade, suas novas formas
de trabalho e de propriedade. o desenvolvimento da doutrina da Igreja, em matéria econômica
e social, atesta valor o permanente do ensinamento da Igreja e, ao mesmo tempo, o sentido
verdadeiro de sua Tradição sempre viva e ativa.
2422 O ensinamento social da Igreja abrange um corpo de doutrina na que se articula à
medida que a Igreja interpreta os acontecimentos ao longo da história, à luz do conjunto da
palavra revelada por Jesus Cristo, com a assistência do Espírito Santo. Este ensinamento se torna
mais aceitável aos homens de boa vontade quanto mais profundamente inspira a conduta dos
fiéis.
2423 A doutrina social da Igreja propõe princípios de reflexão apresenta critérios de juízo,
orienta para a ação. Todo sistema segundo o qual as relações sociais seriam inteiramente
determinadas pelos fatores econômicos é contrário à natureza da pessoa humana e de seus
atos.
2424 Uma teoria que faz do lucro a regra exclusiva e o fim último da atividade
econômica é moralmente inaceitável. O apetite desordenado pelo dinheiro não deixa de
produzir seus efeitos perversos. Ele é uma das causas dos numerosos conflitos que perturbam a
ordem social. Um sistema que "sacrifica os direitos fundamentais das pessoas e dos grupos à
organização coletiva da produção" é contrário à dignidade do homem. Toda prática que reduz
as pessoas a não serem mais que meros meios que têm em vista o lucro escraviza o homem,
conduz a idolatria do dinheiro e contribui para difundir o ateísmo. "Não podeis servir ao mesmo
tempo a Deus e ao dinheiro" (Mt 6,24; Lc 16,13).
2425 A Igreja tem rejeitado as ideologias totalitárias e atéias associadas, nos tempos
modernos, ao "comunismo" ou ao "socialismo”. Além disso, na prática do "capitalismo", ela
recusou o individualismo e o primado absoluto da lei do mercado sobre o trabalho humano. A
regulamentação da economia exclusivamente por meio planejamento centralizado perverte na
base os vínculos sociais; sua regulamentação unicamente pela lei do mercado vai contra a
justiça social, "pois há muitas necessidades humanas que não podem atendidas pelo mercado".
É preciso preconizar uma regulamentação racional do mercado e das iniciativas econômicas,
de acordo com uma justa hierarquia de valores e em vista do bem comum.
IV. A ATIVIDADE ECONÔMICA E A JUSTIÇA SOCIAL
2426 O desenvolvimento das atividades econômicas e o crescimento da produção estão
destinados a servir às necessidades dos seres humanos. A vida econômica não visa somente
multiplicar os bens produzidos e aumentar o lucro ou o poder; antes de tudo, ela está ordenada
ao serviço das pessoas, do homem em sua totalidade e de toda a comunidade humana.
Conduzida segundo seus métodos próprios, a atividade econômica deve ser exercida dentro dos
limites da ordem moral, segundo a justiça social, a fim de corresponder ao plano de Deus acerca
do homem.
2427 O trabalho humano procede imediatamente das pessoas criadas à imagem de Deus
e chamadas a prolongar, ajudando-se mutuamente, a obra da criação, dominando a terra. O
trabalho é, pois, um dever: "Quem não quer trabalhar também não há de comer" (2Ts 3,10. ). O
trabalho honra os dons do Criador e os talentos recebidos. Também pode ser redentor.
Suportando a pena . do trabalho unido a Jesus, o artesão de Nazaré e o crucificado do Calvário,
o homem colabora de certa maneira com o Filho de Deus em sua obra redentora. Mostra-se
discípulo de Cristo carregando a cruz, cada dia, na atividade que é chamado a realizar. O
trabalho pode ser um meio de santificação e uma animação das realidades terrestres no Espírito
de Cristo.
2428 No trabalho, a pessoa exerce e realiza uma parte das capacidades inscritas em
sua natureza. O valor primordial do trabalho está ligado ao próprio homem, que é seu autor e
destinatário. O trabalho é para o homem, e não o homem para o trabalho. Cada um deve
poder tirar do trabalho os meios para sustentar-se, a si e aos seus, bem como para prestar serviço
à comunidade humana.
2429 Cada um tem o direito de iniciativa econômica, cada um usará legitimamente de
seus talentos para contribuir para uma abundância que seja de proveito para todos e para
colher os justos frutos de seus esforços. Cuidará de seguir as prescrições emanadas das
autoridades legitimas, tendo em vista o bem comum.
2430 A vida econômica abrange interesses diversos, muitas vezes opostos entre si. Assim
se explica o surgimento dos conflitos que a caracterizam. Deve haver empenho no sentido de
minimiza estes últimos pela negociação que respeite os direitos e os deveres de cada parceiro
social: os responsáveis pelas empresas, os representantes dos assalariados, por exemplo, as
organizações sindicais e, eventualmente, os poderes públicos.
2431 A responsabilidade do Estado. "A atividade econômica, sobretudo a da economia
de mercado, não pode desenvolver-se num vazio institucional, jurídico e político. Ela supõe que
sejam asseguradas as garantias das liberdades individuais e da propriedade, sem esquecer uma
moeda estável e serviços públicos eficazes. O dever essencial do Estado, no entanto, é assegurar
essas garantias, para que aqueles que trabalham possam gozar do fruto de seu trabalho e,
portanto, sentir-se estimulados a realizá-lo com eficácia e honestidade... O Estado tem o dever
de vigiar e conduzir a aplicação dos direitos humanos no setor econômico; nessa esfera, porém,
a primeira responsabilidade não cabe ao Estado, mas às instituições e aos diversos grupos e
associações que compõem a sociedade.”
2432 Os responsáveis pelas empresas têm, perante a sociedade a responsabilidade
econômica e ecológica por suas operações. Têm o dever de considerar o bem das pessoas e
não apenas aumento dos lucros. Entretanto, estes são necessários, pois permitem realizar os
investimentos que garantem o futuro das empresas, garantindo o emprego.
2433 O acesso ao trabalho e à profissão deve estar aberto a todos, sem discriminação
injusta: homens e mulheres, normais e excepcionais ou deficientes, autóctones e migrantes. Em
função das circunstâncias, também a sociedade deve ajudar os cidadãos a conseguir um
trabalho e um emprego.
2434 O salário justo é o fruto legítimo do trabalho. Recusá-lo ou retê-lo pode constituir uma
grave injustiça. Para se avaliar a remuneração eqüitativa, e preciso levar em conta ao mesmo
tempo as necessidades e as contribuições de cada um. "Levando-se em consideração as
funções e a produtividade, a situação da empresa e o bem comum, a remuneração do trabalho
deve garantir ao homem e a seus familiares os recursos necessários a uma vida digna no plano
material, social, cultural e espiritual.” O acordo das partes não é suficiente para justificar
moralmente o montante do salário.
2435 A greve é moralmente legítima quando se apresenta como um recurso inevitável, e
mesmo necessário, em vista de um benefício proporcionado. Torna-se moralmente inaceitável
quando é acompanhada de violências ou ainda quando se lhe atribuem objetivos não
diretamente ligados às condições de trabalho ou contrários ao bem comum.
2436 E injusto não pagar aos organismos de seguridade social as cotas estipuladas pelas
autoridades legítimas. A privação do trabalho por causa do desemprego é quase sempre, para
quem a sofre, um atentado à dignidade e uma ameaça ao equilíbrio da vida. Além do prejuízo
pessoal para o desempregado, corre também inúmeros riscos o seu 1ar.
V. JUSTIÇA E SOLIDARIEDADE ENTRE AS NAÇÕES
2437 No plano internacional, a desigualdade dos recursos e dos meios econômicos é tão
grande que provoca entre as nações um verdadeiro "fosso". De um lado, estão os que detêm e
desenvolvem os meios de crescimento e, de outro, os que acumulam as dívidas.
2438 Diversas causas, de natureza religiosa, política, econômica e financeira, conferem
hoje a questão social uma dimensão mundial". A solidariedade é necessária entre as nações
cujas políticas já são interdependentes. E ainda mais indispensável quando se toma preciso deter
"os mecanismos perversos" que impedem o desenvolvimento dos países menos avançados[. Urge
substituir os sistemas financeiros abusivos e mesmo usurários, as relações comerciais iníquas entre
as nações e a corrida armamentista por um esforço comum no sentido de mobilizar os recursos e
objetivos de desenvolvimento moral, cultural e econômico, "redefinindo as prioridades e as
escalas de valores".
2439 As nações ricas têm uma responsabilidade moral grave para com aquelas que não
podem garantir sozinhas os próprios meios de seu desenvolvimento ou foram impedidas de fazêlo
por trágicos acontecimentos históricos. E um dever de solidariedade e caridade; é igualmente
uma obrigação de justiça, se o bem-estar das nações ricas provém de recursos naturais não
foram eqüitativamente pagos.
2440 A ajuda direta representa uma resposta apropriada a necessidades imediatas,
extraordinárias, causadas por catástrofes naturais, epidemias etc., mas não basta para reparar os
graves prejuízos que resultam de situações de miséria nem para prover permanentemente às
necessidades. É necessário também reformar as instituições econômicas e financeiras
internacionais, para que elas promovam melhor as relações eqüitativas com os países menos
desenvolvidos. E preciso apoiar o esforço dos países pobres trabalhando para seu
desenvolvimento e libertação. Esta doutrina deve ser aplicada de maneira muito especial no
âmbito do trabalho agrícola. Os camponeses, sobretudo dos países menos desenvolvidos,
constituem a massa preponderante dos pobres.
2441 Aumentar o senso de Deus e o conhecimento de si mesmo é a base de todo
desenvolvimento completo da sociedade humana. Este desenvolvimento completo multiplica os
bens materiais e os põe a serviço da pessoa e de sua liberdade. Diminui a miséria e a exploração
econômicas. Faz crescer o respeito pelas; identidades culturais e a abertura para a
transcendência.
2442 Não cabe aos pastores da Igreja intervir diretamente na construção política e na
organização da vida social. Essa tarefa faz parte da vocação dos fiéis leigos, que agem por
própria iniciativa com seus concidadãos. A ação social pode implicar uma pluralidade de
caminhos concretos. Terá sempre em vista o bem comum e se conformará com a mensagem
evangélica e com a doutrina da Igreja. Cabe aos fiéis leigos "animar as realidades temporais
com um zelo cristão e comportar-se como artesãos da paz e da justiça".
V I . O AMOR AOS POBRES
2443 Deus abençoa aqueles que ajudam os pobres e reprova aqueles que se afastam
deles: "Dá ao que te pede e não voltes as costas ao que te pede emprestado" (Mt 5,42). "De
graça recebestes, de graça dai" (Mt 10,8). Jesus Cristo reconhecerá seus eleitos pelo que tiverem
feito pelos pobres. Temos o sinal da presença de Cristo quando "os pobres são evangelizados" (Mt
11,53)
2444 "O amor da Igreja pelos pobres... faz parte de sua tradição constante." Inspira-se no
Evangelho das bem-aventuranças, na pobreza de Jesus e em sua atenção aos pobres. O amor
aos pobres é também um dos motivos do dever de trabalhar, "para se ter o que partilhar com
quem tiver necessidade. Não se estende apenas à pobreza material, mas também às numerosas
formas de pobreza cultural e religiosa.
2445 O amor aos pobres é incompatível com o amor imoderado das riquezas ou o uso
egoísta delas: Pois bem, agora vós, ricos, chorai e gemei por causa das desgraças que estão
para vos sobrevir. Vossa riqueza apodreceu e vossas vestes estão carcomidas pelas traças. Vosso
ouro e vossa prata estão enferrujados, e sua ferrugem testemunhará contra vós e devorará
vossas carnes. Entesourastes como que um fogo nos tempos do fim! Lembrai-vos de que o salário,
do qual privastes os trabalhadores que ceifaram vossos campos, clama, e os gritos dos ceifeiros
chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos. Viveste faustosamente na terra e vos regalastes;
vós vos saciastes no dia matança. Condenastes o justo e o pusestes à morte: ele não resiste (Tg
5,1-6).
2446 São João Crisóstomo lembra essa verdade em termos vigorosos: "Não deixar os
pobres participar dos próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida. Nós não detemos nossos bens,
mas os deles." "É preciso satisfazer acima de tudo as exigências da justiça, para que não
ofereçamos como dom da caridade aquilo que já é devido por justiça." Quando damos aos
pobres as coisas indispensáveis, não praticamos com eles grande generosidade pessoal, mas
lhes devolvemos o que é deles. Cumprimos um dever de justiça e não tanto um ato de caridade.
2447 As obras de misericórdia são as ações caritativas pelas quais socorremos o próximo
em suas necessidades corporais e espirituais. Instruir, aconselhar, consolar, confortar são obras de
misericórdia espiritual, como também perdoar e suportar com paciência. As obras de
misericórdia corporal consistem sobretudo em dar de comer a quem tem fome, dar de beber a
quem tem sede, dar moradia aos desabrigados, vestir os maltrapilhos, visitar os doentes e
prisioneiros, sepultar os mortos. Dentre esses gestos de misericórdia, a esmola dada aos pobres é
um dos principais testemunhos da caridade fraterna. E também uma prática de justiça que
agrada a Deus. Quem tiver duas túnicas, reparta-as com aquele que não tem, quem tiver o que
comer, faça o mesmo (Lc 3,11). Dai o que tendes em esmola, e tudo ficará puro para vós (Lc
11,41). Se um irmão ou uma irmã não tiverem o que vestir e lhes faltar o necessário para a
subsistência de cada dia, e alguém dentre vós lhes disser "Ide paz, aquecei-vos e saciai-vos, e
não lhes der o necessário para manutenção, que proveito haverá nisso? (Tg 2, 15-16[a97] ).
2448 "Sob suas múltiplas formas - extrema privação material, opressão injusta,
enfermidades físicas e psíquicas e, por fim, a morte -, a miséria humana é o sinal manifesto da
condição natural da fraqueza em que o homem se encontra após o primeiro pecado e da
necessidade de uma salvação. É por isso que ela atrai a compaixão de Cristo Salvador, que quis
assumi-la sobre si, identificando-se com os 'mais pequeninos entre seus irmãos'. É também por isso
que todos aqueles que ela atinge são objeto de um amor preferencial por parte da Igreja, que,
desde as suas origens, apesar das falhas de muitos de seus membros, não deixou nunca de
trabalhar por aliviá-los, defendê-los e libertá-los. Ela o faz por meio de inúmeras obras de
beneficência, que continuam a ser, sempre e por toda parte, indispensáveis."
2449 Já no Antigo Testamento, todas as medidas jurídicas (ano de perdão, proibição de
empréstimo a juros e da manutenção de penhora, obrigação do dízimo, pagamento cotidiano
ao trabalhador diarista, direito de rebusca nas vinhas e respiga nos campos) são uma resposta à
exortação do Deuteronômio: "Nunca deixará de haver pobres na terra; é por isso que eu te
ordeno: abre a mão em favor de teu irmão que é humilhado e pobre em tua terra" (Dt 15,11).
Jesus faz suas essas palavras: "Sempre tereis pobres convosco; mas a mim nem sempre tereis" (Jo
12,8). Dessa forma, ele não deixa caducar a veemência dos oráculos antigos contra aqueles que
"compram o fraco com prata e o indigente por um par de sandálias..." (Am 8,6), mas Ele nos
convida a reconhecer sua presença nos pobres, que são seus irmãos: No dia em que sua mãe a
repreendeu por manter em casa pobres e doentes, Santa Rosa de Lima lhe replicou: "Quando
servimos aos pobres e doentes, servimos a Jesus. Não nos devemos cansar de ajudar o próximo,
porque neles é a Jesus que servimos".
RESUMINDO
2450 "Não roubarás" (Dt 5,19). "Nem os ladrões, nem os avarentos... nem os rapinadores
herdarão o Reino de Deus" (1 Cor 6,10).
2451 O sétimo mandamento prescreve a prática da justiça e da caridade na
administração dos bens terrenos e dos frutos do trabalho dos homens.
2452 Os bens da criação são destinados a todo o gênero humanos. O direito à
propriedade privada não abole a destinação universal dos bens.
2453 O sétimo mandamento proíbe o roubo. O roubo é a usurpação de um bem de
outrem contra a vontade razoável do proprietário;
2454 Toda forma de apropriação e uso injusto dos bens de outrem é contrária ao sétimo
mandamento. A injustiça cometida exige reparação. A justiça comutativa exige a restituição do
bem roubado.
2455 A lei moral proíbe os atos que, visando a fins mercantis ou totalitários, conduzem à
servidão dos seres humanos, à sua compra, venda e troca como mercadorias.
2456 O domínio concedido pelo Criador sobre os recursos minerais, vegetais e animais
do universo não pode ser separado do respeito às obrigações morais, inclusive para com as
gerações futuras.
2457 Os animais são confiados à administração do homem, que lhes deve
benevolência. Podem servir para a justa satisfação das necessidades do homem.
2458 A Igreja emite um juízo em matéria econômica e social quando os direitos
fundamentais da pessoa ou a salvação das almas exigem. Preocupa-se com o bem comum
temporal dos homens em razão de sua ordenação ao Sumo Bem, nosso fim último.
2459 O próprio homem é o autor, o centro e o fim de toda a vida econômica e social. O
ponto decisivo da questão social é que os bens criados por Deus para todos de fato cheguem a
todos conforme a justiça e com a ajuda da caridade.
2460 O valor primordial do trabalho depende do próprio homem, que é seu autor e
destinatário. Por meio de seu trabalho, o homem participa da obra da criação. Unido a Cristo, o
trabalho pode ser redentor.
2461 O verdadeiro desenvolvimento abrange o homem inteiro. O que importa é fazer
crescer a capacidade de cada pessoa de responder à sua vocação, portanto, ao chamamento
de Deus.
2462 A esmola dada aos pobres é um testemunho de caridade fraterna; é também uma
prática de justiça que agrada a Deus.
2463 Na multidão de seres humanos sem pão, sem teto, sem terra, como não
reconhecer Lázaro, mendigo faminto da parábola? Como não ouvir Jesus, que diz: "Foi a mim
que o deixastes de fazer" (Mt 25,45)?
ARTIGO 8
O OITAVO MANDAMENTO
NÃO APRESENTARÁS UM FALSO TESTEMUNHO CONTRA TEU PRÓXIMO (EX 20,16).
Ouvistes também o que foi dito aos antigos: Não perjurarás, mas cumprirás os teus
juramentos para com o Senhor (Mt 5,33).
2464 O oitavo mandamento proíbe falsear a verdade nas relações com os outros. Essa
prescrição moral decorre da vocação do povo santo a ser testemunha do; seu Deus, que é e
quer a verdade. As ofensas à verdade exprimem, por palavras ou atos, uma recusa de abraçar a
retidão moral: são infidelidades fundamentais a Deus e, neste sentido, minam as bases da
Aliança.
I. VIVER NA VERDADE
2465 O Antigo Testamento atesta: Deus é fonte de toda verdade. Sua Palavra é verdade.
Sua lei é verdade. "Sua fidelidade continua de geração em geração" (Sl 119,90). Uma vez que
Deus é "veraz" (Rm 3,4), os membros de seu Povo são chamados a viver na verdade.
2466 Em Jesus Cristo, a verdade de Deus se manifestou plenamente. "Cheio de graça e
verdade, Ele é a "luz do mundo" (Jo 8,12), é a Verdade.".. para que aquele que crê em mim não
permaneça nas trevas." O discípulo de Jesus "permanece em sua palavra" para conhecer "a
verdade que liberta" (Jo 8,32) e santifica. Seguir a Jesus é viver do "Espírito da verdade" que o Pai
envia em seu nome e conduz "à verdade plena" (Jo 16,13). Jesus ensina a seus discípulos o amor
incondicional da verdade: "Seja o vosso 'sim', sim, e o vosso 'não', não" (Mt 5,37).
2467 O homem tende naturalmente para a verdade. É obrigado a honrá-la e testemunhála:
"É postulado da própria dignidade que os homens todos, por serem pessoas... se sintam por
natureza impelidos e moralmente obrigados a procurar a verdade, sobretudo a que concerne à
religião. São obrigados também a aderir à verdade conhecida e a ordenar toda a vida segundo
as exigências da verdade"
2468 A verdade como retidão do agir e da palavra humana tem o nome de veracidade,
sinceridade ou franqueza. A verdade ou a veracidade é a virtude que consiste em mostrar-se
verdadeiro no agir e no falar, guardando-se da duplicidade, da simulação e da hipocrisia.
2469 Os homens não poderiam viver juntos se não tivessem confiança recíproca, quer
dizer, se não manifestassem a verdade uns aos outros." A virtude da verdade devolve ao outro o
que lhe é devido. A veracidade observa um justo meio entre aquilo que deve ser expresso e o
segredo que deve ser guardado; implica a honestidade e a discrição. Por justiça, "um homem
deve honestamente a outro a manifestação da verdade".
2470 O discípulo de Cristo aceita "viver na verdade", isto é, na simplicidade de uma vida
conforme o exemplo do Senhor permanecendo em sua verdade. "Se dissermos que estamos em
comunhão com Ele e andamos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade" (1 Jo 1,6).
II. "DAR TESTEMUNHO DA VERDADE"
2471 Diante de Pilatos, Cristo proclama que "veio ao mundo para dar testemunho da
verdade" O cristão não "se envergonha de dar testemunho do Senhor" (2 Tm 1,8). Nas situações
que requerem a declaração da fé, o cristão deve professá-la sem equívoco, a exemplo de S.
Paulo diante de seus juizes. Ele deve manter "uma consciência irrepreensível, constantemente,
diante de Deus e diante dos homens" (At 24,16).
2472 O dever dos cristãos de tomar parte na vida da Igreja leva-os a agir como
testemunhas do Evangelho e das obrigações dele decorrentes. Esse testemunho é transmissão da
fé em palavras e atos. O testemunho é um ato de justiça que estabelece ou dá a conhecer a
verdade: Todos os cristãos, onde quer que vivam, pelo exemplo da vida e pelo testemunho da
palavra, devem manifestar o novo homem que pelo Batismo vestiram e a virtude do Espírito
Santo que os revigorou pela confirmação.
2473 O martírio é o supremo testemunho prestado à verdade da fé; designa um
testemunho que vai até a morte. O mártir dá testemunho de Cristo, morto e ressuscitado, ao qual
está unido pela caridade. Dá testemunho da verdade da fé e da doutrina cristã. Enfrenta a
morte num ato de fortaleza. "Deixai-me ser comida das feras. E por elas que me será concedido
chegar até Deus."
2474 Com o maior cuidado, a Igreja recolheu as lembranças daqueles que foram até o
fim para testemunhar a fé. São as "Atas dos Mártires" (Acta Martyrum). Constituem os arquivos da
Verdade escritos em letras de sangue: De nada me servirão os encantos do mundo e dos remos
deste século. Melhor para mim é morrer (para me unir) a Cristo Jesus do que reinar até as
extremidades da terra. É a Ele, que morreu por nós, que eu procuro; é a Ele, que ressuscitou por
nós, que eu quero. Aproxima-se o momento em que serei gerado... .
Eu vos bendigo por me terdes julgado digno desse dia e dessa hora, digno de ser contado
no número dos vossos mártires... Guardastes vossa promessa, Deus da fidelidade e da verdade.
Por essa graça e por todas as coisas, eu vos louvo, vos bendigo e vos glorifico pelo eterno e
celeste sumo sacerdote, Jesus Cristo vosso Filho bem-amado. Por Ele, que está convosco e com o
Espírito, vos seja dada glória, agora e por todos os séculos. Amém.
III. AS OFENSAS À VERDADE
2475 Os discípulos de Cristo "revestiram-se do homem novo, criado segundo Deus, na
justiça e santidade da verdade" (Ef 4,24). "Livres da mentira" (Ef 4,25), devem "rejeitar toda
maldade, toda mentira, todas as formas de hipocrisia, de inveja c maledicência" (l Pd 2,1).
2476 Falso testemunho e perjúrio. Quando emitida publicamente, uma afirmação
contrária à verdade assume uma gravidade particular. Diante de um tribunal, torna-se um falso
testemunho[a30] . Quando está sob juramento, trata-se de perjúrio. Essas formas de agir
contribuem para condenar um inocente para inocentar um culpado ou para aumentar a
sanção em que incorre o acusado. Elas comprometem gravemente exercício da justiça e a
eqüidade da sentença pronunciada pelos juizes.
2477 O respeito à reputação das pessoas proíbe qualquer atitude e palavra capazes de
causar um prejuízo injusto. Torna-se culpado:
ü de juízo temerário aquele que, mesmo tacitamente, admite como verdadeiro, sem
fundamento suficiente, um defeito moral no próximo.
ü de maledicência aquele que, sem razão objetivamente válida, revela a pessoas que
não sabem os defeitos e faltas de outros.
ü de calúnia aquele que, por palavras contrárias à verdade, prejudica a reputação dos
outros e dá ocasião a falsos juízos a respeito deles.
2478 Para evitar o juízo temerário, todos hão de cuidar de interpretar de modo favorável
tanto quanto possível os pensamentos, as palavras e as ações do próximo. Todo bom cristão
deve estar mais inclinado a desculpar as palavras do próximo do que a condená-las. Se não é
possível desculpá-las, deve-se perguntar-lhe como as entende; e se ele as entende mal, que seja
corrigido com amor; e, se isso não bastar, que se procurem todos os meios apropriados para que,
compreendendo-as corretamente, se salve.
2479 Maledicência e calúnia destroem a reputação e a honra do próximo. Ora, a honra
é o testemunho social prestado à dignidade humana. Todos gozam de um direito natural à honra
do próprio nome, à sua reputação e ao seu respeito. Dessa forma, a maledicência e a calúnia
ferem as virtudes da justiça e da caridade.
2480 Deve-se proscrever qualquer palavra ou atitude que, por bajulação, adulação ou
complacência, encoraje e confirme o outro na malícia de seus atos e na perversidade de sua
conduta. A adulação é uma falta grave quando cúmplice de vícios ou de pecados graves. O
desejo de prestar serviço ou a amizade não justificam uma duplicidade da linguagem. A
adulação é um pecado venial quando deseja somente ser agradável, evitar um mal, remediar
uma necessidade, obter vantagens legítimas.
2481 A jactância ou fanfarronice constitui uma falta contra a verdade. O mesmo vale
para a ironia, que visa depreciar alguém caricaturando, de modo malévolo, um ou outro
aspecto de seu comportamento.
2482 "A mentira consiste em dizer o que é falso com a intenção de enganar." O Senhor
denuncia na mentira uma obra diabólica: "Vós sois do diabo, vosso pai, . . nele não há verdade:
quando ele mente, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira" (Jo 8,44).
2483 A mentira é a ofensa mais direta à verdade. Mentir é falar ou agir contra a verdade
para induzir em erro. Ferindo a relação do homem com a verdade e com o próximo, a mentira
ofende a relação fundante do homem e de sua palavra com o Senhor.
2484 A gravidade da mentira se mede segundo a natureza da verdade que ela
deforma, de acordo com as circunstâncias, as intenções daquele que a comete, os prejuízos
sofridos por aqueles que são suas vítimas. Embora a mentira, em si, não constitua senão um
pecado venial, torna-se mortal quando fere gravemente as virtudes da justiça e da caridade.
2485 A mentira é condenável em sua natureza. E uma profanação da palavra que tem
por finalidade comunicar a outros a verdade conhecida. O propósito deliberado de induzir o
próximo em por palavras contrárias à verdade constitui uma falta à justiça e à caridade. A
culpabilidade é maior quando a intenção de enganar acarreta o risco de conseqüências
funestas para aqueles são desviados da verdade.
2486 A mentira (por ser uma violação da virtude da veracidade) é uma verdadeira
violência feita ao outro porque o fere em sua capacidade de conhecer, que é a condição de
todo juízo e de decisão. Contém em germe a divisão dos espíritos e todos os males que ela
suscita. A mentira é funesta para toda a sociedade; mina a confiança entre os homens e rompe
o tecido das relações sociais.
2487 Toda falta cometida contra a justiça e a verdade impõe o dever de reparação,
mesmo que seu autor tenha sido perdoado. Quando se toma impossível reparar um erro
publicamente, deve-se fazê-lo em segredo; se aquele que sofreu o prejuízo não pode ser
diretamente indenizado, deve-se dar-lhe satisfação moralmente, em nome da caridade. Esse
dever de reparação se refere também às faltas cometidas contra a reputação de outrem. Essa
reparação, moral e às vezes material, será avaliada na proporção do dano causado e obriga
em consciência.
IV. O RESPEITO À VERDADE
2488 O direito à comunicação da verdade não é incondicional. Cada um deve
conformar sua vida com o preceito evangélico do amor fraterno. Este requer, nas situações
concretas, que se avalie se é conveniente ou não revelar a verdade àquele que a pede.
2489 A caridade e o respeito à verdade devem ditar a resposta a todo pedido de
informação ou de comunicação. O bem e a segurança do outro, o respeito à vida privada, o
bem comum são razões suficientes para se calar aquilo que não deve ser conhecido ou para se
usar uma linguagem discreta. O dever de evitar o escândalo impõe muitas vezes uma estrita
discrição. Ninguém é obrigado a revelar a verdade a quem não tem o direito de conhecê-La .
2490 O sigilo do sacramento da Reconciliação é sagrado e não pode ser traído sob
nenhum pretexto. "O sigilo sacramental é inviolável; por isso, não é lícito ao confessor revelar o
penitente, com palavras, ou de qualquer outro modo, por nenhuma causa."
2491 Os segredos profissionais por exemplo, de políticos, militares, médicos, juristas ou as
confidências feitas sob sigilo devem ser guardados, salvo casos excepcionais em que a retenção
do segredo causasse àquele que os confia, àquele que os recebe ou a um terceiro prejuízos
muito graves e somente evitáveis pela divulgação da verdade. Ainda que não tenham sido
confiadas sob sigilo, as informações privadas prejudiciais a outros não podem ser divulgadas sem
uma razão grave e proporcionada.
2492 Cada um deve manter a justa reserva acerca da vida privada das pessoas. Os
responsáveis pela comunicação devem manter uma justa proporção entre as exigências do
bem comum e o respeito dos direitos particulares. A ingerência da informação na vida privada
de pessoas comprometidas numa atividade política ou pública é condenável na medida em
que ela viola sua intimidade e liberdade.
V. O USO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
2493 Na sociedade moderna, os meios de comunicação social exercem um papel
primordial na informação, na promoção cultural e na formação. O papel cresce em razão dos
avanços técnicos, com a amplitude e a diversidade das notícias transmitidas, com a influência
exercida sobre a opinião pública.
2494 A informação dos meios de comunicação social está a serviço do bem comum. A
sociedade tem direito a uma informação fundada sobre a verdade, a liberdade, a justiça e a
solidariedade:
O correto exercício desse direito exige que a comunicação seja, quanto ao objeto,
sempre verídica e completa, dentro do respeito às exigências da justiça e da caridade; que ela
seja, quanto ao modo, honesta e conveniente, quer dizer, que na aquisição e difusão das
notícias observe absolutamente as leis morais, os direitos e a dignidade do homem.
2495 "É indispensável que todos os membros da sociedade cumpram também neste
particular os deveres de justiça e verdade. Hão de empregar os meios de comunicação social a
fim de cooperar para a formação e a difusão da reta opinião pública." A solidariedade aparece
como conseqüência de uma comunicação verdadeira e justa e da livre circulação das idéias
que favoreçam o conhecimento e o respeito aos outros.
2496 Os meios de comunicação social (especialmente a mídia) podem gerar certa
passividade entre os usuários, tornando-os consumidores pouco criteriosos a respeito das
mensagens e dos espetáculos, Os usuários hão de se impor moderação e disciplina quanto à
mídia. Hão de formar em si uma consciência esclarecida e correta, para resistir mais facilmente
às influências menos honestas.
2497 Os responsáveis pela imprensa, exatamente por sua profissão têm o dever, na
difusão da informação, de servir à verdade e não ofender a caridade. Hão de se esforçar por
respeitar, com igual cuidado, a natureza dos fatos e os limites do juízo crítico a respeito dai
pessoas. Devem evitar ceder à difamação.
2498 "Cabem às autoridades civis deveres especiais em razão do bem comum. Os
poderes públicos devem defender e proteger a verdadeira e justa liberdade de informação."
Publicando leis e cuidando de sua aplicação, os poderes públicos cuidarão para que o mau uso
dos meios de comunicação não "cause graves prejuízos aos costumes públicos aos progressos da
sociedade". Estabelecerão sanções contra a violação dos direitos de cada pessoa à reputação
e ao segredo da vida privada. Darão no momento oportuno e honestamente as informações
que dizem respeito ao bem comum e respondem às inquietações fundadas da população.
Nada pode justificar o recurso a falsas informações para se manipular a opinião pública pelos
meios de comunicação. Essas intervenções não ferirão a liberdade dos indivíduos e dos grupos.
2499 A moral denuncia o flagelo dos estados totalitários que falsificam sistematicamente a
verdade, exercem mediante os meios de comunicação uma dominação política da opinião,
"manipulam" os acusados e as testemunhas de processos públicos e imaginam assegurar sua
tirania sufocando e reprimindo tudo o que consideram "delitos de opinião".
VI. VERDADE, BELEZA E ARTE SACRA
2500 A prática do bem é acompanhada de um prazer espiritual gratuito e da beleza
moral. Da mesma forma, a verdade implica a alegria e o esplendor da beleza espiritual. A
verdade é bela em si mesma. A verdade da palavra, expressão racional do conhecimento da
realidade criada e incriada, é necessária ao homem dotado de inteligência, mas a verdade
também pode encontrar outras formas de expressão humana, complementares, sobretudo
quando se trata de evocar o que ela contém de indizível, as profundezas do coração humano,
as elevações da alma, o mistério de Deus. Antes de se revelar ao homem em palavras de
verdade, Deus se lhe revela pela linguagem universal da criação, obra de sua Palavra, de sua
Sabedoria: a ordem e a harmonia do cosmo que tanto a criança como o cientista descobrem ,
"a grandeza e a beleza das criaturas levam, por analogia, à contemplação de seu Autor" (Sb
13,5), "pois foi a própria fonte da beleza que as criou" (Sb 13,3).
A Sabedoria é um eflúvio do poder de Deus, emanação puríssima da glória do Todo-
Poderoso; por isso nada de impuro pode nela insinuar-se. É reflexo da luz eterna, espelho nítido
da atividade de Deus e imagem de sua bondade (Sb 7,25-26). A sabedoria é mais bela que o sol,
supera todas as constelações. Comparada à luz do dia, sai ganhando, pois a luz cede lugar à
noite, ao passo que, sobre a Sabedoria o mal não prevalece (Sb 7,29-30). Enamorei-me de sua
formosura (Sb 8,2).
2501 "Criado à imagem de Deus", o homem exprime também a verdade de sua relação
com o Deus Criador pela beleza de suas obras artísticas. A arte de fato é uma forma de
expressão própria mente humana; acima da procura das necessidades vitais, com a todas as
criaturas vivas, ela é uma superabundância gratuita da riqueza interior do ser humano. Nascendo
de um talento dado pelo Criador e do esforço do próprio homem, a arte é um forma de
sabedoria prática, que une conhecimento e perícia para dar forma à verdade de uma
realidade na linguagem acessível à vista e ao ouvido. A arte inclui certa semelhança cor a
atividade de Deus na criação, na medida em que se inspira na verdade e no amor das criaturas.
Como qualquer outra até atividade humana, a arte não tem um fim absoluto em si mesma mas
é ordenada e enobrecida pelo fim último do homem.
2502 A arte sacra é verdadeira e bela quando corresponde, por sua forma, à sua
vocação própria: evocar e glorificar, na fé e na adoração, o Mistério transcendente de Deus,
beleza excelsa invisível de verdade e amor, revelada em Cristo, "resplendor de sua glória,
expressão de seu Ser" (Hb 1,3), em quem "habita corporalmente toda a plenitude da divindade"
(Cl 2,9), beleza espiritual refletida na Santíssima Virgem Maria, Mãe de Deus, nos anjos santos. A
arte sacra verdadeira leva o homem à adoração, à oração e ao amor de Deus Criador e
Salvador, Santo e Santificador.
2503 Por isso devem os bispos, por si ou por delegação, cuidar de promover a arte
sacra, antiga e nova, sob todas as formas, e afastar, com o me mo zelo religioso, da liturgia e dos
edifícios do culto, tudo o que não harmoniza com a verdade da fé e a autêntica beleza da arte
sacra.
RESUMINDO
2504 "Não levantarás falso testemunho contra teu próximo" (Ex 20,16 Os discípulos de Cristo
"revestiram-se do homem novo, criado segundo Deus na justiça e santidade da verdade" (Ef
4,24).
2505 A verdade ou veracidade é a virtude que consiste em mostrar-se verdadeiro no
agir e no falar, fugindo da duplicidade, dê simulação e da hipocrisia.
2506 O cristão não deve "se envergonhar de dar testemunho de Nosso Senhor" (2Tm 1,8)
em atos e palavras. O martírio é o supremo testemunho prestado à verdade da fé.
2507 O respeito à reputação e à honra das pessoas proíbe toda atitude ou palavra de
maledicência ou calúnia.
2508 A mentira consiste em dizer o que é falso com a intenção de enganar o próximo.
2509 Toda falta cometida contra a verdade exige reparação.
2510 A regra de ouro ajuda a discernir, nas situações concretas, se convém ou não
revelar a verdade àquele que a pede.
2511 "O sigilo sacramental é inviolável. " Os segredos profissionais devem ser guardados. As
confidências prejudiciais a outros não devem ser divulgadas.
2512 A sociedade tem direito a uma informação fundada na verdade, na liberdade e
na justiça. É conveniente que se imponham moderação e disciplina no uso dos meios de
comunicação social.
2513 As artes, mas sobretudo a arte sacra, têm em vista, "por natureza, exprimir de
alguma forma nas obras humanas a beleza infinita de Deus e procuram aumentar seu louvor e
sua glória na medida em que não tiverem outro propósito senão o de contribuir poderosamente
para encaminhar os corações humanos a Deus."
ARTIGO 9
O NONO MANDAMENTO
Não cobiçarás a casa de teu próximo, não desejarás sua mulher, nem seu servo, nem sua
serva, nem seu boi, nem seu jumento, nem coisa alguma que pertença a teu próximo (Ex 20,17).
Todo aquele que olha para uma mulher com desejo libidinoso já cometeu adultério com ela em
seu coração (Mt 5,28).
2514 São João distingue três espécies de cobiça ou concupiscência: a concupiscência
da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida. Conforme a tradição catequética
católica, o nono mandamento proíbe a concupiscência carnal; o décimo proíbe a
concupiscência dos bens alheios.
2515 No sentido etimológico, a "concupiscência" pode designar qualquer forma
veemente de desejo humano. A teologia cristã lhe deu o sentido particular de moção do apetite
sensível que se opõe aos ditames da razão humana. O Apóstolo Paulo a identifica com a revolta
que a carne provoca contra o “espírito”. Provém da desobediência do primeiro pecado.
Transtorna as faculdades morais do homem e, sem se pecado em si mesma, inclina-o a cometêlo.
2516 Já no homem, tratando-se de um ser composto, espírito corpo, existe certa tensão,
desenrola-se certa luta de tendência entre o "espírito" e a carne . Mas essa luta, de fato,
pertence à herança do pecado, é uma conseqüência dele e, ao mesmo tempo, uma
confirmação, e faz parte da experiência do combate espiritual: Para o Apóstolo, não se trata de
discriminar e condenar o corpo que, juntamente com a alma espiritual, constitui a natureza c
homem e sua subjetividade pessoal. Ele quis tratar sobretudo das obras, ou melhor, das
disposições estáveis virtudes vícios moralmente boas ou más, que são fruto da submissão (no
primeiro caso) ou, pelo contrário, de resistência (no segui do caso) à ação salvífica do Espírito
Santo. Por isso o Apóstolo escreve: "Se, portanto, vivemos pelo espírito, caminhemos também
segundo o espírito" (Gl 5,25).
I. A PURIFICAÇÃO DO CORAÇÃO
2517 O coração é a sede da personalidade moral: "É do coração que procedem más
intenções, assassínios, adultérios, prostituições, roubos, falsos testemunhos e difamações" (Mt
15,19). A luta contra a concupiscência da carne passa pela purificação do coração e a prática
da temperança:
Conserva-te na simplicidade, na inocência, e serás como a criancinhas, que ignoram o
mal destruidor da vida dos homens.
2518 A sexta bem-aventurança proclama: "Bem-aventurados os puros de coração,
porque verão a Deus" (Mt 5,8). A expressão "puros de coração" designa aqueles que entregaram
o coração e a inteligência às exigências da santidade de Deus, principalmente em três campos:
a caridade, a castidade ou a retidão sexual, o amor à verdade e à ortodoxia da fé. Existe um
laço de união entre a pureza do coração, do corpo e da fé:
Os fiéis devem crer nos artigos do símbolo, "para que, crendo, obedeçam a Deus;
obedecendo, vivam corretamente; vivendo corretamente, purifiquem seu coração; e,
purificando o coração, compreendam o que crêem".
2519 Aos "puros de coração esta prometido ver a Deus face a face e ser semelhantes a
Ele. A pureza de coração é a condição prévia da visão. Desde já nos concede ver segundo
Deus, receber o outro como um "próximo"; permite-nos perceber o corpo humano, o nosso e o
do próximo, como um templo do Espírito Santo, uma manifestação da beleza divina.
II. A LUTA PELA PUREZA
2520 O Batismo confere àquele que o recebe a graça da purificação de todos os
pecados. Mas o batizado deve continuar a lutar contra a concupiscência da carne e as cobiças
desordenadas. Com a graça de Deus, alcançará a pureza de coração:
ü pela virtude e pelo dom da castidade, pois a castidade permite amar com um
coração reto e indiviso;
ü pela pureza de intenção, que consiste em ter em vista o fim verdadeiro do homem;
com uma atitude simples, o batizado procura encontrar e realizar a vontade de Deus em todas
as coisas;
ü pela pureza do olhar, exterior e interior; pela disciplina dos sentimentos e da
imaginação; pela recusa de toda complacência nos pensamentos impuros que tendem a
desviar do caminho dos mandamentos divinos: "A desperta a paixão dos insensatos" (Sb 15,5);
ü pela oração:
Eu julgava que a continência dependia de minhas próprias forças... forças que eu não
conhecia em mim. E eu era tão insensato que não sabia que ninguém pode ser continente, se
vos lho concedeis. E sem dúvida mo teríeis concedido, se com gemidos interiores vos ferisse os
ouvidos e, com firme fé, pusesse em vós minha preocupação.
2521 A pureza exige o pudor. Este é uma parte integrante da esperança. O pudor
preserva a intimidade da pessoa. Consiste na recusa de mostrar aquilo que deve ficar
escondido. Está ordenado castidade, exprimindo sua delicadeza. Orienta os olhares e os gestos
em conformidade com a dignidade das pessoas e de sua união.
2522 O pudor protege o mistério das pessoas e de seu amor. Convida à paciência e à
moderação na relação amorosa; pede que sejam cumpridas as condições da doação e do
compromisso definitivo do homem e da mulher entre si. O pudor é modéstia. Inspira o modo de
vestir. Mantém o silêncio ou certa reserva quando se entrevê o risco de uma curiosidade malsã.
Torna-se discrição.
2523 Existe um pudor dos sentimentos, como existe o do corpo. O pudor, por exemplo,
protesta contra a exploração do corpo humano em função de uma curiosidade doentia (como
em certo tipo de publicidade), ou contra a solicitação de certos meios de comunicação ir longe
demais na revelação de confidências íntimas. O pudor inspira um modo de viver que permite
resistir às solicitações da moda e à pressão das ideologias dominantes.
2524 As formas revestidas pelo pudor variam de uma cultura a outra. Em toda parte,
porém, ele permanece como o pressentimento de uma dignidade espiritual própria do homem.
O pudor nasce pelo despertar da consciência do sujeito. Ensinar o pudor a crianças e
adolescentes é despertá-los para o respeito à pessoa humana.
2525 A pureza cristã requer uma purificação do clima social. Exige dos meios de
comunicação social uma informação que não ofenda o respeito e a modéstia. A pureza do
coração liberta a pessoa do erotismo tão difuso e afasta-a dos espetáculos que favorecem o
“voyeurismo” e a ilusão.
2526 O que se costuma chamar permissividade dos costumes se apóia numa concepção
errônea da liberdade humana; para se edificar, esta última tem necessidade de se deixar
educar previamente pela lei moral. Convém exigir dos responsáveis pela educação que dêem à
juventude um ensino respeitoso da verdade, das qualidades do coração e da dignidade moral e
espiritual do homem.
2527 "A Boa Nova de Cristo restaura constantemente a vida e a cultura do homem
decaído, combate e remove os erros e os males decorrentes da sempre ameaçadora sedução
do pecado. Purifica e eleva incessantemente os costumes dos povos. Com as riquezas do alto
ela fecunda, como que por dentro, as qualidades do espírito e os dotes de cada povo e de
cada idade; fortifica-os, aperfeiçoa-os e restaura-os em Cristo."
RESUMINDO
2528 "Todo aquele que olha para uma mulher com desejo libidinoso já cometeu
adultério com ela em seu coração" (Mt 5,28).
2529 O nono mandamento adverte contra a cobiça ou concupiscência carnal.
2530 A luta contra a cobiça carnal passa pela purificação do coração e pela prática
da temperança.
2531 A pureza do coração nos permitirá ver a Deus e nos permite desde já ver todas as
coisas segundo Deus.
2532 A purificação do coração exige a oração, a prática da castidade, a pureza da
intenção e do olhar.
2533 A pureza do coração exige o pudor, que é paciência, modéstia e discrição. O
pudor preserva a intimidade da pessoa.
ARTIGO 10
O DÉCIMO MANDAMENTO
NÃO COBIÇARÁS... COISA ALGUMA QUE PERTENÇA A TEU PRÓXIMO (EX 20,17).
Tu não desejarás para ti a casa de teu próximo, nem seu campo, nem seu escravo, nem
sua escrava, nem seu boi, nem seu jumento, qualquer coisa que pertença a teu próximo (Dt
5,21).
Onde está o teu tesouro, aí estará também teu coração (Mt 6,21).
2534 O décimo mandamento desdobra e completa o nono, que se refere à
concupiscência da carne. Proíbe a cobiça dos bens dos outros, raiz do roubo, da rapina e da
fraude, que o sétimo mandamento proíbe. A "concupiscência dos olhos" (1 Jo 2,16) leva à
violência e à injustiça, proibidas pelo quinto preceito. A cupidez tem sua origem, como a
fornicação, na idolatria proibida nas três primeiras prescrições da 1ei. O décimo mandamento se
refere à intenção do intenção do coração e resume, junto com o nono, todos os preceitos da
Lei.
I. A DESORDEM DAS CONCUPISCÊNCIAS
2535 O apetite sensível nos faz desejar as coisas agradáveis que não temos. Por exemplo,
desejar comer quando temos fome, ou aquecer-nos quando estamos com frio. Esses desejos são
bons em si mesmos, mas muitas vezes não respeitam a medida da razão e nos levam a cobiçar
injustamente o que não nos cabe e pertence, ou é devido a outra pessoa.
2536 O décimo mandamento proíbe a avidez e o desejo de uma apropriação
desmedida dos bens terrenos; proíbe a cupidez desmedida nascida da paixão imoderada das
riquezas e de seu poder. Proíbe ainda o desejo de cometer uma injustiça pela qual se
prejudicaria o próximo em seus bens temporais:
Quando a Lei nos diz: "Não cobiçarás", ordena-nos, em outros termos, que afastemos
nossos desejos de tudo aquilo que não nos pertence. Pois a sede dos bens do próximo é imensa,
infinita e nunca saciada, como está escrito: "Quem ama o dinheiro nunca se de dinheiro" (Ecl
5,9).
2537 Não é violar este mandamento desejar obter coisas que pertencem ao próximo,
contanto que seja por meios justos. A catequese tradicional indica com realismo "aqueles que
mais devem lutar contra suas concupiscências criminosas e, portanto, que e preciso "exortar o
mais possível à observância deste preceito": São os .. comerciantes que desejam a carestia ou os
preços excessivos das mercadorias, que vêem com pesar que não são os únicos a comprar e a
vender, o que lhes permitiria vender mais caro e comprar ao preço mínimo; os que desejam que
seus semelhantes fiquem na miséria, para tirarem lucro, quer vendendo para eles, quer
comprando deles... Os médicos que desejam que haja doentes, os legistas que desejam causas
e processos importantes e numerosos....
2538 O décimo mandamento exige banir a inveja do coração humano. Quando o profeta
Natã quis estimular o arrependimento do rei Davi, contou-lhe a história do pobre que possuía
uma única ovelha, tratada como sua própria filha, e do rico que, apesar da multidão de seus
rebanhos, invejava o primeiro e acabou roubando-lhe a ovelha. A inveja pode levar às piores
ações. E pela inveja do demônio que a morte entrou no mundo: Nós nos combatemos
mutuamente, e é a inveja que nos arma uns contra os outros... Se todos procuram por todos os
meios abalar o Corpo onde acabaremos? Nós estamos enfraquecendo o Corpo de Cristo...
Declaramo-nos membros de um mesmo organismo e nos devoramos como feras.
2539 A inveja é um vício capital. Designa a tristeza sentida diante do bem do outro e do
desejo imoderado de sua apropriação, mesmo indevida. Quando deseja um grave mal ao
próximo, é um pecado mortal: Sto. Agostinho via na inveja "o pecado diabólico por excelência”.
"Da inveja nascem o ódio, a maledicência, a calúnia, a alegria causada pela desgraça do
próximo e o desprazer causado por sua prosperidade."
2540 A inveja representa uma das formas de tristeza e, portanto, uma recusa da
caridade; o batizado lutará contra ela mediante a benevolência. A inveja provém muitas vezes
do orgulho o batizado se exercitará no caminho da humildade: Quereríeis ver Deus glorificado
por vós? Pois bem, alegrai-vos com os progressos de vosso irmão e imediatamente Deus será
glorificado por vós. Deus será louvado dirão, porque seu servo soube vencer a inveja, colocando
alegria nos méritos dos outros.
II. OS DESEJOS DO ESPÍRITO
2541 A economia da lei e da graça desvia o coração dos homens ambição e da inveja e
o inicia no desejo do Sumo Bem; instrui-o nos desejos do Espírito Santo, que sacia o coração do
homem. O Deus das promessas desde sempre advertiu o homem contra a sedução daquilo que,
desde as origens, aparece como "bom ao apetite, agradável aos olhos, desejável para adquirir
ciência" (cf. Gn 3,6).
2542 A Lei confiada a Israel jamais bastou para justificar aqueles que lhe eram sujeitos;
antes, tomou-se mesmo o instrumento da “cobiça”. A inadequação entre o querer e o fazer
[a46] indica o conflito entre a lei de Deus, que é a "lei da razão", e outra lei, "que me acorrenta à
lei do pecado que existe em meus membros" (Rm 7,23).
2543 "Agora, porém, independentemente da Lei, se manifestou a justiça de Deus,
testemunhada pela lei e pelos profetas, justiça de Deus que opera pela fé em Jesus Cristo em
favor de todos os crêem" (Rm 3,21-22). Por isso os fiéis de Cristo "crucificaram a carne com suas
paixões e concupiscências" (Gl 5,24); eles conduzidos pelo Espírito e seguem os desejos do
Espírito.
III . A POBREZA DE ORAÇÃO
2544 Jesus ordena a seus discípulos que O prefiram a tudo e dos e lhes propõe que
"renunciem a todos os bens" por causa dele e do Evangelho. Pouco antes de sua paixão, deulhes
como exemplo a pobre viúva de Jerusalém que, de sua indigência, deu tudo o que possuía
para viver. O preceito do desprendimento das riquezas é obrigatório para se entrar no Reino dos
céus.
2545 Todos os fiéis de Cristo "devem dirigir retamente seus afetos para que, por causa do
uso das coisas mundanas, por causa do apego às riquezas contra o espírito da pobreza
evangélica, não sejam impedidos de tender à perfeição da caridade".
2546 Bem-aventurados os pobres em espírito" (Mt 5,3). As bem-aventuranças revelam uma
ordem de felicidade e de graça, de beleza e de paz. Jesus celebra a alegria dos pobres, a
quem já pertence o Reino: O Verbo chama "pobreza em espírito" â humildade voluntária de um
espírito humano e sua renúncia; o Apóstolo nos dá como exemplo a pobreza de Deus quando
diz: "Ele se fez pobre por nós" (2 Cor 8,9).
2547 O Senhor se queixa dos ricos porque encontram na profusão dos bens o seu consolo
(Lc 6,24). "O orgulhoso procura o poder terreno, ao passo que o pobre em espírito busca o Reino
dos Céus." O abandono nas mãos da Providência do Pai do Céu liberta da preocupação do
amanhã. A confiança em Deus predispõe para a bem-aventurança dos pobres. Eles verão a
Deus.
IV. "QUERO VER A DEUS"
2548 O desejo da felicidade verdadeira liberta o homem do apego imoderado aos bens
deste mundo, (felicidade) que se realizará na visão e na bem-aventurança de Deus. "A promessa
de ver a Deus ultrapassa todas as bem-aventuranças. Na Escritura, ver é possuir. Aquele que Vê a
Deus obteve todos os bens que podemos imaginar.
2549 Ao povo santo de Deus resta lutar, com a graça do Alto, para alcançar os bens que
Deus promete. Para possuir e contemplar a Deus, os fiéis de Cristo mortificam sua concupiscência
e superam, com a graça de Deus, as seduções do gozo e do poder.
2550 Por esse caminho da perfeição, o Espírito e a Esposa chamam aquele que os ouve à
comunhão perfeita com Deus. Aí haverá a verdadeira glória; ninguém será louvado então por
engano ou bajulação; as verdadeiras honras não serão recusadas àqueles que as merecem,
nem concedidas aos indignos; aliás, nenhum indigno terá tal pretensão, pois só quem é digno
será admitido. Aí reinará a verdadeira paz, onde ninguém será sujeito à oposição nem de si
mesmo nem dos outros. Da virtude, o próprio Deus será a recompensa, Ele que deu a virtude e se
prometeu a si mesmo como a recompensa (para ela) melhor e maior que possa existir: "Eu serei o
seu Deus e eles serão o meu povo" (Lv 26,12)... É também o sentido das palavras do Apóstolo:
"Para que Deus seja tudo em todos" (1 Cor 15,12). Ele mesmo será o fim de nossos desejos, aquele
que contemplaremos sem fim, amaremos sem sociedade, louvaremos sem cansaço. E esse dom,
essa afeição, essa ocupação serão certamente como a vida eterna, comuns a todos.
RESUMINDO
2551 "Onde está teu tesouro, aí estará teu coração" (Mt 6,21).
2552 O décimo mandamento proíbe a ambição desregrada, nascida paixão imoderada
das riquezas e de seu poder.
2553 A inveja é a tristeza sentida diante do bem de outrem e o desejo imoderado de dele
se apropriar. E um vício capital.
2554 O batizado combate a inveja pela benevolência, pela humildade e pelo abandono
nas mãos da Providência divina.
2555 Os fiéis de Cristo "crucificaram a carne com suas paixões concupiscências" (Gl 5,24);
são conduzidos pelo Espírito e seguem os desejos dele.
2556 O desapego das riquezas é necessário para entrar no Reino dos Céus. "Bemaventurados
os pobres de coração."
2557 Eis o verdadeiro desejo do homem: "Quero ver a Deus A sede de Deus é saciada
pela água da Vida Eterna.
QUARTA PARTE - A ORAÇÃO CRISTÃ
PRIMEIRA SEÇÃO
A ORAÇÃO NA VIDA CRISTÃ
2558 "Grande é o Mistério da fé." A Igreja o professa no Símbolo dos Apóstolos (Primeira
parte) e o celebra na Liturgia sacramental (Segunda parte), para que a vida dos fiéis seja
conforme a Cristo no Espírito Santo para a glória de Deus Pai (Terceira parte). Esse Mistério exige,
pois, que os fiéis nele creiam, celebrem-no e dele vivam numa relação viva e pessoal com o
Deus vivo e verdadeiro. Essa relação é a oração.
O QUE É A ORAÇÃO?
Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado ao céu, um
grito de reconhecimento e amor no meio da provação ou no meio da alegria.
A oração como dom de Deus
2559 "A oração é a elevação da alma a Deus ou o pedido a Deus dos bens
convenientes. De onde falamos nós, ao rezar? Das alturas de nosso orgulho e vontade própria,
ou das "profundezas" (Sl 130,1) de um coração humilde e contrito? Quem se humilha será
exaltado. A humildade é o fundamento da oração. "Nem sabemos o que seja conveniente
pedir" (Rm 8,26). A humildade é a disposição para receber gratuitamente o dom da oração; o
homem é um mendigo de Deus.
2560 "Se conhecesses o dom de Deus!" (Jo 4,10). A maravilha da oração se revela
justamente aí, à beira dos poços aonde vamos procurar nossa água; é aí que Cristo vem ao
encontro de todo ser humano, é o primeiro a nos procurar, e é Ele que pede de beber. Jesus tem
sede, seu pedido vem das profundezas do Deus que nos deseja. A oração, quer saibamos ou
não, é o encontro entre a sede de Deus e a nossa. Deus tem sede de que nós tenhamos sede
dele.
2561 "És tu que lhe pedirias e Ele te daria água viva" (Jo 4,10). Nossa oração de pedido é,
paradoxalmente, uma resposta. Resposta à queixa do Deus vivo: "Eles me abandonaram a mim a
fonte de água viva, para cavar para si cisternas furadas!" ( 2,13), resposta de fé à promessa
gratuita da salvação, resposta de amor à sede do Filho único.
A ORAÇÃO COMO ALIANÇA
2562 De onde vem a oração humana? Qualquer que seja a linguagem da oração
(gestos e palavras), é o homem todo quem reza. Mas, para designar o lugar de onde brota a
oração, as Escrituras falam às vezes da alma ou do espírito, geralmente do coração (mais de mil
vezes). E o coração que reza. Se ele está longe de Deus, a expressão da oração é vá.
2563 O coração é a casa em que estou, onde moro (segundo expressão semítica ou
bíblica: aonde eu "desço"). Ele é nosso centro escondido, inatingível pela razão e por outra
pessoa; só o Espírito de Deus pode sondá-lo e conhecê-lo. Ele é o lugar da decisão, no mais
profundo de nossas tendências psíquicas. E o lugar da verdade, onde escolhemos a vida ou a
morte. E o lugar do encontro, pois, à imagem de Deus, vivemos em relação; é o lugar da Aliança.
2564 A oração cristã é uma relação de Aliança entre Deus e o homem em Cristo. É
ação de Deus e do homem; brota do Espírito Santo e de nós, totalmente dirigida para o Pai, em
união com a vontade humana do Filho de Deus feito homem.
A ORAÇÃO COMO COMUNHÃO
2565 Na Nova Aliança, a oração é a relação viva dos filhos de Deus com seu Pai
infinitamente bom, com seu Filho, Jesus Cristo, e com o Espírito Santo. A graça do Reino é a
"união de toda a Santíssima Trindade com o espírito pleno”. A vida de oração desta forma
consiste em estar habitualmente na presença do Deus três vezes Santo e em comunhão com Ele.
Esta comunhão de vida é sempre possível, porque, pelo Batismo, nos tomamos um mesmo ser
com Cristo. A oração é cristã enquanto comunhão com Cristo e cresce na Igreja que é seu
Corpo. Suas dimensões são as do Amor de Cristo.
CAPÍTULO I
A REVELAÇÃO DA ORAÇÃO.
VOCAÇÃO UNIVERSAL Ã ORAÇÃO
2566 O homem está à procura de Deus. Pela criação, Deus chama todo ser do nada à
existência. "Coroado de glória e esplendor”, o homem é, depois dos anjos, capaz de reconhecer
que "é poderoso o Nome do Senhor em toda a terra”. Mesmo depois de ter perdido a
semelhança com Deus por seu pecado, o homem continua sendo um ser feito à imagem de seu
Criador. Conserva o desejo daquele que o chama à existência. Todas as religiões testemunham
essa procura essencial dos homens.
2567 Deus é o primeiro a chamar o homem. Ainda que o homem esqueça seu Criador
ou se esconda longe de sua Face, ainda que corra atrás de seus ídolos ou acuse a divindade de
tê-lo abandonado, o Deus vivo e verdadeiro chama incessantemente cada pessoa ao encontro
misterioso da oração. Essa atitude de amor fiel vem sempre em primeiro lugar na oração; a
atitude do homem é sempre resposta a esse amor fiel. A medida que Deus se revela e revela o
homem a si mesmo, a oração aparece como um recíproco apelo, um drama de Aliança. Por
meio das palavras e dos atos, esse drama envolve o coração e se revela através de toda a
história da salvação.
ARTIGO I
NO ANTIGO TESTAMENTO
2568 A revelação da oração no Antigo Testamento se insere entre a queda e a elevação
do homem, entre o chamado doloroso de Deus a seus primeiros filhos: "Onde estás?... Que
fizeste?" (Gn 3,9.13), e a resposta do Filho único ao entrar no mundo: "Eis-me aqui, eu vim, ó Deus,
para fazer a tua vontade”. A oração, dessa forma, está ligada à história dos homens, é a relação
com Deus nos acontecimentos da história.
A CRIAÇÃO - FONTE DA ORAÇÃO
2569 É sobretudo a partir das realidades da criação que se vive a oração. Os nove
primeiros capítulos do Gênesis descrevem essa relação com Deus como oferenda dos
primogênitos rebanho de Abel, como invocação do nome divino por Enós, como "caminhada
com Deus". A oferenda de Noé é "agradável" a Deus, que o abençoa e, por meio dele, abençoa
toda a criação, porque seu coração é justo e íntegro; também ele caminha com Deus" (Gn 6,9).
Essa qualidade da oração é vivida por uma multidão de justos em todas as religiões. Em sua
Aliança indefectível com os seres vivos, Deus sempre convida os homens a orar. Mas é sobretudo
a partir nosso pai Abraão que a oração é revelada no Antigo Testamento.
A PROMESSA E A ORAÇÃO DA FÉ
2570 Assim que Deus o chama, Abraão parte, "como lhe disse o Senhor" (Gn 12,4); seu
coração se mostra "submisso à Palavra” ele obedece. A escuta do coração que se decide
segundo Deus é essencial à oração; as palavras lhe são relativas. Mas a oração de Abraão se
exprime primeiro por atos: como homem de silêncio, ele constrói, a cada etapa, um altar ao
Senhor. Somente mais tarde aparece sua primeira oração com palavras: uma queixa velada que
lembra a Deus suas promessas que parecem não se realizar. Desde o começo aparece assim um
dos aspectos do drama da oração: a provação da fé na fidelidade de Deus.
2571 Tendo acreditado em Deus, caminhando em sua presença e em aliança com ele, o
patriarca está disposto a acolher em sua tenda o hóspede misterioso: é a admirável
hospitalidade de Mambré, prelúdio da anunciação do verdadeiro Filho da Promessa. Por isso,
tendo-lhe Deus confiado seu plano, o coração de Abraão está sintonizado com a compaixão de
seu Senhor pelos homens, e ele ousa interceder por eles com audaciosa confiança.
2572 Como última purificação de sua fé, requer-se do "depositário das promessas" (Hb
11,17) que sacrifique o filho que Deus lhe dera. Sua fé não esmorece: "E Deus que proverá o
cordeiro para o holocausto" (Gn 22,8), "pois Deus, pensava ele, é capaz também de ressuscitar os
mortos" (Hb 11,19). Dessa forma, o pai dos que crêem se configurou ao Pai que não há de
poupar seu próprio Filho, mas o entregará por todos nós. A oração restaura o homem à
semelhança de Deus e o faz participar do poder do amor de Deus que salva a multidão.
2573 Deus renova sua promessa a Jacó, pai das doze tribos de Israel. Antes de enfrentar
seu irmão Esaú, ele luta uma noite inteira com "alguém" misterioso que se recusa a revelar-lhe o
nome, mas o abençoa antes de o deixar ao despontar da aurora. A tradição espiritual da Igreja
reteve dessa história o símbolo da oração como combate da fé e vitória da perseverança.
MOISÉS E A ORAÇÃO DO MEDIADOR
2574 Logo que começa a se realizar a Promessa (a Páscoa, o Êxodo, a entrega da Lei e a
conclusão da Aliança), a oração de Moisés é a figura surpreendente da oração de intercessão
que se realizará no “único Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus" (1 Tm 2,5).
2575 Também aqui Deus vem primeiro. É Ele quem chama Moisés do meio da sarça
ardente. Esse acontecimento será sempre uma das figuras primordiais da oração na tradição
espiritual judaica e cristã. De fato, se "o Deus de Abraão, Isaac e Jacó" chama seu servo Moisés,
é porque Ele é o Deus Vivo que quer a vida dos homens. Ele se revela para salvá-los, mas não
sozinho, nem apesar deles; chama Moisés para enviá-lo, para associá-lo sua compaixão, à sua
obra de salvação. Há, por assim dizer, uma imploração divina nesta missão, e Moisés, depois de
longo debate, conformará sua vontade com a de Deus salvador. Mas, nesse diálogo em que
Deus se confia, Moisés também aprende a orar esquiva-se, objeta e principalmente pede. E é em
resposta a sei pedido que o Senhor lhe confia seu Nome inefável, que se revelará em seus
grandes feitos.
2576 "Deus falava com Moisés face a face, como um homem fala com outro" (Ex 33,11).
A oração de Moisés é típica da oração contemplativa graças à qual o servo de Deus é fiel à sua
missão. Moisés "conversa" muitas vezes e longamente com o Senhor, subindo à montanha para
ouvi-lo e implorá-lo, e descendo ao povo para lhe repetir as palavras de seu Deus e guiá-lo.
"Toda minha casa lhe está confiada. Falo-lhe face a face, claramente e não em enigmas" (Nm
12,7-8), pois "Moisés era um homem muito humilde, o mais humilde dos homens que havia na
terra" (Nm 12,3).
2577 Dessa intimidade com o Deus fiel, lento para a cólera e cheio de amor[a45] ,
Moisés tirou a força e a tenacidade de sua intercessão. Não ora por si, mas pelo povo que Deus
adquiriu. Já durante o combate com os amalecitas, ou para obter a cura de Míriam, Moisés
intercede. Mas é sobretudo depois da apostasia do povo que "ele se posta na brecha", diante
de Deus (Sl 106,23), para salvar o povo. Os argumentos de si oração (a intercessão também é um
combate misterioso) inspirarão a audácia dos grandes orantes do povo judeu e da Igreja: Deus é
amor, por isso é justo e fiel; não se pode contradizer, deve lembrar-se de suas ações
maravilhosas, sua Glória está em jogo, não pode abandonar o povo que traz seu nome.
DAVI E A ORAÇÃO DO REI
2578 A oração do povo de Deus florescerá à sombra da Casa de Deus, da Arca da
Aliança e, mais tarde, do Templo. São principalmente os guias do povo os pastores e os profetas -
que o ensinarão a orar. Samuel, menino, teve de aprender de sua mãe Ana como "se portar
diante do Senhor”, e do sacerdote Eli, como ouvir Sua Palavra: "Fala, Senhor, que teu servo ouve"
(1Sm 3,9-10). Mais tarde, também ele conhecerá o preço e o peso da intercessão: "Quanto a
mim, longe de mim esteja que eu venha a pecar contra o Senhor, deixando de orar por vós e de
vos mostrar o bem e o reto caminho" (1Sm 12,23).
2579 Davi é por excelência o rei "segundo o coração de Deus", o pastor que ora por seu
povo e em seu nome, aquele cuja submissão à vontade de Deus, cujo louvor e arrependimento
serão o modelo da oração do povo. Como ungido de Deus, sua oração é adesão fiel à
promessa divina, confiança cheia de amor e alegria naquele que é o único Rei e Senhor. Nos
Salmos, Davi, inspirado pelo Espírito Santo, é o primeiro profeta da oração judaica e cristã. A
oração de Cristo, verdadeiro Messias e filho de Davi, revelará e realizará o sentido dessa oração.
2580 O Templo de Jerusalém, a casa de oração que Davi queria construir, será a obra
de seu filho Salomão. A oração da Dedicação do Templo se apóia na Promessa de Deus e em
sua Aliança, na presença ativa de seu nome entre o povo e a lembrança dos grandes feitos do
Êxodo. O rei levanta então as mãos ao céu e suplica ao Senhor por si, por todo o povo, pelas
gerações futuras, pelo perdão dos pecados, pelas necessidades de cada dia, para que todas as
nações saibam que Ele é o único Deus e para que o coração de seu povo seja inteiramente
dele.
ELIAS, OS PROFETAS E A CONVERSÃO DO CORAÇÃO
2581 O Templo devia ser para o povo de Deus o lugar de sua educação à oração: as
peregrinações, as festas, os sacrifícios, a oferenda da tarde, o incenso, os pães da "proposição",
todos esses sinais da Santidade e da Glória de Deus, Altíssimo e tão próximo, eram apelos e
caminhos da oração. Mas o ritualismo. arrastava muitas vezes o povo para um culto por demais
exterior. Faltava a educação da fé, a conversão do coração. Foi a missão dos profetas, antes e
depois do Exílio.
2582 Elias é o pai dos profetas, "da geração dos que procuram Deus, dos que buscam sua
face[a55] ”. Seu nome, "O Senhor é me Deus", anuncia o clamor do povo em resposta à sua
oração no monte Carmelo. S. Tiago nos remete a Elias para nos incitar à oração: "A oração
fervorosa do justo tem grande poder".
2583 Depois de ter aprendido a misericórdia em seu retiro á margem da torrente do Carit,
ensina à viúva de Sarepta a fé na palavra de Deus, fé que ele confirma por sua oração insistente:
Deus devolve à vida o filho da viúva. Por ocasião do sacrifício no monte Carmelo, prova decisiva
para a fé do povo de Deus, foi por sua súplica que o fogo do Senhor consumiu o holocausto, "na
hora em que se apresenta a oferenda da tarde": "Responde-me, Senhor, responde-me!", são as
mesmas palavras de Elias que as Liturgias orientais repetem na Epiclese eucarística. Por fim,
retomando o caminho do deserto para o lugar em que o Deus vivo e verdadeiro se revelou a seu
povo, Elias se escondeu, como Moisés, "na fenda do rochedo", até que "passasse" a Presença
misteriosa de Deus. Mas somente na montanha da Transfiguração se revelará Aquele cuja Face
buscam; o conhecimento da Glória de Deus está na face Cristo crucificado e ressuscitado.
2584 No "face a face" com Deus, os profetas haurem luz e força para sua missão. Sua
oração não é uma fuga do mundo infiel, mas uma escuta da Palavra de Deus, às vezes um
debate ou uma queixa, sempre uma intercessão que aguarda e prepara a intervenção do Deus
salvador, Senhor da história.
OS SALMOS, ORAÇÃO DA ASSEMBLÉIA
2585 Desde Davi até a vinda do Messias, os Livros Sagrados contêm textos de oração que
atestam o aprofundamento cada vez maior da oração por si mesmo e pelos outros. Os salmos
foram pouco a pouco reunidos numa coletânea de cinco livros: os Salmos (ou "Louvores"), obraprima
da oração no Antigo Testamento.
2586 Os Salmos alimentam e exprimem a oração do povo de Deus como assembléia, por
ocasião das grandes festas em Jerusalém e cada sábado nas sinagogas. Esta oração é
inseparavelmente pessoal e comunitária; refere-se aos que oram e a todos os homens; sobe da
Terra Santa e das comunidades da Diáspora, mas abrange toda a criação; lembra os
acontecimentos salvíficos do passado e se estende até a consumação da história; recorda as
promessas de Deus já realizadas e aguarda o Messias que as realizará definitivamente. Rezados e
realizados em Cristo, os Salmos são sempre essenciais à oração de Sua Igreja.
2587 O Saltério é o livro em que a Palavra de Deus se torna oração do homem. Nos
outros livros do Antigo Testamento, as palavras proclamam as obras" (de Deus em favor dos
homens) "e elucidam o mistério nelas contido”. No Saltério, as palavras do salmista exprimem,
cantando-as a Deus, suas obras de salvação. O mesmo Espírito inspira a obra de Deus e a
resposta do homem. Cristo unirá uma e outra. Nele, os salmos nos ensinam continuamente a orar.
2588 As expressões multiformes da oração dos Salmos tomam forma tanto na liturgia do
Templo como no coração do homem. Quer se trate de um hino, de uma oração de aflição ou
de ação de graças, de uma súplica individual ou comunitária, de canto de aclamação ao rei ou
de um cântico de peregrinação, ou ainda de uma meditação sapiencial, os Salmos são o
espelho das maravilhas de Deus na história de seu povo e das situações humanas vividas pelo
salmista. Um Salmo pode refletir um acontecimento do passado, mas é de uma sobriedade tão
grande que pode ser rezado na verdade pelos homens de qualquer condição e em qualquer
tempo.
2589 Os Salmos são marcados por características constantes: a simplicidade e a
espontaneidade da oração, o desejo do próprio Deus através de e com tudo o que é bom em
sua criação, a situação desconfortável do crente que, em seu amor preferencial ao Senhor, está
exposto a uma multidão de inimigos e tentações e, na expectativa do que fará o Deus fiel, a
certeza de seu amor e a entrega à sua vontade. A oração dos Salmos é sempre motivada pelo
louvor, e por isso o título desta coletânea convém perfeitamente ao que ela nos oferece: "Os
Louvores". Feita para o culto da Assembléia, ela anuncia o convite à oração e canta-lhe a
resposta: "Hallelu-Ya"! (Aleluia), "Louvai o Senhor"!
Haverá algo melhor do que um Salmo? É por isso que Davi diz muito acertadamente:
"Louvai o Senhor, pois o Salmo é uma coisa boa: a nosso Deus, louvor suave e belo!" E é verdade.
Pois o Salmo é bênção pronunciada pelo povo, louvor de f pela assembléia, aplauso de todos,
palavra dita pelo universo voz da Igreja, melodiosa profissão de fé..
RESUMINDO
2590 "A oração é a elevação da alma a Deus ou o pedido a Deus dos bens
convenientes.”
2591 Deus chama incansavelmente toda pessoa ao encontro misterioso com Ele. A
oração acompanha toda a história da salvação como um apelo recíproco entre Deus e o
homem.
2592 A oração de Abraão e de Jacó se apresenta como um combate da fé apoiada
na confiança na fidelidade de Deus e na certeza da vitória prometida à perseverança.
2593 A oração de Moisés responde à iniciativa do Deus vivo para a salvação de seu
povo. Prefigura a oração de intercessão do único mediador, Jesus Cristo.
2594 A oração do povo de Deus floresce à sombra da Casa de Deus, da Arca da
Aliança e do Templo, sob a direção dos pastores, principalmente do rei Davi, e dos profetas.
2595 Os profetas chamam à conversão do coração e, buscando ardentemente a face
de Deus, como Elias, intercedem pelo povo.
2596 Os Salmos constituem a obra-prima da oração no Antigo Testamento. Apresentam
dois componentes inseparáveis; o pessoal e o comunitário. Estendem-se a todas as dimensões da
história, comemorando as promessas de Deus já realizadas e esperando a vinda do Messias.
2597 Rezados e realizados em Cristo, os Salmos são um elemento essencial e
permanente da oração de sua Igreja e são adequados aos homens de qualquer condição e
tempo.
ARTIGO 2
NA PLENITUDE DO TEMPO
2598 O evento da oração nos é plenamente revelado no Verbo que se fez carne e habita
entre nós. Procurar compreender sua oração, por meio daquilo que suas testemunhas nos
anunciam dela no Evangelho, é aproximar-nos do Santo Senhor Jesus como da sarça ardente:
primeiro contemplá-lo na oração, depois ouvir como Ele nos ensina a orar, para conhecer, enfim,
como Ele atende nossa prece.
JESUS ORA
2599 O [§75] Filho de Deus que se tomou Filho da Virgem aprendeu também a rezar
segundo seu coração de homem. Aprendeu as fórmulas de oração com sua mãe, que
conservava e meditava em seu coração todas as "grandes coisas" feitas pelo Todo-Poderoso.
Aprendeu nas palavras e ritmos da oração de seu povo, na sinagoga de Nazaré e no Templo.
Mas sua oração brota de uma fonte bastante secreta, como deixa prever com a idade de doze
anos: "Eu devo estar na casa de meu Pai" (Lc 2,49). Aqui começa a se revelar a novidade da
oração na plenitude dos tempos: a oração filial, que o Pai esperava de seus filhos, será enfim
vivida pelo próprio Filho único em sua humanidade, com os homens e para os homens.
2600 O [§77] Evangelho segundo S. Lucas destaca a ação do Espírito Santo e o sentido
da oração no ministério de Cristo. Jesus ora antes dos momentos decisivos de sua missão: antes
de o Pai dar testemunho dele por ocasião do Batismo e da Transfiguração e antes de realizar por
sua Paixão o plano de amor do Pai. Ora também antes dos momentos decisivos que darão início
à missão dos Apóstolos: antes de escolher e chamar os Doze, antes que Pedro o confesse como
"Cristo de Deus e para que a fé do chefe dos Apóstolos não desfaleça na tentação. A oração de
Jesus antes das ações salvíficas que realiza a pedido do Pai é uma entrega, humilde e confiante,
de sua vontade humana à vontade amorosa do Pai.
2601 "Estando [§84] em certo lugar, orando, ao terminar, um de se discípulos pediu-lhe:
Senhor, ensina-nos a orar" (Lc 11,1). Não é antes de tudo contemplando seu mestre a orar que o
discípulo de Cristo deseja orar? Pode então aprender a orar que o Mestre da oração. É
contemplando e ouvindo o Filho que filhos aprendem a orar ao Pai.
2602 Jesus [§85] muitas vezes se retira, na solidão, na montanha, de preferência à noite,
para orar. Em sua oração, leva consigo os homens, pois, assumindo a humanidade em sua
Encarnação, oferece-os ao Pai, oferecendo-se a si mesmo. Ele, o Verbo que "assumiu a carne",
em sua oração humana participa de tudo o que vivem "seus irmãos"; Ele se compadece de
fraquezas para livrá-los delas. Foi para isso que o Pai o enviou. Suas palavras e obras aparecem
então como a manifestação visível de sua oração "em segredo".
2603 De [§89] Cristo, durante seu ministério, os evangelistas conservaram duas orações
mais explícitas, que começam ambas com uma ação de graças. Na primeira, Jesus glorifica o
Pai, agradece-lhe e o bendiz porque escondeu os mistérios do Reino aos que se julgam doutos e
revelou-os aos "pequeninos" (os pobres das Bem--aventuranças). Sua exclamação emocionada,
"Sim, Pai!", exprime o fundo de seu coração, sua adesão ao "beneplácito" do Pai, como num eco
ao "Fiat" de Sua Mãe em sua concepção e como prelúdio àquele sim que dirá ao Pai em sua
agonia. Toda a oração de Jesus está nesta adesão amorosa de seu coração de homem ao
"mistério da vontade" do Pai.
2604 A [§92] segunda oração é referida por São João antes da ressurreição de Lázaro. A
ação de graças precede o acontecimento: "Pai, eu te dou graças por me teres ouvido", o que
implica que o Pai escuta sempre seu pedido, e Jesus logo acrescenta: "Eu sabia que sempre me
ouves". Isso implica que, de sua parte, Jesus pede de modo constante. Dessa forma, motivada
pela ação de graças, a oração de Jesus nos revela como pedir: Antes que o dom seja feito,
Jesus adere Àquele que nos dá seus dons. O Doador é mais precioso do que o dom concedido,
Ele é o "Tesouro", e nele é que está o coração de seu Filho; o dom é dado "por acréscimo”.
A oração "sacerdotal" de Jesus ocupa um lugar único na economia da salvação. Será
meditada no final da primeira seção. Revela com efeito a oração sempre atual de nosso Sumo
Sacerdote e, ao mesmo tempo, contém o que Ele nos ensina em nossa oração a nosso Pai, que
será desenvolvida na segunda seção.
2605 Ao [§96] chegar a Hora de realizar o plano de amor do Pai, Jesus deixa entrever a
profundidade insondável de sua oração filial, não apenas antes de se entregar livremente
("Abba... não seja feita a minha vontade, mas a tua": Lc 22,42), mas também em suas últimas
palavras na Cruz, quando orar e entregar-se são um só e mesmo ato: "Pai, perdoa-lhes, porque
não sabem o que fazem” (Lc 23,34); "Em verdade te digo, hoje mesmo estarás comigo Paraíso"
(Lc 23,43); "Mulher, eis aí teu filho"; "Eis tua mãe" (Jo 19,26-27); "Tenho sede!" (Jo 19,28); "Meu Deus,
por que me abandonaste?”; "Tudo está consumado" (Jo 19,30); "Pai, c tuas mãos entrego meu
espírito" (Lc 23,46), até aquele grande grito, quando Ele expira, entregando o espírito.
2606 Todas [§99] as misérias da humanidade de todos os tempos, escrava do pecado e
da morte, todos os pedidos e intercessões história da salvação estão recolhidos neste Grito do
Verbo encarnado. Eis que o Pai os acolhe e, indo além de todas as esperanças, ouve-os,
ressuscitando seu Filho. Dessa forma se realiza e se consuma o evento da oração na Economia
da criação e da salvação. Sua chave de interpretação nos é dada pelo Saltério em Cristo. E no
Hoje da Ressurreição que o Pai diz: "Tu és meu Filho, eu hoje te gerei. Pede, e eu te darei as
nações como herança, os confins da terra como propriedade.
A Epístola aos Hebreus exprime em termos dramáticos como a oração de Jesus opera a
vitória da salvação. "É ele que, nos dias de sua vida terrestre, apresentou pedidos e súplicas, com
veemente clamor e lágrimas, àquele que o podia salvar da morte; e foi atendido por causa de
sua submissão. E, embora fosse Filho, aprendeu, contudo, a obediência pelo sofrimento; e,
levado à perfeição, se tomou para todos os que lhe obedecem princípio de salvação eterna" (1
Hb 5,7-9)
JESUS ENSINA A ORAR
2607 Ao [§101] orar, Jesus já nos ensina a orar. O caminho teologal de nossa oração é a
oração a seu Pai. Mas o Evangelho nos dá um ensinamento explícito de Jesus sobre a oração.
Como pedagogo, ele nos toma onde estamos e, progressivamente, nos conduz ao Pai. Dirigindose
às multidões que o seguem, Jesus parte daquilo que elas já conhecem da oração, conforme
a Antiga Aliança, e as abre para a novidade do Reino que vem. Depois lhes revela em parábolas
essa novidade. Enfim, falará abertamente do Pai e do Espírito Santo a seus discípulos, que
deverão ser pedagogos da oração em sua Igreja.
2608 No [§102] Sermão da Montanha, Jesus insiste na conversão do coração: a
reconciliação com o irmão antes de apresentar uma oferenda no altar[, o amor aos inimigos e a
oração pelos perseguidores, a oração ao Pai "em segredo" (Mt 6,6), a não-multiplicação das
palavras, o perdão do fundo do coração na oração, a pureza do coração e a busca do Reino.
Essa conversão é inteiramente orientada para o Pai; é filial.
2609 O [§108] coração assim decidido a se converter aprende a orar na fé. A fé é uma
adesão filial a Deus, acima daquilo que sentimos e compreendemos. Tomou-se possível porque o
Filho bem-amado nos abre as portas para o Pai. Este pode pedir-nos que "procuremos" e
"batamos", uma vez que Ele mesmo é a porta e o caminho.
2610 Assim [§110] como Jesus ora ao Pai e dá graças antes de receber seus dons, Ele
nos ensina essa audácia filial: "Tudo quanto suplicardes e pedirdes, crede que já recebestes" (Mc
11,24). "Tudo é possível para quem crê" (Mc 9,23), com uma fé "que não hesita”. tal é a força da
oração. Se por um lado Jesus se entristece pela "falta de fé" de seus parentes (Mc 6,6) e pela
"fraqueza na fé" de seus discípulos, por outro lado fica admirado com a "grande fé" do centurião
romano e da cananéia.
2611 A [§115] oração de fé não consiste apenas em dizer "Senhor, Senhor", mas em levar o
coração a fazer a vontade do Pai. Jesus convida os discípulos a terem, na oração, a
preocupação de cooperarem com o plano divino.
2612 Em [§118] Jesus, "o Reino de Deus está próximo" (Mc 1,15) e convoca à conversão e
à fé, como também, à vigilância. Na oração, o discípulo vigia atento Aquele que É e que Vem
na memória de sua primeira Vinda na humildade da carne e na esperança de sua segunda
Vinda na Glória. Em comunhão com o Mestre a oração dos discípulos é um combate, e é
vigiando na prece que não se cai em tentação.
2613 Três [§121] parábolas principais sobre a oração nos são transmitida por S. Lucas. A
primeira, "o amigo importuno”, convida a uma oração persistente: "Batei e se vos abrirá". Àquele
que assim ora, o Pai do céu "dará tudo o que precisa", sobretudo o Espírito Santo, que contém
todos os dons. A segunda, "a viúva importuna”, focaliza uma das qualidades da oração: é
preciso rezar sempre sem esmorecimento, com a paciência fé. "Mas, quando vier o Filho do
homem, acaso encontrará fé na terra? A terceira parábola, "o fariseu e o publicano”, refere-se à
humildade do coração que reza. "Meu Deus, tem piedade de mim, pecador.” Essa oração a
Igreja constantemente toma sua: "Kyrie eleison!"
2614 Quando [§125] Jesus confia abertamente a seus discípulos o ministério da oração ao
Pai, revela-lhes qual deverá ser sua oração, e a nossa, quando Ele voltar para o Pai, em sua
Humanidade glorificada. A novidade agora é "pedir em seu Nome”. A fé nele introduz os
discípulos no conhecimento do Pai, porque Jesus é "o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jo 14,6). A
fé produz seus frutos no amor: guardar sua Palavra, seus mandamentos, permanecer com Ele no
Pai, que nele nos ama a ponto de permanecer em nós. Nessa Aliança nova, a certeza de sermos
ouvidos em nossos pedidos se fundamenta na oração de Jesus.
2615 Mais [§128] ainda, o que o Pai nos dá quando nossa oração está unida à de Jesus
é o "outro Paráclito para que convosco permaneça para sempre o Espírito da Verdade" (Jo
14,16-17). Essa novidade da oração e de suas condições aparece no discurso de despedida. No
Espírito Santo, a oração cristã é comunhão de amor com o Pai, não apenas por Cristo, mas
também nele: "Até agora nada pedistes em meu Nome. Pedi e recebereis, e vossa alegria será
perfeita" (Jo 16,24).
JESUS OUVE A ORAÇÃO
2616 A [§130] oração a Jesus é ouvida por Ele já durante seu ministério, por meio dos
sinais que antecipam o poder de sua Morte e Ressurreição: Jesus ouve a oração de fé, expressa
em palavras (o leproso, Jairo, a cananéia, o bom ladrão), ou em silêncio (os carregadores do
paralítico, a hemorroíssa que lhe toca as vestes, as lágrimas e o perfume da pecadora). O
pedido insistente dos cegos: "Filho de Davi, tem compaixão de nós" (Mt 9,27)ou "Filho de Davi,
tem compaixão de mim" (Mc 10,47) foi retomado na tradição da Oração a Jesus: "Jesus Cristo,
Filho de Deus, Senhor, tem piedade de mim, pecador!" Quer na cura das enfermidades, quer na
remissão dos pecados, Jesus responde sempre à oração que implora com fé: "Vai em paz, tua fé
te salvou!"
Sto. Agostinho resume admiravelmente as três dimensões da oração de Jesus (cf. 2667):
"Ele ora por nós como nosso sacerdote, ora em nós como nossa cabeça, e a Ele sobe nossa
oração como ao nosso Deus. Reconheçamos pois, nele, os nossos clamores e em nós os seus
clamores".
A ORAÇÃO DA VIRGEM MARIA
2617 A oração de Maria nos é revelada na aurora da plenitude dos tempos. Antes da
Encarnação do Filho de Deus e antes da efusão do Espírito Santo, sua oração coopera de
maneira única com o plano benevolente do Pai; na Anunciação para a concepção de Cristo,
em Pentecostes para a formação da Igreja, Corpo de Cristo. Na fé de sua humilde serva, o Dom
de Deus encontra o acolhimento que esperava desde o começo dos tempos. Aquela que o
Todo-Poderoso tornou "cheia de graça" responde pela oferenda de todo seu ser: "Eis a serva do
Senhor, faça-se em mim segundo tua palavra". Fiat, esta é a oração cristã: ser todo dele porque
Ele é todo nosso.
2618 O Evangelho nos revela como Maria ora e intercede na fé: em Caná, a mãe de
Jesus pede a seu filho pelas necessidades de um banquete de núpcias, sinal de outro Banquete,
o das núpcias do Cordeiro, que dá seu Corpo e Sangue a pedido da Igreja, sua Esposa. E é na
hora da nova Aliança, ao pé da Cruz, que Maria é ouvida como a Mulher, a nova Eva, a
verdadeira "mãe dos vivos”.
2619 Por isso o cântico de Maria (o Magnificat latino ou o Megalynário bizantino) é ao
mesmo tempo o cântico da Mãe de Deus e o da Igreja, cântico da Filha de Sião e do novo Povo
de Deus, cântico de ação de graças pela plenitude de graças distribuídas na Economia da
salvação, cântico dos "pobres", cuja esperança é satisfeita pela realização das promessas feitas
a nossos pais "em favor de Abraão e de sua descendência para sempre".
RESUMINDO
2620 No Novo Testamento, o modelo perfeito da oração encontra-se na prece filial de
Jesus. Feita muitas vezes na solidão, no segredo, a oração de Jesus implica uma adesão
amorosa à vontade do Pai até a cruz e uma confiança absoluta de ser ouvido.
2621 Jesus ensina seus discípulos a orar com um coração purificado, uma fé viva e
perseverante, uma audácia filial. Incita-os à vigilância e convida-os a apresentar a Deus seus
pedidos em seu Nome. Jesus Cristo atende pessoalmente às orações, que lhe são dirigidas.
2622 A oração da Virgem Maria, em seu "Fiat" e em seu "Magnificat”, caracteriza-se pela
oferta generosa de todo seu ser na fé.
ARTIGO 3
NO TEMPO DA IGREJA
2623 No [§147] dia de Pentecostes, o Espírito da promessa foi derramado sobre os
discípulos, "reunidos no mesmo lugar" (At 2,1), esperando-o, "todos unânimes, perseverando na
oração" (At 1,14). O Espírito, que ensina a Igreja e lhe recorda tudo o que Jesus disse, vai também
formá-la para a vida de oração.
2624 Na [§149] primeira comunidade de Jerusalém, os fiéis se mostravam "assíduos ao
ensinamento dos apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações" (At 2,42). A
seqüência é típica da oração da Igreja: fundada na fé apostólica e autenticada pela caridade,
ela é alimentada na Eucaristia.
2625 Essas [§150] orações são, sobretudo, as que os fiéis ouvem e lêem nas Escrituras,
atualizando-as, porém, principalmente as dos Salmos, a partir de sua realização em Cristo. O
Espírito Santo, que assim lembra Cristo à sua Igreja orante, também a conduz à Verdade plena e
suscita formulações novas que exprimirão o insondável Mistério de Cristo atuando na vida, nos
sacramentos e na missão de sua Igreja. Essas formulações se desenvolverão nas grandes
tradições litúrgicas e espirituais. As formas da oração, como nos são reveladas pelas Escrituras
apostólicas canônicas, serão normativas da oração cristã.
1. A BENÇÃO E A ADORAÇÃO
2626 A [§152] bênção exprime o movimento de fundo da oração; é o encontro de Deus e
do homem; nela o dom de Deus e a acolhida do homem se chamam e se unem. A oração de
bênção é a resposta do homem aos dons de Deus: uma vez que Deus abençoa, o coração do
homem pode bendizer Aquele que é a fonte de toda bênção.
2627 Duas [§153] formas fundamentais exprimem esse movimento da bênção: ora ela
sobe, levada no Espírito Santo por Cristo ao Pai (nós o bendizemos por nos ter abençoado); ora
ela implora a graça do Espírito Santo, que, por Cristo, desce de junto do Pai (é Ele que nos
abençoa).
2628 A [§156] adoração é a primeira atitude do homem que se reconhece criatura diante
de seu Criador. Exalta a grandeza do Senhor que nos fez e a onipotência do Salvador que nos
liberta do mal. É prosternação do Espírito diante do "Rei da glória” e o silêncio respeitoso diante
do Deus "sempre maior”. A adoração do Deus três vezes santo e sumamente amável nos enche
de humildade e dá garantia a nossas súplicas.
II. A ORAÇÃO DE SÚPLICA
2629 O[§160] vocabulário referente à súplica tem muitos matizes no Novo Testamento:
pedir, implorar, suplicar com insistência, invocar, clamar, gritar e mesmo "lutar na oração". Mas
sua forma mais habitual, por ser a mais espontânea, é o pedido: é pela oração de súplica que
exprimimos a consciência de nossa relação com Deus: como criaturas, não somos nem nossa
origem, nem senhores das adversidades, nem nosso fim último. Mas, como pecadores, sabemos,
na qualidade de cristãos, nos afastamos de nosso Pai. O pedido já é uma volta para Ele.
2630 O[§162] Novo Testamento contém poucas orações de lamentação, freqüentes no
Antigo Testamento. Agora, em Cristo ressuscitado, o pedido da Igreja é sustentado pela
esperança, embora estejamos ainda na expectativa e devamos nos converter cada dia. Brota
de outra profundeza o pedido cristão, que S. Paulo chama de gemidos, os da criação, em "dores
de parto" (Rm 8,22), os nossos, também "à espera da redenção de nosso corpo, pois nossa
salvação é objeto de esperança" (Rm 8,23-24), enfim, "os gemidos inefáveis do próprio Espírito
Santo que "socorre nossa fraqueza, pois nem sequer sabemos o que seja conveniente pedir" (Rm
8,26).
2631 O pedido de perdão é o primeiro movimento da oração de súplica (cf. o publicano:
"Tem piedade de mim, pecador": Lc 18,13). É a condição prévia de uma oração justa e pura. A
humildade confiante nos repõe na luz da comunhão com o Pai e seu Filho, Jesus Cristo, e uns
com os outros: "Então tudo o que lhe pedimos recebemos dele" (1 Jo 3,22). O pedido de é a
perdão condição prévia da liturgia eucarística, como da oração pessoal.
2632 A súplica cristã está centrada no desejo e na procura do Reino que vem, de acordo
com o ensinamento de Jesus". Existe uma hierarquia nos pedidos: primeiro o Reino, depois o que
é necessário para acolhê-lo e cooperar para sua vinda. Essa cooperação com a missão de Cristo
e do Espírito Santo, que é agora a da Igreja, é o objeto da oração da comunidade apostólica. E
a oração de Paulo, o apóstolo por excelência, que nos revela como o cuidado divino por todas
as Igrejas deve animar a oração cristã. Pela oração, todo batizado trabalha para a Vinda do
Reino.
2633 Quando participamos, assim, do amor salvador de Deus, compreendemos que toda
necessidade pode vir a ser objeto de pedido. Cristo, que tudo assumiu para resgatar tudo, é
glorificado pelos pedidos que oferecemos ao Pai em seu Nome. E com essa garantia que Tiago e
Paulo nos exortam a orar em todo tempo.
III. A ORAÇÃO DE INTERCESSÃO
2634 A intercessão é uma oração de pedido que nos conforma de perto com a oração
de Jesus. Ele é o único Intercessor junto do Pai em favor de todos os homens, dos pecadores,
sobretudo. Ele é "capaz de salvar de modo definitivo aqueles que por meio dele se aproximam
de Deus, visto que Ele vive para sempre para interceder por eles" (Hb 7,25). O próprio Espírito
Santo "intercede por nós... pois é segundo Deus que ele intercede pelos santos" (Rm 8,26-27).
2635 Interceder, pedir em favor de outro, desde Abraão, é próprio de um coração que
está em consonância com a misericórdia de Deus. No tempo da Igreja, a intercessão cristã
participa da de Cristo; é a expressão da comunhão dos santos. Na intercessão, aquele que ora
"não procura seus próprios interesses, mas pensa sobretudo nos dos outros" (Fl 2,4) e reza por
aqueles que lhe fazem mal.
2636 As primeiras comunidades cristãs viveram intensamente forma de partilha. O
Apóstolo Paulo as faz participar assim de seu ministério do Evangelho, mas intercede também por
elas. A intercessão dos cristãos não conhece fronteiras: "Por todos os homens, pelos que detêm a
autoridade" (1 Tm 2,1), pelos que perseguem pela salvação daqueles que recusam o Evangelho.
IV. A ORAÇÃO DE AÇÃO DE GRAÇAS
2637 A ação de graças caracteriza a oração da Igreja que, celebrando a Eucaristia,
manifesta e se torna mais aquilo que ela é. Com efeito, na obra da salvação, Cristo liberta a
criação do pecado e da morte para consagrá-la de novo e fazê-la retornar ao Pai, para sua
Glória. A ação de graças dos membros do Corpo participa da de sua Cabeça.
2638 Como na oração de súplica, todo acontecimento e toda necessidade podem se
tornar oferenda de ação de graças. As cartas de S. Paulo começam e terminam
freqüentemente uma ação de graças, e o Senhor Jesus sempre está presente. “Por tudo dai
graças, pois esta é a vontade de Deus a vosso respeito, em Cristo Jesus" (l Ts 5,18). "Perseverai na
oração, vigilantes, com ação de graças" (Cl 4,2).
V. A ORAÇÃO DE LOUVOR
2639 O louvor é a forma de oração que reconhece o mais imediatamente possível que
Deus é Deus! Canta-o pelo que Ele mesmo é, dá-lhe glória, mais do que pelo que Ele faz, por
aquilo que Ele É. Participa da bem-aventurança dos corações puros que o amam na fé antes de
o verem na Glória. Por ela, o Espírito se associa nosso espírito para atestar que somos filhos de
Deus, dando testemunho ao Filho único, em quem somos adotados e por quem glorificamos o
Pai. O louvor integra as outras formas de oração e as levar Àquele que é sua fonte e termo final:
"O único Deus, o Pai, de quem tudo procede e para quem nós somos feitos" (1 Cor 8,6).
2640 São Lucas menciona muitas vezes em seu Evangelho a admiração e o louvor diante
das maravilhas de Cristo. Chama a atenção também para as ações do Espírito Santo, que são os
Atos dos Apóstolos: a comunidade de Jerusalém, o paralítico curado por Pedro e João, a
multidão que com isso glorifica a Deus e os pagãos da Pisídia que, "alegres, glorificam a Palavra
do Senhor" (At 13,).
2641 Recitai uns com os outros "salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando o
Senhor em vosso coração" (Ef 5,19). Como os escritores do Novo Testamento, as primeiras
comunidades cristãs relêem o livro dos Salmos, cantando nele o Mistério de Cristo. Na novidade
do Espírito, elas compõem também hinos e cânticos a partir do Acontecimento inaudito que
Deus realizou em seu Filho: a Encarnação, a Morte vitoriosa da morte, a Ressurreição e Ascensão
à sua direita. É dessa "maravilha" de toda a economia da salvação que brota a doxologia, o
louvor de Deus.
2642 A Revelação "daquilo que deve acontecer em breve", o Apocalipse, é comunicada
pelos cânticos da Liturgia celeste, mas também pela intercessão das "testemunhas" (mártires) Os
profetas e os santos, todos os que foram degolados na terra em testemunho de Jesus[, a
multidão imensa daqueles que, vindos da grande tribulação, nos precederam no Reino, cantam
o louvor de glória daquele que está sentado no Trono e do Cordeiro. Em comunhão com eles, a
Igreja da terra canta também esses cânticos, na fé e na provação. No pedido e na intercessão,
a fé espera contra toda esperança e dá graças ao "Pai das luzes, do qual desce toda dádiva
perfeita". A fé é assim um puro louvor.
2643 A Eucaristia contém e exprime todas as formas de oração. É "a oferenda pura" de
todo o Corpo de Cristo "para a glória de seu Nome”; segundo as tradições do Oriente e do
Ocidente, ela é "o sacrifício de louvor".
RESUMINDO
2644 O Espírito Santo, que ensina a Igreja e lhe recorda tudo o que Jesus disse, educa-a
também para a vida de oração, suscitando expressões que se renovam dentro de formas
permanentes: benção, súplica, intercessão, ação de graças e louvor.
2645 Porque Deus o abençoa é que o coração do homem pode bendizer por sua vez
Aquele que é a fonte de toda bênção.
2646 A oração de pedido tem por objeto o perdão, a procura do Reino, como também
toda verdadeira necessidade.
2647 A oração de intercessão consiste num pedido em favor de outrem. Não conhece
fronteiras e se estende até os inimigos.
2648 Toda alegria e todo sofrimento, todo acontecimento e toda necessidade podem ser
a matéria da ação de graças que, participando da ação de graças de Cristo, deve dar
plenitude a toda a vida: "Por tudo dai graças (1Ts 5,18).
2649 A oração de louvor, totalmente desinteressada, dirige-se a Deus. Canta-o pelo que
Ele; dá-lhe glória, mais do que pelo que Ele faz, por aquilo que Ele É.
CAPÍTULO I I
A TRADIÇÃO DA ORAÇÃO
2650 A oração não se reduz ao surgir espontâneo de um impulso interior; para rezar é
preciso querer. Não basta saber o que as Escrituras revelam sobre a oração; também é
indispensável aprender a rezar. E é por uma transmissão viva (a sagrada Tradição) que o Espírito
Santo, na "Igreja crente e orante", ensina os filhos de Deus a rezar.
2651 A tradição da oração cristã é uma das formas de crescimento da Tradição da fé,
sobretudo pela contemplação e pelo estudo dos difíceis, que guardam em seu coração os
acontecimentos e as palavras da Economia da salvação, e pela penetração profunda das
realidades espirituais que eles experimentam.
ARTIGO 1
NAS FONTES DA ORAÇÃO
2652 O[§5] Espírito Santo é "a água viva" que, no coração orante, “jorra para a Vida
eterna". É Ele que nos ensina a haurir essa água na própria fonte: Cristo. Ora, existem na vida
cristã fontes em que Cristo nos espera para nos dessedentar com o Espírito Santo.
A PALAVRA DE DEUS
2653 A [§7] Igreja "exorta todos os fiéis cristãos, com veemência e de modo peculiar... a
que pela freqüente leitura das divinas Escrituras aprendam 'a eminente ciência de Jesus Cristo'
Lembrem-se, porém, de que a leitura da Sagrada Escritura deve ser acompanhada pela oração,
a fim de que se estabeleça o colóquio entre Deus e o homem; pois 'a Ele falamos quando
rezamos; a Ele ouvimos quando lemos os divinos oráculos”.
2654 Os Padres espirituais, parafraseando Mt 7,7, resumem assim as disposições do
coração alimentado pela Palavra de Deus na oração: "Procurai pela leitura, e encontrareis
meditando; batei orando, e vos será aberto pela contemplação"
A LITURGIA DA IGREJA
2655 A [§10] missão de Cristo e do Espírito Santo, que, na liturgia sacramental da Igreja,
anuncia, atualiza e comunica o Mistério da salvação, prolonga-se no coração de quem reza. Os
Padres espirituais comparam às vezes o coração a um altar. A oração interioriza e assimila a
Liturgia durante e após sua celebração. Mesmo quando é vivida "no segredo" (Mt 6,6), a oração
é sempre oração da Igreja, comunhão com a Santíssima Trindade.
AS VIRTUDES TEOLOGAIS
2656 Entramos na oração como entramos na Liturgia: pela porta estreita da fé. Por meio
dos sinais de sua Presença, procuramos e desejamos a Face do Senhor, e é sua Palavra que
queremos ouvir e guardar.
2657 O Espírito Santo, que nos ensina a celebrar a Liturgia na expectativa da volta de
Cristo, nos educa a orar na esperança. Por sua vez, a oração da Igreja e a oração pessoal
alimentam em nós a esperança. Especialmente os salmos, com sua linguagem concreta e
variada, nos ensinam a fixar nossa esperança em Deus: "Esperei ansiosamente pelo Senhor, Ele se
inclinou para mim e ouviu o meu grito" (Sl ,2). "Que o Deus da esperança vos cumule de toda
alegria e paz em vossa fé, a fim de que pela ação do Espírito Santo a vossa esperança
transborde" (Rm 15,13).
2658 "A [§13] esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em
nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado" (Rm 5,5). A oração, formada pela vida
litúrgica, tudo haure do Amor com que somos amados em Cristo e que nos concede responderlhe,
amando como Ele nos amou. O Amor é a fonte de oração; quem dela bebe atinge o cume
da oração: Meu Deus, eu vos amo, e meu único desejo é amar-vos até o último suspiro de minha
vida. Meu Deus infinitamente amável, eu vos amo e preferiria morrer amando-vos a viver sem vos
amar. Senhor, eu vos amo, e a única graça que vos peço é amar--vos eternamente... Meu Deus,
se minha língua não pode dizer a cada instante que eu vos amo, quero que meu coração vo-lo
repita tantas vezes quantas eu respiro.
"HOJE"
2659 Aprendemos [§15] a rezar em certos momentos ouvindo a Palavra do Senhor e
participando de seu Mistério pascal, mas é em todos os tempos, nos acontecimentos de cada
dia, que seu Espírito nos é oferecido para fazer jorrar a oração. O ensinamento de Jesus sobre a
oração a nosso Pai está na mesma linha que o ensinamento sobre a Providência. O tempo está
nas mãos do Pai; no presente é que nós o encontramos, nem ontem, nem amanhã, mas hoje:
"Oxalá ouvísseis hoje a sua voz! Não endureçais vossos corações" (Sl 95,8).
2660 Orar [§17] nos acontecimentos de cada dia e de cada instante é um dos segredos
do Reino revelados aos "pequeninos", aos servos de Cristo, aos pobres das bem-aventuranças. E
justo e bom orar para que a vinda do Reino de justiça e de paz influa na marcha da história, mas
é também importante modelar pela oração a massa das humildes situações do cotidiano. Todas
as formas de oração podem ser esse fermento ao qual o Senhor compara o Reino.
RESUMINDO
2661 É por uma transmissão viva, a Tradição, que, na Igreja, o Espírito Santo ensina os filhos
de Deus a orar.
2662 A Palavra de Deus, a liturgia da Igreja, as virtudes da fé, esperança e caridade são
fontes da oração.
ARTIGO 2
O CAMINHO DA ORAÇÃO
2663 Na [§19] tradição viva da oração, cada Igreja propõe aos fiéis, segundo o contexto
histórico, social e cultural, a linguagem de Jesus na sua oração: palavras, melodias, gestos,
iconografia. Cabe ao Magistério discernir a fidelidade desses caminhos de oração à tradição da
fé apostólica, e compete aos pastores e aos catequistas explicar seu sentido, sempre
relacionado com Jesus Cristo.
A ORAÇÃO AO PAI
2664 Não [§21] existe outro caminho da oração cristã senão Cristo. Seja a nossa oração
comunitária ou pessoal, vocal ou interior, ela só tem acesso ao Pai se orarmos "em nome" de
Jesus. A santa humanidade de Jesus é, portanto, o caminho pelo qual o Espírito Santo nos ensina
a orar a Deus, nosso Pai.
A ORAÇÃO A JESUS
2665 A oração da Igreja, alimentada pela Palavra de Deus, e a celebração da Liturgia
nos ensinam a orar ao Senhor Jesus. Ainda que seja dirigida sobretudo ao Pai, ela inclui, em todas
as tradições litúrgicas, formas de oração dirigidas a Cristo. Certos Salmos, conforme sua
atualização na Oração da Igreja, e o Novo Testamento põem em nossos lábios e gravam em
nossos corações as invocações desta oração a Cristo: Filho de Deus, Verbo de Deus, Senhor,
Salvador, Cordeiro de Deus, Rei, Filho bem-amado, Filho da Virgem, Bom Pastor, nossa Vida,
nossa Luz, nossa Esperança, nossa Ressurreição, Amigo dos homens...
2666 Mas [§23] o Nome que contém tudo é o que o Filho de Deus recebe em sua
Encarnação: JESUS. O Nome divino é indizível pelos lábios humanos, mas, assumindo nossa
humanidade, o Verbo de Deus no-lo entrega e podemos invocá-lo: “Jesus", Javé salva'. O Nome
de Jesus contém tudo: Deus e homem e toda a economia da criação e da salvação. Orar a
"Jesus" e invocá-lo, chamá-lo em nós. Seu Nome é o único que contém a Presença que significa.
Jesus é Ressuscitado, todo aquele que invoca seu nome acolhe o Filho de Deus que o amou e
por ele se entregou.
2667 Esta invocação de fé muito simples foi desenvolvida na tradição da oração em
várias formas no Oriente e no Ocidente. A formulação mais comum, transmitida pelos monges do
Sinai, da Síria e do monte Athos é a invocação: "Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tem piedade
de nós, pecadores!" Esta associa o hino cristológico de (Fl 2,6-11 com o pedido do publicano e
dos mendigos da luz. Por ela, o coração se põe em consonância com a miséria dos homens e
com a Misericórdia de seu Salvador.
2668 A invocação do santo nome de Jesus é o caminho mais simples oração contínua.
Muitas vezes repetida por um coração humildemente atento, ela não se dispersa numa torrente
de palavras (Mc 6,7), mas "conserva a Palavra e produz fruto pela perseverança. É possível "em
todo tempo", pois não é uma ocupação ao lado de outra, mas a única ocupação, a de amar a
Deus, que anima e transfigura toda ação em Cristo Jesus.
2669 A oração da Igreja venera e honra o Coração de Jesus, como invoca o seu
Santíssimo nome. Adora o Verbo encamado e seu Coração, que por nosso amor se deixou
traspassar por nossos pecados. A oração cristã gosta de seguir o caminho da cruz (Via-Sacra),
seguindo o Salvador. As estações, do Pretório ao Gólgota e ao Túmulo, marcam o caminho de
Jesus, que resgatou o mundo por sua santa Cruz.
"VINDE, ESPÍRITO SANTO"
2670 "Ninguém pode dizer 'Jesus é Senhor' a não ser no Espírito Santo" (1 Cor 12,3). Cada
vez que começamos a orar a Jesus, é o Espírito Santo que, por sua graça proveniente, nos atrai
ao caminho da oração. Se Ele nos ensina a orar recordando-nos Cristo, como não orar a Ele
mesmo? Por isso, a Igreja nos convida a implorar cada dia o Espírito Santo, sobretudo no início e
no fim de toda ação importante. Se o Espírito não deve ser adorado, como é que Ele me diviniza
pelo Batismo? E se Ele deve ser adorado, não deve ser o objeto de um culto particular?
2671 A forma tradicional para pedir a vinda do Espírito Santo é invocar o Pai por Cristo,
nosso Senhor, para que nos dê o Espírito Consolador. Jesus insiste nesse pedido em seu nome
exatamente no momento em que promete o dom do Espírito de Verdade. Mas a oração mais
simples e mais direta é também tradicional: "Vinde, Espírito Santo", e cada tradição litúrgica a
desenvolveu em antífonas e hinos: Vinde, Espírito Santo, enchei os corações de vossos fiéis e
acendei neles o fogo de vosso amor. Rei celeste, Espírito Consolador, Espírito de Verdade,
presente em toda parte e plenificando tudo, tesouro de todo bem e fonte da Vida, vinde,
habitai em nós, purificai-nos e salvai-nos, ó Vós, que sois bom!
2672 O Espírito Santo, cuja Unção impregna todo o nosso ser, é o Mestre interior da
oração cristã. E o artífice da tradição viva da oração. Sem dúvida, existem tantos caminhos na
oração quantos orantes, mas é o mesmo Espírito que atua em todos e com todos. Na comunhão
do Espírito Santo, a oração cristã se torna oração da Igreja.
EM COMUNHÃO COM A SANTA MÃE DE DEUS
2673 Na oração, o Espírito Santo nos une à Pessoa do Filho Único, em sua humanidade
glorificada. Por ela e nela, nossa oração filial entra em comunhão, na Igreja, com a Mãe de
Jesus[a40] .
2674 A partir do consentimento dado na fé por ocasião da Anunciação e mantido sem
hesitação sob a cruz, a maternidade de Maria se estende aos irmãos e às irmãs de seu Filho "que
ainda são peregrinos e expostos aos perigos e às misérias”. Jesus, o único Mediador, é o Caminho
de nossa oração; Maria, sua Mãe e nossa Mãe, é pura transparência dele. Maria "mostra o
Caminho" ("Hodoghitria"), é seu "sinal” conforme a iconografia tradicional no Oriente e no
Ocidente.
2675 A partir dessa cooperação singular de Maria com a ação do Espírito Santo, as
Igrejas desenvolveram a oração à santa Mãe de Deus, centrando-a na Pessoa de Cristo
manifestada em seus mistérios. Nos inúmeros hinos e antífonas que exprimem essa oração,
alternam-se geralmente dois movimentos: um "exalta" o Senhor pelas "grandes coisas" que fez
para sua humilde serva e, por meio dela, por todos os seres humanos; o outro confia à Mãe de
Jesus as súplicas e louvores dos filhos de Deus, pois ela conhece agora humanidade que nela é
desposada pelo Filho de Deus.
2676 Esse duplo movimento da oração a Maria encontrou uma expressão privilegiada na
oração da Ave-Maria:
"Ave, Maria (alegra-te, Maria)." A saudação do anjo Gabriel abre a oração da Ave-Maria.
E o próprio Deus que, por intermédio de seu anjo, saúda Maria. Nossa oração ousa retomar a
saudação de Maria com o olhar que Deus lançou sobre sua humilde serva, alegrando-nos com a
mesma alegria que Deus encontra nela.
"Cheia de graça, o Senhor é convosco." As duas palavras de saudação do anjo se
esclarecem mutuamente. Maria é cheia de graça porque o Senhor está com ela. A graça com
que ela é cumulada é a presença daquele que é a fonte de toda graça. "Alegra-te, filha de
Jerusalém... o Senhor está no meio de ti" (Sf 3,14.17a). Maria, em quem vem habitar o próprio
Senhor, é em pessoa a filha de Sião, a Arca da Aliança, o lugar onde reside a glória do Senhor:
ela é "a morada de Deus entre os homens" (Ap 21,3). "Cheia de graça", e toda dedicada àquele
que nela vem habitar e que ela vai dar ao mundo.
"Bendita sois vós entre as mulheres, e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus." Depois da
saudação do anjo, tornamos nossa a palavra de Isabel. "Repleta do Espírito Santo" (Lc 1,41),
Isabel é a primeira na longa série das gerações que declaram Maria bem-aventurada: "Feliz
aquela que creu..." (Lc 1,45): Maria é "bendita entre as mulheres" porque acreditou na realização
da palavra do Senhor. Abraão, por sua fé, se tomou uma bênção para "todas as nações da
terra" (Gn 12,3). Por sua fé, Maria se tomou a mãe dos que crêem, porque, graças a ela, todas as
nações da terra recebem Aquele que é a própria bênção de Deus: "Bendito é o fruto do vosso
ventre, Jesus".
2677 "Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós..." Com Isabel também nós nos admiramos:
"Donde me vem que a mãe de meu Senhor me visite?" (Lc 1,43). Porque nos dá Jesus, seu filho,
Maria é Mãe de Deus e nossa Mãe; podemos lhe confiar todos os nossos cuidados e pedidos: ela
reza por nós como rezou por si mesma: "Faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1,38).
Confiando-nos à sua oração, abandonamo-nos com ela à vontade de Deus: "Seja feita a vossa
vontade".
"Rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte." Pedindo a Maria que reze
por nós, reconhecemo-nos como pobres pecadores e nos dirigimos à "Mãe de misericórdia", à
Toda Santa. Entregamo-nos a ela "agora", no hoje de nossas vidas. E nossa confiança aumenta
para desde já entregar em suas mãos "a hora de nossa morte". Que ela esteja então presente,
como na morte na Cruz de seu Filho, e que na hora de nossa passagem ela nos acolha como
nossa Mãe, para nos conduzir a seu Filho, Jesus, no Paraíso.
2678 A piedade medieval do Ocidente desenvolveu a oração do Rosário como
alternativa popular à Oração das Horas. No Oriente, a forma litânica da oração "Acatisto" e da
Paráclise ficou mais próxima do ofício coral nas Igrejas bizantinas, ao passo que as tradições
armênia, copta e siríaca preferiram os hinos e os cânticos populares à Mãe de Deus. Mas na Ave-
Maria, nos "theotokia", nos hinos de Sto. Efrém ou de S. Gregório de Narek, a tradição da oração
é fundamentalmente a mesma.
2679 Maria é a Orante perfeita, figura da Igreja. Quando rezamos a ela, aderimos com ela
ao plano do Pai, que envia seu Filho para salvar todos os homens. Como o discípulo bem-amado,
acolhemos em nossa casa a Mãe de Jesus, que se tornou a mãe de todos os vivos. Podemos
rezar com ela e a ela. A oração da Igreja é acompanhada pela oração de Maria, que lhe está
unida na esperança.
RESUMINDO
2680 A oração é dirigida sobretudo ao Pai; também é dirigida ~ Jesus, sobretudo pela
invocação de seu santo nome: "Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tende piedade de nós,
pecadores!"
2681 "Ninguém pode dizer: 'Jesus é Senhor', a não ser no Espírito Santo" (1 Cor 12,3). A
Igreja nos convida a invocar o Espírito Santo como o Mestre interior da oração cristã.
2682 Em virtude da cooperação singular da Virgem Maria com a ação do Espírito Santo, a
Igreja gosta de rezar em comunhão com ela, para exaltar com ela as grandes coisas que Deus
realizou nela e para confiar-lhe súplicas e louvores.
ARTIGO 3
GUIAS PARA A ORAÇÃO
UMA NUVEM DE TESTEMUNHAS
2683 As testemunhas que nos precederam no Reino, especialmente as que a Igreja
reconhece como "santos", participam da tradição viva da oração pelo exemplo modelar de sua
vida, pela transmissão de seus escritos e por sua oração hoje. Contemplam a Deus, louvam-no e
não deixam de velar por aqueles que deixaram na terra. Entrando "na alegria" do Mestre, eles
foram "postos sobre o muito". Sua intercessão é o mais alto serviço que prestam ao plano de
Deus. Podemos e devemos pedir-lhes que intercedam por nós e pelo mundo inteiro.
2684 Na [§60] comunhão dos santos, desenvolveram-se, ao longo da história das Igrejas,
diversas espiritualidades. O carisma pessoal de uma testemunha do Amor de Deus aos homens
pôde ser transmitido, como "o espírito" de Elias a Eliseu” e a João Batista, para que alguns
discípulos tenham parte nesse espírito . Há uma espiritualidade igualmente na confluência de
outras correntes, litúrgicas e teológicas, atestando a inculturação da fé num meio humano e em
sua história. As espiritualidades cristãs participam da tradição viva da oração e são guias
indispensáveis para os fiéis, refletindo, em sua rica diversidade, a pura e única Luz do Espírito
Santo. O Espírito é de fato o lugar dos santos, e o santo é para o Espírito um lugar próprio, pois se
oferece para habitar com Deus e é chamado seu templo.
SERVIDORES DA ORAÇÃO
2685 A família cristã é o primeiro lugar da educação para a oração. Fundada sobre o
sacramento do matrimônio, ela é "a Igreja doméstica", onde os filhos de Deus aprendem a orar
"como Igreja" e a perseverar na oração. Para as crianças, particularmente, a oração familiar
cotidiana é o primeiro testemunho da memória viva da Igreja reavivada pacientemente pelo
Espírito Santo.
2686 Os ministros ordenados também são responsáveis pela formação para a oração de
seus irmãos e irmãs em Cristo. Servidores do bom Pastor que são, eles são ordenados para guiar o
povo de Deus às fontes vivas da oração: a Palavra de Deus, a Liturgia, a vida teologal, o Hoje de
Deus nas situações concretas.
2687 Muitos religiosos consagraram toda a vida à oração. Desde o deserto do Egito,
eremitas, monges e monjas consagraram seu tempo ao louvor de Deus e à intercessão por seu
povo. A vida consagrada não se mantém e não se propaga sem a oração; esta é uma das
fontes vivas da contemplação e da vida espiritual na Igreja.
2688 A catequese das crianças, dos jovens e adultos procura fazer com que a Palavra de
Deus seja meditada na oração pessoal, atualizada na oração litúrgica e interiorizada em todo
tempo, a fim de produzir seu fruto numa vida nova. A catequese é também o momento em que
a piedade popular pode ser avaliada e educada. A memorização das orações fundamentais
oferece um apoio indispensável à vida de oração, mas importa grandemente fazer com que
saboreie o sentido das mesmas.
2689 Os grupos de oração, e mesmo as "escolas de oração", são hoje um dos sinais e
molas da renovação da oração na Igreja, contanto que se beba nas fontes autênticas da
oração cristã. O cuidado com a comunhão é sinal da verdadeira oração na Igreja.
2690 O Espírito Santo dá a certos fiéis dons de sabedoria, de fé e de discernimento em vista
do bem comum que é a oração (direção espiritual). Aqueles e aquelas que têm esses dons são
verdadeiros servidores da tradição viva da oração: Por isso, se a alma deseja avançar na
perfeição, conforme o conselho de S. João da Cruz, deve "considerar bem em que mãos se
entrega, pois, conforme o mestre, assim será o discípulo; conforme o pai, assim será o filho". E
ainda: "O diretor deve não somente ser sábio e prudente, mas também experimentado... Se o
guia espiritual não tem a experiência da vida espiritual, é incapaz de nela conduzir as almas que
Deus chama, e nem sequer as compreenderá".
LUGARES FAVORÁVEIS À ORAÇÃO
2691 A Igreja, casa de Deus, é o lugar próprio para a oração litúrgica da comunidade
paroquial. E também o lugar privilegiado da adoração da presença real de Cristo no Santíssimo
Sacramento. A escolha de um lugar favorável é importante para a verdade da oração:
ü para a oração pessoal, pode ser um "recanto de oração", com as Sagradas Escrituras
e imagens sagradas, para aí estar "no segredo" diante do Pai. Numa família cristã, essa espécie
de peque no oratório favorece a oração em comum;
ü nas regiões onde existem mosteiros, a vocação dessas comunidades é favorecer a
partilha da Oração das Horas com os fiéis e permitir a solidão necessária a uma oração pessoal
mais intensa;
ü as peregrinações evocam nossa caminhada pela terra em direção ao céu. São
tradicionalmente tempos fortes de renovação da oração. Os santuários são para os peregrinos,
em busca de suas fontes vivas, lugares excepcionais para viver "como Igreja" as formas da
oração cristã.
RESUMINDO
2692 Na oração, a Igreja peregrina é associada à dos santos, cuja intercessão solicita.
2693 As diferentes espiritualidades cristãs participam da tradição viva da oração e são
guias preciosos para a vida espiritual.
2694 A família cristã é o primeiro lugar da educação à oração.
2695 Os ministros ordenados, a vida consagrada, a catequese, os grupos de oração e a
"direção espiritual" garantem na Igreja uma ajuda à oração.
2696 Os lugares mais favoráveis à oração são o oratório pessoal ou familiar, os mosteiros,
os santuários de peregrinações e, sobretudo, a igreja, que é lugar próprio da oração litúrgica
para a comunidade paroquial e o lugar privilegiado da adoração eucarística.
CAPÍTULO I I I .
A VIDA DE ORAÇÃO
2697 A oração é a vida do coração novo e deve nos animar a cada momento. Nós,
porém, esquecemo-nos daquele que é nossa Vida e nosso Tudo. Por isso os Padres espirituais, na
tradição do Deuteronômio e dos profetas, insistem na oração como "recordação de Deus",
como um despertar freqüente da "memória do coração": "E preciso se lembrar de Deus com mais
freqüência do que se respira". Mas não se pode orar "sempre", se não se reza em certos
momentos, por decisão própria: são os tempos fortes da oração cristã, em intensidade e
duração.
2698 A Tradição da Igreja propõe aos fiéis ritmos de oração destinados a nutrir a oração
continua. Alguns são cotidianos: a oração da manhã e da tarde, antes e depois das refeições, a
Liturgia das Horas. O domingo, centrado na Eucaristia, é santificado principalmente pela oração.
O ciclo do ano litúrgico e suas grandes festas são os ritmos fundamentais da vida de oração dos
cristãos.
2699 O Senhor conduz cada pessoa pelos caminhos e na maneira que lhe agradam.
Cada fiel responde ao Senhor segundo a determinação de seu coração e as expressões pessoais
de sua oração. Entretanto, a tradição cristã conservou três expressões principais da vida de
oração: a oração vocal, a meditação, a oração contemplativa. Uma característica
fundamental lhes é comum: o recolhimento do coração. Esta vigilância em guardar a Palavra e
em permanecer na presença de Deus faz dessas três expressões tempos fortes da vida de
oração.
ARTIGO 1
AS EXPRESSÕES DA ORAÇÃO
I. A ORAÇÃO VOCAL
2700 Deus fala ao homem por sua Palavra. É por palavras, mentais ou vocais, que nossa
oração cresce. Mas o mais importante é a presença do coração naquele a quem falamos na
oração. "Que a nossa oração seja ouvida depende não da quantidade das palavras, mas do
fervor de nossas almas."
2701 A oração vocal é um dado indispensável da vida cristã. Aos discípulos, atraídos pela
oração silenciosa do Mestre, este ensina uma oração vocal: o "Pai-Nosso". Jesus não só rezou as
orações litúrgicas da sinagoga; os Evangelhos O mostram elevando a voz para exprimir sua
oração pessoal, da bênção exultante do Pai até a angústia do Getsêmani.
2702 Essa necessidade de associar os sentidos à oração interior responde a uma exigência
de nossa natureza humana. Somos corpo e espírito, e sentimos a necessidade de traduzir
exteriormente nossos sentimentos. É preciso rezar com todo o nosso ser para dar à nossa súplica
todo o poder possível.
2703 Essa necessidade corresponde também a uma exigência divina. Deus procura
adoradores em Espírito e Verdade e, por conseguinte, a oração que sobe viva das profundezas
da alma. Ele também quer a expressão exterior que associa o corpo à oração interior, pois ela
Lhe traz esta homenagem perfeita de tudo aquilo a que Ele tem direito.
2704 Sendo exterior e tão plenamente humana, a oração vocal é por excelência a
oração das multidões. Mas também a oração mais interior não pode menosprezar a oração
vocal. A oração se torna interior na medida em que tomamos consciência daquele "com quem
falamos[". Então a oração vocal é uma primeira forma da oração contemplativa.
II. A MEDITAÇÃO
2705 A meditação é sobretudo uma procura. O espírito procura compreender o porquê
e o como da vida cristã, a fim de aderir e responder ao que o Senhor pede. Para tanto, é
indispensável uma atenção difícil de ser disciplinada. Geralmente, utiliza-se um livro, e os cristãos
dispõem de muitos: as Sagradas Escrituras, especialmente o Evangelho, as imagens sacras, os
textos litúrgicos do dia ou do tempo, os escritos dos Padres espirituais, as obras de espiritualidade,
o grande livro da criação e o da história, a página do "Hoje" de Deus.
2706 Meditando no que lê, o leitor se apropria do conteúdo lido, confrontando-o consigo
mesmo. Neste particular, outro livro está aberto: o da vida. Passamos dos pensamentos à
realidade. Conduzidos pela humildade e pela fé, descobrimos os movimentos que agitam o
coração e podemos discerni-los. Trata-se de fazer a verdade para se chegar à luz: "Senhor, que
queres que eu faça?"
2707 Os métodos de meditação são tão diversos quanto os mestres espirituais. Um cristão
deve querer meditar regularmente. Caso contrario, assemelha-se aos três primeiros terrenos da
parábola do semeador. Mas um método é apenas um guia; o importante é avançar, com o
Espírito Santo, pelo único caminho da oração: Jesus Cristo.
2708 A meditação mobiliza o pensamento, a imaginação, a emoção e o desejo. Essa
mobilização é necessária para aprofundar as convicções de fé, suscitar a conversão do coração
e fortificar a vontade de seguir a Cristo. A oração cristã procura meditar de preferência "os
mistérios de Cristo", como na "lectio (leitura) divina" ou no Rosário. Esta forma de reflexão orante é
de grande valor, mas a oração cristã deve procurar ir mais longe: ao conhecimento de amor do
Senhor Jesus, à união com Ele.
III. A ORAÇÃO MENTAL
2709 O que é a oração mental? Sta. Teresa responde: "A oração mental, a meu ver, é
apenas um relacionamento íntimo de amizade em que conversamos muitas vezes a sós com
esse Deus por quem nos sabemos amados". A oração mental busca "aquele que meu coração
ama". É Jesus e, nele, o Pai. Ele é procurado porque desejá-lo é sempre o começo do amor, e é
procurado na fé pura, esta fé que nos faz nascer dele e viver nele. Na oração, podemos ainda
meditar; contudo, o olhar se fixa no Senhor.
2710 A escolha do tempo e da duração da oração mental depende de uma vontade
determinada, reveladora dos segredos do coração. Não fazemos oração quando temos tempo:
reservamos um tempo para sermos do Senhor, com a firme determinação de, durante o
caminho, não o tomarmos de volta enquanto caminhamos, quaisquer que sejam as provações e
a aridez do encontro. Nem sempre se pode meditar, mas sempre se pode estar em oração,
independentemente das condições de saúde, trabalho ou afetividade. O coração é o lugar da
busca e do encontro, na pobreza e na fé.
2711 Entrar em oração é algo análogo ao que ocorre na Liturgia Eucarística: reunir" o
coração, recolher todo o nosso ser sob a moção do Espírito Santo, habitar na morada do Senhor
(e esta morada somos nós), despertar a fé, para entrar na Presença daquele que nos espera,
fazer cair nossas máscaras e voltar nosso coração para o Senhor que nos ama, a fim de nos 0
entregar a Ele como uma oferenda que precisa ser purificada e transformada.
2712 A oração é a prece do filho de Deus, do pecador perdoado que consente em
acolher o amor com que é amado e que quer responder-lhe amando mais ainda. Esse pecador
perdoado sabe, porém, que o amor com que responde é precisamente o que o Espírito derrama
em seu coração, pois tudo é graça da parte de Deus. A oração é a entrega humilde e pobre à
vontade amorosa do Pai, em união cada vez mais profunda com seu Filho bem-amado.
2713 Dessa forma, a oração mental é a expressão mais simples do mistério da prece. A
oração é um dom, uma graça; não pode ser acolhida senão na humildade e na pobreza. A
oração é uma relação de aliança estabelecida por Deus no fundo de nosso ser. A oração é
comunhão: a Santíssima Trindade, nesta relação, conforma o homem, imagem de Deus, "a sua
semelhança".
2714 A oração mental é também um tempo forte por excelência da prece. Na oração,
o Pai nos "arma de poder por seu Espírito, para que se fortifique em nós o homem interior, para
que Cristo habite em nossos corações pela fé e sejamos arraigados e fundados no amor".
2715 A contemplação é olhar de fé fito em Jesus. "Eu olho para Ele e Ele olha para mim",
dizia, no tempo de seu santo pároco, o camponês de Ars em oração diante do Tabernáculo .
Essa atenção a Ele é renúncia ao "eu". Seu olhar purifica o coração; A luz do olhar de Jesus
ilumina os olhos de nosso coração; ensina-nos a ver tudo na luz de sua verdade e de sua
compaixão por todos os homens. A contemplação considera também os mistérios da vida de
Cristo, proporcionando-nos "o conhecimento íntimo do Senhor", para mais O amar e seguir
2716 A oração mental é escuta da Palavra de Deus. Longe de ser passiva, essa escuta é
a obediência da fé, acolhida incondicional do servo e adesão amorosa do filho. Participa do
"sim" do Filho que se tornou Servo e do "Fiat" de sua humilde serva.
2717 A oração mental é silêncio, este "símbolo do mundo que vem ou "amor silencioso. As
palavras na oração não são discursos, mas gravetos que alimentam o fogo do amor. É neste
silêncio, insuportável ao homem "exterior", que o Pai nos diz seu Verbo encarnado, sofredor,
morto e ressuscitado e que o Espírito filial nos faz participar na oração de Jesus.
2718 A oração mental é união â prece de Cristo na medida em nos faz participar de seu
Mistério. O Mistério de Cristo é celebrado pela Igreja na Eucaristia, e o Espírito o faz viver na
oração para que esse Mistério seja manifestado pela caridade em ato.
2719 A oração mental é uma comunhão de amor portadora de Vida para a multidão,
na medida em que ela é consentimento a habitar na noite da fé. A Noite pascal da Ressurreição
passa pela da agonia e do túmulo. São esses três tempos fortes da Hora de Jesus que, seu Espírito
(e não a "carne, que é fraca") faz viver na oração. E preciso consentir em "vigiar uma hora com
ele".
RESUMINDO
2720 A Igreja convida os fiéis a uma oração regular: orações diárias, Liturgia das Horas,
Eucaristia dominical, festas do ano litúrgico.
2721 A tradição cristã compreende três expressões maiores da vida de oração: a oração
vocal, a meditação e a oração mental. Estas têm em comum o recolhimento do coração.
2722 A oração vocal, fundada na união do corpo e do espírito na natureza humana,
associa o corpo á oração interior do coração, a exemplo de Cristo, que reza a seu Pai e ensina o
"Pai-Nosso" a seus discípulos.
2723 A meditação é uma busca orante que põe em ação o pensamento, a imaginação,
a emoção, o desejo. Tem por finalidade a apropriação crente do assunto meditado,
confrontado com a realidade de nossa vida.
2724 A oração mental é a expressão simples do mistério da oração. E um olhar de fé fito
em Jesus, uma escuta da Palavra de Deus, um silencioso amor. Realiza a união à oração de
Cristo na medida em que nos faz participar de seu Mistério.
ARTIGO 2
O COMBATE DA ORAÇÃO
2725 A oração é um dom da graça e uma resposta decidida de nossa parte. Supõe
sempre um esforço. Os grandes orantes da Antiga Aliança antes de Cristo, como também a Mãe
de Deus e os santos com Ele, nos ensinam: a oração é um combate. Contra quem? Contra nós
mesmos e contra os embustes do Tentador, que tudo faz para desviar o homem da oração, da
união com seu Deus. Reza-se como se vive, porque se vive como se reza. Se não quisermos
habitualmente agir segundo o Espírito de Cristo, também não poderemos habitualmente rezar
em seu Nome. O "combate espiritual" da vida nova do cristão é inseparável do combate da
oração.
I. AS OBJEÇÕES À ORAÇÃO
2726 No combate da oração, devemos enfrentar, em nós mesmos e à nossa volta,
concepções errôneas da oração. Algumas vêem nela uma simples operação psicológica;
outras, um esforço de concentração para se chegar ao vazio mental. Algumas a codificam em
atitudes e palavras rituais. No inconsciente de muitos cristãos, rezar é uma ocupação
incompatível com tudo o que eles devem fazer: não têm tempo. Os que procuram a Deus pela
oração desanimam depressa, porque ignoram que a oração também procede do Espírito Santo
e não apenas deles.
2727 Devemos também enfrentar mentalidades "deste mundo" que nos contaminam se
não formos vigilantes, por exemplo: a afirmação de que o verdadeiro seria apenas o que é
verificado pela razão e pela ciência (rezar, pelo contrário, é um mistério que ultrapassa nossa
consciência e nosso inconsciente); os valores de produção e rendimento (a oração, sendo
improdutiva, é inútil); o sensualismo e o bem-estar material, considerados como critério da
verdade, do bem e da beleza (a oração, porém, "amor da Beleza" [filocalia, é enamorada da
glória do Deus vivo e verdadeiro); em reação contra o ativismo, a oração é apresentada como
fuga do mundo (a oração cristã, no entanto, não é um sair da história nem está divorciada da
vida).
2728 Enfim, nosso combate deve enfrentar aquilo que sentimos como nossos fracassos na
oração: desânimo diante de nossa aridez, tristeza por não ter dado tudo ao Senhor, por ter
''muitos bens", decepção por não ser atendidos segundo nossa vontade própria, insulto ao nosso
orgulho (o qual não aceita nossa indignidade de pecadores), alergia à gratuidade da oração
etc. A conclusão é sempre a mesma: para que rezar? Para superar esses obstáculos é preciso
lutar para ter a humildade, a confiança, a perseverança.
I I . A HUMILDE VIGILÂNCIA DO CORAÇÃO
DIANTE DAS DIFICULDADES DA ORAÇÃO
2729 A dificuldade comum de nossa oração é a distração. Esta pode referir-se às palavras
e ao seu sentido, na oração vocal. Pode, porém, referir-se mais profundamente àquele a quem
oramos, na oração vocal (1itúrgica ou pessoal), na meditação e na oração mental. Perseguir
obsessivamente as distrações seria cair em suas armadilhas, já que e suficiente o voltar ao nosso
coração: uma distração nos revela aquilo a que estamos amarrados, e essa tomada de
consciência humilde diante do Senhor deve despertar nosso amor preferencial por Ele,
oferecendo-lhe resolutamente nosso coração, para que Ele o purifique. Aí se situa o combate: a
escolha do Senhor a quem servir.
2730 Positivamente, o combate contra nosso "eu" possessivo e dominador é a vigilância, a
sobriedade do coração. Quando Jesus insiste na vigilância, ela está sempre relacionada com
Ele, com sua vinda, com o último dia e com cada dia: "hoje". O Esposo vem no meio da noite; a
luz que não deve ser extinta é a da fé: "Meu coração diz a teu respeito: 'Procurai a sua face"' (Sl
27,8).
2731 Outra dificuldade, especialmente para aqueles que querem sinceramente orar, é a
aridez. Esta acontece na oração, quando o coração está desanimado, sem gosto com relação
aos pensamentos, às lembranças e aos sentimentos, mesmo espirituais. E o momento da fé pura
que se mantém fielmente com Jesus na agonia e no túmulo. "Se o grão de trigo que cai na terra
morrer, produzirá muito fruto" (Jo 12,24). Se a aridez é causada pela falta de raiz, porque a
Palavra caiu sobre as pedras, o combate deve ir na linha da conversão.
DIANTE DAS TENTAÇÕES NA ORAÇÃO
2732 A tentação mais comum, mais oculta, é nossa falta de fé, que se exprime não tanto
por uma incredulidade declarada quanto por uma opção de fato. Quando começamos a orar,
mil trabalhos ou cuidados, julgados urgentes, apresentam-se como prioritários; de novo, é o
momento da verdade do coração e de seu amor preferencial. Com efeito, voltamo-nos para o
Senhor como o último recurso: mas de fato acreditamos nisso? As vezes tomamos o Senhor como
aliado, mas o coração ainda está na presunção. Em todos os casos, nossa falta de fé revela que
não estamos ainda na disposição do coração humilde: "Sem mim, nada podeis fazer" (Jo 15,5).
2733 Outra tentação, cuja porta é aberta pela presunção, é a acídia (chamada também
"preguiça"). Os Padres espirituais entendem esta palavra como uma forma de depressão devida
ao relaxamento da ascese, à diminuição da vigilância, à negligência do coração. "O espírito
está pronto, mas a carne é fraca" (Mt 26,). Quanto mais alto se sobe, tanto maior a queda. O
desânimo doloroso é o inverso da presunção. Quem é humilde não se surpreende com sua
miséria Passa então a ter mais confiança, a perseverar na constância.
III. A CONFIANÇA FILIAL
2734 A confiança filial é experimentada - e se prova - na tribulação. A dificuldade
principal se refere à oração de súplica por si ou pelos outros, na intercessão. Alguns deixam até
de orar porque, pensam eles, seu pedido não é ouvido. Aqui surgem duas questões: por que
pensamos que nosso pedido não foi ouvido? De que maneira é atendida, ou é "eficaz", nossa
oração?
POR QUE NOS LAMENTAR POR NÃO SERMOS ATENDIDOS?
2735 Um fato deveria provocar admiração em nós. Quando louvamos a Deus ou lhe
damos graças pelos benefícios em geral, pouco nos preocupamos em saber se nossa oração lhe
é agradável. Em compensação, temos a pretensão de ver o resultado de nosso pedido. Qual é,
pois, a imagem de Deus que nos motiva à oração? Um meio a utilizar ou o Pai de nosso Senhor
Jesus Cristo?
2736 Estamos acaso convencidos de que "nem sabemos o que convém pedir" (Rm
8,26)? Pedimos a Deus "os bens convenientes"? Nosso Pai sabe do que precisamos, antes de lho
pedirmos, mas espera nosso pedido porque a dignidade de seus filhos está precisamente em sua
liberdade. Mas é preciso rezar com seu Espírito de liberdade para poder conhecer na verdade o
seu desejo.
2737 "Não possuís porque não pedis. Pedis, mas não recebeis, porque pedis mal, com o
fim de gastardes nos vossos prazeres" (Tg 4,2-3). Se pedimos com um coração dividido, "adúltero"
Deus não nos pode ouvir, porque deseja nosso bem, nossa vida. "Ou julgais que é em vão que a
Escritura diz: Ele reclama com ciúme o espírito que pôs dentro de nós (Tg 4,5)?" Nosso Deus é
"ciumento" de nós, o que é o sinal da verdade de seu amor. Entremos no desejo de seu Espírito e
seremos ouvidos: Não te aflijas se não recebes imediatamente de Deus o que lhe pedes: pois Ele
quer fazer-te um bem ainda maior por tua perseverança em permanecer com Ele na oração. Ele
quer que nosso desejo seja provado na oração. Assim Ele nos prepara para receber aquilo que
Ele está pronto a nos dar.
DE QUE MANEIRA É EFICAZ NOSSA ORAÇÃO?
2738 A revelação da oração na economia da salvação nos ensina que a fé se apóia na
ação de Deus na história. A confiança filial é suscitada por sua ação por excelência: a Paixão e
a Ressurreição de seu Filho. A oração cristã é cooperação com sua Providência, com seu plano
de amor para os homens.
2739 Em S. Paulo, esta confiança é audaciosa, fundada na oração do Espírito em nós e
no amor fiel do Pai, que nos deu seu Filho único. A transformação do coração que reza é a
primeira resposta a nosso pedido.
2740 A oração de Jesus faz da oração cristã uma súplica eficaz. É Ele o seu modelo.
Jesus reza em nos e conosco. Já que o coração do Filho não busca senão o que agrada ao Pai,
como haveria (o coração dos filhos adotivos) de apegar-se mais aos dons do que ao Doador?
2741 Jesus também reza por nós, em nosso lugar e em nosso favor. Todos os nossos
pedidos foram recolhidos uma vez por todas em seu Grito na Cruz e ouvidos pelo Pai em sua
Ressurreição, e por isso Ele não deixa de interceder por nós junto do Pai. Se nossa oração está
resolutamente unida à de Jesus, na confiança e na audácia filial, obteremos tudo o que pedimos
em seu nome; bem mais do que pequenos favores, receberemos o próprio Espírito Santo, que
possui todos os dons.
IV. PERSEVERAR NO AMOR
2742 “Orai sem cessar" (1 Ts 5,17), "sempre e por tudo dando graças a Deus Pai, em nome
de nosso Senhor, Jesus Cristo" (Ef 5,20), "com orações e súplicas de toda sorte, orai em todo
tempo, no Espírito e, para isso, vigiai com toda perseverança e súplica por todos os santos" (Ef
6,18). "Não nos foi prescrito que trabalhemos, vigiemos e jejuemos constantemente, enquanto,
para nós, é lei rezar sem cessar." Esse ardor incansável só pode provir do amor. Contra nossa
pesada lentidão e preguiça, o combate da oração é o do amor humilde, confiante e
perseverante. Esse amor abre nossos corações para três evidências de fé, luminosas e
vivificantes:
2743 Orar é sempre possível: o tempo do cristão é o de Cristo ressuscitado que "esta
conosco todos os dias" (Mt 28,20), apesar de todas as tempestades. Nosso tempo está nas mãos
de Deus: É possível até no mercado ou num passeio solitário fazer uma oração freqüente e
fervorosa. Sentados em vossa loja, comprando ou vendendo, ou mesmo cozinhando.
2744 Orar é uma necessidade vital. A prova contrária não é menos convincente: se não
nos deixarmos levar pelo Espírito, cairemos de novo na escravidão do pecado. Como o Espírito
Santo pode ser "nossa Vida", se nosso coração está longe dele? Nada se compara em valor à
oração; ela toma possível o que é impossível, fácil o que é difícil. E impossível que caia em
pecado o homem que reza.
QUEM REZA CERTAMENTE SE SALVA; QUEM NÃO REZA CERTAMENTE SE CONDENA[A145] .
2745 Oração e vida cristãs são inseparáveis, pois se trata do mesmo amor e da mesma
renúncia que procede do amor. Trata-se da mesma conformidade filial e amorosa ao plano de
amor do Pai; da mesma união transformadora no Espírito Santo, a qual nos conforma sempre
mais a Cristo Jesus; trata-se do mesmo amor por todos os homens, aquele amor com que Jesus
nos amou. "Tudo o que pedirdes a meu Pai em meu nome Ele vos dará. Isto vos mando: amai-vos
uns aos outros" (Jo 15,16-17).
Ora sem cessar aquele que une a oração às obras e as obras à oração. Somente dessa
forma podemos considerar como realizável o principio de orar sem cessar.
V. A ORAÇÃO DA HORA DE JESUS
2746 Quando chega sua Hora, Jesus ora ao Pai. Sua oração, a mais longa transmitida
pelo Evangelho, abarca toda a economia da criação e da salvação, como sua Morte e
Ressurreição. A oração da Hora de Jesus é sempre a sua, assim como sua Páscoa, acontecida
"uma vez por todas", estará sempre presente na Liturgia de sua Igreja.
2747 A tradição cristã a chama com toda propriedade a oração "sacerdotal" de Jesus. E
a oração de nosso Sumo Sacerdote, inseparável de seu Sacrifício, de sua "passagem" [páscoa]
para o Pai, onde Ele é "consagrado" inteiramente ao Pai.
2748 Nessa oração pascal, sacrifical, tudo é "recapitulado" nele: Deus e o mundo, o
Verbo e a carne, a vida eterna e o tempo, o amor que se entrega e o pecado que o trai, os
discípulos presentes e aqueles que crerão nele por meio da palavra deles, a humilhação e a
glória. E a oração da Unidade.
2749 Jesus realizou toda a obra do Pai, e sua oração, como seu Sacrifício, se estende até
a consumação dos tempos. A oração da Hora enche os últimos tempos e os leva até sua
consumação. Jesus, o Filho a quem o Pai deu tudo, está todo entregue ao Pai e, ao mesmo
tempo, se exprime com uma liberdade soberana, em virtude do poder que o Pai lhe deu sobre
toda carne. O Filho, que se tomou Servo, é o Senhor, o Pantocrátor (o Todo-Poderoso). Nosso
Sumo Sacerdote, que por nós reza é também aquele que ora em nós e o Deus que nos ouve.
2750 E entrando no santo nome do Senhor Jesus que podemos acolher, interiormente, a
oração que Ele nos ensina: "Pai nosso!” Sua oração sacerdotal inspira os grandes pedidos do Pai-
Nosso: a solicitude pelo nome do Pai, a paixão por seu Reino (a glória), o cumprimento da
vontade do Pai, de seu plano de salvação, e a libertação do mal.
2751 Por fim, é nesta oração que Jesus nos revela e nos dá o "conhecimento"
indissociável do Pai e do Filho, que é o próprio mistério da Vida de oração.
RESUMINDO.
2752 A oração supõe um esforço e uma luta contra nós mesmos e contra os embustes
do Tentador. O combate da oração é inseparável do "combate espiritual" necessário para agir
habitualmente segundo o Espírito de Cristo: reza-se como se vive, porque se vive como se reza.
2753 No combate da oração devemos enfrentar concepções errôneas, diversas
correntes de mentalidade, a experiência de nossos fracassos. A essas tentações que lançam
dúvida sobre a utilidade ou a própria possibilidade da oração convém responder pela
humildade, confiança e perseverança.
2754 As dificuldades principais no exercício da oração são a distração e a aridez. O
remédio está na fé, na conversão e na vigilância do coração.
2755 Duas tentações freqüentes ameaçam a oração: a falta de fé e a acídia, que é
uma forma de depressão devida ao relaxamento da ascese, que leva ao desânimo.
2756 A confiança filial é posta â prova quando temos o sentimento de não ser sempre
ouvidos. O Evangelho nos convida a nos interrogar sobre a conformidade de nossa oração com
o de-sejo do Espírito.
2757 "Orai sem cessar" (1 Ts 5,17). Rezar sempre é possível. É mesmo uma necessidade
vital. Oração e vida cristã são inseparáveis.
2758 A oração da Hora de Jesus, chamada com propriedade "oração sacerdotal,
recapitula toda a Economia da criação e da salvação e inspira os grandes pedidos do "Pai-
Nosso".
QUARTA PARTE - A ORAÇÃO CRISTÃ
SEGUNDA SEÇÃO
A ORAÇÃO DO SENHOR: "PAI NOSSO!"
2759 "Um dia, em certo lugar, Jesus rezava. Quando terminou, um de seus discípulos
pediu-lhe: 'Senhor, ensina-nos a orar, como João ensinou a seus discípulos"' (Lc 11,1). E em
resposta a este pedido que o Senhor confia a seus discípulos e à sua Igreja a oração cristã
fundamental. S. Lucas traz um texto breve (de cinco pedidos); S. Mateus, uma versão mais
desenvolvi da (de sete pedidos). A tradição litúrgica da Igreja conservou o texto de S. Mateus:
Pai nosso que estais nos céus,
santificado seja o vosso nome;
venha a nós o vosso reino;
seja feita a vossa vontade,
assim na terra como no céu;
pão nosso de cada dia nos dai hoje;
perdoai-nos as nossas ofensas,
assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido;
e não nos deixeis cair em tentação.
mas livrai-nos do mal.
2760 Bem cedo, o uso litúrgico concluiu a Oração do Senhor com uma doxologia. Na
Didaché (8,2): "Pois vosso é o poder e a glória para sempre". As Constituições Apostólicas (7,24,1)
acrescentam no começo: “o reino” , e é esta a fórmula conservada hoje na oração ecumênica.
A tradição bizantina, logo em seguida à "glória”, acrescenta "Pai, Filho e Espírito Santo". O missal
romano desdobra o último pedido na perspectiva explícita da expectativa da "bem-aventurada
esperança" e da Vinda de Jesus Cristo, nosso Senhor vindo em seguida a aclamação da
assembléia, que retoma a doxologia das Constituições Apostólicas.
ARTIGO 1
"O RESUMO DE TODO O EVANGELHO"
2761 "A Oração dominical é realmente o resumo de todo o Evangelho." "Depois de nos
ter legado esta fórmula de oração, o Senhor acrescentou: 'Pedi e vos será dado' (Jo 16,24).
Cada qual pode, portanto, dirigir ao céu diversas orações conforme as suas necessidades, mas
começando sempre pela Oração do Senhor, que permanece a oração fundamental."
1. NO CENTRO DAS ESCRITURAS
2762 Depois de mostrar como os Salmos são o alimento principal da oração cristã e
convergem nos pedidos do Pai-Nosso, Sto. Agostinho conclui: Percorrei todas as orações que se
encontram nas Escrituras, e eu não creio que possais encontrar nelas algo que não esteja
incluído na oração do Senhor.
2763 Todas as Escrituras (a Lei, os Profetas e os Salmos) se realizam em Cristo. O Evangelho
é esta "Boa nova". Seu primeiro anúncio é resumido por S. Mateus no Sermão da Montanha. Ora,,
a oração ao Nosso Pai encontra-se no centro deste anúncio. E este contexto que ilumina cada
pedido da oração que o Senhor nos deixou:
A Oração dominical é a mais perfeita das orações... Nela, não só pedimos tudo quanto
podemos desejar corretamente, mas ainda segundo a ordem em que convém desejá-lo. De
modo que esta oração não só nos ensina a pedir, mas ordena também todos os nossos afetos.
2764 O Sermão da Montanha é doutrina de vida, a Oração do Senhor é oração, mas em
ambos o Espírito do Senhor dá forma nova aos nossos desejos, isto é, a estas moções interiores
que animam nossa vida. Jesus nos ensina esta vida nova por suas palavras e nos ensina a pedi-la
pela oração. Da retidão de nossa oração dependerá a retidão de nossa vida em Cristo.
II- "A ORAÇÃO DO SENHOR"
2765 A tradicional expressão "Oração dominical" [ou seja, "Oração do Senhor"] significa
que a oração ao nosso Pai nos foi ensinada e dada pelo Senhor Jesus. Esta oração que nos vem
de Jesus é realmente única: ela é "do Senhor". Com efeito, por um lado, mediante as palavras
desta oração, o Filho único nos dá as palavras que o Pai lhe deu; Ele é o Mestre de nossa oração.
Por outro lado, como Verbo encarnado, Ele conhece em seu coração de homem as
necessidades de seus irmãos e irmãs humanos e no-las revela; é o Modelo de nossa oração.
2766 Jesus, no entanto, não nos deixa uma fórmula a ser repetida maquinalmente. Como
vale em relação a toda oração vocal, é pela Palavra de Deus que o Espírito Santo ensina aos
filhos de Deus como rezar a seu Pai. Jesus nos dá não só as palavras de nossa oração filial, mas
também, ao mesmo tempo, o Espírito pelo qual elas se tornam em nós "espírito e vida" (Jo 6,).
Mais ainda: a prova e a possibilidade de nossa oração filial consiste no fato de que o Pai "enviou
aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Abba, Pai!" ( 4,6). Já que nossa oração
interpreta nossos desejos diante de Deus, é ainda "aquele que perscruta os corações", o Pai,
quem "sabe qual é o desejo do Espírito; pois é segundo Deus que ele intercede pelos santos" (Rm
8,27). A oração a Nosso Pai insere-se na missão misteriosa de Filho e do Espírito.
III. A ORAÇÃO DA IGREJA
2767 A Igreja recebeu e viveu desde as origens este dom indissociável das palavras do
Senhor e do Espírito Santo, que a elas dá vida no coração dos crentes. As primeiras comunidades
rezam a Oração do Senhor "três vezes ao dia", em lugar das "Dezoito bênçãos" em uso na
piedade judaica.
2768 Segundo a Tradição apostólica, a Oração do Senhor está essencialmente arraigada
na oração litúrgica.
O Senhor nos ensina a rezar nossas orações em comum por todos os nossos irmãos. Pois
não diz "meu Pai" que estás nos céus, mas "nosso" Pai, a fim de que nossa oração seja, com um só
coração e uma só alma, por todo o Corpo da Igreja.
Em todas as tradições litúrgicas, a Oração do Senhor é parte integrante das grandes horas
do Ofício Divino. Mas é sobretudo nos três sacramentos da iniciação cristã que seu caráter
eclesial aparece claramente.
2769 No Batismo e na Confirmação, a entrega ["traditio"] da Oração do Senhor significa o
novo nascimento para a vida divina. Já que a oração cristã consiste em falar a Deus com a
própria Palavra de Deus, os que são "regenerados mediante a Palavra do Deus vivo" (l Pd 1,23)
aprendem a invocar seu Pai mediante a única Palavra que ele sempre atende. E já podem
invocá-lo desde agora, pois o Selo da Unção do Espírito Santo foi-lhes gravado, indelevelmente,
sobre o coração, os ouvidos, os lábios, sobre todo o seu ser filial. É por isso que a maioria dos
comentários patrísticos do Pai-Nosso são dirigidos aos catecúmenos e aos neófitos. Quando a
Igreja reza a Oração do Senhor, é sempre o povo dos "renascidos" que reza e obtém
misericórdia.
2770 Na Liturgia Eucarística, a Oração do Senhor aparece como a oração de toda a
Igreja. Nela revela-se seu sentido pleno e sua eficácia. Situada entre a Anáfora (Oração
eucarística) e a Liturgia da comunhão, ela recapitula por um lado todos os pedidos e
intercessões expressos no movimento da Epiclese e, por outro, bate à porta do Festim do Reino
que a Comunhão sacramental vai antecipar.
2771 Na Eucaristia, a Oração do Senhor manifesta também o caráter escatológico de seus
pedidos. E a oração própria dos "últimos tempos", dos tempos da salvação que começaram com
a efusão do Espírito Santo e que terminarão com a Volta do Senhor. Os pedidos ao nosso Pai, ao
contrário das orações da Antiga Aliança, apóiam-se sobre o mistério da salvação já realizada,
uma vez por todas, em Cristo crucificado e ressuscitado.
2772 Desta fé inabalável brota a esperança que anima cada um dos sete pedidos. Estes
exprimem os gemidos do tempo presente, este tempo de paciência e de espera durante o qual
"ainda não se manifestou o que nós seremos" (1 Jo 3,2). A Eucaristia e o Pai-Nosso apontam para
a vinda do Senhor, "até que Ele venha" (1 Cor 11,26).
RESUMINDO
2773 Atendendo ao pedido de seus discípulos ("Senhor, ensina-nos a orar": Lc 11,1), Jesus
lhes confia a oração cristã fundamental do Pai-Nosso.
2774 "A Oração dominical é realmente o resumo de todo o Evangelho", "a mais perfeita
das orações" Está no centro das Escrituras.
2775 É chamada "Oração dominical" porque nos vem do Senhor; Jesus, Mestre e Modelo
de nossa oração.
2776 A Oração dominical é a oração da Igreja por excelência. É parte integrante das
grandes Horas do Oficio Divino e dos sacramentos da iniciação cristã: Batismo, Confirmação e
Eucaristia. Integrada na Eucaristia, ela manifesta o caráter "escatológico" de seus pedidos, na
esperança do Senhor, "até que Ele venha" (1 Cor 11,26):
ARTIGO 2
"PAI NOSSO QUE ESTAIS NO CÉU"
I. "OUSAR APROXIMAR-NOS COM TODA A CONFIANÇA"
2777 Na liturgia romana, a assembléia eucarística é convidada a rezar o Pai-Nosso com
ousadia filial; as liturgias orientais utilizam e desenvolvem expressões análogas: "Ousar com toda a
segurança", "torna-nos dignos de". Diante da sarça ardente, foi dito a Moisés: "Não te aproximes
daqui; tira as sandálias" (Ex 3,5). Este limiar da Santidade divina só Jesus podia transpor, Ele que,
"depois de ter realizado a purificação dos pecados" (Hb 1,3), nos introduz diante da Face do Pai:
"Eis-me aqui com os filhos que Deus me deu" (Hb 2,13).
A consciência que temos de nossa situação de escravos nos faria desaparecer debaixo
da terra, nossa condição terrestre se reduziria a pó, se a autoridade de nosso Pai e o Espírito de
seu Filho não nos levassem a clamar: "Abba, Pai!" (Rm 8,15)... Quando ousaria a fraqueza de um
mortal chamar a Deus seu Pai, senão apenas quando o íntimo do homem é animado pela Força
do a1to[a32] ?
2778 Esta força do Espírito que nos introduz na Oração do Senhor traduz-se nas liturgias
do Oriente e do Ocidente pela bela expressão tipicamente cristã: "parrhesia", simplicidade sem
rodeios, confiança filial, jovial segurança, audácia humilde, certeza de ser amado.
II. "PAI!"
2779 Antes de fazer nossa esta primeira invocação da Oração do Senhor, convém
purificar humildemente nosso coração de certas imagens falsas a respeito "deste mundo". A
humildade nos faz reconhecer que "ninguém conhece o Pai senão o Filho ele a quem o Filho o
quiser revelar" (Mt 11 ,27), isto e, aos pequeninos" (Mt 11,25). A purificação do coração diz
respeito às imagens paternas ou maternas oriundas de nossa história pessoal e cultural e que
influenciam nossa relação com Deus. Deus nosso Pai transcende as categorias do mundo criado.
Transpor para Ele, ou contra Ele, nossas idéias neste campo seria fabricar ídolos, para adorar ou
para demolir. Orar ao Pai é entrar em seu mistério, tal qual Ele é, e tal como o Filho no-lo revelou:
A expressão "Deus Pai" nunca fora revelada a ninguém. Quando o próprio Moisés
perguntou a Deus quem Ele era, ouviu outro nome. A nós este nome foi revelado no Filho, pois
este nome novo implica o nome novo de Pai.
2780 Podemos invocar a Deus como "Pai", porque Ele nos foi revelado por seu Filho feito
homem e porque seu Espírito no-lo faz conhecer. Aquilo que o homem não pode conceber nem
as potências angélicas podem entrever, isto é, a relação pessoal do Filho com o Pai, eis que o
Espírito do Filho nos faz participar nela (nessa relação pessoal), nós, que cremos que Jesus é o
Cristo e (cremos) que somos nascidos de Deus.
2781 Quando rezamos ao Pai, estamos em comunhão com Ele e com seu Filho, Jesus
Cristo. E então que o conhecemos e o reconhecemos num maravilhamento sempre novo. A
primeira palavra da Oração do Senhor é uma bênção de adoração, antes de ser uma súplica.
Pois a Glória de Deus é que nós o reconheçamos como "Pai", Deus verdadeiro. Rendemo-lhe
graças por nos ter revelado seu Nome, por nos ter concedido crer nele e por sermos habitados
por sua Presença.
2782 Podemos adorar o Pai porque Ele nos fez renascer para sua Vida, adotando-nos
como filhos em seu Filho único: pelo Batismo, Ele nos incorpora no Corpo de seu Cristo e, pela
Unção de seu Espírito, que se derrama da Cabeça para os membros, faz de nós "cristos" (isto é,
"ungidos"). Deus, que nos predestinou à adoção de filhos, tomou-nos conformes ao Corpo
glorioso de Cristo. Doravante, portanto, como participantes do Cristo, vós sois com justa razão
chamados "cristos". O homem novo, renascido e restituído a seu Deus pela graça, diz, antes de
mais nada, "Pai!", porque se tornou filho
2783 Assim, portanto, pela Oração do Senhor, somos revelados a nós mesmos ao mesmo
tempo que o Pai nos é revelado: Ó homem, não ousavas levantar teu rosto ao céu, baixavas os
olhos para a terra, e de repente recebeste a graça de Cristo: todos os teus pecados te foram
perdoados. De servo mau te tomaste um bom filho... Levanta, pois, os olhos para o Pai que te
resgatou por seu Filho e dize: Pai nosso... Mas não exijas nenhum privilégio. Somente de Cristo Ele
é Pai, de modo especial; para nós é Pai em comum, porque gerou somente a Ele; a nós, ao
invés, Ele nos criou. Dize, portanto, também tu, pela graça: Pai Nosso, a fim de mereceres ser seu
filho.
2784 Este dom gratuito da adoção exige de nossa parte uma conversão contínua e uma
vida nova. Rezar a nosso Pai deve desenvolver em nós, duas disposições fundamentais: O desejo
e a vontade de assemelhar-se a Ele. Criados à sua imagem, é por graça que a semelhança nos
é dada e a ela devemos responder. Quando chamamos a Deus de "nosso Pai", precisamos
lembrar-nos de que devemos comportar-nos como filhos de Deus .
Não podeis chamar de vosso Pai ao Deus de toda bondade, se conservais um coração
cruel e desumano; pois nesse caso já não tendes mais em vós a marca da bondade do Pai
celeste.
É preciso contemplar sem cessar a beleza do Pai e com ela impregnar nossa alma[a50] .
2785 Um coração humilde e confiante que nos faz "retornar à condição de crianças" (Mt
18,3), porque e aos pequeninos que o Pai se revela (Mt 11,25):
É um olhar sobre Deus tão-somente, um grande fogo de amor.
A alma nele se dissolve e se abisma na santa dileção, e se entretém com Deus como com
seu próprio Pai, bem familiarmente, com ternura de piedade toda particular.
Nosso Pai: este nome suscita em nós, ao mesmo tempo, o amor, a afeição na oração, (...)
e também a esperança de alcançar o que vamos pedir... Com efeito, o que poderia Ele recusar
ao pedido de seus olhos, quando já antes lhes permitiu ser seus filhos.
III. PAI "NOSSO"
2786 Pai "Nosso" refere-se a Deus. De nossa parte, este adjetivo não exprime uma posse,
mas uma relação inteiramente nova com Deus.
2787 Quando dizemos Pai "nosso", reconhecemos primeiramente que todas as suas
promessas de amor anunciadas pelos profetas se cumprem na nova e eterna Aliança em Cristo:
nós nos tornamos seu Povo e Ele é, doravante, "nosso" Deus. Esta relação nova é uma pertença
mútua dada gratuitamente: é pelo amor e pela fidelidade que devemos responder "à graça e à
verdade" que nos são dadas em Jesus Cristo.
2788 Como a Oração do Senhor é a de seu Povo nos "últimos tempos", este "nosso" exprime
também a certeza de nossa esperança na última promessa de Deus; na Jerusalém nova, dirá Ele
ao vencedor: "Eu serei seu Deus e ele será meu filho" (Ap 21,7).
2789 Rezando ao "nosso" Pai, é ao Pai 4e Nosso Senhor Jesus Cristo que nos dirigimos
pessoalmente. Não dividimos a divindade, porque o Pai é dela "a fonte e a origem", mas
confessamos, com isso, que eternamente o Filho é gerado por Ele e que dele procede o Espírito
Santo. Tampouco confundimos as Pessoas, porque confessamos que nossa comunhão é com o
Pai e seu Filho, Jesus Cristo, em seu único Espírito Santo. A Santíssima Trindade é consubstancial e
indivisível. Quando rezamos ao Pai, nós o adoramos e o glorificamos com o Filho e o Espírito
Santo.
2790 Gramaticalmente, nosso qualifica uma realidade comum a vários. Não há senão um
só Deus, e Ele é reconhecido como Pai pelos que, mediante a fé em seu Filho único, renasceram
dele pela água e pelo Espírito. A Igreja é esta nova comunhão entre Deus e os homens; unida ao
Filho único tornado "o primogênito entre muitos irmãos" (Rm 8,29), ela está em comunhão com
um só e mesmo Pai, em um só e mesmo Espírito Santo. Rezando ao "nos- Pai, cada batizado reza
nesta Comunhão: "A multidão dos que haviam crido era um só coração e uma só alma" (At 4,32).
2791 Por isso, apesar das divisões dos cristãos, a oração ao "nosso" Pai continua sendo o
bem comum e um apelo urgente para todos os batizados. Em comunhão mediante a fé em
Cristo e mediante o Batismo, devem eles participar na oração de Jesus para a unidade de seus
discípulos.
2792 Enfim, se rezamos verdadeiramente ao "Nosso Pai", saímos do individualismo, pois o
Amor que acolhemos nos liberta (do individualismo). O "nosso" do início da Oração do Senhor,
como o "nós" dos quatro últimos pedidos, não exclui ninguém. Para que seja dito em verdade,
nossas divisões e oposições devem ser superadas.
2793 Os batizados não podem rezar ao Pai "nosso" sem levar para junto dele todos aqueles
por quem Ele entregou seu Filho bem-amado. O amor de Deus é sem fronteiras; nossa oração
também deve sê-lo. Rezar ao "nosso" Pai abre-nos para as dimensões de Seu amor manifestado
no Cristo: rezar com e por todos os homens que ainda não O conhecem, a fim de que sejam
"congregados na unidade". Esta solicitude divina por todos os homens e por toda a criação
animou todos os grandes orantes e deve dilatar nossa oração em amplidão de amor quando
ousamos dizer Pai "nosso".
IV. "QUE ESTAIS NO CÉU"
2794 Esta expressão bíblica não significa um lugar ["o espaço], mas uma maneira de ser;
não o afastamento de Deus, mas sua majestade. Nosso Pai não está "em outro lugar", Ele está
"para além de tudo" quanto possamos conceber a respeito de sua Santidade. Porque Ele é três
vezes Santo, está bem próximo do coração humilde e contrito:
É com razão que estas palavras "Pai Nosso que estais no céu" provêm do coração dos
justos, onde Deus habita como que em seu templo. Por elas também o que reza desejará ver
morar em si aquele que ele invoca.
Os "céus" poderiam muito bem ser também aqueles que trazem a imagem do mundo
celeste, nos quais Deus habita e passeia.
2795 O símbolo dos céus nos remete ao mistério da Aliança que vivemos quando rezamos
ao nosso Pai. Ele está nos céus que são sua Morada; a Casa do Pai é, portanto, nossa "pátria". Foi
da terra da Aliança que o pecado nos exilou e é para o Pai, para o céu, que a conversão do
coração nos faz voltar. Ora, é no Cristo que o céu e a terra são reconciliados, pois o Filho "desceu
do céu", sozinho, e para lá nos faz subir com ele, por sua Cruz, sua Ressurreição e Ascensão.
2796 Quando a Igreja reza "Pai nosso que estais nos céus", professa que somos o Povo de
Deus já assentados nos céus, em Cristo Jesus", "escondidos com Cristo em Deus" e, ao mesmo
tempo, "gememos pelo desejo ardente de revestir por cima de nossa morada terrestre a nossa
habitação celeste" (2Cor 5,2)
Os cristãos estão na carne, mas não vivem segundo a carne. Passam sua vida na terra,
mas são cidadãos do céu.
RESUMINDO
2797 A confiança simples e fiel, a segurança humilde e alegre são as disposições que
convêm a quem reza o Pai-Nosso.
2798 Podemos invocar a Deus como "Pai" porque o Filho de Deus feito homem no-lo
revelou, Ele, em quem, pelo Batismo, somos incorporados e adotados como filhos de Deus.
2799 A oração do Senhor nos põe em comunhão com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo.
Ao mesmo tempo, ela nos revela a nós mesmos.
800 Rezar ao Pai "nosso" deve desenvolver em nós a vontade de nos assemelhar a Ele e
(fazer crescer em nós) um coração humilde e confiante.
2801 Dizendo Pai Nosso, invocamos a Nova Aliança em Jesus Cristo, a comunhão com a
Santíssima Trindade e a caridade divina que se estende, pela igreja, às dimensões do mundo.
2802 "Que estais nos céus" não designa um lugar, mas a majestade de Deus e sua
presença no coração dos justos. O céu, a Casa do Pai, constitui a verdadeira pátria para onde
nos dirigimos e à qual já pertencemos.
ARTIGO 3
OS SETE PEDIDOS
2803 Depois de nos ter posto na presença de Deus, nosso Pai, para adorá-lo, amá-lo e
bendizê-lo, o Espírito filial faz subir de nossos corações sete pedidos, sete bênçãos. Os três
primeiros, mais teologais, nos atraem para a Glória do Pai; os quatro últimos, como caminhos
para Ele, oferecem nossa miséria à sua Graça. "Um abismo grita a outro abismo" (Sl 42,8).
2804 A primeira série de pedidos nos leva em direção a Ele, para Ele: vosso Nome, vosso
Reino, vossa Vontade! E próprio do amor pensar primeiro naquele que amamos. Em cada um
destes três pedidos não nos mencionamos, mas o que se apodera de nós é "o desejo ardente", "a
angústia" até, do Filho bem-amado para a Glória de seu Pai: "Seja santificado... Venha... Seja
feita...": essas três súplicas já foram atendidas pelo Sacrifício do Cristo Salvador, mas se elevam
doravante, na esperança, para seu cumprimento final, enquanto Deus ainda não é tudo em
todos.
2805 A segunda série de pedidos desenrola-se no ritmo de certas Epicleses eucarísticas: é
apresentação de nossas expectativas e atrai o olhar do Pai das misericórdias. Sobe de nós e nos
diz respeito desde agora, neste mundo: "Dai-nos... perdoai--nos... não nos deixeis... livrai-nos". O
quarto e o quinto pedidos referem-se à nossa vida, como tal, seja para alimentá-la, seja para
curá-la do pecado; os dois últimos referem-se ao nosso combate pela vitória da Vida, o combate
da própria oração.
2806 Mediante os três primeiros pedidos, somos confirmados na fé, repletos de esperança
e abrasados pela caridade. Criaturas e ainda pecadores, devemos pedir por nós, estendendo
este "nós" até as dimensões do mundo e da história que oferecemos ao amor sem medida de
nosso Deus. Porque é pelo Nome de seu Cristo e pelo Reino de seu Espírito Santo que nosso Pai
realiza seu plano de salvação, por nós e pelo mundo inteiro.
I Santificado seja vosso Nome
2807 O termo "santificar" deve ser entendido aqui não primeiramente em seu sentido
causativo (só Deus santifica, torna santo), mas sobretudo num sentido estimativo: reconhecer
como santo, tratar de maneira santa. E assim que, na adoração, esta invocação é às vezes
compreendida como um louvor e uma ação de graças. Mas este pedido, um nos é ensinado por
Jesus como um optativo: um pedido, um desejo e uma espera em que Deus e o homem estão
empenhados. Desde o primeiro pedido a nosso Pai, somos mergulhados no mistério íntimo de sua
Divindade e no evento da salvação de nossa humanidade. Pedir-lhe que seu nome seja
santificado nos envolve na "decisão prévia que lhe aprouve tomar" (Ef 1,9) para "ser santos e
irrepreensíveis diante dele no amor" (Ef 1,4).
2808 Nos momentos decisivos de sua economia, Deus revela seu Nome, mas revela-o
realizando sua obra. Ora, esta obra só se realiza para nós e em nós se seu nome for santificado
por nós e em nós.
2809 A Santidade de Deus é o centro inacessível de seu ministério eterno. Ao que, deste
mistério, está manifestado na criação e na história, a Escritura chama de Glória, a irradiação de
sua majestade. Ao criar o homem "à sua imagem e semelhança" (Gn 1,26), Deus "o coroa de
glória'', mas, pecando, o homem é "privado da Glória de Deus". Sendo assim, Deus vai manifestar
sua Santidade revelando e dando seu Nome, a fim de restaurar o homem "segundo a imagem
de seu Criador" (Cl 3,10).
2810 Na promessa a Abraão, e no juramento que a acompanha, Deus empenha a si
mesmo, mas sem revelar seu Nome. É a Moisés que começa a revelá-lo, e o manifesta aos olhos
de todo o povo, salvando-o dos egípcios: "Ele se vestiu de glória" (Ex 15,1). A partir da Aliança do
Sinai, este povo é "seu" e deve ser uma "nação santa" (ou consagrada: é a mesma palavra em
hebraico) porque o nome de Deus habita nele.
2811 Ora, apesar da Lei santa que o Deus Santo lhe dá e torna a dar, e embora o Senhor,
"em consideração a seu nome", use de paciência, o povo se desvia do Santo de Israel e "profana
seu nome entre as nações". Foi por isso que os justos da Antiga Aliança, os pobres que retornaram
do exílio e os profetas, ficaram abrasados pela paixão do Nome.
2812 Por fim, em Jesus, o Nome do Deus Santo nos é revelado e dado, na carne, como
Salvador: revelado, por aquilo que Ele E, por sua Palavra e por seu Sacrifício. E o cerne de sua
oração sacerdotal: "Pai santo... por eles a mim mesmo me santifico, para que sejam santificados
na verdade" (Jo 17,19). E por "santificar" Ele mesmo o seu nome que Jesus nos manifesta" o Nome
do Pai. Ao final de sua Páscoa, o Pai lhe dá então o nome que está acima de todo nome: Jesus
é Senhor para a glória de Deus Pai.
2813 Na água do Batismo fomos "lavados, santificados, justificados em nome do Senhor
Jesus Cristo e pelo Espírito de nosso Deus" (1 Cor 6,11). Durante toda nossa vida, nosso Pai "nos
chama à santidade" (l Ts 4,7). E, já que é "por ele que vós sois em Cristo Jesus, que se tornou para
nós santificação" (1 Cor 1,30), contribui para sua Glória e para nossa vida o fato de seu nome ser
santificado em nós e por nós. Essa é a urgência de nosso primeiro pedido. Quem poderia
santificar a Deus, já que é Ele mesmo quem santifica? Mas, inspirando-nos nesta palavra: "Sede
santos porque eu sou Santo" (Lv 11,44), nós pedimos que, santificado pelo Batismo, perseveremos
naquilo que começamos a ser. pedimo-lo todos os dias, porque cometemos faltas todos os dia e
devemos purificar-nos de nossos pecados por uma santificação retomada sem cessar...
Recorremos, portanto, à oração para esta santidade permaneça em nós.
2814 Depende, inseparavelmente, de nossa vida e de nossa oração que seu Nome seja
santificado entre as nações: Pedimos a Deus que santifique seu Nome, porque é pela santidade
que Ele salva e santifica toda a criação... Trata-se do Nome que dá a salvação ao mundo
perdido, mas pedimos que Nome de Deus seja santificado em nós por nossa vida. Pois, se
vivermos bem, o Nome divino é bendito; mas, se vivermos mal, ele é blasfemado, segundo a
palavra do Apóstolo: "O Nome de Deus está sendo blasfemado por vossa causa entre os
pagãos” (Rm 2,24). Rezamos, portanto, para merecer ter em nossas almas tanta santidade
quanto é santo o Nome de nosso Deus. Quando dizemos "santificado seja o vosso Nome",
pedimos que ele seja santificado em nós que estamos nele, mas também nos outros que a
graça de Deus ainda aguarda, a fim de conformar-nos aos preceito, que nos obriga a rezar por
todos, mesmo por nossos inimigos. E por isso que não dizemos expressamente: vosso Nome seja
santificado "em nós", porque pedimos que ele o seja em todos os homens.
2815 Este pedido, que contém todos os pedidos, é atendido pela oração de Cristo, como
os seis outros que seguem. A oração ao nosso Pai é nossa oração se for rezada "no Nome” de
Jesus. Jesus pede em sua oração sacerdotal: "Pai sai guarda em teu Nome os que me deste" (Jo
17,11).
II. Venha a nós o vosso Reino
2816 No Novo Testamento o mesmo termo "Basiléia" pode ser traduzido por realeza (nome
abstrato), reino (nome concreto) ou reinado (nome de ação). O Reino de Deus existe antes de
nós. Aproximou-se no Verbo encarnado, é anunciado ao longo de todo o Evangelho, veio na
morte e na Ressurreição de Cristo. O Reino de Deus vem desde a santa Ceia e na Eucaristia: ele
está no meio de nós. O Reino virá na glória quando Cristo o restituir a seu Pai:
O Reino de Deus pode até significar o Cristo em pessoa, a quem invocamos com nossas
súplicas todos os dias e cuja vinda queremos apressar por nossa espera. Assim como Ele é nossa
Ressurreição, pois nele nós ressuscitamos, assim também pode ser o Reino de Deus, pois nele nós
reinaremos.
2817 Este pedido é o "Marana Tha", o grito do Espírito e da Esposa: "Vem, Senhor Jesus":
Mesmo que esta oração não nos tivesse imposto um dever de pedir a vinda deste Reino,
nós mesmos, por nossa iniciativa, teríamos soltado este grito, apressando-nos a ir abraçar nossas
esperanças. As almas dos mártires, sob o altar, invocam o Senhor com grandes gritos: "Até
quando, Senhor, tardarás a pedir contas de nosso sangue aos habitantes da terra?" (Ap 6,10).
Eles devem, com efeito, obter justiça no fim dos tempos. Senhor, apressa portanto a vinda de teu
reinado.
2818 Na Oração do Senhor, trata-se principalmente da vinda final do Reinado de Deus
mediante o retorno de Cristo. Mas este desejo não desvia a Igreja de sua missão neste mundo,
antes a empenha ainda mais nesta missão. Pois a partir de Pentecostes a vinda do Reino é obra
do Espírito do Senhor "para santificar todas as coisas, levando à plenitude a sua obra".
2819 "O Reino de Deus é justiça, paz e alegria no Espírito Santo" (Rm 14,17). Os últimos
tempos, que estamos vivendo, são os tempos da efusão do Espírito Santo. Trava-se, por
conseguinte, um combate decisivo entre "a carne" e o Espírito:
Só um coração puro pode dizer com segurança: "Venha a nós o vosso Reino". E preciso ter
aprendido com Paulo para dizer: "Portanto, que o pecado não impere mais em vosso corpo
mortal" (Rm 6,12). Quem se conserva puro em suas ações, em seus pensamentos e em suas
palavras pode dizer a Deus: "Venha o vosso Reino["
2820 Num trabalho de discernimento segundo o Espírito, devem os cristãos distinguir entre
o crescimento do Reino de Deus e o progresso da cultura e da sociedade em que estão
empenhados. Esta distinção não é separação. A vocação do homem para a vida eterna não
suprime, antes reforça seu dever de acionar as energias e os meios recebidos do Criador para
servir neste mundo à justiça e à paz.
2821 Este pedido está contido e é atendido na oração de Jesus, presente e eficaz na
Eucaristia; produz seu fruto na vida nova segundo as Bem-aventuranças.
III. SEJA FEITA A VOSSA VONTADE ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU
2822 É Vontade de nosso Pai "que todos os homens sejam salvos e cheguem ao
conhecimento da verdade" (1 Tm 2,3-4). Ele “usa de paciência, porque não quer que ninguém se
perca" (2Pd 3,9). Seu mandamento, que resume todos os outros, e que nos diz toda a sua
vontade, é que "nos amemos uns aos outros, como Ele nos amou”.
2823 "Deu-nos a conhecer o mistério de sua vontade, conforme decisão prévia que lhe
aprouve tomar: .. .a de em Cristo encabeçar todas as coisas... Nele, predestinados pelo propósito
daquele que tudo opera segundo o conselho de sua Vontade, fomos feitos sua herança" (Ef 1,9-
11). Pedimos que se realize plenamente este desígnio amoroso na terra, como já acontece no
céu.
2824 No Cristo, e por sua vontade humana, a Vontade do Pai foi realizada completa e
perfeitamente e uma vez por todas. Jesus disse ao entrar neste mundo: "Eis-me aqui, eu vim, ó
Deus, para fazer a tua vontade" (Hb 10,7). Só Jesus pode dizer: “Faço sempre o que lhe agrada"
(Jo 8,29). Na oração de sua agonia, ele consente totalmente com esta vontade: "Não a minha
vontade mas a tua seja feita!" (Lc 22,42). É por isso que Jesus “se entregou a si mesmo por nossos
pecados, segundo a vontade de Deus" (Gl 1,4). "Graças a esta vontade é que somos santificados
pela oferenda do corpo de Jesus Cristo" (HB 10,10).
2825 Jesus, "embora fosse Filho, aprendeu, contudo, a obediência pelo sofrimento" (Hb
5,8). Com maior razão, nós, criaturas e pecadores, que nos tornamos nele filhos adotivos,
pedimos ao nosso Pai que una nossa vontade à de seu Filho para realizar sua Vontade, seu plano
de salvação para a vida do mundo. Somos radicalmente incapazes de fazê-lo; mas, unidos a
Jesus e com a força de seu Espírito Santo, podemos entregar-lhe nossa vontade e decidir-nos a
escolher o que seu Filho sempre escolheu: fazer o que agrada ao Pai. Aderindo a Cristo,
podemos tornar-nos um só espírito com ele, e com isso realizar sua Vontade; dessa forma ela será
cumprida perfeitamente na terra como no céu. Considerai como Jesus Cristo nos ensina a ser
humildes, ao fazer-nos ver que nossa virtude não depende só de nosso trabalho, mas da graça
de Deus. Ele ordena aqui, a cada fiel que reza, que o faça universalmente, isto é, por toda a
terra. Pois não diz "seja feita a vossa vontade" em mim ou em vós, mas em toda a terra", a fim de
que dela seja banido o erro, nela reine a verdade, o vício seja destruído, a virtude floresça
novamente, e que a terra não mais seja diferente do céu.
2826 Pela oração é que podemos "discernir qual é a vontade de Deus" e obter "a
perseverança para cumpri-la". Jesus nos ensina que entramos no Reino dos céus não por
palavras, mas praticando a vontade de meu Pai que está nos céus" (Mt 7,21).
2827 "Se alguém faz a vontade de Deus, a este Deus escuta" (Jo 9,31). Tal é a força da
oração da Igreja em Nome de seu Senhor, sobretudo na Eucaristia; é comunhão de intercessão
com a Santíssima Mãe de Deus e com todos os santos que foram "agradáveis" ao Senhor por não
terem querido fazer senão a sua Vontade:
Podemos ainda, sem ferir a verdade, traduzir estas palavras: “Seja feita a vossa vontade
assim na terra como no céu" por estas: na Igreja, como em nosso Senhor, Jesus Cristo; na Esposa
que Ele desposou, como no Esposo que realizou a Vontade do Pai.
IV. O PÃO NOSSO DE CADA DIA NOS DAI HOJE
2828 "Dai-nos": é bela a confiança dos filhos que tudo esperam de seu Pai. "Ele faz nascer o
seu sol igualmente sobre maus e bons e cair chuva sobre justos e injustos" (Mt 5,45) e dá a todos
os seres vivos "o alimento a seu tempo" (Sl 104,27). Jesus nos ensina a fazer este pedido, que
glorifica efetivamente nosso Pai, porque reconhece como Ele é Bom para além de toda
bondade.
2829 "Dai-nos" é ainda expressão da Aliança: pertencemos a Ele e Ele pertence a nós, age
em nosso favor. Mas esse “nós” o reconhece também como o Pai de todos os homens e nós lhe
pedimos por todos eles, em solidariedade com suas necessidades e sofrimentos.
2830 "O pão nosso." O Pai, que nos dá a vida, não pode deixar de nos dar o alimento
necessário à vida, todos os bens "úteis”, materiais e espirituais. No Sermão da Montanha, Jesus
insiste nesta confiança filial que coopera com a Providência de nosso Pai. Não nos exorta a
nenhuma passividade, mas quer libertar-nos de toda inquietação e de toda preocupação. É
esse o abandono filial dos filhos de Deus:
Aos que procuram o Reino e a justiça de Deus, ele promete dar tudo por acréscimo. Com
efeito, tudo pertence a Deus: a quem possui Deus, nada lhe falta, se ele próprio não falta a Deus.
2831 A presença dos que têm fome por falta de pão, no entanto, revela outra
profundidade deste pedido. O drama da fome no mundo convoca os cristãos que rezam em
verdade para uma responsabilidade efetiva em relação a seus irmãos, tanto nos
comportamentos pessoais como em sua solidariedade com a família humana. Este pedido da
Oração do Senhor não pode ser isolado das parábolas do pobre Lázaro e do Juízo Final.
2832 Como o fermento na massa, a novidade do Reino deve elevar o mundo pelo Espírito
de Cristo. Deve manifestar-se pela instauração da justiça nas relações pessoais e sociais,
econômicas e internacionais, sem jamais esquecer que não existe estrutura justa sem seres
humanos que queiram ser justos.
2833 Trata-se de "nosso" pão, "um" para "muitos". A pobreza das bem-aventuranças é a
virtude da partilha que convoca a comunicar e partilhar os bens materiais e espirituais, não por
coação, mas por amor, para que a abundância de uns venha em socorro das necessidades dos
outros.
2834 "Reza e trabalha." "Rezai como se tudo dependesse de Deus e trabalhai como se
tudo dependesse de vós." Tendo realizado nosso trabalho, o alimento fica sendo um dom de
nosso Pai; convém pedi-lo e disso render-lhe graças. É esse o sentido da bênção da mesa numa
família cristã.
2835 Este pedido e a responsabilidade que ele implica valem também para outra fome
da qual os homens padecem: "O homem não vive apenas de pão, mas de tudo aquilo que
procede da boca de Deus" (Mt 4,4), isto é, sua Palavra e seu Sopro. Os cristãos devem envidar
todos os seus esforços para "anunciar o Evangelho aos pobres". Há uma fome na terra, "não fome
de pão, nem sede de água, mas de ouvir a Palavra de Deus" (Am 8,11). Por isso, o sentido
especificamente cristão desse quarto pedido refere-se ao Pão de Vida: a Palavra de Deus a ser
acolhida na fé, o Corpo de Cristo recebido na Eucaristia.
2836 "Hoje" é também uma expressão de confiança. O no-lo ensina; nossa presunção
não podia inventá-la. Como se trata sobretudo de sua Palavra e do Corpo de seu Filho, este
"hoje não é só o de nosso tempo mortal: é o Hoje de Deus:
Se recebes o pão cada dia, cada dia é para ti hoje. Se Cristo es ao teu dispor hoje, todos
os dias Ele ressuscita para ti. Como dá isso? "Tu és meu filho, eu hoje te gerei" (Sl 2,7). Hoje, isto é,
quando Cristo ressuscita.
2837 "De cada dia." Esta palavra, "epiousios" (pronuncie: epiússios), não é usada em
nenhum outro lugar no Novo Testamento. Tomada em um sentido temporal, é uma retomada
pedagógica de "hoje" para nos confirmar numa confiança “sem reserva". Tomada em sentido
qualitativo, significa o necessário à vida, e, em sentido mais amplo, todo bem suficiente para a
subsistência. Literalmente (epiousios: "supersubstancial"), designa diretamente o Pão de Vida, o
Corpo de Cristo, "remédio de imortalidade", sem o qual não temos a Vida em nós. Enfim, ligado
ao que precede, o sentido celeste é evidente: "este Dia” é o Dia do Senhor, o do Banquete do
Reino, antecipado na Eucaristia que é já o antegozo do Reino que vem. Por isso convém que a
Liturgia eucarística seja celebrada "cada dia.
A Eucaristia é nosso pão cotidiano. A virtude própria deste alimento divino é uma força de
união que nos vincula ao Corpo do Salvador e nos faz seus membros, a fim de que nos
transformemos naquilo que recebemos... Este pão cotidiano está ainda nas leituras que ouvis
cada dia na Igreja, nos hinos que são cantados e que vós cantais. Tudo isso é necessário à nossa
peregrinação.
O Pai do céu nos exorta a pedir, como filhos do céu, o Pão do céu. Cristo "é Ele mesmo o
pão que, semeado na Virgem, levedado na carne, amassado na Paixão, cozido no forno do
sepulcro, colocado em reserva na Igreja, levado aos altares, proporciona cada dia aos fiéis um
alimento celeste".
V. PERDOAI-NOS AS NOSSAS OFENSAS, ASSIM COMO NÓS PERDOAMOS AOS QUE NOS TÊM
OFENDIDO
2838 Este pedido é surpreendente. Se comportasse apenas o primeiro membro da frase
"Perdoai-nos as nossas ofensas" - poderia ser incluído, implicitamente, nos três primeiros pedidos
da Oração do Senhor, pois o Sacrifício de Cristo é "para a remissão dos pecados". Mas, de
acordo com um segundo membro da frase, nosso pedido não será atendido, a não ser que
tenhamos antes correspondido a uma exigência. Nosso pedido é voltado para o futuro, nossa
resposta deve tê-lo precedido; uma palavra os liga: "Como".
PERDOAI-NOS AS NOSSAS OFENSAS
2839 Com audaciosa confiança, começamos a rezar a nosso Pai. Ao suplicar-lhe que seu
nome seja santificado, lhe pedimos a graça de sempre mais sermos santificados. Embora
revestidos da veste batismal, nós não deixamos de pecar, de desviar-nos de Deus. Agora, neste
novo pedido, nós nos voltamos a ele, como o filho pródigo, e nos reconhecemos pecadores,
diante dele, como o publicano. Nosso pedido começa por uma "confissão", na qual declaramos,
ao mesmo tempo, nossa miséria e sua Misericórdia. Nossa esperança é firme, porque, em seu
Filho, "temos a redenção, a remissão dos pecados" (Cl 1,14). Encontramos o sinal eficaz e
indubitável de seu perdão nos sacramentos de sua Igreja .
2840 Ora, e isso é tremendo, este mar de misericórdia não pode penetrar em nosso
coração enquanto não tivermos perdoado aos que nos ofenderam. O amor, como o Corpo de
Cristo, é indivisível: não podemos amar o Deus que não vemos, se não amamos o irmão, a irmã,
que vemos. Recusando-nos a perdoar nossos irmãos e irmãs, nosso coração se fecha, sua dureza
o torna impermeável ao amor misericordioso do Pai confessando nosso pecado, nosso coração
se abre à sua graça.
2841 Este pedido é tão importante que é o único ao qual o Senhor volta e que desenvolve
no Sermão da Montanha. Esta exigência crucial do mistério da Aliança é impossível para o
homem. Mas "tudo é possível a Deus" (Mt 19,26).
...ASSIM COMO NÓS PERDOAMOS A QUEM NOS TEM OFENDIDO
2842 Este "como" não é único no ensinamento de Jesus: "Deveis ser perfeitos 'como'
vosso Pai celeste é perfeito" (Mt 5,48); "Sede misericordiosos 'como' vosso Pai é misericordioso" (Lc
6,36); "Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros 'como' eu vos amei" (Lc
13,34). Observar o mandamento do Senhor é impossível se quisermos imitar, de fora, o modelo
divino. Trata-se de participar, de forma vital e "do fundo do coração", na Santidade, na
Misericórdia, no Amor de nosso Deus. Só o Espírito que é "nossa Vida" (Gl 5,25) pode fazer "nossos"
os mesmos sentimentos que teve Cristo Jesus. Então torna-se possível a unidade do perdão,
"perdoando-nos mutuamente 'como Deus em Cristo nos perdoou" (Ef 4,32).
2843 Assim adquirem vida as palavras do Senhor sobre o perdão, esse Amor que ama
até o extremo do amor. A parábola do servo desumano, que coroa o ensinamento do Senhor
sobre a comunhão eclesial, termina com esta palavra: "Eis como meu Pai celeste agirá
convosco, se cada um de vós não perdoar, de coração, o seu irmão". Com efeito, é "no fundo
do coração" que tudo se faz e se desfaz. Não está em nosso não mais sentir e esquecer a ofensa;
mas o coração que entrega ao Espírito Santo transforma a ferida em compaixão purifica a
memória, transformando a ofensa em intercessão.
2844 A oração cristã chega até o perdão dos inimigos. Transforma o discípulo,
configurando-o a seu Mestre. O perdão é um ponto alto da oração cristã; o dom da oração não
pode ser recebido a não ser num coração em consonância com a compaixão divina. O perdão
dá também testemunho de que, em nosso mundo, o amor é mais forte que o pecado. Os
mártires, de ontem e de hoje, dão este testemunho de Jesus. O perdão é a condição
fundamental da Reconciliação dos filhos de Deus com seu Pai e dos homens entre si.
2845 Não há limite nem medida a esse perdão essencialmente divino. Tratando-se de
ofensas ("pecados", segundo Lc 11,4), ou "dívidas", segundo Mt 6,12), de fato somos sempre
devedores: "Não devais nada a ninguém, a não ser o amor mútuo" (Rm 13,8). A Comunhão da
Santíssima Trindade é a fonte e o critério da verdade de toda relação. Esta comunhão é vivida
na oração, sobretudo na Eucaristia: Deus não aceita o sacrifício dos que fomentam a desunião;
Ele ordena que se afastem do altar para primeiro se reconciliarem com seus irmãos: Deus quer ser
pacificado com orações de paz. Para Deus, a mais bela obrigação é nossa paz, nossa
concórdia, a unidade no Pai, no Filho e no Espírito Santo de todo o povo fiel.
VI. NÃO NOS DEIXEIS CAIR EM TENTAÇÃO
2846 Este pedido atinge a raiz do precedente, pois nossos pecados são fruto do
consentimento na, tentação. Pedimos ao nosso Pai que não nos "deixe cair" nela. E difícil traduzir,
com uma palavra só, a expressão grega "me eisenegkes" (pronuncie: "me eissenenkes"), que
significa "não permitas entrar em", "não nos deixeis sucumbir à tentação". "Deus não pode ser
tentado pelo mal e a ninguém tenta" (Tg 1,13); Ele quer, ao contrário, dela nos livrar. Nós lhe
pedimos que não nos deixe enveredar pelo caminho que conduz ao pecado. Estamos
empenhados no combate "entre a carne e o Espírito". Este pedido implora o Espírito de
discernimento e de fortaleza.
2847 O Espírito Santo nos faz discernir entre a provação, necessária ao crescimento do
homem interior em vista de uma "virtude comprovada", e a tentação, que leva ao pecado e à
morte. Devemos também discernir entre "ser tentado e consentir" na tentação. Por fim, o
discernimento desmascara a mentira da tentação: aparentemente, seu objeto é "bom, sedutor
para a vista, agradável” (Gn 3,6), ao passo que, na realidade, seu fruto é a morte. Deus não quer
impor o bem, ele quer seres livres... Para alguma coisa a tentação serve. Todos, com exceção de
Deus, ignoram o que nossa alma recebeu de Deus, até nós mesmos. Mas a tentação o
manifesta, para nos ensinar a conhecer-nos e, com isso, descobrir-nos nossa miséria e nos obrigar
a dar graças pelos bens que a tentação nos manifestou.
2848 "Não cair em tentação" envolve uma decisão do coração". Onde está o teu
tesouro, aí estará também teu coração... Ninguém pode servir a dois senhores" (Mt 6,21.24). "Se
vivemos pelo Espírito, pelo Espírito pautemos também nossa conduta" (Gl 5,25). Neste
consentimento" dado ao Espírito Santo, o Pai nos dá a força. "As tentações que vos acometeram
tiveram medida humana. Deus é fiel; não permitirá que sejais tentados acima de vossas forças.
Mas, com a tentação, Ele vos dará os meios de sair dela e a força para a suportar" (1 Cor 10,13).
2849 Ora, tal combate e tal vitória não são possíveis senão na oração. Foi por sua oração
que Jesus venceu o Tentador, desde o começo e no último combate de sua agonia. E a seu
combate e à sua agonia que Cristo nos une neste pedido a nosso Pai. A vigilância do coração é
lembrada com insistência em comunhão com a de Cristo. A vigilância consiste em "guardar o
coração", e Jesus pede ao Pai que "nos guarde em seu nome[”. O Espírito Santo procura manternos
sempre alerta para essa vigilância. Esse pedido adquire todo seu sentido dramático no
contexto da tentação final de nosso combate na terra; pede a perseverança final "Eis que venho
como um ladrão: feliz aquele que vigia!" (Ap 16,15).
VII. MAS LIVRAI-NOS DO MAL
2850 O último pedido ao nosso Pai aparece também na oração de Jesus: "Não te peço
que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno" (Jo 17,15). Diz respeito a cada um de nós
pessoalmente, mas somos sempre "nós" que rezamos em comunhão com toda a Igreja e pela
libertação de toda a família humana. A Oração do Senhor não cessa de abrir-nos para as
dimensões da economia da salvação. Nossa interdependência no drama do pecado e da
morte se transforma em solidariedade no Corpo de Cristo, na "comunhão dos santos".
2851 Neste pedido, o Mal não é uma abstração, mas designa uma pessoa, Satanás, o
Maligno, o anjo que se opõe a Deus. O "diabo" ("diabolos") é aquele que "se atira no meio" do
plano de Deus e de sua "obra de salvação" realizada em Cristo.
2852 "Homicida desde o princípio, mentiroso e pai da mentira" (Jo 8,), "Satanás, sedutor
de toda a terra habitada" (Ap 12,9), foi por ele que o pecado e a morte entraram no mundo e é
por sua derrota definitiva que a criação toda será "liberta da corrupção do pecado e da morte".
"Nós sabemos que todo aquele que nasceu de Deus não peca; o Gerado por Deus se preserva e
o Maligno não o pode atingir. Nós sabemos que Somos de Deus e que o mundo inteiro está sob o
poder do Maligno" (1 Jo 5,18-19). O Senhor, que arrancou vosso pecado e perdoou vossas faltas,
tem poder para vos proteger e vos guardar contra os ardis do Diabo que Vos combate, a fim de
que o inimigo, que costuma engendrar a falta, não vos surpreenda. Quem se entrega a Deus
não teme o Demônio. "Se Deus é por nós, quem será contra nós?" (Rm 8,31).
2853 A vitória sobre o "príncipe deste mundo" foi alcançada, de unia vez por todas, na
Hora em que Jesus se entregou livremente à morte para nos dar sua vida. É o julgamento deste
mundo, e o príncipe deste mundo é "lançado fora", "Ele põe-se a perseguir a Mulher", mas não
tem poder sobre ela: a nova Eva, "cheia de graça" por obra do Espírito Santo, é preservada do
pecado e da corrupção da morte (Imaculada Conceição e Assunção da Santíssima Mãe de
Deus, Maria, sempre virgem). "Enfurecido por causa da Mulher, o Dragão foi então guerrear
contra o resto de seus descendentes" (Ap 12,17). Por isso o Espírito e a Igreja rezam: "Vem, Senhor
Jesus" (Ap 22,17.20), porque a sua Vinda nos livrará do Maligno.
2854 Ao pedir que nos livre do Maligno, pedimos igualmente que sejamos libertados de
todos os males, presentes, passados e futuros, dos quais ele é autor ou instigador. Neste última
pedido, a Igreja traz toda a miséria do mundo diante do Pai. Com a libertação dos males que
oprimem a humanidade, ela implora o dom precioso da paz e a graça de esperar
perseverantemente o retorno de Cristo. Rezando dessa forma, ela antecipa, na humildade da fé,
a recapitulação de todos e de tudo naquele que "detém as chaves da Morte e do Hades" (Ap
1,18), "o Todo-Poderoso, Aquele que é, Aquele que era Aquele que vem" (Ap 1,8):
Livrai-nos de todos os males, ó Pai, e dai-nos hoje a vossa paz. Ajudados por vossa
misericórdia, sejamos sempre livres do pecado e protegidos de todos os perigos, enquanto,
vivendo a esperança, aguardamos a vinda do Cristo Salvador.
A DOXOLOGIA FINAL
2855 A doxologia final: "Pois vosso é o reino, o poder e a glória" retoma, mediante
inclusão, os três primeiros pedidos a nosso Pai: a glorificação de seu Nome, a vinda de seu Reino
e o poder de sua Vontade salvífica. Mas esta retomada ocorre então em forma de adoração e
de ação de graças, como na Liturgia celeste. O príncipe deste mundo atribuíra a si
mentirosamente estes três títulos de realeza, de poder e de glória; Cristo, o Senhor, os restitui a seu
Pai e nosso Pai, até entregar-lhe o Reino, quando será definitivamente consumado o Mistério da
salvação e Deus será tudo em todos.
2856 "Em seguida, terminada a oração, tu dizes 'Amém', corroborando por este Amém,
que significa 'Que isto se faça' tudo quanto está contido na oração que Deus nos ensinou."
RESUMINDO
2857 No "Pai-Nosso", os três primeiros pedidos têm por objeto a Glória do Pai: a
santificação do Nome, a vinda do Reino e o cumprimento da Vontade divina. Os quatro
seguintes apresentam-lhe nossos desejos: esses pedidos concernem à nossa vida, para nutri-la ou
para curá-la do pecado, e se relacionam com nosso combate visando à vitória do Bem sobre o
Mal.
2858 Ao pedir: "Santificado seja o vosso Nome" entramos no plano de Deus, a
santificação de seu Nome - revelado a Moisés, depois em Jesus - por nós e em nós, bem como
em todas as nações e em cada ser humano.
2859 Com o segundo pedido, a Igreja tem em vista principalmente a volta de Cristo e a
vinda final do Reino de Deus, rezando também pelo crescimento do Reino de Deus no "hoje" de
nossas vidas.
2860 No terceiro pedido rezamos ao nosso Pai para que una nossa vontade à de seu
Filho, a fim de realizar seu plano de salvação na vida do mundo.
2861 No quarto pedido, ao dizer "Dai-nos", exprimimos, em comunhão com nossos irmãos,
nossa confiança filial em nosso Pai do céu. "Pão Nosso" designa o alimento terrestre necessário à
subsistência de todos nós e significa também o Pão de Vida: Palavra de Deus e Corpo de Cristo.
É recebido no "Hoje" de Deus como o alimento indispensável, (super) essencial do Banquete do
Reino que a Eucaristia antecipa.
2862 O quinto pedido implora a misericórdia de Deus para nossas ofensas, misericórdia
que só pode penetrar em nosso coração se soubermos perdoar nossos inimigos, a exemplo e
com a ajuda de Cristo.
2863 Ao dizer "Não nos deixeis cair em tentação", pedimos a Deus que não nos permita
trilhar o caminho que conduz ao pecado. Este pedido implora o Espírito de discernimento e de
fortaleza; solicita a graça da vigilância e a perseverança final.
2864 No último pedido, "mas livrai-nos do mal", o cristão pede a Deus, com a Igreja, que
manifeste a vitória, já alcançada por Cristo, sobre o "Príncipe deste mundo", sobre Satanás, o
anjo que se opõe pessoalmente a Deus e a seu plano salvação.
2865 Pelo "Amém" final exprimimos nosso 'fiat" em relação aos sete pedidos: "Que assim
seja!"

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